Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0362/14.2BECBR
Data do Acordão:03/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:INDEFERIMENTO LIMINAR
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário:Viola o princípio do contraditório a decisão que indefere liminarmente a oposição com fundamento na ilegal cumulação de oposições, por ter sido deduzida contra execuções não apensadas, baseada em informação do serviço de finanças, sem que tenha sido notificado o oponente para sobre ela se pronunciar.
Nº Convencional:JSTA000P27306
Nº do Documento:SA2202103100362/14
Data de Entrada:12/17/2020
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
1.1. A…………, identificado nos autos, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 14/05/2014, que rejeitou liminarmente a oposição por si deduzida, com fundamento na ilegal cumulação de oposições, formulando as seguintes conclusões:
«1. Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida foi proferida sem que ao ora recorrente fosse dado conhecimento do teor da informação de fls. 67, 68 e 69, emitida pelo serviço de finanças de Cantanhede e datada de 2014.05.07.
2. Tal nota informativa deveria ter sido notificada ao ora recorrente, porquanto contém factualidade essencial à decisão de indeferimento liminar, como resulta da sua simples leitura, tendo-se violado o princípio do contraditório.
3. Tal omissão de notificação constitui nulidade insanável, o que determina a nulidade de todos os atos subsequente, nomeadamente a douta decisão recorrida, (artº 201º do C. P. C.).
4. Com efeito, o recorrente desconhecia, em absoluto, que as duas execuções citadas na sua oposição não corriam por apenso, tanto mais que foi para elas citado exatamente no mesmo dia 30 de janeiro de 2014, provenientes do mesmo serviço de finanças e com a mesma devedora originária.
5. Sendo certo que, por regra, as execuções instauradas nessas circunstâncias são apensadas, o recorrente criou a convicção de que o estavam também as dos autos, razão pela qual só uma oposição interpôs.
6. Por outro lado, existem nos autos elementos documentais suficientes para que fosse proferida decisão de prosseguimento da instância.
7. Com efeito, da informação de fls. 67, 68 e 69 e da execução fiscal apensa resulta que as duas execuções impugnadas correm pelo mesmo serviço de finanças de Cantanhede e se encontram na mesma fase processual, nada obstando a que prosseguissem os autos.
8. Acresce que, a não se entender assim, ao Tribunal assistem poderes para requisitar informações complementares ao serviço de finanças em causa ou à Direção de Finanças respetiva, que pudessem clarificar as dúvidas subsistentes.
9. Só após tais esclarecimentos, depois de devidamente notificados ao recorrente, poderia e deveria o Tribunal tomar uma decisão de prosseguimento da instância ou indeferimento liminar.
10. Salvo o devido respeito, a douta decisão recorrida foi precipitada, desse modo causando grave prejuízo ao recorrente, que não pode, em boa verdade, beneficiar do apoio judiciário, tal como hoje está configurado, para duas oposições em simultâneo.
11. Por todas as razões supra, entende o recorrente que foram violados os preceitos consagrados nos artºs 201º, 515º, nº 2, 535º e 659º, nº 3 do C. P. C. (na versão anterior à Lei 41/2013, de 26/6), pelo que deve ser revogada a douta sentença recorrida. Farão, assim, V. Exªs inteira J U S T I Ç A.»

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. Por decisão do excelentíssimo Juiz Desembargador Relator, de 06/11/2020, na sequência da arguição da exceção pelo Ministério Público junto daquele Tribunal, foi declarada a incompetência do Tribunal Central Administrativo Norte para conhecer do recurso e afirmada a competência do Supremo Tribunal Administrativo para o efeito, no entendimento de que o mesmo versa apenas matéria de direito.

1.4. Remetido o processo a este Tribunal, o excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e ordenar-se que os autos regressem ao Tribunal recorrido para aí ser proferido despacho a ordenar ao órgão da execução fiscal que decida da apensação das execuções fiscais, uma vez que «o Serviço de Finanças de Cantanhede também não decidiu essa questão e se limitou a informar que as execuções fiscais não se encontravam apensadas, [pelo que] não pode ter-se como estabelecida a impossibilidade de apensação», convocando a mais recente jurisprudência deste Tribunal nos termos que se transcrevem: «Como a mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a afirmar, a apensação de diversas execuções que corram contra o mesmo executado, deve ser apreciada e decidida pelo órgão de execução fiscal, oficiosamente ou logo que tal questão seja suscitada pelo executado no processo de execução fiscal ou num dos seus apensos, nos termos do disposto no art. 179.º do CPPT (cf, entre outros os Acórdãos de 11/01/2017, 21/06/2017 e 11/04/2018, proferidos nos processos nº 54/16, 883/14 e 1027/17, também disponíveis em www.dgsi.pt)».

2. A questão a decidir no presente recurso é a de saber se a decisão recorrida – de indeferimento liminar da petição inicial de oposição deduzida contra execuções fiscais não apensadas – é nula, por violação do princípio do contraditório, por não ter sido precedida de notificação ao Oponente da informação do Serviço de Finanças de que os processos de execução fiscal não se encontravam apensados.

3. A decisão sindicada indeferiu liminarmente a oposição deduzida pelo ora Recorrente, com fundamento na ilegal cumulação de oposições, por as execuções contra as quais aquela se dirigia, não estarem apensadas. Para assim decidir o tribunal a quo suportou-se na informação do Serviço de Finanças prestada aquando da remessa do processo ao tribunal (cf. artigo 208.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário). Acontece que, tal como o Recorrente alega, e resulta dos autos, essa informação não lhe foi notificada antes da prolação da decisão. Significa isto que o indeferimento liminar teve por base uma informação do Serviço de Finanças, de que as execuções não se encontravam apensadas, sobre a qual o Oponente, ora Recorrente, não se pode pronunciar.
De harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, «o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
Como foi sublinhado no acórdão deste Tribunal de 27/02/2013, proferido no processo 787/12, «o direito ao contraditório, como decorrência do princípio da igualdade das partes, é um direito que se atribui à parte de conhecer as condutas assumidas pela contraparte, de tomar posição sobre elas e de ser ouvida antes de ser proferida qualquer decisão. A essência do princípio do contraditório está pois no facto de cada parte processual ser chamada a apresentar as respectivas razões de facto e de direito, a oferecer as suas provas ou a pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras. E por isso, a relevância do direito à audiência prévia e do direito de resposta dá-se sobretudo quando o seu exercício representa a garantia de uma parte relativamente à conduta processual da contraparte. Mas, o âmbito de aplicação do nº 3 do artigo 3º parece incluir também o contraditório relativamente a “decisões-surpresa”, com que as partes não podiam contar, por não terem sido objecto de discussão no processo. Nesses casos, para que a parte não seja confrontada e atingida como uma decisão inesperada, impõe-se garantir o contraditório. Razões ligadas à boa administração da justiça e à justa composição do litígio justificam que também nesses casos a contraditoriedade se efective.».

No caso o Recorrente alega que desconhecia, em absoluto, que as duas execuções não corriam por apenso, que foi para elas citado exatamente no mesmo dia, são provenientes do mesmo serviço de finanças e têm a mesma devedora originária, e porque, por regra, diz, as execuções instauradas nessas circunstâncias são apensadas, criou a convicção de que o estavam também as dos autos, razão pela qual só uma oposição interpôs.
Ora, a omissão da notificação ao Oponente da informação do Serviço de Finanças é suscetível de influir no exame e decisão da causa, pelo que constitui uma nulidade processual e determina a nulidade de todos os atos posteriormente praticados, incluindo a decisão recorrida - artigos 195.º, n.º 1 e 3 e 3.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Impõe-se, assim a anulação da decisão recorrida, para que o Tribunal recorrido dê a oportunidade ao Oponente de se pronunciar quanto ao teor da informação do Serviço de Finanças (sem prejuízo de, também, poder atuar de acordo com a mais recente jurisprudência deste Tribunal de que o Ministério Público deu nota no seu douto parecer no que tange aos poderes do Tribunal quanto à apensação das execuções).

4. Em conformidade com o exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acorda-se em conceder provimento ao recurso e em anular-se a decisão recorrida, determinando-se o regresso dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra para que tenha lugar a notificação do Oponente do teor da informação do Serviço de Finanças, seguindo-se posteriormente os demais trâmites processuais.

Sem custas.

Lisboa, 10 de março de 2021. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso.