Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02651/11.9BEPRT |
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Data do Acordão: | 05/04/2023 |
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Tribunal: | 1 SECÇÃO |
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Relator: | CLÁUDIO RAMOS MONTEIRO |
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Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL ATRASO NA JUSTIÇA |
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Sumário: | O preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado por atraso na justiça assenta numa análise casuística dos fatores que contribuíram para a situação de incumprimento do prazo razoável para a emissão da decisão, cabendo ao Tribunal avaliar e ponderar fatores como a complexidade do caso, a conduta processual das partes, e o interesse que o requerente da indemnização pretende fazer valer em juízo. |
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Nº Convencional: | JSTA00071726 |
Nº do Documento: | SA12023050402651/11 |
Data de Entrada: | 06/01/2021 |
Recorrente: | AA (E OUTROS) |
Recorrido 1: | ESTADO PORTUGUÊS |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Legislação Nacional: | ARTIGO 12.º DO REGIME DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS ENTIDADES PÚBLICAS (APROVADO PELA LEI N.º 67/2007, DE 31 DE DEZEMBRO) |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO I. Relatório 1. AA e A..., S.A. – identificados nos autos – interpuseram recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 14 de Fevereiro de 2020 - que negou provimento ao recurso interposto pelos Autores, ora Recorrentes, julgando procedente o recurso interposto pelo Réu, ESTADO PORTUGUÊS, e, em consequências, revogou as decisões condenatórias recorridas e absolveu o Réu dos pedidos de condenação e a “pagar aos Autores os montantes que se vierem a apurar em execução de sentença, em que se traduzem os custos da demanda judicial” – proferido no âmbito dos recursos interpostos, em separado, pelos Autores e Réu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, de 30 de outubro de 2018 (rectificada pelo Despacho de 15.11.2018), proferida no âmbito da acção de responsabilidade civil extracontratual relativa à função jurisdicional, que havia condenado o Réu, Estado Português, a pagar, no prazo de 30 dias, ao 1º Autor a quantia de 10.000€, a título de danos não patrimoniais e acrescido de juros de 4% / Ano, desde a data dessa decisão até integral pagamento, bem como do montante correspondente ao eventual imposto, sua consequência, bem como “… a pagar aos Autores as quantias necessárias e adequadas à presente acção que, a título de despesas judiciais e honorários do seu mandatário, se vierem a apurar em incidente ulterior, nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do CPC”, absolvendo o Réu do demais peticionado e condenando ainda “os Autores e o Réu, no pagamento das custas processuais a que houver lugar, na proporção, na proporção 95,88 % e 4,12 %, para cada um, respectivamente.” 2. Nas suas alegações, os Recorrentes formularam, quanto ao mérito do recurso, as seguintes conclusões: «II) Objecto do recurso: 18ª- O objecto do presente recurso incide em primeiro lugar sobre o entendimento das instâncias que consideraram que os Autores não teriam o direito a serem indemnizados pelo facto de um Tribunal ter atribuído ao 1º Autor a propriedade de uma fracção e, (muito) mais tarde, outro Tribunal ter anulado aquela compra. 19ª- E em segundo lugar, sobre o entendimento de que os Autores também não teriam direito a serem indemnizados por, entre a decisão que atribuiu a propriedade da fracção e a que declarou nula essa atribuição terem decorrido 24 anos e meio – assim como, concluindo-se pelo direito, determinar o quantum indemnizatório a atribuir aos Autores por uma situação e pela outra. III) As questões – a responsabilidade por acto ilícito: 20ª- O Acórdão recorrido, em concordância com a 1ª Instância, entendeu que o Autor teria considerado que a decisão de adjudicação da fracção se encontrava «inquinada de erro judiciário» – mas essa afirmação não corresponde à realidade: 21ª- Na verdade, os Autores jamais colocaram a questão da atribuição da propriedade da fracção como tendo resultado de «erro judiciário» do Tribunal, pois que este corresponde às «(…) decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto» (cfr., a propósito, o Ac. Rel. Lxa. de 2005.06.14, Proc. nº 3356/05-7) (*) Cfr. tb. o art. 13º nº 1 da Lei nº 67/2007, de 31.12 (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas – sem prejuízo de o preceito se reportar essencialmente ao caso de uma sentença penal).). 22ª- Ou, na definição do Acórdão do STJ de 2004.03.31 -CJ/STJ 20044-I157), o «erro grosseiro» «(…) é o que se revela indesculpável, intolerável, constituindo, enfim, uma “aberratio legis” por desconhecimento ou má compreensão flagrante do regime legal». 23ª- Ora, em parte alguma os Autores apontam (por não ter sido o caso) um «erro grosseiro», uma «aberratio legis», um «erro judiciário», à decisão de adjudicação da propriedade, mas sim e tão-só um erro «tout court», traduzido no confronto entre as duas decisões – a que atribuiu a propriedade e a que declarou nula essa atribuição. 24ª- Os Autores nem mesmo afirmam (como não seria acertado afirmarem) que uma decisão está «certa» e a outra «errada» – independentemente do acerto ou desacerto de uma ou de outra, os Autores limitam-se a afirmar como acto ilícito gerador de responsabilidade civil os dados objectivos da atribuição da propriedade e da posterior revogação dessa atribuição (Cód. Civil, art. 483º). 25ª- O Acórdão recorrido, após afirmar que o Autor teria colocado a questão da adjudicação como sendo um «erro judiciário», acrescenta que a mesma não seria uma «decisão jurisdicional», mas sim «um acto material de natureza não jurisdicional» – o que não se afigura correcto, pois que a atribuição da propriedade de um imóvel por um Juiz é acto que se contém nos respectivos poderes, deveres e responsabilidades. 26ª- As instâncias entenderam que não teria havido qualquer acto ilícito por parte do Tribunal, embora tenham reconhecido que, pela aplicação dos princípios da boa fé e da protecção da confiança, a respectiva violação por parte da Administração pode configurar a ilicitude geradora de responsabilidade civil; 27ª- e, na verdade, tal tem sido o entendimento deste STA, designadamente – a título de exemplo – no seu Acórdão de 2009.07.09 (Proc. nº 0203/09), onde decidiu que «se o particular numa relação com a Administração Pública se encontrar numa situação de facto que preencha todos os pressupostos da lesão da sua boa-fé, considera-se verificada a ilicitude da conduta da Administração para efeitos de responsabilidade civil». 28ª- Impõe-se ter presente que era um Tribunal que estava a proceder à venda da fracção ...-1» ao Autor, o que conferia a este uma particular segurança e uma garantia acrescida sobre a legalidade e validade da compra que se propunha fazer; o Autor não se sentia apenas confiante e seguro: sentia-se protegido, como qualquer pessoa normal («bom pai de família»), por ser um Tribunal a fazer-lhe a venda! 29ª- Tribunal esse que sucessivamente arredou obstáculos que quiseram causar à realização da venda – e cuja decisão de adjudicação veio a ser confirmada por duas instâncias superiores [cfr. factos nºs 18), 25), 29) e 30)] – e é desse «investimento na confiança» num procedimento cuja legalidade o Tribunal garantiu, de que se trata. 30ª- Embora as instâncias aceitem, em abstracto, que a violação, pela Administração, dos princípios da boa fé e da protecção da confiança podem consubstanciar a ilicitude geradora de responsabilidade, assim como aceitam que, por ser o Tribunal Tributário a proceder à publicitação e à venda da fracção, tal criaria em princípio, para os potenciais adquirentes, «uma legítima expectativa [acrescida] na realização de uma “compra segura”», 31ª- enumeraram por forma correcta os cinco pressupostos para o preenchimento da tutela da confiança: a) a actuação de um sujeito de direito que crie a confiança; b) a situação de confiança mostrar-se justificada por elementos objectivos idóneos a produzir uma crença plausível; c) a existência de um investimento de confiança; d) o nexo de causalidade/imputação entre a actuação geradora de confiança e a situação de confiança e entre esta e o investimento de confiança; e) a frustração da confiança por parte do sujeito jurídico que a criou, 32ª- e expressaram o entendimento de que, no caso, tal não se verificaria, aventando, primeiro, que o facto de «estar alguém» na fracção que se arroga seu dono deveria conduzir qualquer interessado a concluir que «algo não estava bem» e que por isso o Autor deveria ter concluído que a compra seria «arriscada»; 33ª- porém, não pode ter-se esta argumentação como válida, pois que é de todo frequente que nas vendas judiciais de imóveis estes estarem ocupados (por anteriores proprietários, por ex-arrendatários e, até, por pessoas sem título algum), cabendo ao comprador tomar as diligências necessárias à desocupação – ou seja, não é pelo facto de haver um terceiro a ocupar a fracção que a venda não será legal e absolutamente válida. 34ª- A aumentar a situação de confiança e de segurança acrescem as circunstâncias de dois terceiros terem apresentado protestos pela reivindicação da fracção e de, por isso, o Tribunal ter aguardado pelos 30 dias que a lei consignava para a propositura, por eles, da respectiva acção de reivindicação sem que esta tivesse sido proposta, 35ª- o Tribunal ordenou o prosseguimento da venda, assumindo a regularidade da situação e do procedimento – o que, em linguagem corrente, equivalerá a dizer que não era «arriscado» comprar nem havia fosse o que fosse que «não estivesse bem», que o Autor podia ficar tranquilo. 36ª- Mais: o Autor confirmou que o bem imóvel licitado correspondia materialmente àquele que fora publicitado pois que a fracção que foi posta à venda e que o 1º Autor comprou era a «I-1», era aquela, aliás, a cuja porta se encontrava afixado o respectivo edital a que ele Autor pretendeu aceder, sabendo perfeitamente qual era. 37ª- Não é, pois, legítima a afirmação do Acórdão recorrido, subscrevendo o entendimento da sentença recorrida, quando diz que a «justificação objectiva da legítima confiança dos eventuais adquirentes (…) permanecia em constante desmoronamento»; 38ª- bem pelo contrário: essa legítima confiança foi-se reforçando no tempo – pois que, após a segurança já conferida pelo Tribunal, ela culminou com a improcedência sucessiva da acção de anulação da venda judicial feita ao 1º Autor na 1ª Instância, na 2ª Instância e no Supremo Tribunal Administrativo (cfr supra, conclusão 29ª). 39ª- Tivesse essa acção procedido e o 1º Autor de imediato teria requerido a anulação da sua compra e a restituição do preço que pagara. Mas não, esses Tribunais mais segurança lhe conferiram. 40ª- O Acórdão recorrido mais refere, em manifestação de concordância com a sentença da 1ª Instância, reproduzindo um trecho da mesma, que: «(…) apercebendo-se o Autor, depois da efectivação da venda, que um terceiro se encontra na posse da fracção ...”, arrogando-se da sua propriedade, tinha duas opções ao seu dispor: - (i) Ou pedia a anulação da venda ou a alternativa indemnização pelo prejuízo sofrido (artigo 908º do CPC(1961); - (ii) Ou se conformava com a venda efectuada, iniciando uma “batalha jurídica” em torno do reconhecimento do direito de propriedade da referida fracção». 41ª- Mas tal asserção revela-se um paralogismo, pois que jamais poderia passar pela cabeça do Autor que iria iniciar uma qualquer «batalha jurídica», pois que, com a segurança que o Tribunal lhe conferiu, assegurou e confirmou, acreditou que a sua compra era segura e inatacável, jamais se lhe tendo colocado a referida «opção» de uma longa e desgastante «batalha jurídica» – muito menos que a sua compra viesse a ser anulada. 42ª- Na verdade, com o(s) Tribunal(is) a apoiar o 1º Autor e a conferir-lhe toda a razão, depois de o Tribunal lhe ter por várias vezes e por diversas vias garantido e assegurado a absoluta legalidade e validade da compra que fizera, nunca será defensável propugnar que ele teria sido imprudente ou temerário, pois tinha a mais segura das protecções: a conferida por um Tribunal. 43ª- Como resulta do atrás expendido, os cinco pressupostos citados nas decisões das instâncias para o preenchimento da tutela da confiança e reproduzidas na 31ª conclusão supra, no caso, verificam-se na íntegra. 44ª- assim como também se verificam o dos «sinais externos produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde se possa razoavelmente ancorar a invocada confiança» e o de o particular «ter razões sérias para acreditar na validade dos actos ou condutas anteriores da Administração aos quais tenha ajustado a sua actuação». 45ª- Em suma, por via da anulação, decretada pelo Tribunal, da compra que o Autor fizera, ao Tribunal, da fracção ...-1», encontram-se violados, na sua pessoa e na compra que fez, os princípios da boa fé e da protecção da confiança, o que configura a ilicitude geradora de responsabilidade civil do Réu Estado para com ele. Sem prescindir: IV) Responsabilidade por acto lícito: 46ª- Mesmo que, em inexacto entendimento, se concebesse que não se encontraria preenchido o requisito da ilicitude no que respeita à responsabilidade civil extracontratual do Estado, no caso, sempre o Réu estaria constituído na obrigação de indemnizar os Autores com base em responsabilidade objectiva. 47ª- Embora esta questão – a da responsabilidade objectiva – não tenha ab inicio sido colocada pelos Autores, é consabido que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (Cód. Proc. Civil, art. 5º nº 3 – princípio iura novit curia). 48ª- Nesta perspectiva, o Réu Estado sempre estaria constituído na obrigação de indemnizar os Autores «prescindindo de uma conduta culposa ou da prática de um acto ilícito, podendo advir mesmo de um acto expressamente qualificado pela lei como lícito» (Ana Prata, Dicionário Jurídico, Almedina, Vol. I). 49ª- Concorrem, no caso, os requisitos da responsabilidade civil do Réu fundada na prática de acto lícito, que (art. 9º do citado DL e art. 16º da referida Lei), serão os seguintes: a) O facto; b) o dano especial e anormal resultante da ofensa dos direitos e interesses legalmente protegidos de alguns administrados na prossecução do interesse geral; c) o nexo de causalidade entre o facto e o dano. 50ª- O facto traduz-se na prática pelo órgão ou agente da Administração de acto ou operação que formal e substancialmente se confine nos limites do poder que legalmente dispõe – o que se afigura, de todo, ser o caso: o Tribunal Tributário procedeu à venda da fracção ao 1º Autor dentro dos limites dos poderes de que para tanto dispunha. 51ª- Sendo que nem o DL nº 48051 nem a Lei nº 67/2007 distinguem, no domínio dos factos causadores do prejuízo, entre actos jurídicos e operações materiais (*Afigurando-se por isso inócua a classificação do Acórdão recorrido referida na 16ª conclusão supra. ), uma vez que as duas modalidades de actuação são susceptíveis de criar a obrigação de indemnizar, se provocarem prejuízos anormais e especiais na esfera jurídica dos particulares. 52ª- Quanto ao segundo requisito, sempre que o interesse público exigir a imposição, a um particular, de um sacrifício que ultrapasse os encargos normais que decorrem da vida em sociedade (ou de um sacrifício que seja grave e especial), o Estado constitui-se no dever de indemnizar, dever esse que nasce, assim, à margem de qualquer repreensibilidade jurídica, à margem de qualquer culpa ou de qualquer ilicitude – é o que o art. 16º da Lei nº 67/2007 chama de «Indemnização pelo sacrifício». 53ª- Afigura-se ostensivo que o facto de um Tribunal ter vendido ao Autor uma fracção, cujo preço ele pagou, dessa forma tendo-lhe atribuído a respectiva propriedade e (décadas depois) outro Tribunal ter classificado essa compra e venda de nula, traduz a natureza especial ou anormal do prejuízo dessa forma causado ao Autor, uma vez que se trata de uma situação que apenas o atinge a ele, desapropriando-o, excedendo os encargos que todos têm de suportar resultantes da vida em sociedade. 54ª- Pois que o sacrifício será especial na medida em que viole o princípio da igualdade, a que a Administração Pública está vinculada na sua actuação (art. 266º nº 2 da CRP – cfr. a citação, feita nesta alegação, de J.J. Gomes Canotilho (in O Problema da Responsabilidade Civil do Estado por Actos Lícitos, Almedina, 1974) – igualmente por esta via se concluindo pelo direito dos Autores a serem indemnizados pelo Réu. V) O direito a uma decisão em «prazo razoável»: 55ª- É comummente aceite que o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes da violação do direito dos Autores a que os processos judiciais sejam julgados em prazo razoável – cfr. art.s art. 22º da CRP e 6º nº 1 da CEDH. 56ª- O que é aplicável não só aos actos da Administração propriamente dita mas também aos actos praticados pelos demais órgãos que executam as funções do Estado, designadamente a função judicial (Gomes Canotilho/Vital Moreira, CRP anotada, 4ª edição, p. 168, e Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, IV, p.289; cfr tb. a abundante jurisprudência citada no Acórdão do TCA Norte de 2006.03.30, Proc. nº 5/04.2BEPRT). 57ª- Para a apreciação da razoabilidade de duração dum processo deverão ser tomadas em conta a data de início do processo e a data em que é tomada a prolação definitiva, contabilizando as instâncias de recurso (e a fase executiva, se for caso disso). 58ª- No caso vertente, em que estão em causa, não uma decisão judicial, mas várias, todas elas com uma finalidade única: definir da bondade – ou não – da compra da fracção a que o Autor procedeu, a demora entre a data da compra e a data da decisão final que anulou aquela compra foi de 24,5 anos. 59ª- Não deverá argumentar-se, como faz o Acórdão recorrido, para encurtar esse largo período de tempo, com a circunstância de o Autor pessoa singular ter vendido à Autora pessoa colectiva a fracção em causa, quando transferiu para esta todo o seu património imobiliário (de entre o qual se contava, então, a dita fracção), 60ª- pois não só o prejuízo do Autor passou a ser da Autora (e nessa perspectiva foi formulado o pedido), como, também, tendo a Autora sucedido ao Autor no direito de propriedade sobre a fracção, mantém-se, quanto a ela (como anteriormente quanto a ele), quer a questão da definição da respectiva propriedade, quer a da demora em obter essa definição, quer a dos danos decorrentes da respectiva privação e subsequente decretamento da invalidade da compra. 61ª- O facto de o Autor ter colocado o seu património imobiliário na esfera da sociedade Autora (por razões nomeadamente fiscais, o que aliás ocorreu na pendência da acção movida pelo terceiro que se arrogava proprietário da fracção), não contende com a circunstância de ele Autor ter tido de esperar 24 anos e meio para a definição da propriedade da fracção, 62ª- pois que se a sua compra fosse declarada nula, também o seria a venda que ele fez à sociedade Autora (como foi), por isso, mostra-se um dado objectivo incontornável que ele Autor foi forçado a aguardar por 24 anos e meio pela definição da propriedade da fracção, com violação do seu direito a obter essa definição judicial em prazo razoável. 63ª- E, para a determinação do tempo que os Autores tiveram de esperar pela definição (ou indefinição…) do seu direito de propriedade, revela-se absolutamente irrelevante qualquer retardamento resultante de incidentes processuais que tenham ocorrido, necessários ao bom e normal andamento dos processos, posto os mesmos serem indispensáveis à respectiva tramitação, não consubstanciando quaisquer expedientes dilatórios ou iniciativas desnecessariamente retardadoras do seu normal desenvolvimento. 64ª- Não é, pois, lícito «subtrair» aos anos decorridos desde a compra feita pelo Autor e o decurso dos processos em que a mesma foi posta em causa, os períodos de tempo em que esses incidentes estiveram a processar-se – tão-pouco suspensões da instância não requeridas pelo Autor ou mesmo decretadas contra a sua vontade [cfr. os Acórdãos deste Supremo de 2011.03.01, 2012.11.06 e 2013.11.27 (Processo nº 0144/13), parcialmente citados na presente alegação]. 65ª- Os cálculos que o respeitável Acórdão recorrido intenta para procurar concluir que a demora da definição da propriedade da fracção vendida ao Autor teria sido irrisória, salvo o devido respeito, não correspondem à realidade dos factos, não sendo susceptíveis de remover a verdade e a consistência da constatação que esse tempo de «espera», que mediou entre a venda que lhe foi feita e a declaração da respectiva nulidade, foi efectivamente de 24 anos e meio. 66ª- Em suma, assiste aos Autores o direito a serem indemnizados pelo anormal retardamento na definição do direito de propriedade da fracção em causa, que nada teve de «prazo razoável». VI) Danos: A) Patrimoniais: 67ª- As instâncias negaram aos Autores o direito a serem indemnizados pela privação da fruição da fracção e pela sua desapropriação em seguida, tendo-o feito com o argumento com de que esses danos não poderiam ter-se como consequência da violação do direito a uma decisão em prazo razoável. 68ª- Todavia, os lucros cessantes resultantes da privação da fruição da fracção e da sua desapropriação não resultam da violação do «direito a uma decisão em prazo razoável», resultam, isso sim, da atribuição da propriedade da fracção e da declaração da nulidade dessa atribuição, anos depois – assim como da privação da posse efectiva da mesma ao longo do tempo em que a definição da propriedade tardou a ser efectuada. 69ª- Na verdade, se a «decisão final» tivesse sido proferida num prazo razoável (por exemplo, três anos) o direito dos Autores a serem indemnizados não deixaria de existir – limitado, claro, aos lucros cessantes relativos a esse período, assim como ao valor do imóvel. 70ª- Na verdade, encontra-se provado que os Autores nunca puderam ocupar ou usufruir da fracção, nem dela retirar qualquer proveito, arrendando-a, até à data em que a sua venda foi declarada nula (Facto nº 39)) – e não o puderam fazer porque, não obstante terem intentado a respectiva reivindicação, os Tribunais lho negaram, tendo decretado a suspensão a instância desse processo até decisão do que fora intentado pelo terceiro que se reclamava da propriedade da mesma. 71ª- Também se encontra provado que o valor de mercado da fracção em causa era de € 62.625,00 em 2011 e de € 76.600,00 em Março de 2018 (Facto nº 42)). 72ª- Os Autores, actualmente, a 2ª Autora, a quem o 1º transmitira a propriedade da fracção, foram assim desapropriados de um bem (comprado ao Tribunal na maior das boas-fés) com o valor de € 76.600,00, em tanto se cifrando o respectivo dano efectivo, a ressarcir – designadamente pelo critério da «justa indemnização» a atribuir no caso de uma legítima expropriação. 73ª- Sem prescindir, no limite, a 2ª Autora teria pelo menos o direito à restituição do preço que foi pago pela fracção, com a devida correcção monetária. 74ª- E diz-se no limite, pois que o Estado embolsou o preço pago pelo Autor e não tem o direito de o manter em seu poder depois de ter declarada nula a venda que lhe fez, bem sabendo que se tratam de quantias a que não tem direito, no princípio da reposição do statu quo ante – e que nem sequer se propôs restituí-las, o que é demonstrativo da sua má-fé. 75ª- Consoante consta dos autos, esse preço foi de PTE 1.700.000$00 em Outubro de 1985 que, com a correcção monetária, equivale em 2018 a € 33.945,11; pelo menos a este montante terão os Autores direito, já que a declaração de nulidade implica, no mínimo, a reposição do «status quo ante» (Cód. Civil, art. 289º nº 1) – e encontra-se contido no quantitativo peticionado. 76ª- Paralelamente, se não tivesse sido feita ao 1º Autor uma venda nula, a 2ª Autora teria hoje a fracção, e ambos tê-la-iam tido ao longo dos 24 anos e meio decorridos desde a compra, ou seja, a 2ª Autora ainda seria proprietária do bem e tanto ela como o 1º dela teriam retirado, ao longo desse tempo, a normal fruição que um proprietário pode retirar, como qualquer normal proprietário faz. 77ª- E o seu valor locativo é o constante do Facto nº 41, que permite concluir por um valor médio mensal, para todos os anos, de € 500,00, quer se façam acrescer juros aos montantes locativos dos anos anteriores a 2018, quer sobre eles se faça incidir a respectiva correcção monetária. 78ª- Os Autores viram-se impedidos de fazer fruir a fracção que o Réu lhes vendeu e que compraram de boa fé; e, tendo em conta o respectivo valor locativo, o 1º Autor teve, assim, um prejuízo, ao referido título, de € 66.500,00 (133 meses x € 500,00); e a 2ª Autora um de € 131.500,00 (263 x € 500,00) – devendo ambos e cada um ser ressarcidos também por estes montantes, em revogação das decisões das instâncias. 79ª- Atentar-se-á que nem seria necessária a verificação efectiva – embora, no caso, se verifique – do referido lucro cessante cfr. o paralelismo feito com o Ac. STJ de 2001.01.31 (Proc. nº 05A3395), que decretou que «Quem ocupa um imóvel sem título, tem de pagar ao proprietário o valor do uso que ilegitimamente beneficiou, ainda que o proprietário nenhum proveito tirasse dos bens», igualmente quem permitiu que esse ocupante fruísse do imóvel – no caso, o ora Réu – deverá indemnizar quem, na altura, era o seu proprietário. B) Danos não patrimoniais: 80ª- A 1ª Instância, face às datas constantes dos autos e ao Facto nº 40, entendeu que se encontravam preenchidos os requisitos para os Autores serem indemnizados pelos danos não patrimoniais para eles resultantes da violação do direito à obtenção em prazo razoável de decisão judicial que regulasse definitivamente o caso submetido a Juízo, tendo fixado o respectivo quantitativo em € 10.000,00, acrescidos de juros. 81ª- O Acórdão recorrido, todavia, revogou essa decisão, com a argumentação que atrás se rebateu (60ª a 66ª conclusões supra), da qual resulta que os Autores têm efectivamente direito a serem indemnizados ao referido título. 82ª- Não obstante, a quantia encontrada pela 1ª Instância é de uma exagerada modéstia, não só pela tendência jurisprudência actual, que intenta afastar as indemnizações miserabilistas em termos de danos não patrimoniais, como também com base nos próprios exemplos que a sentença da 1ª Instância cita: para uma acção em que o retardamento foi de cerca de 10 anos, a indemnização tributada foi de € 11.830,00 (p. 66); para uma em que foi de cerca de 15 anos, a indemnização tributada foi de € 16.400,00 (p. 68); para uma em que o foi de cerca de 9 anos, foi de € 11.830,00 (p. 68); 83ª- no caso dos Autores, o retardamento na obtenção de decisão judicial que regulasse definitivamente a situação foi de 24,5 anos (a que acresceriam os 7 em que tardou a presente acção a ser decidida em primeira instância); pelo que, cotejando esse lapso de tempo com os citados no número antecedente, deverá concluir-se que a indemnização peticionada pelos Autores a este título – € 20.000,00 – se deverá considerar, de todo, razoável e sensata. 84ª- No que respeita ao ressarcimento das despesas judiciais, incluindo os honorários do mandatário judicial, é entendimento jurisprudencial uniforme que, verificando-se os pressupostos da responsabilidade civil, essa condenação se impõe – na condição de pelo menos um dos pedidos formulados pelos Autores proceder (cfr. Acórdãos deste STA de 2000.12.13, Proc. nº 44761, de 2001.03.14, Proc. nº 24.779 –A e de 2002.03.14, Proc. nº 047342; e, em Pleno da 1ª Secção, no seu Acórdão de 2002.06.06, Proc. nº 24779A, parcialmente transcrito na presente alegação). 85ª- Pelo que a decisão da primeira instância quanto a este ponto, que o Acórdão recorrido revogou, nada tem de desacertado – devendo por isso o Réu ser também condenado a ressarcir os Autores dessas despesas, verificada a condição referida em supra, 84ª conclusão. 86ª- Encontram-se violados na sentença recorrida, salvo o devido respeito, os preceitos citados nas precedentes conclusões, impondo-se, por isso, a sua revogação. Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o Acórdão recorrido, sendo decretada a condenação do Réu, em conformidade com as conclusões que antecedem. Com o que apenas se fará JUSTIÇA!» 3. O ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Digno Magistrado junto do Tribunal Central Administrativo do Norte, contra-alegou e concluiu nos seguintes termos: «I – O presente recurso de revista não incide sobre matérias que se revistam de uma relevância jurídica suficiente para suscitar a emissão de uma terceira pronúncia decisória no mesmo processo, agora por parte do Supremo Tribunal Administrativo, face ao que se prevê no artigo 150º do CPTA, pelo que não deve ser admitido. II – É manifesto, desde logo, que o objecto da lide se resume a dois pontos essenciais: a prática, ou não de uma ilicitude num processo judicial, correspondente a um «erro judiciário» por parte do 1.º Juízo do Tribunal Tributário do Porto, e a alegada violação do direito a uma decisão em prazo razoável. III - Trata-se contudo, e salvo melhor opinião, de duas matérias cujos contornos estão mais do que estudados, divulgados, assentes e fixados pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo. IV – Assim, a revista não se reveste de «importância jurídica», ou «social», ou ainda de «importância fundamental», face ao que se dispõe no artigo 150º do CPTA pelo que deve ser rejeitada em sede de apreciação preliminar. V – Num processo de venda judicial de um imóvel, se à data em que foi proferida a decisão judicial de adjudicação da fracção ao comprador, aqui 1.º Autor, não havia protestos de reivindicação pendentes, encontrando-se o direito de propriedade inscrito a favor do Executado, não se vislumbra nessa decisão qualquer erro de julgamento, de facto ou de direito, que lhe possa ser assacado, tendo em conta os pressupostos formalmente válidos de que a mesma partiu. VI – O facto de posteriormente a venda acima referida ter sido invalidada judicialmente por se ter reconhecido que o imóvel não era propriedade do executado mas sim de um terceiro não implica que esta “nulidade” faça nascer uma necessária ilicitude da actuação pública e muito menos um erro judiciário manifesto ou grosseiro, por tal invalidade se sustentar na existência de um pressuposto objectivamente superveniente à venda em arrematação pública judicial, traduzido na rectificação judicial das escrituras públicas celebradas pelo executado e por um terceiro. VII – Uma eventual condenação da actuação ilícita do Estado-Juiz nesta situação apenas poderia ocorrer se fosse verificado existir um erro, indesculpável, ou seja, quando a solução encontrada pela decisão não se possa considerar apoiada em qualquer tipo de interpretação legal possível à luz das legis artis. VIII – Por outro lado, não se verifica existir qualquer violação dos princípios da confiança ou da boa-fé em função da invalidade referida, desde logo porque em face dos elementos que constavam do processo executivo, qualquer cidadão médio deveria perceber já em 17 de Outubro de 1985, que havia já um risco efectivo de aquela fracção autónoma vir a ser, como foi mais tarde, alvo de acção de reivindicação por um terceiro, pelo que a sua aquisição sem um prévio esclarecimento dessa dúvida podia comportar um grau de risco anormal. IX – A invocação, em sede de recurso, como fundamento novo para uma possível indemnização, do instituto da responsabilidade extracontratual do Estado por facto lícito, não pode ser admitida porque os recursos não se destinam a suscitar questões novas no processo, mas tão somente a possibilitar a reapreciação das decisões judiciais anteriores, pelo que o autor deve expor na petição inicial os factos e as razões de direito em que fundamenta a sua acção, definindo-se assim a causa de pedir. X – Se duas acções judiciais, descontados os períodos em que a instância esteve suspensa e/ou interrompida por motivos a que o sistema de justiça foi alheio, tiverem como duração relevante respectivamente dois anos e meio e sete meses, não se pode falar em violação do direito a uma decisão em prazo razoável. XI – Por outro lado, o facto de o imóvel ter sido vendido a uma sociedade comercial de participações, de que o primeiro Autor era sócio, em 1999 fez desaparecer o interesse que aquele podia ter tido inicialmente no destino da acção. XII – E esse seu forçoso alheamento da anterior posição jurídica de proprietário, relativamente ao andamento das acções em causa, implica que o Estado Português nunca poderia ser condenado por ter ofendido o seu direito à obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável. XIII – Outrossim, não há qualquer indemnização a atribuir aos recorrentes, ainda por uma última razão: é que se nas acções de reivindicação referentes ao imóvel objecto do litígio (acções n.ºs 4301/1988 e 4148/1993) houvesse sido proferida uma decisão judicial mais cedo, essa decisão jamais teria a virtualidade de, por si, permitir que os Autores pudessem obter reconhecimento da propriedade, proventos ou rendas da fracção ...”, na medida em que aquela decisão lhes foi desfavorável. Ou seja, isso apenas teria como efeito que a propriedade da fracção ...” teria sido reconhecida mais cedo ao seu oponente litigante, BB. XIV - Quanto aos danos não patrimoniais invocados, e ao pretendido direito ao pagamento dos «custos da demanda judicial», eles não são devidos pelas razões já expostas e ainda os constantes da decisão deste TCAN, que acompanhamos na íntegra, e para se remete, com a devida vénia, por razões de celeridade. TERMOS EM QUE A douta decisão proferida por este Tribunal Central Administrativo do Norte deve ser mantida na íntegra e o presente recurso de revista ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!» 4. O recurso de revista foi admitido por Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, proferido em formação de apreciação preliminar, em 13 de maio de 2021, pois, «…as instâncias decidiram a questão da responsabilidade civil do Estado por atraso na justiça de forma diversa. Por sua vez os Autores, aqui Recorrentes, alegam que nos autos não está em causa uma decisão judicial, mas várias, todas elas com a finalidade única de definir a bondade, ou não, da compra da fracção a que o 1º Autor procedeu, e a demora entre a data da compra e a data da decisão final que anulou aquela compra e que foi de 24,5 anos. Ora, esta questão em que as instâncias divergiram e que agora é suscitada (entre outras) na revista, é controversa, como se vê desde logo das diferentes posições por aquelas assumidas. Importa, assim, que este STA se pronuncie sobre esta questão suscitada na revista [sem prejuízo da apreciação das restantes enunciadas supra], até face às características específicas da mesma, fundada em atraso na administração da justiça. Assim, por a questão ter evidente relevância jurídica e social e para uma melhor aplicação do direito deve ser admitido o recurso.» 5. Não houve pronúncia do Ministério Público. 6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II. Matéria de facto 7. As instâncias deram como provados os seguintes factos: «1) Em 7 de Novembro de 1984, no processo de execução fiscal que sob o n.º …/81 correu os seus termos na 1ª Secção do 1.º Juízo do Tribunal Tributário do Porto contra o executado CC, foi penhorada a fracção autónoma designada pela letra e número “I-Um”, correspondente a uma habitação no ... andar, do prédio sito no ângulo das Ruas ... e Rua ... e Sá, n.ºs ... com entrada pelo n.º ...7 desta última Rua, fracção descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...30 a fls. 178 Vº do Livro ...4, inscrito na matriz sob o artigo ...1 [cf. admissão por acordo; documentos de fls. 31 a 48 e 75 do processo físico e “auto de penhora” junto com o requerimento de fls. 429 e seguintes do SITAF, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]; 2) Em 14 de Março de 1985, no âmbito do processo de execução fiscal n.º .../81, DD e EE lavraram um protesto de reivindicação que mencionavam dizer respeito ao direito de propriedade das fracções autónomas designadas, respectivamente, com as letras e números “...” e “...” do prédio urbano melhor identificado na alínea antecedente [cf. informação de fls. 74 do processo físico e requerimentos juntos a fls. 429 e seguintes do SITAF e a fls. 382 e 383 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]; 3) Em 15 de Março de 1985, no momento da abertura da praça foi anunciado aos licitantes que o bem a arrematar se encontrava sob protesto de reivindicação formulado por EE e DD, tendo o juiz titular dos autos determinado o seu encerramento, aguardando os autos pelo prazo de 30 dias para prova da pendência das acções de reivindicação [cf. cópia da “acta de praça” junta com o requerimento de fls. 429 e seguintes do SITAF, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido] 4) Por despacho de 13 de Maio de 1985, depois de elaborada uma informação no âmbito do processo de execução fiscal n.º .../81 de onde constava haver expirado o prazo referido na alínea antecedente sem que se fizesse prova da acção de reivindicação, o juiz titular dos autos determinou o prosseguimento da execução, tendo procedido à marcação da 2ª praça para o dia 17 de Julho de 1985 [cf. informação de fls. 74 do processo físico e junta com o requerimento de fls. 429 e seguintes do SITAF, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]; 5) Por despacho de 25 de Junho de 1985, o juiz titular dos autos n.º …/81 determinou, além do mais, o seguinte: “O imóvel penhorado, cuja arrematação está marcada para dia 17 de Julho de 1985 é a fracção autónoma ...-1, do artigo urbano n.º ...51, cuja propriedade está inscrita na conservatória do registo predial em nome do executado CC. Na acção judicial pendente instaurada pelos protestantes reivindica-se a propriedade da fracção autónoma ....1 do referido artigo matricial. É absolutamente distinto o objecto da penhora e o objecto da acção de reivindicação. Esta partiu do princípio que a penhora recaiu sobre a fracção ...-1, propriedade reclamada dos autores, quando na realidade recaiu sobre a fracção ...-1, propriedade do executado, tal como decorre do respectivo registo. Prossiga, pois, a execução com a praça já marcada (…)“ [cf. cópia do despacho junta com o requerimento de fls. 429 e seguintes do SITAF]; 6) Em 17 de Julho de 1985, o juiz titular dos autos n.º …/81, após promoção do Ministério Público, determinou o adiamento da praça para o dia 17 de Outubro de 1985, por suspeita de conluio [cf. cópia da “acta de praça” junta com o requerimento de fls. 429 e seguintes do SITAF, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido] 7) Com data de 17 de Julho de 1985, foi apresentado um requerimento subscrito por advogado que, mencionando agir como gestor de negócios de BB, requereu o protesto pela reivindicação da fracção objecto de arrematação, nos termos dos então artigos 909.º e 910.º do Código de Processo Civil [cf. cópia junta com o requerimento de fls. 429 e seguintes do SITAF, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido] 8) Por despacho de 17 de Julho de 1985, o Juiz titular dos autos n.º …/81 determinou o indeferimento do requerimento identificado na alínea antecedente com a seguinte fundamentação: “(…) não é alegado qualquer facto da indispensável “urgência” da intervenção como gestor negócios, pelo que não a admito – art. 41.º, n.º 1, do C.P. Civil. De resto, a publicidade da praça efectuada há mais de 10 dias afasta liminarmente tal “urgência” (…)” [cf. admissão por acordo; informação de fls. 75 do processo físico e requerimento e despacho juntos com o requerimento de fls. 429 e seguintes do SITAF, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]; 9) Em 17 de Outubro de 1985, no âmbito do mencionado processo de execução fiscal, realizou-se a praça no âmbito da qual foi arrematada pelo ora 1.º Autor a fracção autónoma designada pela letra e número “...” melhor identificada na alínea A), a qual lhe foi adjudicada pelo juiz titular dos autos após depósito de um terço do seu preço [cf. admissão por acordo; certidão de fls. 62 e 75 do processo físico e cópia do “auto de arrematação” junta com o requerimento de fls. 429 e seguintes do SITAF, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]; 10) Quando pretendeu tomar posse da fracção ...”, o 1.º Autor constatou que dentro dela se encontravam indivíduos, por consentimento de BB, que se arrogava proprietário da mesma e que, em consequência, se recusava a entregar-lha [cf. admissão por acordo]; 11) Por requerimento de 25 de Outubro de 1985, exarado nos autos n.º …/81, dirigido ao Tribunal Tributário do Porto, o 1.º Autor comunicou, além do mais, o seguinte: “(…) pelas diligências que já empreendi junto de organismos oficiais, nomeadamente, a repartição de finanças do 5.º bairro fiscal, ..., e a conservatória do registo predial, (…) parece concluir-se que ao ... andar corresponderá a fracção ...-1” e não a “F-1”. No entanto, como tudo isto parece estar muito confuso, pois ambos os detentores dos 1.ºs andares esquerdo e centro, afirmam ter adquirido a fracção ...-1”, caberá a V. Exa. determinar para que este assunto seja resolvido com a brevidade que se impõe (…)” [cf. cópia do requerimento junto a fls. 429 e seguintes do SITAF, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido] 12) Por despacho datado de 21 de Novembro de 1985, exarado sobre o requerimento identificado na alínea antecedente, o juiz titular dos autos n.º …/81 determinou o seguinte: “(…) o prédio penhorado e vendido judicialmente foi identificado tal como consta quer da descrição do registo predial quer da inscrição na matriz (fls. 23-31). Em ambos os cadastros estava registado em nome do executado CC. A penhora foi por sua vez registada na Conservatória definitivamente. Ao arrematante dados estes factos e a publicidade da arrematação cabia previamente certificar-se da identidade material do prédio a arrematar, bem como do respectivo valor. Só assim estaria em condições de poder decidir-se pela licitação e compra na altura própria. Se isto é claro para o processo comum “o bonus pater familias” mais será para o concreto arrematante o requerente – que se diz economista de profissão (…) no requerimento em apreço deduzido pelo arrematante não se concretiza qualquer pedido que permita concluir pela sua interferência na competência deste Tribunal, pelo que dele não se toma conhecimento (…)” [cf. cópia do despacho junto a fls. 429 e seguintes do SITAF, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido] 13) Com data de 17 de Dezembro de 1985, a secretaria do Tribunal Tributário de 1ª instância do Porto procedeu à notificação do 1.º Autor do despacho proferido pelo Juiz titular dos autos n.º …/81 e do qual consta o seguinte: “(…) mostrando-se pago o preço de arrematação e estando pendente o pedido de isenção de sisa ordeno o cancelamento do registo da penhora sobre a fracção autónoma ... do artigo urbano n.º ...51 da freguesia ..., inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...30 (…) bem como dos registos dos demais direitos de garantia e direitos reais que não tenham registo anterior ao da penhora nos termos do art. 824.º, n.º 2, do Código Civil (…)” [cf. admissão por acordo; ofício de fls. 34 do processo físico]; 14) Pela apresentação n.º 82074 de 11 de Março de 1986, foi registada na ... Conservatória do Registo Predial ... a aquisição da fracção autónoma ...” a favor do 1.º Autor [cf. documento n.º ... junto com a petição inicial]; 15) Em 14 de Janeiro de 1988, o 1.º Autor intentou uma “acção sumária” que correu termos no 5.º Juízo Cível da Comarca do Porto sob o n.º 4301 contra BB e mulher FF, onde era interveniente principal DD, peticionando, a final, o reconhecimento do direito de propriedade sobre a fracção designada pela letra e número “...” identificada na alínea A) e a sua restituição de pessoas e bens [cf. admissão por acordo; cópia da certidão de fls. 49 do processo físico]; 16) Por despacho do juiz titular dos autos melhor identificados na alínea antecedente n.º 4301, exarado sobre o requerimento datado de Julho de 1990 apresentado pelos ali Réus, foi determinada a suspensão da instância até que fosse proferida decisão definitiva na acção que se encontrava a correr termos no 5.º Juízo Cível do Porto sob o n.º 5598 “já que tal decisão poderá condicionar o sucesso ou insucesso da presente acção e a eventual impugnação da arrematação judicial e anulação da venda” [cf. admissão por acordo; cópia da certidão de fls. 49 do processo físico e fls. 180 e seguintes e despacho de levantamento da suspensão da instância datado de 14 de Janeiro de 2002 a fls. 514 ambos do processo original (1116/11.3TVPRT) apenso]; 17) Desde 2 de Abril de 2002 até 17 de Março de 2006, a instância do processo identificado na alínea antecedente permaneceu interrompida a aguardar pela apresentação do comprovativo do registo da acção por parte dos Autores [cf. admissão por acordo; despachos de 2 de Abril de 2002, de 4 de Dezembro de 2002, solicitando aos aqui Autores comprovativo do registo da acção n.º 4301 a fls. 536 e seguintes do processo original apenso]; 18) Com data de entrada de 9 de Julho de 1990, BB e mulher FF apresentaram um requerimento no âmbito do supra identificado processo de execução fiscal n.º …/81, no qual, a final, peticionaram a anulação da venda da fracção designada pela letra e número “I-Um” melhor identificada na alínea A) ao 1.º Autor, argumentando, além do mais, que por escritura pública de 05-07-1985 adquiriram a DD a propriedade da referida fracção autónoma e não da fracção designada pela letra e número “F-Um” [cf. cópia de notificação ao 1.º Autor e do requerimento constante de fls. 52 e seguintes do processo físico]; 19) Em 6 de Junho de 1991, BB e mulher FF intentaram uma acção com processo ordinário no 7.º Juízo Cível do Porto que ali correu termos sob o n.º 1710/91, contra DD, CC [executado] e mulher e Banco 1..., peticionando, a final, o reconhecimento da existência de erro de escrita nas escrituras públicas celebradas em 5 de Agosto de 1977 e 5 de Julho de 1985, por forma aí ficar declarado que aqueles pretendiam adquirir a propriedade da fracção com a letra ...” do prédio urbano identificado na alínea A) [cf. petição inicial constante do original apenso aos autos]; 20) Por despacho de 5 de Março de 1992, o juiz titular dos autos n.º 1710/91 determinou a admissão da intervenção principal provocada do ora 1.º Autor e sua mulher, tendo a sua citação sido efectivada no dia 13 de Março de 1992 [cf. despacho e ofício de fls. 88-99 do processo original apenso aos presentes autos]; 21) Por sentença proferida em 16 de Fevereiro de 1993 e transitada em julgado pelo 7.º Juízo Cível do Porto no âmbito da acção de reivindicação identificada nas alíneas antecedentes foi reconhecido o erro de escrita, além do mais, na escritura de compra e venda celebrada em 05.07.1985 e, em consequência, declarado que o que BB e sua mulher pretendiam comprar a DD passava, na realidade, pela fracção ...” relativa ao primeiro apartamento esquerdo e não pela fracção ...” relativa ao primeiro apartamento traseiras [cf. admissão por acordo; cópia da sentença de fls. 79 e seguintes do processo físico e original do processo apenso aos presentes autos, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]; 22) Da decisão identificada na alínea antecedente, o 1.º Autor, ali interveniente, não interpôs recurso jurisdicional [cf. admissão por acordo; processo principal apenso]; 23) Com data de entrada de 7 de Dezembro de 1993, BB e mulher FF intentaram uma acção de reivindicação contra o Estado Português, CC [executado] e o ora 1.º Autor que correu termos no 7.º Juízo Cível da Comarca do Porto sob o n.º 4148, peticionando, a final, o reconhecimento a seu favor do direito de propriedade sobre a fracção designada pela letra ...” identificada na alínea A) e o respectivo cancelamento do registo a favor do 1.º Autor [cf. petição inicial de fls. 85 e seguintes do processo físico e processo original apenso aos autos]; 24) Por despacho de 13 de Julho de 1994, o juiz titular dos autos n.º 4148 determinou a suspensão da instância, com vista à habilitação de herdeiros do Réu CC [cf. despacho de fls. 87 do processo original apenso]; 25) Por sentença proferida em 22 de Dezembro de 1995 pelo Tribunal Tributário do Porto no âmbito do processo de anulação de venda ao qual foi atribuído o n.º 2/94, foi indeferido o pedido de anulação da venda da fracção designada pela letra ...”, com fundamento na sua extemporaneidade e, bem assim, na falta de instauração de acção de reivindicação [cf. cópia da certidão de fls. 59 e seguintes do processo físico]. 26) Por escritura pública celebrada em 21 de Novembro de 1996 no 3.º Cartório Notarial do Porto, o 1.º Autor declarou vender à aqui 2ª Autora, a fracção designada pela letra ...” melhor identificada na alínea A) [cf. documentos n.ºs ...3 e ...4 juntos com a petição inicial]; 27) Por requerimento de 20 de Novembro de 1998, apresentado no processo n.º 4148/1993, BB e mulher FF peticionaram a habilitação de herdeiros do demandado CC [cf. processo n.º 4148-A apenso]; 28) Por despacho de 10 de Novembro de 1999, na sequência do requerimento identificado na alínea antecedente, o juiz titular dos autos n.º 4148-A declarou habilitados os sucessores de CC [cf. processo n.º 4148-A apenso]; 29) Por Acórdão de 9 de Fevereiro de 1999, o Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso interposto por BB e mulher FF da decisão judicial que indeferira o seu pedido de anulação de venda [cf. cópia de fls. 65 a 72 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido] 30) Por acórdão de 16 de Fevereiro de 2000, o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso interposto por BB e mulher FF do acórdão identificado na alínea antecedente [cf. cópia de fls. 73 a 76 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]; 31) Por despacho de 29 de Janeiro de 2002, o 5.º Juízo Cível da Comarca do Porto determinou a apensação do processo n.º 4148/1993 a correr termos na 7ª Vara Cível ao processo n.º 4301/1988 [cf. despacho de fls. 522 do processo principal apenso aos autos]; 32) Em 7 de Fevereiro de 2003, BB e mulher requereram nos autos n.º 4148/1993 a admissão da intervenção principal provocada da aqui 2ª Autora, pretensão que fora deferida por despacho de 9 de Maio de 2003 [cf. requerimento de fls. 446 e despacho de fls. 463 e seguintes do processo principal apenso aos autos]; 33) Por sentença proferida em 20 de Julho de 2006, no âmbito do processo n.º 4301/1988, o Juiz da 5ª Vara Cível da Comarca do Porto determinou a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide [cf. sentença de fls. 694 do 3.º volume do original apenso aos presentes autos]; 34) Em 18 de Abril de 2007, o juiz titular dos autos n.º 4148/1993 proferiu despacho saneador [cf. fls. 508 e seguintes do processo principal apenso aos presentes autos]; 35) Entre 23 de Outubro de 2007 e 9 de Janeiro de 2008, teve lugar a audiência de discussão e julgamento dos autos n.º º 4148/1993 [cf. actas de fls. 682 e seguintes do processo principal apenso aos presentes autos]; 36) Por sentença de 29 de Maio de 2008, proferida pela 5ª Vara Cível da Comarca do Porto no âmbito do processo n.º 4148/1993, foi reconhecido o direito de propriedade de BB e mulher FF sobre a fracção designada pela letra ...” identificada na alínea A) e, em consequência, determinado o cancelamento da inscrição de registo feita a favor do ora 1.º Autor e sua mulher e, bem assim, de todas as inscrições posteriores até 5 de Março de 2002 [cf. sentença de fls. 754 e seguintes do processo principal apenso aos autos, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]; 37) Por acórdão proferido em 29 de Junho de 2009 pelo Tribunal da Relação do Porto foi negado total provimento aos recursos interpostos pelos aqui Autores e pelo Ministério Público, “embora com fundamentos parcialmente diversos” da decisão identificada na alínea antecedente [cf. acórdão de fls. 858 e seguintes do processo original]; 38) Por acórdão proferido em 1 de Junho de 2010 pelo Supremo Tribunal de Justiça e transitado em julgado em 17 de Junho de 2010 foi negado provimento ao recurso interposto pelos ora Autores do acórdão identificado na alínea antecedente [cf. acórdão de fls. 1011 e seguintes do processo original apenso aos autos, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]; 39) Os Autores nunca puderam ocupar ou usufruir da fracção designada pela letra ...´” que haviam comprado, nem dela retirar qualquer proveito, arrendando-a, até à data em que a sua venda foi declarada nula; 40) Em virtude da demora na decisão judicial definitiva sobre quem era o proprietário da aludida fracção designada pela letra ...”, o 1.º Autor ficou angustiado, desanimado, desesperado, sentindo-se ansioso e frustrado; 41) O valor locativo da fracção autónoma designada pela letra e número “...” melhor identificada na alínea A), desde o ano de 1985 até 2018, é o seguinte: [IMAGEM] 42) O valor de mercado da fracção autónoma designada pela letra e número “...” melhor identificada na alínea A) situava-se, no ano de 2011, em EUR 62.625,00 e em Março do ano de 2018, em EUR 76.600,00. * Factos não provados.Nada mais se provou com relevância para a presente decisão.» *** III. Matéria de direito 8. No presente recurso discutem-se dois temas distintos: - a responsabilidade civil do Estado fundada em erro judiciário; e - a responsabilidade civil do Estado por atraso na administração da justiça. Em causa, no primeiro caso, está a questão de saber se o Estado agiu ilicitamente, ao promover, através de um processo de execução fiscal que correu os seus termos no Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, a venda judicial de um imóvel que, por uma decisão judicial superveniente, proferida num processo que correu no âmbito da jurisdição comum, se veio a comprovar que não pertencia ao executado. E, no segundo caso, a questão de saber se o prazo em que foi proferida a decisão final do referido processo de execução fiscal, relativamente à venda em questão, é um prazo razoável, à luz do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e da jurisprudência que sobre ele se formou, quer no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), quer deste Supremo Tribunal Administrativo (STA). 9. As instâncias coincidiram na resposta a dar à primeira questão, absolvendo o Estado do pedido por não se encontrar verificado o requisito da ilicitude, sem o qual não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade. E, na verdade, não ficou demonstrado nos autos que o Tribunal Tributário de 1º Instância do Porto tenha cometido qualquer ilegalidade que comprometesse, por si só, o processo de execução, e de venda judicial da fração autónoma adquirida em praça pelo primeiro Recorrente. Nem tão pouco ficou demonstrado que estivesse obrigado a realizar quaisquer outras diligências adicionais para confirmar a titularidade do imóvel antes de proceder à referida venda. Desde logo, porque à data daquela venda, o Tribunal não tinha qualquer razão para não confiar na informação predial existente na Conservatória do Registo Predial competente, nos termos da qual a fração autónoma em questão estava registada a favor do executado. Por outro lado, porque embora tenham sido feitos dois protestos de reivindicação, os mesmos não tiveram sequência, nos termos previstos na respetiva lei de processo, pelo que foram legalmente indeferidos pelo referido Tribunal, que não podia, por essa razão, suster o processo de venda. Ora, não se verificando qualquer ilegalidade na venda, não se vê como se poderá configurar um erro judiciário passível de ser imputável ao Estado, e muito menos um erro grosseiro, pelo qual o mesmo esteja obrigado a responder civilmente. 10. Também não se vislumbram razões para convolar o pedido de responsabilidade por erro judiciário num pedido de responsabilidade por erro na administração da justiça, e responsabilizar o Estado a esse título, dado que está provado nos autos que o erro que conduziu à anulação da venda judicial realizada é completamente estranho ao funcionamento do Tribunal, e do próprio sistema judicial. Na ação cível que correu paralelamente ao processo de execução fiscal, ficou provado ter havido um erro na identificação da fração autónoma que foi objeto de penhora e venda judicial, em duas escrituras públicas de compra e venda celebradas anteriormente, respetivamente, em 5 de agosto de 1977 e em 5 de julho de 1988. Nessas escrituras, a fração autónoma ...», objeto de venda judicial, foi incorretamente identificada como fração ...», o que, na medida em que as mesmas constituem o suporte documental das inscrições registais que, entretanto, foram realizadas, foi a causa da falta de correspondência entre a informação predial e o direito substantivo. Ou seja, apesar de vendida duas vezes, uma primeira vez pelo executado, e uma segunda pelo terceiro adquirente, a fração ...» continuou registada a favor do executado, pois os referidos negócios jurídicos foram indevidamente inscritos na ficha correspondente à fração ...». Dai que o Tribunal não tivesse razões para suspeitar que a fração ...» não pertencesse ao executado e não pudesse ser objeto de execução. Atenta esta factualidade, não é possível responsabilizar o Estado pelo deficiente funcionamento do Tribunal e, em geral, por erro na administração da justiça. 11. Acresce que também não é possível fundar a responsabilidade do Estado na lesão da boa-fé do primeiro Recorrente, dado que os factos provados nos autos revelam que a sua confiança no processo de venda judicial não é merecedora de tutela. Na verdade, o primeiro Recorrente não só não foi suficientemente diligente na obtenção, antes da venda, de informação detalhada sobre a situação de facto e de direito da fração autónoma que veio a arrematar, como, sobretudo, uma vez de posse daquela informação, e não obstante a evidência da origem do erro, optou por assumir uma postura confronto judicial que acabou por ser determinante da acumulação dos prejuízos cujo ressarcimento agora vem reclamar. Não foi suficientemente diligente porque, além de não ter inspecionado fisicamente o local, não deu suficiente atenção ao facto de terem sido apresentados dois protestos de reivindicação, um dos quais, concretamente, reivindicando a propriedade da fração autónoma que veio a ser adquirida. Como se argumentou, com acerto, na sentença do TAF do Porto que julgou a presente ação em primeira instância, «o facto de o Tribunal Tributário do Porto haver determinado, legalmente (frise-se), o prosseguimento da venda, não equivalia a que os potenciais interessados na aquisição da fração ... pudessem e devessem ignorar que já havia sido lavrado um protesto de reivindicação por um terceiro relativamente à fração ....» Era evidente, a partir desse momento, que a venda poderia ser contestada, senão a piori, a posteriori, como efetivamente viria a ser. Pelo que, mesmo que aqueles protestos não obstassem legalmente à concretização da venda, o comprador já não podia confiar no respetivo processo nos mesmos termos em que até então tinha confiado. Aliás, bastava-lhe que tivesse feito, antes da concretização da venda, a diligência que fez na semana seguinte à sua realização, conforme está provado em 12), e muito provavelmente a mesma não se teria concretizado. 12. Não obstante se ter dado conta da existência de direitos concorrentes sobre a fração ...», o Primeiro Recorrente optou por assumir uma postura confronto judicial que acabou por ser determinante da acumulação dos prejuízos cujo ressarcimento agora vem reclamar. Desde logo, em 14 de janeiro de 1988, antes mesmo de qualquer iniciativa da parte daqueles que vieram a ser reconhecidos como legítimos proprietários da fração em questão, tomou a iniciativa de propor uma ação de reconhecimento da respetiva propriedade, a qual, após a apensação de uma ação com o mesmo objeto proposta pela contraparte, foi, como resulta dos factos provados em 15) a 38), responsável pelo longo período de vinte e dois anos de demora do processo de execução fiscal em que se realizou a venda judicial, e onde se discutiu a sua validade, que está agora em causa na presente ação. Não se questiona a sua legitimidade para propor aquela ação, sobretudo porque, à data em que o fez, a validade da venda judicial era, ainda, inatacável, mas a verdade é que a sua conduta em juízo contribuiu, e em muito, para o prolongamento da discussão judicial sobre a propriedade da fração. Basta notar, por exemplo, como ficou provado em 17), que a referida ação esteve interrompida, ela própria, durante cerca de quatro anos, a aguardar que o ora primeiro Recorrente fizesse prova do registo da mesma. Mas, mais ainda, e como resulta dos factos provados em 19) a 22), em 21 de novembro de 1996, no decurso daquela ação, quando já conhecia uma outra decisão judicial, transitada em julgado, que reconheceu a existência do erro de escrita nas escrituras públicas celebradas em 5 de Agosto de 1977 e 5 de Julho de 1985, que estava na base da existência de direitos concorrentes sobre a fração com a letra ...”, o primeiro Recorrente vendeu a referida fração à segunda Recorrente. Ora, a referida venda, tendo sido realizada com a consciência de que, à data em que foi promovida a sua venda judicial, a fração adquirida já não pertencia ao executado, evidencia uma estratégia de consolidação de direitos de terceiros, que se enquadra na postura de confrontação que o primeiro Recorrente assumiu em todo o processo. Além do mais, aquela venda, se não o desinteressa completamente do desfecho da ação, retira-lhe, em qualquer caso, a legitimidade para discutir os efeitos prejudiciais do seu atraso, para lá daquela data, tanto mais que a revenda do imóvel o ressarciu do valor despendido com a sua compra. Sendo que, o segundo Recorrente, deliberadamente, adquiriu um direito litigioso, pelo que também não pode alegar que a sua confiança foi frustrada, tanto mais que não foi parte do processo de venda judicial. 13. A questão que se coloca, agora, na apreciação do segundo pedido formulado pelos Recorrentes, de efetivação da responsabilidade civil do Estado por atraso na administração da justiça, é saber em que medida a morosidade do processo se ficou a dever ao deficiente funcionamento do Tribunal, ou à postura judicial dos Recorrentes. Que, no seu computo global, o processo excedeu um prazo razoável, é inquestionável, na medida em que, grosso modo, a questão controvertida levou 22 anos a ficar definitivamente resolvida, desde que a venda foi controvertida, e até que a mesma foi anulada. No acórdão recorrido se considerou, contudo, que, contabilizando os períodos de inação estranhos à vontade do Tribunal, a duração total do processo foi de apenas três anos e um mês, «o que se situa dentro do prazo razoável para o efeito». Para chegar a essa conclusão o tribunal a quo, além do mais, desconsiderou, na contabilização da duração do processo, todo o tempo que decorreu após a venda da fração controvertida à segunda Recorrente, na medida em que, para além dessa data, a demora na decisão anulatória da venda passou a ser totalmente «indiferente» ao primeiro Recorrente. Vajamos, então, separadamente, os dois fundamentos que constituíram a ratio decidendi do acórdão recorrido. 14. O que releva, para efeitos de imputação ao Estado da responsabilidade pela violação do direito dos Recorrentes a uma decisão judicial em prazo razoável, não é tanto a consideração da vontade do Tribunal, mas a verificação de uma situação objetiva de funcionamento anormal do sistema de administração da justiça. Daí que, como tem afirmado a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, «o que releva é a análise da tramitação do processo no seu conjunto e não o que aconteceu em cada uma das suas fases o que obriga a que se não dê demasiada atenção ao cumprimento de cada um dos prazos dos actos desse percurso em detrimento de uma visão de conjunto que atenda a todas as suas incidências» - cfr. Acórdão do STA, de 27 de novembro de 2011, proferido no Processo n.º 0144/13. Significa isto, no caso concreto dos autos, que embora isso também possa ser levado em conta, não importa apenas que o processo tenha estado suspenso por motivos alheios à vontade do Tribunal, se para o computo da duração total do processo não concorrerem outros fatores que, de acordo com uma análise casuística, justifiquem a sua longevidade, nomeadamente a complexidade do processo, o comportamento das partes e a importância do litígio para o interessado - v. o Acórdão do STA, de 9 de março de 2023, proferido no Processo n.º 01453/18.6BELRA; v. também o Acórdão de 9 de outubro de 2008, proferido no Processo n.º 319/08. Ora, no processo em apreço, além de alguma complexidade, resultante do desdobramento da causa em múltiplos processos judiciais cruzados, é no comportamento das partes que encontramos, principalmente, a justificação para aquela duração. Na verdade, e conforme anteriormente referido, a postura de confrontação judicial assumida pelo primeiro Recorrente contribuiu, e em muito, para o prolongamento da ação para lá de um prazo razoável, sobretudo a partir do momento em que foi reconhecido, por decisão judicial transitada em julgado, que se verificou um erro de escrita na escritura de compra e venda celebrada em 5 de julho de 1985, ficando assim provado que BB e sua mulher efetivamente compraram a DD a fracção objeto de litígio, i.e, a fração ...”, relativa ao primeiro apartamento esquerdo, e não a fracção ...”, relativa ao primeiro apartamento traseiras. É certo que o primeiro Recorrente não estava impedido de recorrer à justiça para defesa dos seus direitos, e de usar todos os meios processuais à sua disposição, mas o uso exaustivo desses meios não pode deixar de ser ponderado na justificação da longevidade do processo, sobretudo tendo em conta que estamos perante alguém que, tendo comprado num leilão judicial um imóvel que não vistoriou previamente, perante a evidência de que sobre o mesmo existiam direitos concorrentes preferiu reivindicar a sua propriedade ao invés de promover a anulação da venda e obter imediatamente a restituição do preço pago. E que prolongou esse litígio, mesmo após o trânsito em julgado uma sentença judicial, que aliás não impugnou, que tornou certo que a fração autónoma objeto de litígio já não pertencia ao executado à data da sua penhora e venda judicial, porque havia sido anteriormente adquirida por terceiros, sucessivamente, por duas vezes. Aliás mais, o primeiro Recorrente, não só prolongou o litígio, com incidentes e recursos, como, perante a evidência de que a fração autónoma que havia arrematado em praça não pertencia ao executado, mas a terceiros, vendeu a mesma, na pendência da ação, à segunda Recorrente, introduzindo ainda maior complexidade à decisão da causa. 15. A venda do bem objeto de litígio à segunda Recorrente não pode deixar de desqualificar o interesse do primeiro Recorrente, como bem se decidiu no acórdão recorrido, pois, se é verdade que, mesmo após a venda, o mesmo poderia ainda ser chamado a responder perante o comprador, no caso de o desfecho da causa lhe ser desfavorável, como efetivamente foi, não é menos verdade que, a partir desse momento, os prejuízos resultantes da demora do processo deixaram de correr por sua conta, tanto mais que com o preço da venda ele foi ressarcido do preço despendido com a sua aquisição. Sendo certo que a segunda Recorrente, ao comprar um bem litigioso, assumiu os riscos inerentes ao desenvolvimento do litígio, à data já constituído, com diversas frentes judiciais, há mais de dez anos. 16. Assim, ponderando a complexidade do processo e o comportamento das partes, bem como a própria atuação das autoridades judiciais competentes para a decisão da causa, que não contribuíram para o prolongamento da sua duração para além de um prazo razoável, considera-se que também não estão reunidas as condições para responsabilizar o Estado por atraso na administração da justiça. Deste modo, e em conclusão, julga-se que o acórdão recorrido não incorreu em erro de direito, não merecendo, por isso, qualquer censura. IV. Decisão Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em negar provimento ao recurso e, em consequência, em confirmar o acórdão recorrido. Custas pelos Recorrentes. Notifique-se Lisboa, 4 de maio de 2022. – Cláudio Ramos Monteiro (relator) – José Augusto Araújo Veloso – Ana Paula Soares Leite Martins Portela. |