Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:034/13
Data do Acordão:01/30/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:GARANTIA
HIPOTECA
Sumário:I – O artº 199º, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário confere à administração uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não «idónea» para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, impondo-se, especificamente, nos casos da hipoteca voluntária e do penhor, a concordância da administração tributária.
II – Para efeito do disposto nos arts. 169º e 199º do Código de Procedimento e Processo Tributário garantia idónea será aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos.
III – A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
IV – Resultando do probatório que o valor dos créditos garantidos por hipotecas anteriormente registadas (€ 330.411,50) é, manifestamente, superior ao valor da garantia (€ 238.874,53) que a executada pretendia prestar por meio de nova hipoteca sobre os mesmos imóveis, não se afigura ilegal, inadequado, desnecessário ou desrazoável o despacho da autoridade tributária que não considerou tal garantia idónea para suspender a execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA000P15195
Nº do Documento:SA220130130034
Data de Entrada:01/11/2013
Recorrente:A....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A……….., melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 31 de Outubro de 2012, que julgou improcedente a reclamação por si deduzida contra o acto do Director de Finanças Adjunto de Braga, que lhe indeferiu o pedido de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal nº 3245200901014668.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«a) Considera a Ilustre julgadora que, “a expressão garantia idónea tem o significado de garantia apta a assegurar a satisfação do crédito exequendo. (...) não padece, assim, da ilegalidade que lhe vem imputada, termos em que improcede a pretensão da reclamante”.
b) Salvo melhor interpretação, os argumentos aduzidos pelo Tribunal a quo não colhem entendimento legal, fazendo errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas aplicáveis in caso, mais concretamente as que regem a prestação de garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal, mais concretamente o artº 52° e o nº1 do art.º 74º da LGT, bem como os artigos 169.º, 199.° e 200.º do CPPT.
c) Tal entendimento não tem qualquer fundamento legal, também por violação da lei e do princípio da proporcionalidade, vertido no art.º 18.º n.º 2 da CRP, pois, não podendo o direito de cobrar impostos, em circunstância alguma, sobrepor-se a procedimentos que oneram, excessiva e desproporcionalmente, o contribuinte, razão pela qual mal andou a sentença recorrida.
d) Desde logo porquanto, em face da soma do valor patrimonial tributário dos imóveis oferecidos como garantia, o mesmo era mais do que suficiente para assegurar o pagamento da dívida exequenda (o montante total da garantia foi fixado pelo Serviço de Finanças em € 238.874,53 e o valor total da garantia oferecido ascendia a um montante consideravelmente superior, de € 256.958,94);
e) Os fundamentos invocados pela Administração Tributária (AT) e arrogada na sentença recorrida, referentes à liquidez e ao grau de risco da execução da garantia, introduzem uma restrição ao conceito de idoneidade da garantia sem suporte legal, não constituindo parâmetros relevantes no juízo de aferição da idoneidade da garantia oferecida.
f) E na falta de uma definição legal de garantia idónea, pode afirmar-se que o conceito de idoneidade depende da capacidade de, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar, assegurar a efectiva cobrança dos créditos garantidos - art.º 169 199.° e 217.º do CPPT, ex vi n.º 2 do art.º 52.° da LGT (acórdão do STA, de 21/9/2011, rec. n.° 0786/11 e Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao art.º 199.°).
g) Com efeito, quanto ao valor da garantia é expresso o disposto no art.º 199.° n.º 5 do C.P.P.T. ao valor a que se refere: “dívida exequenda, juros de mora até ao termo do prazo de pagamento com o limite de cinco anos e custas na totalidade, acrescida de 25% da soma daqueles valores”.
h) No despacho reclamado o órgão de execução fiscal considerou não obstante o valor patrimonial dos imóveis exceder o valor da garantia a prestar, considerou que o valor dos mesmos a ter em conta, para efeitos de aferir a sua suficiência para garantia da quantia exequenda e acrescidos, deveria ter-se em conta o valor líquido dos imóveis prestados para garantia, e no caso, considerou a garantia prestada insusceptível de assegurar o crédito tributário.
i) Contudo, para avaliar da suficiência da garantia oferecida sobre imóveis, não pode o órgão de execução fiscal fixar outro valor que não seja o valor patrimonial constante da respectiva matriz ou em acto de avaliação desencadeado para o efeito.
j) Concluímos pois que, a lógica do raciocínio que conduziu à prolação do despacho reclamado não tem acolhimento legal, para efeitos de se avaliar da suficiência da garantia oferecida.
k) A AT não pode recusar a constituição da garantia com o fundamento de que esta não lhe dá segurança absoluta do seu crédito e com absoluto desprezo pelos interesses legítimos do executado.
l) Sobre a concreta idoneidade da garantia oferecida, a proposição constante do nº 2 do art.º 199.º do CPPT inscreve-se na linha de jurisprudência consistente do STA-SCT, segundo a qual qualquer garantia oferecida não pode ser recusada se o seu valor assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, sob pena de errónea interpretação e aplicação do art.º 52.º n.º 3 LGT em conjugação com o art.º 199. ° ns. 4 e 5 CPPT (acórdãos 15.02.2012 processo n.º 126/12; 27.06.2012 processo n.º 646/12 e 11.07.2012 processo n.º 730/12).
m) No acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.02.2012 — Processo 0126/12, ficaram bem claros os termos em que deve ser apreciada a idoneidade da garantia na perspectiva do equilíbrio interesse do credor/interesse do executado.
n) Voltando ao caso dos autos, o órgão decisor, assim como a Ilustre Julgadora deram como provado que, o valor do VPT (valores patrimoniais tributários) dos prédios urbanos prestados para garantia ascendem a 256.98,94 € é superior, ao valor da garantia a prestar (238.874,53 €), ainda assim, argumentam a não admissibilidade da garantia, apenas com o argumento de maior segurança e qualidade (liquidez imediata).
o) Note-se que a AT deve pautar a sua atuação de acordo com o princípio da proporcionalidade (cfr. art.º 266.º, n.º 2 da CRP, art.º 55.º da LGT, artº 46.º do CPPT e art.º 5.º, nº 2 do CPA), o que aponta para a necessidade de ponderação dos interesses em jogo, em molde a não sacrificar nenhum deles.
p) Em suma, a partir do momento que a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a Administração fiscal não pode recusar com fundamento em aspectos qualitativos da garantia, sob pena de incorrerem errónea interpretação e aplicação do artº 199.º do CPPT conjugado como n.º 5 do artº 52° da LGT.
q) E não se vislumbra que desta interpretação resulte prejuízo para a Administração fiscal e a garantia dos créditos na execução fiscal» até porque a lei lhe permite «em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia, ordenar o reforço da mesma», nos termos do disposto no n.º 9 do art.º 199.º do CPPT e n.º 3 do art.º 52.º da LGT.
r) A Administração fiscal goza, desta forma, de lata margem de liberdade na aplicação destes mecanismos, que lhe permitem assegurar o crédito exequendo, mas tem de obedecer à lei nos aspectos vinculados, não podendo na interpretação e aplicação da, mesma pôr em causa as valorações que são próprias do legislador, subvertendo o sentido e alcance que o mesmo pretendeu dar às normas, em especial aos artº 199.º do CPPT e 52.º, nº 5, da LGT.
s) A proceder a interpretação sufragada pela Administração fiscal, esta passaria a estar legitimada a estabelecer uma hierarquização das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor liquidez imediata, acabando assim por poder recusar não só a hipoteca como o próprio penhor, porque normalmente este também não dá garantias de imediata liquidez, restringindo o quadro legal de garantias que o legislador quis aberto. (No mesmo sentido cfr. o Acórdão do STA, de 14/3/2012, rec. nº 208/12).»

2 – A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.

3 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu o douto parecer pronunciando-se pelo não provimento do recurso e sustentando que, no caso concreto, a garantia oferecida, por meio de hipoteca, não é susceptível de assegurar o pagamento do crédito exequendo e legais acréscimos.

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:

A) A Reclamante deduziu “oposição” à execução fiscal n.º 3245200901014668 e Apensos, a qual corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga sob o processo de oposição n.º 1686/11.6BEBRG — conforme documentos a folhas 129 e 130 do processo de execução fiscal (PEF), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
B) O chefe do Serviço de Finanças de Braga 2 subscreveu documento datado de 03 de novembro de 2011, dirigido ao mandatário da Reclamante, sob o assunto “Prestação de Garantia — Processo de Execução Fiscal n.º 3245200901014668 e apensos”, no qual se refere: “Fica V. Ex., por este meio notificado, na qualidade de mandatário de A.............. (...) para no prazo de 15 (quinze) dias (...) apresentar garantia na importância de € 238.874,53, para efeitos de suspensão da execução ao abrigo do artigo 169.º do C.P.P.T. (…) — conforme documento a folhas 135 do PEF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
C) Em 29 de Novembro de 2011, foi recebido no Serviço de Finanças de Braga 2, requerimento em nome da Reclamante, no qual se refere: “(...) de acordo com o pedido, é prestada para garantia real e idónea, os seguintes imóveis:
• Artigo U 2091 — Fracção R, da freguesia de ......., concelho de Braga, com um valor patrimonial de 78.716,43 €.
• Artigo U 967 — da freguesia de ........, concelho de Vila Nova de Famalicão, com um valor patrimonial de 20.137,88 €.
• Artigo U 2386 — Fracção L, da freguesia de ........., concelho de Guimarães, com um valor patrimonial de 158.104,63 €. (...)” - conforme documento a folhas 138 a 140 do PEF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
D) A garantia a que se alude em C), oferecida pela Reclamante, revestia a forma de “hipoteca voluntária” — por acordo;
E) Ao imóvel correspondente ao artigo urbano 2091 — Fracção R, da freguesia de ........, do concelho de Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º 574, foi atribuído um “valor patrimonial” de 78.716,43 euros — conforme documento a folhas 157 do PEF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
F) Ao imóvel correspondente ao artigo urbano 967, da freguesia de ..........., do concelho de Vila Nova de Famalicão, foi atribuído um “valor patrimonial” de 20.137,88 euros — conforme documento a folhas 158 do PEF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
G) Ao imóvel correspondente ao artigo urbano 2386, da freguesia de ..........., do concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 1099, foi atribuído um “valor patrimonial” de 158.104,63 euros — conforme documento a folhas 159 a 161 do PEF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
H) Sobre o imóvel a que se alude em E), foi constituída uma “hipoteca voluntária” a favor de “B……….., Lda.” no montante máximo assegurado de 62.400 euros e uma penhora a favor de “C………., Lda.”, relativa a quantia exequenda no montante de 135.027,50 euros — conforme documento a folhas 162 e 163 do PEF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
I) Sobre o imóvel a que se alude em F), foram efetuadas as “penhoras” seguintes:
- penhora a favor de “D…………., Lda.”, relativa a quantia exequenda no montante de 23.463,75 euros;
- penhora a favor de “E…………, Lda.”, relativa a quantia exequenda no montante de 43.420,62 euros;
- penhora a favor de “C…………, Lda.”, relativa a quantia exequenda no montante de 135.027,50 euros;
- penhora a favor do condomínio do prédio sito na Rua …….., n.os ….. a …., Braga, relativa a quantia exequenda no montante de 1.338,09 euros - conforme documento a folhas 164 a 167 do PEF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
J) Sobre o imóvel a que se alude em G), foi constituída uma hipoteca legal a favor do Instituto da Segurança Social, I.P. — Centro Distrital da Segurança Social de Braga, no montante máximo assegurado de 268.011,50 euros e as “penhoras” seguintes:
- penhora a favor de “D…………, Lda.”, relativa a quantia exequenda no montante de 23.453,61 euros;
- penhora a favor de “F…………., Lda.”, relativa a quantia exequenda no montante de 7.174,29 euros;
- penhora a favor de “C……….., Lda.”, relativa a quantia exequenda no montante de 135.027,50 euros;
- penhora a favor de “G…………, SA”, relativa a quantia exequenda no montante de 23.115,38 euros; e
- penhora a favor do condomínio do prédio sito na Rua ………, n.os ….. a ……, Braga, relativa a quantia exequenda no montante de 1.338,09 euros - conforme documento a folhas 168 a 172 do PEF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
K) Por técnico da Divisão de Justiça Tributária, da Direção de Finanças de Braga foi elaborada a informação n.º 250/EF/2012, de 28 de junho de 2012, relativa ao processo n.º 3425200901014668, sob o assunto “Apreciação de garantia/E-mail de 16 de Março de 2012, proveniente da DSGCT” — conforme documento a folhas 174 e 175 do PEF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
L) Em 29 de junho de 2012, foi elaborado parecer relativamente à informação a que se alude em K), subscrito pelo Chefe de Divisão (em substituição), na qual se refere: “Em face da presente informação, do parecer do Chefe do Serviço de Finanças de Braga 2 e as instruções transmitidas pelo e-mail da DSGCT de 16-03-2011, proponho o indeferimento do pedido de aceitação de garantia, dado que o valor dos imóveis oferecidos como garantia não são suficientes para garantir a dívida exequenda e acréscimos legais (…)” — conforme documento a folhas 174 do PEF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
M) Em 02 de julho de 2012, foi proferido despacho pelo Director de Finanças Adjunto, da Direção de Finanças de Braga, na sequência do parecer a que se alude em L) com o seguinte teor: “Concordo com o presente projecto de decisão. Indefiro o pedido de aceitação de garantia apresentado, uma vez que os bens oferecidos não constituem garantia idónea visto que sobre eles impendem ónus registados. Notifique-se para, querendo, apresentarem reclamação nos termos do artº 276º do CPPT, no prazo de 10 (dez) dias a contar da notificação” — conforme documento a folhas 174 do PEF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
N) O Serviço de Finanças de Braga 2 remeteu ao mandatário da Reclamante o ofício n.º 4770, datado de 18 de julho de 2012, sob o assunto “Suspensão da Execução — Garantia — PEF N. 3425200901014668 E APS.”, com a referência “EXECUTADO: A……….., NIF: ………”, no qual se refere: “(...) Fica V. Exa. notificado do teor do despacho proferido pelo Sr. Diretor de Finanças Adjunto de Braga, relativamente à garantia oferecida para suspensão da execução do processo n.2 3425200901014668, que corre termos neste Serviço de Finanças (…)” - conforme documento a folhas 214 do PEF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
O) O ofício a que se alude em N) foi recebido em 19 de Julho de 2012 - conforme documento a folhas 214 (verso) do PEF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
P) A presente reclamação foi apresentada no Serviço de Finanças de Braga 2 em 27 de Julho de 2012 - conforme informação a folhas 28 e 29 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
M) Em 02 de Julho de 2012, foi proferido despacho pelo Diretor de Finanças Adjunto, da Direção de Finanças de Braga, na sequência do parecer a que se alude em L), com o seguinte teor: “Concordo com o presente projecto de decisão. Indefiro o pedido de aceitação de garantia apresentado, uma vez

6. Do objecto do recurso

A única questão trazida pela recorrente à apreciação deste Supremo Tribunal consiste em saber se incorre em erro de julgamento a sentença recorrida ao julgar que não padece de ilegalidade o despacho da autoridade tributária que não considerou idónea para suspender a execução fiscal a garantia oferecida pela executada, mediante hipoteca.

A sentença recorrida, depois de apreciar os pressupostos da idoneidade da garantia oferecida à luz dos preceitos legais aplicáveis, concluiu que resulta da factualidade provada terem sido registadas hipotecas e penhoras que oneram os imóveis oferecidos pela Reclamante, correspondendo a valores que excedem o valor patrimonial daqueles imóveis.
E ponderou também que, em caso de aceitação da garantia oferecida pela Reclamante — hipoteca voluntária — as mencionadas penhoras e hipotecas, porque anteriormente registadas, confeririam aos credores respectivos o direito de serem pagos preferencialmente, o que, atento o valor correspondente àquelas penhoras e hipotecas — superior ao valor patrimonial dos imóveis em causa — obstaculizaria que, em caso de execução da garantia oferecida pela Reclamante, o credor tributário pudesse assegurar o seu crédito.
Para, a final, concluir que a qualificação como inidónea e a consequente não-aceitação da garantia em causa nos autos, não padece da ilegalidade que lhe vem imputada, improcedendo a pretensão da Reclamante.

Contra o assim decidido se insurge a recorrente alegando que em face da soma do valor patrimonial tributário dos imóveis oferecidos como garantia, o mesmo era mais do que suficiente para assegurar o pagamento da dívida exequenda e que os fundamentos invocados pela Administração Tributária referentes à liquidez e ao grau de risco da execução da garantia, introduzem uma restrição ao conceito de idoneidade da garantia sem suporte legal, não constituindo parâmetros relevantes no juízo de aferição da idoneidade da garantia oferecida.
Prosseguindo neste discurso argumentativo sustenta que para avaliar da suficiência da garantia oferecida sobre imóveis, não pode o órgão de execução fiscal fixar outro valor que não seja o valor patrimonial constante da respectiva matriz ou em acto de avaliação desencadeado para o efeito.
E concluiu que houve erro de julgamento por se ter considerado válido o despacho reclamado subvertendo o sentido estatuído nos artº 199º do CPPT conjugado com o nº3 e 5 do artº 52º da LGT, bem como o principio da proporcionalidade consignado nos art°s 266º, nº2 da CRP, 55º da LGT, 46º do CPPT e 5º nº2 do CA.


Esta argumentação da recorrente não pode, no entanto, obter provimento, como abaixo se demonstrará.
Vejamos, pois.

6.1 Da idoneidade da garantia oferecida.

De harmonia com o disposto no artigo 199.° nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário a prestação de garantia, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal, pode ser efectuada por garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
Dispõe, por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo que a garantia idónea referida no n.º 1 poderá, consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.

Este normativo confere assim à Administração Tributária uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não «idónea» para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, impondo-se, especificamente, nos casos da hipoteca voluntária e do penhor, a concordância da Administração Tributária.
A utilização da expressão “garantia idónea” integra um conceito impreciso, pois que a norma do nº 2 não determina, de forma exacta, quando é que a garantia é idónea para assegurar os créditos do exequente.
Poderá concluir-se, no entanto, que emana das disposições conjugadas dos arts. 169° e 199° do Código de Procedimento e Processo Tributário que a idoneidade da garantia se afere pela capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos.
A garantia idónea será pois aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos - neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.09.2011, Recurso n° 0786/11, de 11.07.2012, recurso 730/12, de 10.10.2012, recurso 916/12, e, na doutrina, Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, pag. 77, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, pag. 474, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao art. 199°.
Por outro lado, e não olvidando, como se acentuou no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.03.2012, recurso 208/12 (In www.dgsi.pt.), que prestar garantia não é efectuar o pagamento, não poderá deixar de se concordar, também, que a prestação de garantia constitui uma vinculação de um determinado património ao cumprimento de uma determinada obrigação de pagamento.

Ora será que no caso em apreço, a garantia oferecida, mediante hipoteca voluntária, era suficiente para, em caso de incumprimento do devedor, assegurar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos?

A recorrente, ancorando-se em jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo que cita (Acórdãos de 14.03.2012, recurso 208/12, de 15.02.2012, recurso 126/12, de 27.06.2012, recurso 646/12 e de 11.07.2012, recurso 730/12, todos in www.dgsi.pt.), mas que não lhe dá apoio no caso concreto, já que o contexto factual em análise naqueles arestos não é idêntico ao do caso subjudice, argumenta que a partir do momento que a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a Administração fiscal não pode recusar com fundamento em aspectos qualitativos da garantia, sob pena de incorrerem errónea interpretação e aplicação do artº 199.º do CPPT conjugado como n.º 5 do artº 52° da LGT.
E que, a proceder a interpretação sufragada pela Administração fiscal, esta passaria a estar legitimada a estabelecer uma hierarquização das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor liquidez imediata, acabando assim por poder recusar não só a hipoteca como o próprio penhor, porque normalmente este também não dá garantias de imediata liquidez, restringindo o quadro legal de garantias que o legislador quis aberto.

Salvo o devido respeito, carece de razão legal.
Em primeiro lugar no caso, em apreço, não está em causa a opção da por esta ou aquela garantia em termos qualitativos, sendo que Administração Tributária não aceitou a garantia por entender que devia ser dada preferência a outras garantias que apresentem maior grau de liquidez (vg. garantia bancária, caução ou seguro-caução), mas sim porque considerou que a soma dos valores das garantias reais que incidem sobre os imóveis oferecidos como garantia ascende a 858.799,83 euros, o que é manifestamente superior ao seu valor patrimonial tributário, e por essa razão considerou tal garantia insusceptível de assegurar o crédito tributário.

Por outro lado a recorrente parte de uma petição de princípio, ao sustentar reiteradamente nas conclusões d), n) e p), que, a partir do momento em que a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a Administração fiscal não pode recusar com fundamento em aspectos qualitativos a garantia oferecida, dando como demonstrado o que não está efectivamente demonstrado, ou seja que a garantia oferecida assegure o pagamento de tal crédito.

Com efeito, e como já se referiu, no caso subjudice o que se impõe, antes de mais, é apurar se a garantia oferecida (hipoteca voluntária) era idónea para assegurar o pagamento do crédito exequendo e legais acréscimos.

A decisão sindicada (cf. fls. 78) entendeu que não porque «em caso de aceitação da garantia oferecida pela Reclamante — hipoteca voluntária — as mencionadas penhoras e hipotecas (…) anteriormente registadas, confeririam aos credores respectivos o direito de serem pagos preferencialmente, o que, atento o valor correspondente àquelas penhoras e hipotecas — (…..) superior ao valor patrimonial dos imóveis em causa — obstaculizaria que, em caso de execução da garantia oferecida pela Reclamante, o credor tributário pudesse assegurar o seu crédito.

E nós julgamos que o fez acertadamente e não merece qualquer censura.
Com efeito, resulta do probatório (alíneas C) a G)) que a recorrente ofereceu como garantia hipoteca voluntária sobre três imóveis urbanos, com o valor patrimonial tributário global de € 256.958,94.
O valor da garantia a prestar era de € 238.874,53.
Porém sobre aqueles imóveis incidiam anteriores direitos reais de garantia (hipotecas e penhoras), no montante global de € 858.799,83, sendo que desse montante global € 330.411,50 se reportam a créditos cujo pagamento é garantido por hipotecas com registo anterior (cf. probatório, alíneas H a J)-
Portanto, o valor dos créditos garantidos por hipotecas anteriormente registadas (€ 330.411,50) é, manifestamente, superior ao valor da garantia (€ 238.874,53) que a recorrente pretendia prestar por meio de nova hipoteca sobre os mesmos imóveis.
Ora a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
Como assertivamente nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer de fls. 143-145, a hipoteca constitui um direito real de garantia que se caracteriza por, ao contrário do privilégio, não estabelecer a preferência em atenção à causa do crédito, vigorando, antes, o princípio da prioridade na constituição.
As garantias incidentes sobre imóveis obedecem ao princípio do trato sucessivo do registo, pelo que é dada preferência à realização dos créditos cuja garantia foi anteriormente registada.
Assim, nos termos do art. 686º do Código Civil os créditos garantidos por hipoteca poderão ser preteridos por créditos que gozem de prioridade do registo.
No caso em análise, se a administração tributária tivesse de executar a garantia não obteria o pagamento do seu crédito, atento o valor dos créditos já garantidos por hipotecas com registo anterior.
E, como bem se disse na decisão recorrida, encontrando-se a idoneidade da garantia dependente da possibilidade de o credor tributário assegurar o seu crédito através da execução da mesma, a determinação de tal impossibilidade é suficiente para considerar como inidónea a garantia oferecida pela Reclamante.

6.2 Argumenta também a recorrente que ocorreu violação do princípio da proporcionalidade e que a Administração Tributária actuou com «absoluto desprezo dos interesses legítimos do executado».
Mas também não procederá esta alegação.
Na verdade, não se olvidando que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.) (E também neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.07.2012, recurso 730/12 e de 15.02.2012, recurso 126/12.), não poderá deixar de se argumentar também que, em relação à hipoteca voluntária e ao penhor, a lei impõe a concordância da administração tributária.
Ora no caso em apreço não está em causa a ponderação pela Administração Fiscal de meros riscos hipotéticos, ou da menor solidez da hipoteca em contraponto com outras garantias admitidas no elenco do artº 199º, mas sim um juízo de avaliação sobre a idoneidade da garantia oferecida, sendo na avaliação dessa idoneidade a Administração Tributária goza, por força da lei, de uma certa margem de discricionariedade.
Trata-se de um juízo que não é feito apenas com base nas premissas a lei e que assenta também na ponderação dos elementos de fato relativos a cada situação concreta.
No caso, e como resulta da matéria de facto levada ao probatório, a Administração Fiscal constatou que a soma dos valores das garantias reais que incidem sobre os imóveis oferecidos como garantia era manifestamente superior ao seu valor patrimonial tributário, pelo que, não podia o órgão de execução fiscal aceitar como garantia um bem insusceptível de assegurar o crédito tributário e em consequência determinar a suspensão do processo de execução fiscal.
Neste contexto, e tendo em conta que a garantia idónea será aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos, atenta a previsível duração do processo, não se nos afigura que nesta ponderação a Administração Fiscal tenha actuado de forma inadequada, desnecessária ou desrazoável.
Tanto basta para se concluir que não se verifica a violação do princípio da proporcionalidade, em qualquer uma das suas dimensões (arts. 266º, nº2 da Constituição da República e 5º, nº 2 do Código de Procedimento Administrativo e 55º da Lei Geral Tributária).

Em suma, e para concluir, se dirá que, no caso em apreço, a garantia oferecida, por meio de hipoteca, não era suficiente para, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos, pelo que não padece de ilegalidade o despacho da Administração Tributária que considerou que os bens oferecidos não constituíam garantia idónea.
A sentença recorrida que assim decidiu, não merece censura e deve ser confirmada.

7 – Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao presente recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2013. – Pedro Delgado (relator) – Ascensão Lopes – Valente Torrão.