Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01271/15
Data do Acordão:07/05/2017
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:DULCE NETO
Descritores:NOTIFICACÃO POR CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
NOTIFICAÇÃO DE SOCIEDADE
Sumário:I - Estando em causa actos de liquidação cuja notificação à sociedade destinatária tem de ser concretizada através de carta registada com aviso de recepção, tal carta deve ser endereçada ao legal representante da sociedade e dirigida ao domicílio fiscal desta (local da sede ou direcção efectiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal – art.º 19.º, n.º 1, alínea b), da LGT).
II - O facto de a carta não ter sido endereçada ao legal representante da sociedade não afecta a validade da notificação desde que ela acabe por ser concretizada, de forma directa ou de forma indirecta (através de “empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funciona a administração”), nesse representante – seja no local de endereço da carta, seja na estação do serviço de correios onde ela pode ser reclamada e levantada sempre que ali tenha sido deixado aviso para o efeito.
III - Caso não seja encontrada, no local do endereço, a pessoa do representante legal da sociedade ou de empregado que, nos termos assinalados, possa receber a carta e assinar o A/R, designadamente porque as instalações se encontravam encerradas, e o distribuidor postal devolve a carta sem deixar aviso que permita reclamá-la na estação do serviço de correios, impõe-se à Administração Tributária proceder à notificação da sociedade através de carta registada com aviso de recepção enviada para a residência do representante legal ou para local onde saiba que ele se encontra (v.g. outras instalações da sociedade), em conformidade com o disposto no art.º 41.º do CPPT.
IV - Numa situação em que nunca foi dada ao representante legal a possibilidade de tomar conhecimento da existência da carta, não pode deixar de se concluir que a sociedade não teve oportunidade, por motivo que não lhe é imputável, de tomar conhecimento dos actos de liquidação que se pretendiam notificar.
Nº Convencional:JSTA00070278
Nº do Documento:SAP2017070501271
Data de Entrada:10/21/2015
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:LGT98 ART19 N1 B.
CPPTRIB99 ART38 N1 ART39 N5 ART41.
CPPTRIB91 ART65 ART68.
CPC13 ART237.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0435/12 DE 2012/06/06.; AC STA PROC0460/09 DE 2009/07/08.; AC STA PROC028683 DE 2002/05/08.; AC STA PROC020010 DE 1996/05/08.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………., LDA, com os demais sinais dos autos, recorre para o Pleno do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) em 25 de Junho de 2013, invocando oposição entre ele e os acórdãos que esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo proferiu em 6 de Junho de 2012 no processo nº 0435/12 e em 8 de Julho de 2009 no processo 0460/09.

1.1. Apresentadas que foram as alegações previstas no nº 3 do artigo 284º do CPPT, o Exmo. Juiz Desembargador Relator proferiu despacho a sustentar que ocorria a invocada oposição de julgados. As subsequentes alegações sobre o mérito do recurso, apresentadas pela Recorrente em conformidade com o disposto no nº 5 do artigo 284º do CPPT, mostram-se rematadas com o seguinte quadro conclusivo:

a) A decisão recorrida, ao defender que não é aplicável ao caso em apreço a regra especial de notificação das pessoas colectivas a que alude o artigo 41º do CPPT, é manifestamente oposta ao decido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (2ª Secção) proferido no processo nº 435/12, datado de 6.06.2012, em que se perfilhou a tese de que a notificação das pessoas colectivas tem que ser efectuada na pessoa de um dos seus administradores – a efectuar na sede da empresa, na residência dos administradores ou em qualquer outro lugar em que os administradores se encontrem — sob pena de a notificação não se considerar validamente efectuada;

b) A factualidade subjacente ao processo nº 435/12 referido e a do caso sub judice são análogas, porquanto está em causa uma oposição de acórdãos em quadro substancialmente idêntico, na medida que em ambos os casos está em causa a forma de notificação das pessoas colectivas e a validade da notificação que não cumpra o disposto no artigo 41º do CPPT;

c) A notificação das pessoas colectivas deverá ser efectuada de acordo com as regras constantes do artigo 39º e do artigo 41º do CPPT, cuja combinação determina que, na impossibilidade de notificação da sociedade na sede, deverá a mesma ser efectuada na pessoa dos seus gerentes ou funcionário que se encontre na sede, pelo que, em função da especialidade do artigo 41º do CPPT sobre a regra do artigo 39º do mesmo Código, deverá ser aquela a regra a seguir;

d) Nos termos do artigo 9º do Código Civil, o intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, pelo que se o legislador do CPPT consagrou expressamente, no artigo 41º do CPPT, que as pessoas colectivas deveriam ser notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, terá necessariamente que se entender que o legislador não quis outro regime de notificação aos entes colectivos que não aquele constante do referido preceito legal, sob pena de o artigo 41º do CPPT ser inaplicável, como se de “letra morta” se tratasse, o que contraria o espírito e a letra do regime em vigor;

e) A decisão recorrida, ao defender que é aplicável ao caso sub judice a presunção de notificação a que alude o artigo 39º nº 5 do CPPT (na redacção à data dos factos) é manifestamente oposta ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (2ª Secção) proferido no processo nº 460/09, datado de 8.07.2009, em que se perfilhou a tese de que a presunção de notificação do referido preceito legal não é aplicável nas situações em que não tenha sido deixado aviso no domicílio fiscal da recorrente para proceder ao levantamento das cartas referentes às notificações das liquidações de imposto;

f) A factualidade subjacente ao processo nº 460/09 e a do caso sub judice são idênticas de facto e de Direito, na medida em que em ambos os casos os sujeitos passivos foram notificados de liquidações de imposto dirigidas à sua sede, tendo as cartas sido devolvidas com a menção de “mudou-se”, razão pela qual não foram deixados avisos para levantamento das mesmas;

g) No caso em apreço, não foram deixados quaisquer avisos na sede (formal) da Recorrente – tendo, pelo contrário, sido devolvidas as cartas com a menção de “mudou-se” – e não ficou demonstrado que a mesma tivesse tido conhecimento (atempado e no prazo de caducidade dos impostos em análise) das referidas liquidações, pelo que a presunção de notificação, constante do artigo 39º, nº 5 do CPPT (na redacção à data dos factos) não poderá ser aplicável.

h) A Recorrente considera, portanto, que a decisão recorrida violou as normas referidas nas anteriores conclusões, devendo, em consequência, ser anulada por Vossas Excelências e substituída por outra que acolha a interpretação vertida nos Acórdãos-fundamento invocados para cada uma das questões em discussão.


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1.2. A Fazenda Pública, ora Recorrida, não apresentou contra-alegações.


1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que existia a apontada oposição de julgados, mas que não era, porém, de acolher a posição que a ora recorrente defende, sendo de manter o decidido no acórdão recorrido face à doutrina plasmada no acórdão do STA de 27/06/2012 no processo nº 966/11, onde foi sufragada a seguinte doutrina:

“I - A liquidação só produz efeitos em relação ao contribuinte, só estatui para ele a obrigação de pagar o imposto, a partir do momento em que aquele acto lhe é notificado.

II - Da conjugação das disposições constantes dos nºs 2 e 3 do art. 19º da LGT impende sobre os sujeitos passivos a obrigação legal de comunicarem o respectivo domicílio fiscal à Administração Tributária, bem como qualquer alteração do mesmo.

III - Exigindo a lei a notificação da liquidação por carta registada com aviso de recepção e não se demonstrando que tenha sido deixado aviso no domicílio da recorrente de que as cartas contendo as notificações das liquidações podiam ser levantadas, em princípio, a presunção de notificação estabelecida no nº 5 do artigo 39º do CPPT não funciona.

IV - Ainda assim, no caso, a falta de notificação da liquidação é inoponível à Administração Fiscal pois que a sociedade destinatária deixou de ter domicílio no local por si indicado, tendo omitido a obrigação legal de comunicar as alterações àquela e uma vez que foi cumprido todo o procedimento de tentativa de notificação previsto no preceito indicado em 3.

V - Em consequência, não ocorreu falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade, pelo que não se verifica o fundamento da oposição consagrado no na alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT.”



1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência do Pleno desta Secção.

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2. No acórdão recorrido consta como provada a seguinte matéria de facto:

A. Em 16/12/2005 foi instaurado contra a oponente o processo de execução fiscal nº 3336200501051890 no serviço de finanças de Lisboa 14, no montante total de € 35.089,97.

B. As dívidas subjacentes à quantia exequenda referem-se a liquidações oficiosas de IRC e juros compensatórios, efectuadas nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 83º do CIRC:

1. Liquidação nº 20058310024448 referente a 2001, no montante total de € 3.843,69, emitida a 30/05/2005;
2. Liquidação nº 20058130061102 referente a 2002, no montante total de € 15.621,46, emitida a 18/07/2005;
3. Liquidação nº 20058310097245 referente a 2003, no montante total de € 15.624,82, emitida em 15/07/2005.

C. A oponente apresentou a declaração de IRC nº 21193409 em 18/08/2005, referente ao exercício de 2001.

D. A oponente apresentou a declaração de IRC nº 21210109 em 19/08/2005, relativo ao exercício de 2002.

E. A oponente apresentou a declaração de IRC nº 21210926 em 19/08/2005, referente ao exercício de 2003.

F. Em 16/03/2006 a oponente pagou um montante de € 1.250,00 referente à declaração de IRC nº 21210926, do exercício de 2003.

G. A oponente tem sede na Av. ……, posto da …., aeroporto.

H. As liquidações mencionadas foram remetidas por carta registada com aviso de recepção, em 2005, para a sede da oponente tendo sido devolvidas com a menção “mudou-se”.

I. Os serviços de finanças efectuaram uma segunda notificação dos termos do nº 5 do art. 39º do CPPT relativamente a todas as liquidações mencionadas na alínea B) para a sede da oponente, tendo sido devolvidas com a menção “mudou-se”.

J. A fls. 87 dos autos consta a seguinte informação: Em complemento à informação prestada no processo de oposição nº 3336- 06/900005.4, referente à execução fiscal nº 3336200501051890 e conforme o solicitado pela Representação da Fazenda Pública, presta-se a seguinte informação:

1 - Foram efectuadas pelos Serviços Centrais liquidações oficiosas de IRC dos anos de 2001 a 2003, por falta de entrega dentro do prazo estipulado no art. 112º do CIRC, das declarações periódicas de rendimentos desses anos;
2 - Estas liquidações foram efectuadas nos termos da alínea b) do nº 1 do art° 83º do CIRC;
3 - A liquidação nº 2005 8310024448 de 30.05.2005, referente ao ano de 2001, apurou imposto a pagar no montante de € 3.843,69, com data limite de pagamento em 14.07.2005;
4-A liquidação nº 2005 8130061102 de 07.07.2005 referente ao ano de 2002, apurou imposto a pagar no montante de € 15.621,46, com data limite de pagamento em 24.08.2005;
5 - A liquidação nº 2005 8310097245 de 22.07.2005 referente ao ano de 2003, apurou imposto a pagar no montante de € 15.624,82, com data limite de pagamento em 31.08.2005;
6 - Todas elas foram notificadas ao oponente conforme o estipulado no artº 38º do CPPT, tendo sido devolvidas as cartas com a menção de “mudou-se”, não tendo conhecimento a Administração Fiscal que tenha sido alterada a morada da sede, foi feita a notificação conforme preconizado no art. 39º do CPPT, tendo sido devolvidas novamente com a mesma menção;
7 - Verifica-se que o oponente entrega a declaração Mod. 22 do ano 2001 em 18.08.2005, e 2002 e 2003 em 19.08.2005 via internet, posteriormente às liquidações oficiosas efectuadas pelos serviços, que produz no sistema informático declarações com a indicação de não liquidável;
8 - Visto que as liquidações oficiosas de imposto dos referidos anos foram apuradas anteriormente à entrega das declarações pelo oponente e estas não foram liquidadas, não se vislumbra nestes actos a figura de “duplicação de colecta”. O oponente apurou imposto apenas no ano de 2003 na importância de € 1.250,00 que autoliquidou apenas em 16.03.2006, pelo que quando muito poderá ser conciliado com a liquidação desse ano para redução do montante em divida.
9 - Os elementos disponíveis neste serviço de finanças relativos às notificações das liquidações dos já referidos anos vão ser fotocopiados e juntas, devidamente autenticadas, à presente informação.
(...)».

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3. No acórdão fundamento proferido no processo nº 0435/12 mostra-se fixada a seguinte matéria de facto:

a) Correu termos no Serviço de Finanças de São Roque do Pico a execução fiscal nº 588/86, que a Caixa Geral de Depósitos moveu contra B………… e esposa C…………

b) Por despacho de 4 de Março de 2008 do Sr. Subdirector-Geral da Justiça Tributária, foram considerados prescritos os créditos que a Caixa Geral de Depósitos tinha sobre os executados, em consequência do que foi desatendida a pretensão que essa exequente tinha de que fossem penhorados os prédios em causa.

c) Esse despacho foi notificado à Caixa Geral de Depósitos a 7 de Julho de 2008, na sequência de requerimento de 24 de Junho desse ano, através do qual a exequente requerera o prosseguimento da execução para penhora dos mesmos prédios.

d) A 11 de Outubro de 2011, a Caixa Geral de Depósitos apresentou novo requerimento pedindo a penhora dos prédios, tendo sido informada, por ofício expedido no dia seguinte, que já em 7 de Julho de 2008 tinha sido notificada da declaração de prescrição dos seus créditos.


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4. No acórdão fundamento proferido no processo nº 460/09 mostra-se fixada a seguinte matéria de facto:

a) O Serviço de Finanças de Lisboa 1 instaurou contra a ora oponente o processo de execução fiscal nº 3069200301004328, para cobrança coerciva de dívida relativa às liquidações adicionais de IVA nº 2257116, no montante de € 6.912,11, e de juros compensatórios nº 2257115, no montante de € 1.674,43, referentes ao ano de 1998, perfazendo o montante de € 8.586,54, com origem nas certidões de dívida nº 2003/14115 e 2003/14116, emitidas em 20-1-2003 - (cfr. autuação, certidões de dívida e prints extraídos do SEF, a fls. 11 a 13 e 15 a 19 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas);

b) A oponente foi citada da instauração do processo de execução fiscal identificado em A) em 20-11-2003 - (cfr. certidão de citação, a fls. 14v dos autos, que se dá por integralmente reproduzida);

c) A liquidação adicional de IVA nº 2257116, em cobrança coerciva no processo de execução fiscal identificado em A), foi remetida à oponente através de registo postal com aviso de recepção de 17-9-2002, expedido para a morada da sede da oponente, tendo o expediente sido devolvido ao remetente, sem que aquele aviso se mostre assinado - (cfr. docs. a fls. e 54 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos);

d) Em 4-10-2002, foi enviado novo expediente à oponente contendo a mencionada liquidação adicional de IVA, através de registo postal com aviso de recepção remetido para a morada da sede da oponente, tendo também este expediente sido devolvido ao remetente, sem que aquele aviso se mostre assinado, e tendo o carteiro responsável pelo giro 030 feito constar no sobrescrito que a entrega não foi possível em 7-10-2002, porquanto o destinatário “mudou-se” - (cfr. docs. a fls. 55 a 56 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos);

e) A liquidação de juros compensatórios de IVA nº 2257115, em cobrança coerciva no processo de execução fiscal identificado em A), foi remetida à oponente, através de registo postal com aviso de recepção de 17-9-2002, expedido para a morada da sede da impugnante, tendo o expediente sido devolvido ao remetente, sem que aquele aviso se mostre assinado - (cfr. docs. a fls. 57 e 58 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos);

f) Em 4-10-2002, foi enviado novo expediente à oponente contendo a mencionada liquidação de juros compensatórios de IVA, através de registo postal com aviso de recepção remetido para a morada da sede da oponente, tendo o expediente sido devolvido ao remetente, sem que aquele aviso se mostre assinado, e tendo o carteiro responsável pelo giro 030 feito constar no sobrescrito que a entrega não foi possível em 7-10-2002, porquanto o destinatário “mudou-se” - (cfr. docs. a fls. 59 e 60 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos);

g) O expediente postal referido nas alíneas C) a F) que antecedem foi enviado para a morada da sede da oponente, sita na Rua …….., nº ……, ….. Lisboa (cfr. docs. e print extraído da base de dados DGCI/Visão do Contribuinte, a fls. 53 a 61 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos).

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5. O presente recurso tem por base a oposição do acórdão que o TCAS proferiu em 25/06/2013, no processo nº 3813/10 (acórdão recorrido) com os acórdãos que o STA proferiu em 6/06/2012 no processo nº 435/12, e em 8/07/2009 no processo nº 460/09, sendo duas as questões jurídicas que terão sido decididas de forma antagónica: (i) a forma de validamente notificar as pessoas coletivas em face das regras constantes do art.º 41º do CPPT; (ii) a questão da operância ou funcionamento da presunção de notificação vertida no art.º 39º, nº 5, do CPPT, nos casos em que não foi deixado aviso no domicílio fiscal do destinatário para que este pudesse proceder ao levantamento da carta na estação dos correios.

Importa, antes de mais, apreciar se ocorre a invocada oposição de acórdãos, tendo como referência os dois individualizados acórdãos fundamento.

Estando em causa um recurso por oposição de acórdãos interposto em processo instaurado após a entrada em vigor do ETAF de 2002, o seu conhecimento depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (a) que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito; (b) que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

E como reiteradamente tem sido explicado pelo Pleno desta Secção, quanto à caracterização da questão fundamental de direito sobre a qual deve existir contradição de julgados devem adoptar-se os seguintes critérios: (i) identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas; (ii) que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; (iii) que se tenha perfilhado solução oposta nos arestos em confronto e que essa oposição decorra de decisões expressas.

Vejamos, então, se ocorrem os enunciados requisitos legais, começando pela verificação da existência de contradição entre o acórdão recorrido e o 1º indicado acórdão fundamento (proc. nº 435/12) quanto à questão da forma legal de notificar as pessoas coletivas, sendo que não é objecto de qualquer controvérsia que se está perante uma notificação que devia ser, e foi, realizada por carta registada com aviso de recepção (nº 1 do art.º 38º do CPPT).

Segundo a posição adoptada no acórdão recorrido, quando a sede da pessoa colectiva coincide com o seu domicílio fiscal não há necessidade de proceder à sua notificação na pessoa do seu representante legal e no domicílio deste, isto é, não há que cumprir o disposto no artigo 41º do CPPT, segundo o qual «1. As pessoas colectivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem».

Com efeito, como nele se deixou afirmado, «ao contrário do que parece entender a recorrente, na situação em que a sede se situa no domicílio fiscal conhecido da sociedade e o correio vem devolvido, não há que proceder à notificação do legal representante da sociedade no domicílio deste, sendo indevida, salvo o devido respeito, a invocação de jurisprudência talhada para o Código de Processo Tributário e não para o CPPT, como sucede com os dois acórdãos que a recorrente invoca. (…)».

Já o aludido acórdão fundamento, embora numa situação em que estava em causa a notificação de um distinto acto lesivo em matéria tributária, é categórico a julgar que as pessoas colectivas e sociedades são sempre citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.

Como assim, afigura-se-nos que ocorre a invocada oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o aludido acórdão fundamento, e que se encontra igualmente preenchido o segundo requisito, na medida em que não pode considerar-se que o acórdão recorrido se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

O mesmo se diga relativamente à existência de contradição entre o acórdão recorrido e o 2º indicado acórdão fundamento (proc. nº 460/09) quanto à questão do funcionamento da presunção de notificação vertida no art.º 39º, nº 5, do CPPT, nas situações em que, como no caso, não foi deixado aviso para o destinatário poder proceder ao levantamento da carta na estação dos correios.

Na verdade, segundo este acórdão fundamento, a referida presunção não pode funcionar quando se demonstre que não foi deixado aviso para levantamento da carta. Como nele se deixou afirmado, «não se demonstrando que tenha sido deixado aviso no domicílio da recorrente de que as cartas contendo as notificações das liquidações podiam ser levantadas, a presunção de notificação estabelecida no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT não funciona».

Todavia, o acórdão recorrido adoptou, por maioria e com um voto de vencido, posição distinta, decidindo que se a carta foi enviada para a sede da sociedade e veio devolvida com a informação postal “mudou-se”, sem que, contudo, tivesse sido comunicada mudança de sede à Administração Tributária, torna-se irrelevante não só a devolução da carta, como, também, a circunstância de não ter sido deixado aviso para que a carta pudesse ser levantada na estação dos correios, pois bastará, para a validade da notificação, o envio de nova carta para a mesma sede nos quinze dias seguintes àquela devolução, presumindo-se, então, a notificação realizada, ainda que esta nova carta também não seja recebida ou levantada.

Do que vimos de dizer resulta, sem necessidade de mais considerandos, que estamos perante respostas antagónicas à mesma questão fundamental de direito, razão por que o recurso tem de prosseguir para conhecimento do seu mérito, uma vez que, também aqui, não pode considerar-se que o acórdão recorrido se encontra em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.


5.2. Do mérito do recurso.

A questão essencial a resolver é a de saber se os actos tributários em questão, cuja notificação se impunha concretizar através de carta registada com aviso de recepção (facto que, não sendo controvertido, decorre de expressa imposição legal), foram ou não objecto de válida notificação à sociedade ora recorrente, pese embora tal questão apresente duas vertentes jurídicas distintas, dando, assim, origem às duas supra enunciadas questões, as quais se encontram, de certo modo, interligadas.

Importa, desde logo, apreciar se o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, por errada interpretação do artigo 41º do CPPT, ao julgar validamente efectuada a notificação numa situação, como a dos autos, em que a carta registada com A/R foi endereçada à própria sociedade e enviada para a sua sede (domicílio fiscal nos termos do art. 19º, nº 1, al. b), da LGT), e em que, perante a sua devolução pelo distribuidor do serviço postal com a menção “mudou-se” e sem que aí tivesse deixado aviso que possibilitasse a reclamação da carta na estação do serviço do correio, não foi tentada a notificação na pessoa de um dos representantes legais da sociedade, designadamente na residência destes, limitando-se a Administração Tributária a enviar nova carta dirigida à sede e que veio devolvida nos mesmos moldes.

Por conseguinte, não estamos perante uma situação de devolução de carta pelos serviços dos CTT com a indicação de “não reclamada", mas perante devolução de carta com a menção “mudou-se”, sem que tivesse sido deixado aviso no domicílio fiscal (sede) da destinatária que lhe permitisse ter conhecimento da existência dessa carta e que lhe possibilitasse reclamá-la e levantá-la nos serviços do correio.

A norma contida no artigo 41º do CPTT dispunha, na redacção vigente à data, que «As pessoas colectivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem» (nº 1), e que «Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade» (nº 2).

Donde resulta, de forma inequívoca, que as sociedades devem, por princípio e como regra geral, ser notificadas na pessoa física dos seus representantes legais, notificação que pode ocorrer tanto na sede da sociedade, como na residência destes, como em qualquer outro lugar onde se encontrem, à semelhança, aliás, do que se previa no Código de Processo Civil perante o preceito então vigente – cfr. art. 237º.

Regra que se se aplica tanto à notificação pessoal como à notificação por carta registada, como bem frisa JORGE LOPES DE SOUSA em anotação ao preceito no “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado”.

E porque não é ao distribuidor do serviço postal que compete, quando se dirige à sede da sociedade para entregar carta registada com A/R, adivinhar quem será o seu legal representante, ou, sequer, encetar diligências para apurar quem ele é – sabido que tal aviso deve ser assinado por esse representante legal e só no caso de este «não ser encontrado» pode ser assinado por empregado, capaz de transmitir os termos do acto, «que se encontre o local onde normalmente funcione a administração da sociedade», estando o distribuidor postal obrigado a proceder à anotação do documento oficial identificador de quem assina o A/R –, essa carta deve ser endereçada a determinada pessoa física com a expressa menção dessa específica qualidade de legal representante da sociedade.

Todavia, o facto de a carta registada com A/R não ter sido endereçada ao legal representante da sociedade não afectará a validade da notificação da sociedade desde que ela acabe por ser concretizada, de forma directa ou mesmo indirecta (através de “empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funciona a administração”) nesse legal representante. Concretização que pode ocorrer não só no local do endereço como na estação do serviço de correios onde a carta pode ser reclamada e levantada desde que naquele local tenha sido deixado aviso para o efeito.

Por conseguinte, caso não seja encontrado, no citado endereço, a pessoa do legal representante da sociedade ou qualquer empregado desta que possa receber a carta e assinar o A/R, designadamente porque as instalações se encontravam encerradas, e o distribuidor postal procede à sua devolução sem ali deixar aviso que permitisse reclamá-la na estação do serviço de correios, impõe-se à Administração Tributária proceder à notificação da sociedade através de carta registada com A/R enviada para a residência do representante legal, ou, até, para local onde saiba que ele se encontra (v.g. outras instalações da sociedade), em conformidade com o disposto no art.º 41.º do CPPT.

Tal posição mereceu já acolhimento pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido em 8/05/2002, no recurso nº 26683, em que se adoptou a doutrina plasmada no seguinte sumário: «1. Devolvida carta registada e com A/R expedida para a sede de empresa industrial, com a indicação de “desconhecido”, impunha-se à Administração Fiscal tentar a notificação de liquidação de IVA novamente através de tal meio, agora em carta dirigida para a residência de um dos administradores ou gerentes, nos termos do artigo 68º, 1, do CPT. // 2. Como assim, mostra-se indevido o uso da notificação edital, ineficaz, pois, para efeitos do disposto no artigo 64º, 1, do mesmo compêndio adjectivo».

Bem como no acórdão, proferido no âmbito da vigência do Código de Processo Tributário, em 8/05/1996, no recurso nº 020010, que acolheu a seguinte doutrina: «1 - As vias ou formas (pessoal, não pessoal e por funcionário ou pelo correio) pelas quais deve ser feita a notificação das sociedades e das pessoas colectivas são as indicadas no art. 65º do CPT. // 2 - O art. 68º do CPT apenas define, no tocante à notificação dessas pessoas morais, os aspectos que contendem com saber em que pessoas físicas deve ser efectuada a notificação postal ou por funcionário daquelas pessoas morais e o lugar em que as pessoas físicas podem ser contactadas para o efeito. (...)».

Posto isto, não podemos deixar de concluir que o Tribunal “a quo” incorreu em erro na interpretação do artigo 41º do CPPT, e em consequente erro de julgamento, ao adoptar o entendimento de que quando a sede da sociedade coincide com o seu domicílio fiscal não há necessidade de proceder à notificação na pessoa do respectivo representante legal, bastando que a carta tenha sido endereçada para esse local, escamoteando a situação, verificada nos autos, de a notificação também não ter sido conseguida na pessoa de empregado em virtude de as instalações se encontrarem encerradas e de o distribuidor postal ter tomado a iniciativa de colocar a menção “mudou-se” e de devolver a carta sem deixar aviso naquele local para que esta pudesse ser reclamada e levantada no estabelecimento do serviço de correios.

Tal erro tem inequívoca relevância no caso em análise, tendo em conta que, face à negligência da Administração Tributária em proceder à notificação da sociedade na pessoa do seu representante legal – numa situação em que nem sequer lhe foi dada a possibilidade de tomar conhecimento da existência da carta, uma vez que não foi deixado aviso que proporcionasse esse conhecimento e permitisse a sua reclamação – não pode deixar de se concluir que a sociedade não teve oportunidade, por motivo que não lhe é imputável (até porque não está demonstrado que tivesse mudado a sede), de tomar conhecimento dos actos de liquidação que se pretendiam notificar.

Com efeito, a carta registada não foi recepcionada pela sociedade – através do seu representante ou de empregado – nem foi deixado aviso que lhe permitisse tomar conhecimento da sua existência e reclamá-la, e também não foi repetido o acto de notificação no domicílio de qualquer um dos seus representantes legais. E não podemos deixar de notar que, como resulta claramente dos autos, quando foi efectuada a citação da sociedade para a execução fiscal a Administração Tributária conseguiu, com imediato êxito, notificar os gerentes nos respectivos domicílios, os quais se mantinham inalterados.

Em suma, a falta de notificação das liquidações deveu-se a motivo exclusivamente imputável à própria Administração Tributária, que não cuidou de proceder à notificação do sujeito passivo (sociedade) nos termos legais.

Razão por que a oposição à execução terá de proceder por força da invocada falta de notificação dentro de prazo de caducidade, a determinar a procedência da oposição deduzida contra a execução fiscal.

Termos em que se impõe revogar o acórdão recorrido, conceder provimento ao recurso interposto para o TCA Sul da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de 1ª instância, e julgar procedente a oposição à execução fiscal.

6. Face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao presente recurso, revogar o acórdão recorrido e, dando provimento ao recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo Sul, revogar a sentença proferida em 1ª instancia e julgar, em substituição, procedente a oposição à execução fiscal, com a consequente extinção dessa execução.

Custas em todas as instâncias pela Fazenda Pública.

Lisboa, 5 de Julho de 2017. – Dulce Manuel da Conceição Neto (relatora) – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.