Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02035/13.4BELRS
Data do Acordão:03/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24348
Nº do Documento:SA22019032002035/13
Data de Entrada:12/19/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 20 de Março de 2018, que declarou extinto o procedimento contraordenacional nº 3069200906091890, instaurado contra A……….., SA, pelo chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 1, por entrega fora de prazo de IRS, retido na fonte.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
A. À Recorrente arguida foi aplicada coima no valor de €16.781,08, acrescida de custas processuais, no âmbito do processo contraordenacional n.º 3069200906091890, pela prática das contra ordenações previstas e punidas pelas disposições conjugadas dos artigos 98.º do CIRS; 114.º n.º 2 e 26.º n.º 4 do RGIT.
B. Sendo que a recorrente foi declarada insolvente no Processo n.º 1772/14.0TYLSB, por sentença transitada em julgado em 16.12.2014.
C. Questão pertinente na presente sede é proceder ao preenchimento do conceito a atribuir à “morte do arguido” a que apela a norma contida na alínea a) do artigo 61.º do RGIT, de acordo com o qual o procedimento de contraordenação se extingue com a morte do arguido, uma vez que tal extinção impõe, pela via do artigo 62.º do RGIT, a extinção da obrigação de pagamento da coima e de cumprimento das sanções acessórias.
D. O disposto no art. 62º do RGIT encerra um problema. Não nos diz, no que concerne às pessoas colectivas, quando é que “essa morte” ocorre. Diz que é com a morte, mas não nos diz quando é que a morte ocorre. A posição consolidada do STA defende que a mesma se efectiva com a declaração de insolvência. Mas, a verdade é que não há norma legal que expressamente o preveja.
E. Se o procedimento contraordenacional se extingue com a morte do arguido, e portanto com a extinção da pessoa colectiva, é seguro afirmar que, de acordo com o artigo 160.º, n.º 2, do CSC e a alínea t) do n.º1 do artigo 3.º do Código do Registo Comercial, a extinção da pessoa colectiva se efectiva apenas com o registo comercial do encerramento da liquidação da pessoa colectiva.
F. O art. 141º, nº 1, alínea e), do Código das Sociedades Comerciais dispõe que a declaração de insolvência constitui um dos fundamentos da dissolução das sociedades, o que não significa que, à partida, possamos concluir que uma sociedade declarada insolvente se encontre desde logo dissolvida.
G. Da declaração de insolvência da pessoa colectiva decorre a sua dissolução (alínea e) do n.º 1 do artigo 141.º do CSC), o que determina que a sociedade entre em liquidação (cf. n.º 1 do artigo 146.º do CSC), porém, sucede que o n.º 2 do artigo 146.º do CSC determina expressamente que a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica, sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas, daí decorrendo uma clara e inequívoca comparação entre a sociedade que exerce em condições normais a sua actividade e a sociedade que inicia processo de dissolução e de liquidação.
H. Ademais, a declaração de insolvência, pela verificada impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações por parte do devedor (artigo 3.º, n.º 1, do CIRE), não acarreta uma imediata cessação da actividade da empresa, e veja-se neste sentido o n.º 1 do artigo 82.º do CIRE que afirma que os órgãos sociais do devedor se mantêm em funcionamento após a declaração de insolvência, indiciando a continuidade, ainda que em moldes necessariamente diferentes face ao constrangimento provocado pela insolvência, da actividade da empresa.
I. Nem a declaração de insolvência implica a necessária dissolução e liquidação da empresa, porquanto da assembleia de credores na sequência da declaração de insolvência pode emergir a aprovação e homologação de um plano de insolvência (artigos 209.º a 216.º do CIRE) que preveja, como dispõe a alínea c) do n.º 2 do artigo 195.º do CIRE, a manutenção em actividade da empresa, podendo inclusive o plano de insolvência aprovado reconduzir-se a uma estratégia de recuperação da empresa, acaso tal objectivo se mostre exequível e conforme ao deliberado em assembleia de credores.
J. Para reforço do predito, veja-se o disposto na norma do n.º 3 do artigo 192.º do CIRE, aditada pela Lei n.º 16/2012, de 20/04, que se dispôs clarificar o conceito de plano de insolvência quando a finalidade subjacente é a da recuperação da empresa, atribuindo-lhe a denominação de Plano de Recuperação.
K. Resulta do exposto que o regime plasmado no CIRE configura a declaração de insolvência como o primeiro estádio de um eventual processo de recuperação da empresa, compatível com a continuação do exercício da actividade da empresa ou com a recuperação da mesma.
L. Por outro lado, independentemente do destino seguido em processo de insolvência (recuperação ou liquidação da empresa ou mesmo alienação da mesma), sempre esta manterá a sua personalidade jurídica, mesmo que em liquidação, bem como mantém a sua personalidade tributária nos termos do artigo 15.º da Lei Geral Tributária, a qual não é afectada pela declaração de insolvência.
M. Assim, mostra-se o entendimento de acordo com a qual só com o registo do encerramento da liquidação é que a pessoa colectiva se extingue, atento o prescrito no artigo 160.º do CSC, como aquele que permite acomodar o regime jurídico vertido no CIRE e que prefigura a possibilidade de recuperação da empresa, conformando-se ademais com o prescrito no artigo 160.º do CSC, não ocorrendo com a declaração de insolvência a extinção da pessoa colectiva.
N. Com efeito, diríamos respeitosamente que a tal equiparação (algo antinómica na ótica da Fazenda) seguida pelo Colendo STA constitui não uma equiparação global (o mínimo exigível a uma questão desta natureza), mas selectiva quanto baste para suportar a orientação por ele defendida.
O. Buscamos na douta decisão recorrida e na elencada jurisprudência consolidada e não vislumbramos essa tal especificidade, nem a douta sentença ou o Tribunal Superior, o referem.
P. A ideia de que só se tem em vista o arrecadar da receita revela, por seu lado, um pensamento retorcido que presume ser essa a motivação que está na base da posição da Administração Tributária.
Q. Na verdade se o escopo fosse esse, à Administração Fiscal seria preferível actuar perante o incumprimento de pessoas colectivas saudáveis. A questão aqui não passa pela obtenção de receita, mas pela determinação de algo tão simples como o momento em que a personalidade jurídica da pessoa colectiva deve cessar, questão que é transversal ao próprio Direito, e não específico do regime fiscal, civil ou comercial.
R. E não se diga que com esta interpretação a AT pretende ver reclamada os seus créditos no âmbito do processo falimentar, pois que é consabido e tem sido entendido pela jurisprudência desse Colendo Supremo Tribunal que, naqueles autos, só poderão ser avocados os processos de execução fiscal cujas dívidas sejam anteriores à declaração de insolvência. Ora resulta do probatório que quer a instauração do processo de contraordenação e aplicação da coima quer o processo de execução fiscal só foram instaurados em momento ulterior à declaração de insolvência.
S. Nestes termos, constatamos, face à matéria de facto provada nos autos, que a arguida foi declarada insolvente, o que não permite consolidar e afirmar, conforme faz a douta sentença recorrida, o juízo de extinção da pessoa colectiva nos termos da alínea a) do artigo 61.º do RGIT, bem como não permite determinar a extinção do procedimento contraordenacional.
T. Concluímos, desta forma, que a declaração de insolvência da arguida não é determinante da extinção do procedimento contraordenacional por morte do infractor, por não enquadrável na alínea a) do artigo 61.º do RGIT, uma vez que não pode ser equiparada a insolvência declarada por sentença transitada em julgado à extinção da pessoa colectiva.
U. Pelo que é entendimento da Fazenda Pública que a douta sentença procedeu a errónea subsunção dos factos às normas jurídicas pertinentes, com violação das normas da alínea a) do artigo 61.º e do artigo 62.º do RGIT, e do artigo 160.º, n.º 2, do CSC.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso. No essencial o Ministério Público entendeu que “(…) É jurisprudência pacífica deste STA que a declaração de insolvência de uma sociedade constitui um dos fundamentos de dissolução das sociedades e tal equivale à morte do infractor em sintonia com o disposto nos artigos 61º e 62º do RGIT e artigo 176º, nº 2, al. a) do CPPT, daí decorrendo a extinção do procedimento contra-ordenacional”.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na decisão recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Em 04/04/2009 foi levantado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 1 auto de notícia, contra a recorrente, imputando-lhe a prática da contraordenação prevista e punida pelos artigos 114.º, n.º 2 e 26.º n.º 4 do RGIT, por violação do disposto no artigo 98.º do CIRS – entrega fora de prazo de imposto retido na fonte.
B) Em 31/10/2009, com base no auto de notícia referido em A), foi autuado no Serviço de Finanças de Lisboa 1 o processo de contraordenação n.º 3069200906091890.
C) Em 02/09/2011, foi proferida decisão de aplicação de coima, no âmbito do processo de contraordenação identificado em B), a qual se fixou em € 16 781,08.
D) Por ofício datado de 02/09/2011 foi remetida à Recorrente notificação para pagamento da coima especialmente atenuada, no montante de € 8 390,54.
E) Em 06/09/2011, foi notificado o mandatário da arguida, para pagamento da coima especialmente atenuada, no montante de € 8 390,54.
F) Em 03/10/2011, foi remetido ao Serviço de Finanças de Lisboa 1 a petição inicial do presente recurso.
G) Em 09/10/2014, a Recorrente alterou a sua denominação social para «B………… S.A.».
H) Por sentença proferida em 18 de novembro de 2014, com trânsito em julgado em 16/12/2014, no âmbito do Processo n.º 1772/14.0 TYLSB, que correu termos no Juízo de Comércio de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi a recorrente declarada insolvente.
Nada mais se deu como provado.

Há que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
Da análise do segmento decisório da sentença e dos fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do recurso consiste em saber se incorre em erro de julgamento a decisão recorrida ao sufragar o entendimento de que, perante a insolvência da arguida, ocorre a extinção da responsabilidade contra-ordenacional e a consequente extinção do respectivo procedimento por contra-ordenação nos termos do art. 61º, al. a) do RGIT.
Este Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou por diversas vezes sobre questão similar à ora suscitada e no sentido de que a declaração de insolvência constitui um dos fundamentos de dissolução das sociedades sendo que essa dissolução equivale à morte do infractor, em harmonia com o disposto nos artigos 61.º e 62.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e no artigo 176.º, nº 2, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, daí decorrendo a extinção do procedimento contra-ordenacional, da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva - cf., neste sentido, Acórdãos 617/10, 1107/12 e 638/14 e, por mais recentes, os Acórdãos de 21.10.2015, recurso 610/15, de 04.11.2015, recurso 834/15, de 1.06.2016, recurso 515/16, de 20.12.2017, recurso 309/17, de 24.01.2018, recurso 1311/17, de 28.02.2018, recurso 314/17 e de 12.09.2018, recurso 505/18, todos in www.dgsi.pt.
Concordamos com esta jurisprudência cuja fundamentação jurídica tem plena aplicação também no caso vertente, e que aliás, colhe apoio da doutrina, nomeadamente de Alfredo José de Sousa e Silva Paixão (Código de Processo Tributário, 4ª ed., p. 425.), António Tolda Pinto e Jorge Manuel dos Reis Bravo (Regime Geral das Infracções Tributárias, Coimbra Editora, pag. 195). Efectivamente de acordo com o disposto nos arts. 61º e 62º do RGIT, o procedimento por contra-ordenação extingue-se com a morte do arguido, sendo que também a obrigação de pagamento da coima e de cumprimento das sanções acessórias se extingue com a morte do infractor.
Ora à morte do infractor deve ser equiparada a extinção da pessoa colectiva arguida no processo de contra-ordenação, sendo que a sociedade se considera extinta pelo encerramento da liquidação (artº 160º do CSC).
Acresce que, como ficou dito nos Acórdãos desta secção de 24.01.2018 e de 12.09.2018, proferidos nos recursos 1311/17 e 505/18, respectivamente, «Também o CIRE, referindo-se ao momento da extinção das obrigações fiscais de sociedade insolvente, estabelece neste art. 65º que as mesmas (obrigações declarativas e fiscais) necessariamente se extinguem com a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento (nos termos do nº 2 do art. 156º), o que deve ser comunicado oficiosamente pelo Tribunal à AT para efeitos de cessação da actividade; sendo que, na falta daquela deliberação, as ditas obrigações fiscais passam a ser da responsabilidade daquele a quem a administração do insolvente tenha sido cometida e enquanto esta durar. Ou seja, em termos estritamente fiscais e, consequentemente, para aplicação de coimas por incumprimento de obrigações fiscais, também no âmbito do CIRE (e tal como já se entendia no âmbito do CPEREF e do C.S.Comerciais) não há que remeter para o encerramento da fase de liquidação e partilha da sociedade insolvente, a libertação da respectiva responsabilidade».
Sendo de manter tal jurisprudência mais não resta do que negar provimento ao recurso.

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Fazenda Pública.
D.n.
Lisboa, 20 de Março de 2019. – Aragão Seia (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.

Segue acórdão de 22 de Maio de 2019:

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

Vem a Autoridade Tributária e Aduaneira requerer a reforma quanto a custas do acórdão datado de 20.03.2019 constante dos autos uma vez que aí foi condenada em custas não sendo as mesmas por si devidas por se tratar de um processo de contraordenação e, nessa medida, as custas não são por si suportadas.

Cumpre decidir.

Tem razão a requerente.
No caso em apreço estamos perante um recurso de decisão de aplicação de coimas e sanções por contra-ordenações tributárias que, sendo um «meio processual tributário» (art. 101.º, alínea c), da LGT), não está incluído, actualmente, no conceito de «processo judicial tributário», pois deixou de estar incluído na lista de processos judiciais tributários que consta do art. 97.º, n.º 1, do CPPT.
Em matéria de custas dos processos de contra-ordenações tributárias, a primeira norma a atender, por ter natureza especial, é a do art. 66.º do RGIT.
Dispõe aquele normativo que, sem prejuízo da aplicação subsidiária do regime geral do ilícito de mera ordenação social, nomeadamente no que respeita às custas nos processos que corram nos tribunais comuns, as custas em processo de contra-ordenação tributário regem-se pelo Regulamento das Custas dos Processos Tributários (RCPT).
Sucede que o n.º 6 do art. 4º do DL nº 324/2003, de 27 de Dezembro, revogou o RCPT, com excepção das normas relativas a actos da fase administrativa.
Assim, não havendo na legislação aprovada por aquele Decreto-Lei normas especiais para a fase judicial dos processos de contra-ordenações tributárias, haverá que fazer apelo à primeira parte do referido artº 66º do RGIT, o que conduz à aplicação subsidiária do regime de custas previsto no RGCO para as contra-ordenações comuns, nomeadamente o disposto nos artigos 92.º a 94.º do RGCO. (Vide, neste sentido, Lopes de Sousa e Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 4ª edição, pág. 458.).
Ora nos termos do nº 3 do artº 93º do RGCO, há lugar a pagamento de taxa de justiça sempre que houver uma decisão judicial desfavorável ao arguido. E resulta também do nº 3 artº 94º do RGCO que as custas são suportadas pelo arguido em caso de aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória, de desistência ou rejeição da impugnação judicial ou dos recursos de despacho ou sentença condenatória, sendo que, nos demais casos, as custas serão suportadas pelo erário público (nº 4 do mesmo normativo).
Em suma do regime legal de custas aplicável em processo de contra-ordenação tributária é manifesto que inexiste norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas.
Pelo que, por força das disposições conjugadas dos art. 66.º do RGIT e 94.º, n.ºs 3 e 4 do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, num processo de contraordenação tributária, como o dos presentes autos, em que tenha sido verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º/1/ d), ex vi do artigo 79.º/1/ b) e c) e 27.º do RGIT e anulada a decisão de aplicação da coima, não são devidas custas pela Fazenda Pública.
Ocorreu assim lapso que se impõe corrigir.

Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em deferir a requerida reforma quanto a custas e determinar que o processo fique sem custas.
Sem custas.
D.n.
Lisboa, 22 de Maio de 2019. – Aragão Seia (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.