Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0857/12.2BELRS 01173/16
Data do Acordão:11/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
RESPONSABILIDADE FISCAL
Sumário:I - A norma contida no art. 147.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais (CSC), depende de lei formal da Assembleia da República ou de lei do Governo precedida de autorização legislativa que definisse a extensão e sentido da responsabilidade que na mesma se encontra prevista – artigos 165.º n.ºs 1, i) e 2 da atual C.R.P., por referência ao seu art. 103.º n.º 2 (a estas disposições correspondem os artigos 168.º n.ºs 1, i) e 2 e 106.º n.ºs 2 da C.R.P., na versão vigente à data da entrada em vigor do C.S.C.).
II - Inexistindo tal lei formal ou de autorização legislativa, a norma contida no art. 147.º n.º 2 do C.S.C. padece de inconstitucionalidade orgânica, não podendo ser aplicada, e resulta preenchido o fundamento de oposição previsto no art. 204.º n.º1, b), do C.P.P.T.
Nº Convencional:JSTA000P25122
Nº do Documento:SA2201911060857/12
Data de Entrada:10/19/2016
Recorrente:A........, S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: *
1. A…….., SGPS, S.A., inconformada com a sentença proferida no Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a oposição que apresentou, vem interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), com as conclusões que a seguir se transcrevem:

A. A responsabilização da Recorrente pela dívida da Executada Principal foi efetuada, pelo órgão de execução fiscal, ao abrigo daquele n.º 2 do artigo 147.º do CSC, tendo a Recorrente sido chamada a responder de forma solidária e ilimitada conforme decorre da letra desta norma.

B. A ora Recorrente considera que este facto crucial já decorre da matéria de facto selecionada pelo Tribunal a quo mas caso se considere que tal não sucede, então o presente recurso incide também sobre a matéria de facto, pois suprir essa (eventual) omissão é crucial para o bom julgamento da causa.

C. Mal andou o Tribunal a quo ao considerar improcedente a presente oposição.

D. A Recorrida aplicou o disposto no n.º 2 do artigo 147.º do CSC por forma a responsabilizar solidária e ilimitadamente a Recorrente, enquanto sócia da Executada Principal, por dívida tributária desta.

E. Esta norma do CSC, interpretada como estabelecendo uma responsabilidade tributária solidária e ilimitada dos antigos sócios de sociedades liquidadas e dissolvidas, é organicamente inconstitucional, por violação do princípio da legalidade tributária nas duplas vertentes de reserva de lei parlamentar e de tipicidade, ínsito nos artigos 103º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.

F. Isto porque uma norma que estabelece a responsabilidade solidária e ilimitada de alguém por uma dívida tributária de terceiro e não só uma norma de incidência de imposto mas também uma norma que versa sobre as garantias dos contribuintes.

G. O artigo 147.º, n.º 2, não foi criado por Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei autorizado.

H. Mais se constata — fazendo-se o confronto entre o quadro legal anterior ao Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, que aprovou o CSC, e o previsto naquele artigo 147.º, n.º 2 — que nada se estabelecia antes da entrada em vigor daquele Decreto-Lei (nem específica, nem genericamente) quanto às condições em que se verificaria a responsabilidade dos sócios para com as dívidas tributárias de sociedades participadas e entretanto liquidadas e dissolvidas.

I. O que leva a concluir pela “novidade” ou, se se preferir, pela inovação da previsão normativa constante do artigo 147º, n.º 2, do CSC, face ao ordenamento jurídico então em vigor.

J. De resto, o facto de o artigo 21.º, da LGT (diploma aprovado pelo legislador competente - a Assembleia da República - e publicado apenas em 1998), sob a epígrafe “Solidariedade passiva”, não conter qualquer previsão que vá ao encontro do enunciado no artigo 147º, n.º 2, do CSC (iniciativa legislativa do legislador incompetente em matérias fiscais, o Governo) é sinal inequívoco que esta última disposição legal desrespeita de forma direta e total a ideia de autoimposição ou autoconsentimento que se encontra subjacente ao princípio da legalidade tributária, na vertente de reserva de lei.

K. Pode-se, pois, concluir, por todo o exposto, que o artigo 147º, n.º 2, do CSC, quando interpretado no sentido de responsabilizar solidária e ilimitadamente os sócios de sociedades liquidadas e dissolvidas pelo pagamento de dívidas exequendas não exigíveis à data da partilha imediata, como ocorre nos autos, é organicamente inconstitucional, devendo o mesma ser tido como nulo, por violação do princípio constitucional da reserva de lei fiscal (artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP).

L. É jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional que uma norma que estabelece a responsabilidade solidária e ilimitada de alguém por dívidas tributárias de outrem é organicamente inconstitucional, caso não seja estabelecida por Lei da Assembleia da República (cfr. acórdão n.º 311/2007, de 16.05.2007; acórdão n.º 331/2007, de 29.05.2007; acórdão n.º 149/2013, de 19.03.2013; e decisões sumárias n.ºs 528/2007 e 352/2010).

M. O Tribunal a quo considerou que a inconstitucionalidade não se verificava, fundamentando a sua decisão através do exposto no acórdão do TCAS de 22.01.2013 (processo n.º 06133/12).

N. Acontece porém que este acórdão do TCAS dá inteira razão à Oponente, salva o n.º 2 do artigo 147.º do CSC da inconstitucionalidade argumentando que esta norma tem necessariamente de ser interpretada de outra forma, nunca podendo prescrever a responsabilidade solidária e ilimitada a que a Oponente foi sujeita na presente oposição.

O. Para salvar a norma em apreço da inconstitucionalidade apontada, o TCAS argumenta no acórdão citado pela sentença recorrida que a responsabilidade aí referida nunca pode ser ilimitada, devendo ficar, isso sim, limitada ao valor dos bens recebidos em partilha, cabendo à AT provar esse facto.

P. No presente caso, a AT nem sequer menciona — quando mais prova — que bens foram partilhados e qual o seu valor, pois aplicou precisamente a responsabilidade ilimitada, na interpretação que o acórdão do TCAS citado na sentença recorrida diz ser inviável.

Q. Resulta do exposto que

(i) ou o Tribunal a quo considerava que o n.º 2 do artigo 147.º do CSC deve ser interpretado tal como foi aplicado à Oponente pela AT, caso é que é manifestamente inconstitucional,

(ii) ou considerava que esta norma devia ser interpretada corretivamente (como prescreveu o TCAS no acórdão citado na sentença recorrida), caso em que a Oposição deveria ter procedido, pois a AT teria violado grosseiramente a lei ao ter imputado à Oponente uma responsabilidade ilimitada.

R. Em qualquer dos casos, a oposição é manifestamente procedente, devendo ser revogada a sentença recorrida.

S. Ainda que o artigo 147.º, n.º 2 do CSC não fosse organicamente inconstitucional por violação do princípio da legalidade tributária — o que apenas se equaciona, sem conceder, por dever de patrocínio —, ainda assim a Recorrente seria parte ilegítima na execução por inaplicabilidade daquela norma ao caso concreto.

T. Isto porque é inegável que a Sisa subjacente à presente execução é “exigível” desde 2006, ou seja, desde que caducou a isenção prevista no Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações.

U. Sendo que o n.º 2 do artigo 147.º do CSC não é aplicável no presente caso, uma vez que a dívida de imposto é exigível desde 2006, isto apesar do imposto só ter sido oficiosamente liquidado em 2010.

V. A admitir-se hipótese em sentido distinto, tal equivaleria a acolher a ideia de que a Recorrida, a partir da sua incúria, obteria uma vantagem ilegítima (porquanto abusiva) que se traduziria na circunstância de gozar de um regime de responsabilidade imputável aos antigos sócios da devedora originária mais favorável do que aquele que gozaria em circunstâncias ditas normais (i.e., circunstâncias em que a Recorrida cumprisse com os prazos e obrigações legais).

W. Resulta do exposto que a norma constante do n.º 2 do artigo 147.º do CSC nunca seria aplicável ao presente caso, uma vez que a dívida de Sisa subjacente era exigível desde 2006.

X. Acresce a tudo o facto de a dívida exequenda não ser exigível à ora Recorrente por falta de notificação do montante do imposto a pagar, uma vez que nenhuma das pessoas enunciadas no artigo 41.º, do CPPT, como sendo aptas a servir como destinatária de correspondência tributária dirigida a pessoas coletivas (e, nesse sentido, aptas a receber correspondência dirigida pela ora Recorrida à Executada Principal) foi notificada para que dívida exequenda fosse paga.

Y. Em alternativa, e na ausência da figura de um liquidatário associado à liquidação e dissolução da Executada Principal, a Recorrida poderia também ter notificado diretamente a ora Recorrente para a necessidade de pagar a Sisa, na sua qualidade de sócia que sobreveio à devedora originária.

Z. Não tendo este sido o caso, crê-se que sempre se deverá considerar que a dívida exequenda não é exigível à ora Recorrente, em conformidade com o exposto na alínea i) ou, caso assim não se entenda, na alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

AA. Ainda que assim não se entenda, sempre se deverá considerar que a Executada Principal não era, de facto nem de direito, possuidora do Imóvel que deu origem à liquidação de Sisa.

BB. Isto porque foi emitida pela Executada Principal procuração irrevogável relativa ao Imóvel em favor de terceiro, através do qual a Executada Principal deu a este terceiro os poderes necessários para prometer vender e/ou vender o Imóvel e outorgar as respetivas escrituras bem como os contratos e atos necessários à realização deste negócio.

CC. E embora as procurações irrevogáveis não tenham por efeito uma verdadeira transmissão da propriedade em sentido civilístico, produzem efeitos quase idênticos aos da transmissão do direito de propriedade na medida em que, por efeitos da procuração irrevogável, quem outorga a procuração (neste caso, a Executada Principal) deixa de ter qualquer espécie de intervenção sobre o bem objeto da procuração irrevogável, transferindo a totalidade do poder para quem fica em poder da procuração irrevogável (neste caso, o terceiro), por ser esse também quem terá interesse na procuração.

DD. Sendo que, na medida em que a procuração era irrevogável e relativa à venda do Imóvel, a Executada Principal deixou, a partir de 30.10.2003, de ter quaisquer direitos ou poderes sobre o Imóvel os quais passaram para a entidade terceira.

EE. Resulta do exposto que a Executada Principal não possuía, de facto e de jure, o Imóvel desde 2003, embora fosse nominalmente a sua proprietária.

FF. A falta de posse dos bens que originaram a dívida é um dos fundamentos de oposição, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, por provado, devendo, em consequência, ser anulada a decisão recorrida, considerando-se a impugnação procedente.

O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Não foram apresentadas contra-alegações pela Fazenda Pública.

O magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer em que consignou nomeadamente, o seguinte:

“Como resulta do probatório e dos autos a recorrente, foi chamada pelo OEF à execução, na qualidade de sócia da devedora/executada originária, enquanto responsável solidária e ilimitada pela dívida exequenda, sem que tenha alegado/demonstrado que a recorrente tenha recebido quaisquer bens da partilha decorrente da dissolução da primeira.

Em consonância com a recorrente e na senda do acórdão do TCAS, de 22/01/2013, proferida no recurso n.º 6133/12, disponível no sítio da Internet www.dgis.pt, propendemos a sustentar que a recorrente não é responsável pela dívida ao abrigo do disposto no artigo 147.º/2 do CSC, sendo, pois, porte ilegítima na execução.

Vejamos.

Como resulta do probatório e dos autos a presente execução fiscal foi revertida/direcionada contra a, ora, recorrente, enquanto devedora solidária, na sequência da liquidação da devedora originária “B……..”, da qual era sócia.

Da interpretação conjugada das normas dos artigos 147.º, 152.º, 154º, 156.º, 158.º, 162º, 163.º e 164.º do Código das Sociedades Comerciais resulta que a sociedade comercial extinta carece de personalidade jurídica, sem prejuízo de manter algumas das relações jurídicas de que era titular, nomeadamente as obrigações não cumpridas no momento da liquidação.

Nos termos do disposto no artigo 197º./3 do Código das Sociedades Comerciais “Só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade, salvo o disposto no artigo seguinte”.

O referido normativo traduz o princípio da limitação da responsabilidade dos sócios em sociedades de responsabilidade limitada, que, naturalmente, admite exceções.

Assim, por exemplo, nos termos do disposto no artigo 163.º/1 do Código das Sociedades Comerciais “Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam da partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada”.

Todavia, estatui o artigo 147.º do Código das Sociedades Comerciais:

“1.Sem prejuízo do disposto no artigo 148.º se, à data da dissolução, a sociedade não tiver dívidas, podem os sócios proceder imediatamente à partilha dos haveres sociais pela forma prescrita no artigo 156.º.

“2. As dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obstam a partilha nos termos do número anterior, mas por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios, embora reservem por qualquer forma, as importâncias que estimarem para o seu pagamento”.

Da interpretação conjugada destes últimos normativos resulta que a partilha é impedida pela existência de dívidas comuns e dívidas fiscais já consolidadas, mas não pela existência de dívidas fiscais, ainda, inexigíveis à data da partilha.

Todavia, a nosso ver e ressalvado melhor juízo, a responsabilidade a que se refere o normativo do artigo 147.º/2 do Código das Sociedades Comerciais não pode ter a amplitude que lhe confere a Fazenda Pública, não podendo ultrapassar o limite definido no artigo 197.º/3 do Código das Sociedades Comerciais.

De facto, a interpretação sustentada pela Fazenda Pública parece violar o princípio da proporcionalidade e a igualdade entre credores, uma vez que da defesa dessa posição resultaria uma posição muito mais favorável para o Estado relativamente aos restantes credores.

Acresce que, por se tratar de factos constitutivos do seu direito, incumbe à Fazenda Pública, em princípio, nos termos do disposto nos artigos 74.º da LGT e 342.º/1 do Código Civil provar que a sociedade devedora originária tinha bens e que esses bens foram partilhados, o que, manifestamente, não fez no caso em apreciação.

A definição dos pressupostos legais pela verificação dos quais o responsável fica obrigado ao cumprimento da prestação tributária, constituindo-o sujeito passivo da relação jurídica, integram, ainda o conceito de incidência, considerada pela CRP como elemento essencial dos impostos para efeitos de sujeição ao princípio da legalidade tributária.

De qualquer modo, o estabelecimento de um regime de responsabilidade tributária solidária ilimitada por dívidas de terceiro não pode deixar de implicar com as garantias dos contribuintes, que são, também, elementos essenciais dos impostos (artigo 103.º/2 da CRP).

A norma do artigo 147.º/2 do CSC versa sobre incidência subjetiva específica fiscal.

Note-se que o regime de responsabilidade solidária dos sócios ou membros de sociedades de responsabilidade ilimitada ou de outras entidades sujeitas ao mesmo regime de responsabilidade está, devidamente, regulado no artigo 21.º da LGT (Solidariedade passiva), aprovado pelo DL 398/98, de 17/12, ao abrigo do disposto no artigo, 198.º/a)/ b) da CRP, devidamente autorizado pela Lei 41/98, de 04/08, como não poderia deixar de ser.

O normativo do artigo 147.º/2 do Código das Sociedades Comercias, manifestamente inovatório, interpretado no sentido de estabelecer uma responsabilidade solidária e ilimitada por dívidas tributárias de terceiro, parece ser organicamente inconstitucional, por violação do princípio da legalidade tributária na vertente de reserva de lei parlamentar, ínsito nos artigos 103.º/2 e 165.º/1/ i) da CRP, uma vez que o normativo em causa não foi criado por Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei autorizado, mas sim pelo DL 262/86, de 02/09, emitido ao abrigo do estatuído no artigo 201.º/1/ a) da CRP.

A recorrente é, pois, salvo melhor opinião, parte ilegítima na execução, uma vez que, no caso em análise, não é solidária e ilimitadamente responsável pela dívida exequenda, nos termos do estatuído no artigo 147.º/2 do Código das Sociedades Comerciais, apenas podendo responder até ao limite do que eventualmente haja recebido da devedora originária, cabendo à Fazenda Pública a prova de que esta tinha bens e que foram partilhados, o que, no caso em analise, manifestamente, não fez.

Nos termos do estatuído no artigo 608.º do CPC fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pela recorrente.

Termos em que, ressalvado melhor juízo, deve dar-se provimento ao recurso e revogar-se a sentença recorrida, julgando-se procedente a oposição judicial e, consequentemente, a recorrente parte ilegítima na execução fiscal.”

O processo foi ainda a vistos.

2. Objeto do recurso:

Sendo de delimitar o objeto do recurso de acordo com as conclusões recurso apresentadas, consideramos resultarem para apreciação as seguintes questões:

- Se a recorrente foi chamada a responder em execução fiscal de forma solidária e ilimitada, ao abrigo do n.º 2 do art. 147.º do Código das Sociedades Comerciais (C.S.C.);

- Se o artigo 147.º, n.º 2, do C.S.C, na interpretação de responsabilizar solidária e ilimitadamente os antigos sócios de sociedades liquidadas e dissolvidas pelo pagamento de dívidas tributárias não exigíveis à data da partilha, é inconstitucional por violação do princípio constitucional da legalidade tributária nas suas vertentes de reserva de lei parlamentar e de tipicidade, ínsito nos artigos 103.º n.º 2 e 165.º n.º 1, i), da C.R.P.;

-Ilegitimidade da recorrente - por o dito art. 147.º n.º 2, não ter sido aplicado pela AT, no entendimento corretivo da responsabilidade não poder ser ilimitada, mas limitada ao valor dos bens transmitidos, cabendo àquela a prova deste facto;

- A admitir-se em sentido distinto, se a referida norma não é aplicável, uma vez que a dívida de Sisa subjacente era exigível desde 2006, data em que caducou a isenção prevista no Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD);

- Inexigibilidade da dívida - art. 204.º n.º 1 ou e) do CPPT-, por falta de notificação do montante de imposto a pagar nas pessoas enunciadas no art. 41.º do C.P.P.T. ou na pessoa da recorrente, na sua qualidade de sócia que sobreveio à devedora originária;

- Se ocorre o fundamento de oposição previsto n.º 1, b), do art. 204.º do C.P.P.T., por falta de posse de facto e de direito do Imóvel desde 30.10.2003, data em que outorgou procuração irrevogável a favor da Executada Principal.

3. Fundamentação:

3.1. Na sentença recorrida considerou-se: "Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da Oposição, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade", a qual passou a enumerar-se como segue:

1. Os presentes autos têm origem em dívida de Imposto Municipal de SISA (€1.183.126,08) e juros compensatórios (€ 203 562,51) cf. Certidão de dívida 3/2011, emitida em 2011/01/26;

2. A liquidação em causa surge porque a executada não revendeu no prazo de três anos o imóvel sito na Freguesia …………., Concelho e Distrito de Lisboa, sob o artigo matricial urbano nº 3988, adquirido em 24/03/2003 adquirido com isenção de sisa ao abrigo do disposto no nº. 3 do artº. 11º do Código supra referido;

3. O imóvel foi vendido em 06/04/2006,

4. No dia 30/10/2003 no 26º Cartório Notarial de Lisboa foi outorgada procuração irrevogável entre a B…….. e a Parque Expo que confere a esta última poderes para poder vender e/ou comprar o Lote;

5. A executada B………foi notificada na pessoa do seu representante da cessação ……………….., NIF ………………., para efectuar o pagamento da Sisa e respectivos juros compensatórios no prazo de 30 dias, por ofício do serviço de finanças de 2010/12/16, com o nº 6804, por carta registada com aviso de recepção assinado em 23 do mesmo mês, (fI. 154 e 155 do processo de execução apenso)

6. Na sequência da citação referida no ponto anterior o Sr. …………… apresentou-se como representante da executada

7. O prazo limite para pagamento voluntário da dívida terminou em 24/01/2011;

8. A executada pagou o IMI do Lote durante o período compreendido entre 2003 e 2005;

9. Decorrido aquele prazo sem que tenha sido efectuado o pagamento foi extraída a certidão referida e instaurado o presente processo executivo com vista à cobrança coerciva do imposto e juros, com o nº 3336201101004905;

10. A sociedade B…….. foi dissolvida e liquidada em 07/05/2008, conforme consta do sistema informático da DGCI (Sistema de Gestão de Registo de Contribuintes) bem como de certidão de teor da matrícula e de todas as inscrições em vigor relativa à sociedade em causa e emitida em 12/05/2008 pela Conservatória do Registo Comercial de Lisboa;

11. Na data (da dissolução e liquidação) a única accionista era a sociedade A……….. SGPS SA, nº de pessoa colectiva ………….;

12. A matrícula da executada encontra-se cancelada desde 07/05/2008;

13. 10-Consultada cópia da acta número 14, celebrada em 29/04/2008, consta que foi deliberada a dissolução e liquidação da sociedade B………… pelo seu único accionista A……… SGPS SA, representado pelo seu administrador Dr. ………, NIF …….., foi determinado que “de acordo com o disposto no número dois, do artigo cento e quarenta e sete do Código das Sociedades Comerciais, que o accionista único assumirá ilimitadamente eventuais dívidas de natureza fiscal não exequíveis à data de hoje e assumirá a representação da sociedade extinta em eventuais actos futuros decorrentes desta liquidação e dissolução nomeadamente junto a administração fiscal".

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório."

3.2. Quanto à 1ª questão, consideramos que teve lugar o chamamento da ora recorrente à execução fiscal n.º 3336201101004905, mediante a citação da recorrente efetuada com data de "22-8-2011".

A citação, sendo "ato processual" cuja validade não se mostra controvertida quanto à data de "22-8-2011", permite que, nos termos do artigo 160.º do C.P.C., subsidiariamente aplicável, os seus termos possam ser apreciados, o que se insere dentro dos dentro dos limites da sua competência relativa à apreciação da validade do chamamento da recorrente à execução dessa forma efetuada - artigos 35.º n.º 2 e 280.º n.º 1 do C.P.P.T.

Os seus termos constam a fls. 2, 54 a 58 da certidão do dito processo de execução fiscal que aos presentes autos se encontra apensa.

Extrai-se dos mesmos com interesse o seguinte:

- A recorrente foi citada como "executado" e "responsável solidário" no pagamento de "Imposto Municipal de Sisa no montante de € 1 386 688,59, acrescido de € 59461,38, a título de juros de mora, custas e encargos”;

- Tal ocorreu por referência a certidão de dívida em que consta como "devedora" "B……….., S.A. ";

- Essa citação foi originada em "DESPACHO" que a determinou "por se verificar ser da sua responsabilidade o pagamento em causa de acordo com o que determina o já referido n.º 2 do art.º 147.º do CSC", após verificar, de acordo com "informação" prestada, tratar-se de "dívida exigível em data posterior à dissolução da sociedade" e ser a ora recorrente “único sócio da sociedade extinta";

- Mais se considerou no dito DESPACHO: "No mesmo código se prevê que o pagamento de dívidas fiscais seja ilimitada e solidariamente da responsabilidade dos respectivos sócios (art.º 174º, nº 2)".

3.3. Inconstitucionalidade do art. 147.º n.º 2 do C.S.C .

A recorrente pede que se conheça da inconstitucionalidade do art. 147.º n.º 2 do C.S.C., não no entendimento tido na sentença recorrida, mas no sentido da responsabilidade ser ilimitada e solidária tal como aplicado, pela AT, no ato de citação.

Vejamos o que a esse respeito consta da sentença recorrida:

"Vem suscitada a inconstitucionalidade do artº 147º do Código das Sociedades Comerciais,

Sobre esta questão trazemos à colação o acórdão proferido no processo nº 06133/12 de 22/01/2013 do Tribunal Central Administrativo que para os devidos efeitos se transcreve o sumário: "I - O princípio da limitação da responsabilidade dos sócios impede que estes respondam para com os credores pelas dívidas da sociedade, salvo estipulação contratual em contrário (art.º 197º, n.º 3, do CSC). II. Por essas dívidas responde o património da sociedade, excepto, designadamente, em caso de extinção, situação em que os sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada (art.º 163.º do CSC). II. A existência de dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obsta à partilha do seu património; V. Atentos os princípios referidos em I. e II. supra, o art.º 147. n.º 2, do CSC, deve ser interpretado no sentido de que a responsabilidade dos sócios não é limitada pelo valor da respectiva quota, mas pelo valor global dos bens partilhados. Nesta perspectiva o art.º 147. n.º 2, do CSC, não cria quaisquer novas responsabilidades tributárias à revelia da Assembleia da República, podendo apenas ser visto, quando muito, como mero desincentivo à partilha dos bens da sociedade dissolvida enquanto não estiverem liquidadas todas as dívidas fiscais da mesma. Não é, por isso, inconstitucional."

E de tal extraiu que "não colhe este fundamento da Oponente."

Na sentença recorrida adotou-se, pois, um entendimento do art. 147.º n.º 2 do C.S.C., segundo a qual é de aplicar "pelo valor global dos bens partilhados", salvo estipulação contratual em contrário, ou o disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada, por referência, respetivamente, aos artigos 197.º n.º 3 e 163.º n.º 2 do C.S.C.

Tal entendimento não tem suporte na letra do dito art. 147.º n.º 2, em que se encontra prevista a responsabilidade solidária e ilimitada, sem qualquer distinção quanto a sócios de responsabilidade ilimitada ou limitada, não sendo de admitir o entendimento tido de acordo com o art. 9.º n.º 2 do Código Civil.

Contudo, o Tribunal Constitucional (T.C.) tem adotado um conceito funcional de norma, "consoante a sua justificação e sentido", incluindo em tal apreciação "o ato de poder público que cont[enha] uma reserva de conduta" - assim, nos acórdãos n.ºs 183/2008 e 441/2012, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt (conceito diferente do tradicional, em que a norma era caracterizada pela generalidade e abstração).

E em acórdão recente do mesmo T.C.A. Sul - de 17-10-2019 proferido no processo 387/18.9BELLE, acessível em www.dgsi.pt - procedeu-se à aplicação da dita norma não no sentido efetuado na sentença recorrida, mas com o sentido de que os ditos sócios "respondem como todo o seu património", ou seja, num regime “mais gravoso que o estabelecido no artigo 163.º para o passivo superveniente" - assim, foi considerado, citando a doutrina do prof. Raul Ventura, de Carolina Cunha e de Joana Dias.

Admitindo que desse modo se possa conceber a responsabilidade por dívidas fiscais, não se pode deixar de observar que a redação dada ao art. 147.º n.º 2 do C.S.C. remonta ao Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, pelo qual foi aprovado o C.S.C.

Este foi aprovado, após um longo processo legislativo iniciado após o Código Civil de 1966, tendo-se procurado pôr "termo a inúmeras dúvidas e controvérsias", e regulado “mais pormenorizadamente situações até agora não previstas na lei", conforme consta do ponto 2 do seu preâmbulo.

Durante o referido processo legislativo não foi possível proceder à aplicação de lei de autorização legislativa da Assembleia da República (A.R.), a qual chegou a ser obtida aquando do VII Governo Constitucional quanto a dois capítulos "disposições penais e isenções fiscais".

Com efeito, a dita autorização caducou com a queda do respetivo Governo, não se tendo logrado posteriormente obter nova autorização, conforme consta da "nota preambular" do Exm.º Ministro da Justiça José Meneres Pimentel publicada no BMJ 327, a pág. 43.

Aliás, só veio a ser incluído no C.S.C. o título VII referente às ditas "disposições penais", uma vez obtida autorização legislativa da A. R. pela Lei n.º 41/86, de 13 de setembro, a qual não incluiu as ditas "isenções fiscais".

Estando a matéria em causa de algum modo relacionada com a dissolução e liquidação de sociedades, observa-se com interesse o que consta dos pontos 14 e 15 do preâmbulo do dito Dec.-Lei n.º 262/86 que aprovou o C.S.C.:

-"Regula-se a dissolução, segundo as linhas tradicionais, acolhendo-se quanto a sociedades unipessoais a posição de Ferrer Correia e tendo presente o disposto na 2.ª Directiva da CEE”;

-“A liquidação continua a ser regulada nos moldes tradicionais, estabelecendo-se, todavia, um prazo máximo de cinco anos para a liquidação extrajudicial (artigo 150.º) e regras relativas ao passivo e activo supervenientes (artigos 163.º e 164.º).”

Tais referências não permitem considerar que a referida autorização legislativa da A.R. fosse dispensável quanto à responsabilidade de sócios por dívidas de natureza tributária ainda não exigíveis à data da dissolução da sociedade com partilha imediata, disposição cujo caráter é inovatório, conforme se defende no recurso interposto.

Com efeito, ao tempo da entrada em vigor do C.S.C., ocorrida a 1/11/1986, segundo o previsto no art. 2.º do referido Dec.-Lei 262/86 que o aprovou, vigorava o Código de Processo das Contribuições e Impostos (CPCI) de 1963.

Doutrina muito relevante veio a defender que, após a vigência do Código Civil de 1966, "o regime normal das obrigações é o da conjunção", sendo a solidariedade passiva excecional, de acordo com o previsto no art. 513.º do Código Civil - assim, Soares Martinez em Direito Fiscal, na 10.ª ed. Almedina (reimpressão da 7.ª ed., de 1993), a pág. 246, e Braz Teixeira em Direito Fiscal, Lições ao 5.º ano jurídico de 1977/78, ed. da AAFDL, pág. 297.

Aliás, segundo estes autores a responsabilidade solidária, que surge quanto a pessoa alheia à constituição do vínculo tributário, não se confunde com a obrigação solidária.

A responsabilidade pessoal e solidária encontrava-se prevista no C.P.C.I. quanto a "administradores, gerentes e membros do conselho fiscal" (art. 16.º) e quanto a "liquidatários" (art. 17.º), estando ligada ao período em que exerceram atividade ou ao dos factos geradores da dívida - assim, Rúben Anjos de Carvalho e Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos Anotado e Comentado, 2.ª ed. Livraria Almedina, 1969, Vol. 1, pág. 133 e 141.

No entanto, quanto à responsabilidade de liquidatários a mesma encontrava-se prevista "na liquidação de qualquer sociedade", por violação do dever de "começar por satisfazer as dívidas fiscais", o que, com o devido respeito, não abrange o caso de partilha imediata que veio a ser posteriormente previsto no C.S.C.

No dito C.P.C.I., a legitimidade dos executados abrangia os "devedores originários" e os "sucessores de impostos" (art. 146.º n.º1), estando previsto que se procedesse à "destrinça da responsabilidade de cada herdeiro" (art. 151.º).

No Código de Processo Tributário (C.P.T.), de 1991, foi prevista a "responsabilidade fiscal por dívidas de outrem" (art. 11º n.º1), mas colhe-se já referência a que a "Iei estabeleça o regime da responsabilidade tributária".

A responsabilidade dos administradores ou gerentes das empresas e sociedades foi aí prevista quando de responsabilidade limitada (art. 13.º), mantendo-se como "subsidiária e solidária entre si".

A "responsabilidade dos liquidatários de sociedades" (art. 14.º), foi também mantida em termos semelhantes ao anteriormente previsto no C.P.C.I., operando ainda, a título solidário e subsidiário, de acordo com o previsto na parte final do art. 11.º n.º 1 ("entender-se-á, salvo disposição em contrário, que esta é subsidiária").

No C.P.T. foi ainda mantida a dita legitimidade dos executados quanto a "sucessores", bem como a "destrinça da responsabilidade de cada herdeiro" (arts. 239.º e 241.º), não havendo dúvida que se considerarem abrangidos apenas os sucessores mortis causa - neste sentido, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, em Código de Processo Tributário, 4.ª ed. Almedina, 1998, pág. 506, ponto 3.

A "responsabilidade tributária" obteve expressão na Lei Geral Tributária (L.G.T.), aprovada pelo Dec.-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, a qual foi precedida da Lei n.º 41/98, de 4 de agosto, pela qual foi concedida autorização que, de acordo com o seu ponto 15, incluiu "estabelecer os princípios gerais sobre responsabilidade tributária, solidária e subsidiária", sendo, quanto à solidária, em termos de a "regular", "prevendo-a quanto aos sujeitos passivos do imposto, sócios e liquidatários".

Quanto à solidariedade, tida por excecional, foi prevista "quando se verificarem os pressupostos do facto tributário em relação a mais de uma pessoa" (art. 21.º n.º 1), bem como "no caso de liquidação de sociedades de responsabilidade ilimitada ou de outras entidades sujeitas ao mesmo tipo de responsabilidade” (art. 21.º n.º 2).

A "responsabilidade solidária" veio a ser prevista também com caráter "excecional", apenas nos casos previstos na "lei" - artigo 22.º n.º 1 da L.G.T.

Entre esta forma de responsabilidade, a de "liquidatários" (art. 26.º n.º1), em termos semelhantes aos já referidos constantes quer do C.P.C.I., quer do C.P.T.

Consideramos que o aí previsto não permite, assim, que aí se enquadre o que entretanto tinha sido previsto no art. 147.º n.º 2 do C.S.C., com o devido respeito, pela opinião em contrário - na Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª ed. 2012, Encontro de Escrita, pág. 258, ponto 5, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa enquadram no art. 26.º n.º 1 da L.G.T. o art. 147.º n.º 2 do C.S.C.

É certo que o art.147.º n.º 2 do C.S.C. se insere na "Liquidação da sociedade" (Capítulo XIII da parte geral do C.S.C.), sob a epígrafe "Partilha imediata".

No entanto, neste caso, sendo pressuposto que, à data da dissolução, a sociedade não tenha dívidas, não há propriamente liquidação, com pagamento a credores.

Por outro lado, também nenhuma referência se obtém no art. 26.º n.º 1 da L.G.T. quanto à responsabilidade por dívidas então ainda não exigíveis, nem que tal responsabilidade se verifique, "embora reservem por qualquer forma as quantias necessárias para o seu pagamento".

Consideramos, pois, existirem diferenças significativas entre as ditas disposições.

Finalmente, no art. 29.º da L.G.T., prevê-se a "transmissão dos créditos e obrigações fiscais".

Salvo os casos previstos na "lei", quanto à "cessão a terceiros" (n.º1) e "transmissão inter vivos" (n.º3), apenas é possível em caso de "sucessão universal por morte" (n.º 2).

Neste caso, prevê-se a transmissão de obrigações "originárias ou subsidiárias", "mesmo que não tenham sido liquidadas" e "sem prejuízo do benefício do inventário".

A considerar-se que a norma contida no art. 29.º n.º 2 da L.G.T. abranja a transmissão inter vivos, como forma de sucessão, entendida amplamente - o que dificilmente se concebe, pois àquela forma de transmissão se refere o seguinte n.º3 -, resulta inovatória relativamente ao anteriormente previsto quer no C.P.C.I., quer no C.P.T.

Conforme referido anteriormente, nestes apenas se previu a sucessão mortis causa, não servindo, pois, a nova norma contida no art. 29.º n.º 2 para convalidar a inconstitucionalidade orgânica originária que resulta quanto ao referido art. 147.º n.º 2 do C.S.C.

O T.C. tem considerado a definição dos pressupostos legais da responsabilidade, seja solidária ou solidária, como matéria de incidência subjetiva ou de garantias dos contribuintes - nesse sentido, para além dos acórdãos indicados pelo recorrente, o n.º 149/2013, de que se reproduz o extrato que segue:

- (…) "há de entender-se que a definição destes outros pressupostos legais, por virtude de cuja ocorrência o responsável fica, igualmente, obrigado ao cumprimento da prestação tributária, tornando-o "sujeito passivo da relação tributária", integram, ainda, o conceito de incidência, relevado pela nossa Lei Fundamental como elemento essencial dos impostos para efeitos de sujeição ao princípio da legalidade tributária, de reserva de lei formal, na aceção já precisada. Mas, independentemente de um tal entendimento, poderá ainda ver-se o estabelecimento de um regime de responsabilidade tributária solidária ou subsidiária pelas dívidas tributárias de outrem como implicando com as "garantias dos contribuintes", elevadas, igualmente, à categoria de elemento essencial dos impostos pela norma constitucional e sujeitas ao mesmo princípio da legalidade tributária. Na verdade, a obrigação de responsabilidade tributária não deixa de corresponder à imposição, sobre certo sujeito jurídico, de uma obrigação de cumprimento de imposto a título solidário e subsidiário, afetando, pela via da constituição de uma tal garantia patrimonial solidária ou subsidiária, o seu património, em favor do credor tributário."

Assim sendo, a norma contida no art. 147.º n.º 2 do C.S.C. depende de lei formal da Assembleia da República ou de lei do Governo precedida de autorização legislativa que defina a extensão e sentido da responsabilidade que na mesma se encontra prevista - artigos 165.º n.ºs 1, i) e 2 da atual C.R.P., por referência ao seu art. 103.º n.º 2 (a estas disposições correspondem os artigos 168.º n.ºs 1, i) e 2 e 106.º n.ºs 2 da C.R.P., na versão vigente à data da entrada em vigor do C.S.C.).

Consideramos que, inexistindo tal lei formal ou de autorização legislativa, a norma contida no art. 147.º n.º 2 do C.S.C. padece de inconstitucionalidade orgânica, não podendo ser aplicada.

Não existe fundamento para a responsabilidade tributária, consideramos preenchido o fundamento de oposição previsto no art. 204.º n.º 1, b), do C.P.P.T., tendo de se revogar a sentença recorrida e julgar extinta a execução - art. 176.º n.º 1, b), do C.P.P.T.

3.4. Consideramos ainda prejudicado o conhecimento das demais questões.

4. Decisão:

Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença proferida e julgar extinta a execução.

Custas pela recorrida, embora sem taxa de justiça no recurso, dado que não contra-alegou.

Lisboa, 6 de Novembro de 2019. – Paulo Antunes (relator) – Ascensão Lopes (vencido conforme anexo) – José Gomes Correia.

Voto de Vencido

As minhas reservas em relação ao projecto que fez vencimento estiveram desde logo na qualificação do n.º 2 do 147.º do CSC como um "caso de "responsabilidade tributária". Estes casos reconduzem-se a situações em que a lei (por estar em causa uma obrigação tributária tem de constituir-se ex lege) permite que seja exigida uma dívida tributária a pessoa diferente do sujeito passivo/contribuinte, independentemente da sua vontade e sem que ele possa evitar que tal obrigação se constitua na sua esfera jurídica.

Já no caso que nos ocupa, do que se trata, à semelhança da transmissão das obrigações tributárias (art. 29.º da LGT), não é de se constituir ex lege (e nos limitados casos em que a lei o pode fazer) uma obrigação tributária na esfera jurídica do transmissário dos bens provenientes da partilha dos bens da sociedade liquidada; mas sim de, por efeito e consequência directa daquela transmissão dos bens, se operar também uma transmissão da obrigação de pagamento da dívida tributária. Em suma: estamos perante uma transmissão do dever de cumprir uma obrigação fiscal e não perante a constituição ex lege de uma obrigação fiscal na esfera do transmissário.

Fazemos esta interpretação tendo em atenção diversas normas do CSC. Vejamos: a epígrafe do artigo ("partilha imediata") dá nota de que o interesse do transmissário dos bens da sociedade em processo de liquidação é obter os bens de forma mais célere (todos ou parte deles, consoante esteja em causa uma transmissão global ou uma partilha, arts. 148.º e 147.º do CSC, respectivamente), o que só pode suceder se não existirem dívidas, incluindo fiscais, pois que se existirem, o n.º 1 impede a partilha imediata. Caso não existam dívidas, então o ou os transmissário(s) recebem a parte dos bens resultante da partilha e assume(m), por força da sua opção (a partilha imediata tem de ser requerida pelos beneficiários), o ónus do pagamento das "dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução", de forma ilimitada (leia-se, não limitada ao montante dos bens recebidos da partilha, como sucederá no caso de não optarem pela antecipação da partilha e as dívidas de natureza não fiscal surgirem de modo superveniente - art. 163.º/1 do CSC) e solidária entre eles (n.º 2 do 147.º e do 148.º).

Este preceito equipara-se ao regime do artigo 29.º, n.º 2 da LGT e não aos casos de responsabilidade tributária. Também por esta razão, não é uma norma de incidência (não cuida da determinação dos sujeitos da obrigação tributária), ou que modele em substância o sistema tributário mas sim de gestão e administração do tributo (cuida apenas de aspectos relacionados com a gestão e administração do imposto no âmbito da liquidação lato sensu), embora institua um ónus agravado relativamente a dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução no caso da partilha antecipada, o que tem como consequência que não está subordinada à reserva material do princípio da legalidade fiscal, mas apenas ao princípio geral da legalidade (artigo 8.º da LGT) e, consequentemente, a sua aprovação por decreto-lei não é a nosso ver inconstitucional. Neste sentido o recente Acórdão do TCA-Sul datado de 17/10/2019, tirado no recurso 387/18.9BELLE que se expressa no sentido de tal normativo instituir o reconhecimento excepcional do direito de partilha e concomitantemente o estabelecimento e um mecanismo de salvaguarda dos créditos fiscais prováveis pelo que não criando novos impostos nem impondo novas responsabilidades tributárias, ou bolindo com a "garantia dos contribuintes", a mesma norma não padece de inconstitucionalidade orgânica por violação do artº 165º nº 1 aI. i) da CRP. Com efeito, o escopo da norma não é instituir uma obrigação fiscal nem proteger sujeitos passivos ou responsáveis fiscais, mas tão só instituir um ónus que objectivamente pode ser um instrumento de desincentivo à partilha antecipada dos bens de uma sociedade em liquidação, sendo que caso eles não optem por essa antecipação a sua obrigação de satisfazer aquelas dívidas segue o mesmo regime que o pagamento das restantes dívidas comerciais; isto é pelas dívidas existentes no momento da liquidação só respondem os bens da sociedade em liquidação e pelas dívidas subsequentes à partilha (não antecipada) respondem os sócios, mas só na medida do benefício recebido da partilha (artigo 163.º do CSC).

Por tudo, entendemos que a norma contida no art. 147.º n.º 2 do C.S.C., não padece de inconstitucionalidade orgânica, o que influenciaria a sorte da presente oposição que não poderia, com este fundamento, ser julgada procedente.

(Ascensão Lopes)