Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0933/15.0BELRA
Data do Acordão:11/27/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
TRIBUTÁVEL
COMPETÊNCIA POR CONEXÃO
APENSAÇÃO
PROCESSO
CÚMULO JURÍDICO
CUMULO MATERIAL
Sumário:I - A apensação de processos de contraordenação tributária na fase judicial deve observar os critérios de conexão objectiva e subjectiva previstos nos arts.24º, 25º e 29º CPPenal/art.41º RGCO/art.3º al.b) RGIT.
II - A competência por conexão determinante da apensação encontra razões justificativas na economia e simplicidade processuais, boa administração da justiça e prestígio das decisões judiciais (prevenindo o risco de decisões contraditórias na apreciação de condutas substancialmente semelhantes).
III - Na fase judicial a apensação deve ser ordenada no despacho liminar, em qualquer momento antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho (artigo 64º RGCO; art 82º RGIT).
IV - Não deve ser ordenada a apensação de processos de contraordenação tributária, que, embora na fase judicial, se encontrem em fases processuais distintas: o primeiro, com sentença proferida no tribunal tributário; o segundo pendente no STA-SCT em consequência da interposição de recurso jurisdicional; o terceiro pendente no tribunal tributário aguardando o proferimento de sentença.
Nº Convencional:JSTA000P25234
Nº do Documento:SA2201911270933/15
Data de Entrada:04/08/2019
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1. A……….., Lda interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente o recurso judicial da decisão de aplicação de coima pela autoridade administrativa no montante de € 10 397,13

1.2. A recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
A) - O douto Tribunal "a quo" julgou improcedente o recurso da decisão da fixação da coima, não tendo atendido ao pedido formulado pela Recorrente de organizar um único processo e aplicar uma única coima.
B) - O facto de às contraordenações fiscais ser aplicável o regime do cúmulo material e não o cúmulo jurídico não significa que não se obtenha utilidade processual com a organização de um único processo de contraordenação ou com a apensação de todos os processos de contraordenação, instaurados contra o mesmo infrator.
C) - Não sendo aplicável o regime do cúmulo jurídico às infrações fiscais não significa, isso, que ao mesmo arguido possa ser aplicado um número infinito de coimas, independentemente do valor máximo aplicável a todas elas, quer a título de dolo, quer a título de negligência.
O) - Sempre que ao mesmo infrator sejam aplicadas diversas coimas em diferentes processos, será de todo o interesse, quer por razões de economia processual, quer de certeza e justiça na aplicação do direito apensar todos os processos num único aplicando-se apenas uma coima.
E) - A apensação ou a organização de um único processo de contraordenação com a finalidade de ser aplicada uma única coima ao infrator, não pode ficar à mercê da vontade da autoridade administrativa, que atua recorrentemente de forma discricionária, originando que cada Serviço de Finanças possa decidir sobre se organiza ou não um único processo, ou se apensa ou não vários processos de contraordenação sem que o contribuinte possa colocar em causa essa mesma decisão.
F) - Não existindo norma legal que confira competência exclusiva à autoridade administrativa para ser ela a organizar um único processo ou a apensar os diversos processos de contraordenação, pode o Tribunal ordenar a organização ou a apensação de processos instaurados contra o mesmo infrator, com vista à aplicação de uma única coima.
G) - Neste sentido já se pronunciaram os tribunais superiores, nomeadamente o STA no acórdão proferido no processo 01396/14, de 04/03/2014 cujo sumário se transcreve: "II - No momento em que a impugnação da decisão administrativa que aplicou uma sanção relativa a uma infração como a dos autos dá entrada em Tribunal, conjuntamente com outras respeitantes ao mesmo infractor, ou quando relativamente a esse infractor já se encontrem pendentes nesse Tribunal processos por infracções idênticas, o juiz deve ordenar a apensação de processos, cumprindo a regra estabelecida no artigo 25° do Código de Processo Penal; III - Na fase judicial a apensação deve ser ordenada no despacho liminar ou em qualquer momento antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho, cfr. artigo 64° do RGIMOS e 82° do RGIT;".
H) - Bem como o Acórdão do STA proferido no processo 01026/17, de 15/11/2017, onde se refere: "1- No momento em que a impugnação da decisão administrativa que aplicou uma sanção relativa a uma infracção como a dos autos, dá entrada em Tribunal, conjuntamente com outras respeitantes ao mesmo infractor, ou quando relativamente a esse infractor já se encontrem pendentes nesse Tribunal processos por infracções idênticas, o juiz deve ordenar a apensação de processos, assim cumprindo a regra estabelecida no artigo 25° do Código de Processo Penal; II - Na fase judicial a apensação deve ser ordenada no despacho liminar ou em qualquer momento antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho, cfr. artigo 64° do RGIMOS e 82° do RGIT.
I) - Assim, a regra, ou o princípio geral do CPP é que a cada crime corresponde um processo para o qual é competente um tribunal, no entanto, esta regra pode ser alterada, instaurando-se apenas um único processo para vários crimes ou infrações, desde que entre eles/elas exista uma ligação (conexão) que justifique uma decisão conjunta.
J) - No caso concreto, contra a ora recorrente foram instaurados mais dois processos de contraordenação, verificando-se pelo menos, a conexão subjetiva, situação à qual é aplicável o regime do artigo 25° do CPP.
L) - Ou seja, contra a recorrente foram instaurados os processos de contraordenação 133320150160000013007 e 13332015060000013430, tendo a recorrente apresentado recurso judicial contra a decisão de fixação da coima no mesmo dia em que apresentou o recurso no presente processo, motivo pelo qual na petição apenas identificou o número do processo de contraordenação e não o n.º do processo judicial, por este, ainda, não existir.
M) - Ao processo de contraordenação número 133320150160000013007 corresponde o processo judicial número 1100/15.8BELRA, cuja decisão proferida em 1.ª instância foi objeto de recurso para o STA e ao processo de contraordenação número 13332015060000013430 corresponde o processo judicial número 1089/15.3BELRA, processo este pendente no TAF de Leiria, pelo que se impunha a aplicação de uma única coima.
N) - Do exposto resulta que a douta decisão recorrida violou o artigo 25° do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente por força do disposto na alínea a) do artigo 3° do RGIT.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser anulada a douta sentença recorrida, ordenando-se a baixa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, para cumprimento do regime do artigo 25° do CPP, fazendo-se assim a Costumada Justiça.”

1.3. A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações

1.4. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso (processo electrónico fls.117)

1.4. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
1. Em 31-07-2012 a Recorrente procedeu à entrega do primeiro pagamento por conta referente ao ano de 2012 (cfr. fls. 12 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2. Em Maio de 2013 a Recorrente procedeu à entrega da declaração modelo 22 do IRC na qual se apurou imposto a pagar no valor de € 114.548,10 (cfr. fls. 27 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3. Em 18-12-2013 e 25-01-2014 a Recorrente regularizou o valor de € 113.204,75 (cfr. fls. 28 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4. Em 28-02-2015 foi instaurado o processo de contra-ordenação n.º 13332015060000007783 tendo sido levantado auto de notícia com o seguinte teor:

Serviço de Finanças: BATALHA - [1333]


01 IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO INFRACTOR


Designação: A……….. SA


Sede: ……….. N …..

2440-…. BATALHA


NIPC: ………..


Enquadramento: Regime Geral


CAE/CIRS: 045190


02 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM A INFRACÇÃO CIRC


1. Imposto/Trib.: Imposto Sobre Rendimento Pessoas Coletivas (IRC)

2. Valor da prestação tributária em falta: 74.041,70

3. Período a que respeita a infração: 2012/12

4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2012-12-15

5. Normas infringidas: Artº 104 nº1 a) CIRC - Falta de entrega de Pagamento por Conta

6. Normas punitivas: 114 nº 2, 5 f) e 26 nº 4 do RGIT - Falta de entrega de pagamento por conta




03 IDENTIFICAÇÃO DO AUTUANTE, DATA E LOCAL DA INFRACÇÃO


Nome do Autuante: B………..


Categoria / Funções do Autuante: ……….


Data e Local: Em 28 de Fevereiro de 2015, na Direcção de Serviços de Cobrança


Verifiquei, pessoalmente, na data e local referidos no quadro 03, que o sujeito passivo identificado no quadro 01, não entregou, para o período e até à data referida, respetivamente, em 2 e 3 do quadro 02, o pagamento por conta, o que constitui infração às normas previstas em 5, punível pelas disposições referidas em 6, do mesmo quadro.

Nos termos do Artº 8º do RGIT é(são) responsável(eis) pela prática das infrações descritas, e, cumulativamente com esta, é(são) subsidiariamente responsável(eis) nos termos do nº 3 do mesmo artigo, o(s) Administradores(es)/Gerente(s) em funções à data do termo do prazo para cumprimento da obrigação.

Para os devidos e legais efeitos, levantei o presente auto de notícia que vai por mim assinado, não o fazendo, o infrator por não se encontrar presente no momento do seu levantamento.(cfr. fls. 3 a 5 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. Em 01-03-2015 foi emitida em nome da Recorrente «Notificação de defesa / Pagamento c/ redução art. 70 RGIT» (cfr. fls. 6 a 9 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6. Em 20-03-2015 foi pelo Director de Finanças de Leiria aplicada coima à Recorrente no valor de € 23.545,26, de acordo com decisão com o seguinte teor

Descrição Sumária dos Factos

Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Noticia pelos seguintes factos: 1. Imposto/Trib.: Imposto Sobre Rendimento Pessoas Coletivas (IRC); 2. Valor da prestação tributária em falta: 74.041.70; 3. Período a que respeita a infração: 2012/12; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2012-12-15, os quais se dão como provados.

Normas infringidas e Punitivas

Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela lei nº 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).


7. O presente recurso foi apresentado no Serviço de Finanças da Batalha em 17-04-2015 (cfr. fls. 16 dos autos).

2.2. DE DIREITO
2.2.1. Questão decidenda: legalidade da decisão de indeferimento da apensação de processos de contraordenação fiscal

2.2.2. Apreciação jurídica
2.2.2.1. Em processo penal a conexão objectiva ou subjectiva de processos determina a organização de um único processo ou a apensação de processos distintos, logo que a conexão determinante for reconhecida; a conexão só opera relativamente a processos que se encontrem simultaneamente na fase de inquérito, instrução ou julgamento (arts.24º, 25º e 29º CPPenal /art.41º nº1 RGCO aprovado pelo DL nº 433/82, 27 outubro /art.3º al.b) RGIT).
No caso de conexão subjectiva são imputadas várias infracções ao mesmo agente, cujo conhecimento é da competência da mesma entidade administrativa (art.25º CPPenal adaptado ao processo de contraordenação tributária).
Merece transcrição o discurso de doutrina qualificada sobre os motivos subjacentes ao mecanismo da apensação processual:
A competência por conexão encontra a sua razão justificativa, “…antes de tudo, (na) economia processual. Mas não só, pois a ela acrescem – quando não mesmo se sobrepõem – razões de boa administração da justiça penal (juntando processos conexos será provavelmente mais esgotante a produção probatória e respectiva cognição) e mesmo de prestígio das decisões judiciais (pois desaparecerá o perigo de uma pluralidade de decisões sobre infracções conexas se contradizerem materialmente).” Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, primeiro volume, pág. 347.
“O princípio geral de que parte o CPP é o de que a cada crime corresponde um processo para o qual é competente o tribunal definido em função das regras da competência material, funcional e territorial

A lei admite, porém, que a regra básica de que a cada crime corresponde um processo seja alterada, organizando-se um só processo para uma pluralidade de crimes, desde que entre eles exista uma ligação que torne conveniente para a melhor realização da justiça que todos sejam apreciados conjuntamente. A esta ligação entre os crimes, que determina excepções à regra de que a cada crime corresponde um processo e às regras de competência material, funcional e territorial, definidas em função de um só crime, chama a lei conexão e consequentemente a denominada competência por conexão (epígrafe da secção III, cap. II, livro I) representa um desvio às regras normais da competência em razão da organização de um único processo para uma pluralidade de crimes ou da apensação de vários processos que hão-de ser apreciados e decididos conjuntamente.
A conexão de processos é determinada por conveniência da Justiça. Ou porque há entre os crimes uma tal ligação que se presume que o esclarecimento de todos será mais fácil ou mais completo quando processados juntamente, evitando-se possíveis contradições de julgados e realizando-se consequentemente melhor justiça ou porque o mesmo agente responde por vários crimes e é conveniente julgá-los a todos no mesmo processo até para mais fácil e melhor aplicação da punição do concurso de crimes (art. 77.º do CP)”. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, págs. 193 e 194
No mesmo sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, entre outros, no acórdão n.º 21/2012, 12 janeiro 2012: “
A regra geral é a de que a cada crime corresponde um processo, para o qual é competente determinado tribunal, em resultado da aplicação das regras de competência material, funcional e territorial. Contudo, tendo em vista objetivos de harmonia, unidade e coerência de processamento, celeridade e economia processual, bem como para prevenir a contradição de julgados, em certas situações previstas nos artigos 24.º e 25.º do Código de Processo Penal, a lei admite alterações a esta regra, permitindo a organização de um único processo para uma pluralidade de crimes, exigindo-se, no entanto, que entre eles exista uma ligação (conexão) que torne conveniente para a melhor realização da justiça que todos sejam apreciados conjuntamente”. Portanto, a competência por conexão tem a sua razão de ser, essencialmente, na melhor realização da justiça, na conveniência da justiça e na economia processual.
A conveniência da apreciação conjunta da conduta do arguido, em caso de concurso de infracções, no sentido de uma ponderada avaliação da culpa do agente e da aplicação de pena única surge consideravelmente atenuada no domínio das contraordenações tributárias onde (contrariamente ao regime geral das contraordenações em que é possível o cúmulo jurídico das coimas) é imperativa a realização de concurso material das coimas aplicadas, apenas subsistindo a vantagem da economia, simplificação processuais e da prevenção da contradição de julgados (art.19º RGCO; art.25º RGIT)
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem emitido pronúncia no sentido de que a apensação deve ser ordenada no despacho liminar ou em qualquer outro momento antes de ser designada data para julgamento ou antes da decisão da causa por mero despacho, inculcando a necessidade de ela só poder ter lugar na fase judicial do processo de contraordenação que decorra no tribunal tributário (acórdãos STA-SCT 4.03.2015 processo nº 1396/14; 11.03.2015 processos nºs 1557/14 e 74/15; 17.06.2015 processo nº 137/15; 9.09.2015 processo nº 70/15)
2.2.2.2. Neste contexto as características do caso concreto tornam evidente a inconveniência da apensação de processos nos termos pretendidos pela recorrente, segundo os quais o processo deveria ser devolvido ao TAF de Leiria para apensação de dois outros processos que se encontram em fases processuais diferentes: um pendente no STA-SCT para apreciação de recurso jurisdicional (processo nº 1100/15.8BELRA); outro pendente no TAF Leiria aguardando a prolação de sentença (processo nº 1089/15.3BELRA)
A devolução do processo ao tribunal tributário obrigaria a uma regressão da tramitação processual de dois processos pendentes numa instância superior para apreciação de recursos interpostos de decisões que já aplicaram coimas autónomas em processos distintos.

3. DECISÃO
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de novembro de 2019. – José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – José da Ascensão Nunes Lopes.