Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01172/14
Data do Acordão:02/03/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
SUJEITO PASSIVO NÃO RESIDENTE
Sumário:I - As disposições do Tratado CE, que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos do direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
II - É incompatível com o direito comunitário, porquanto limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra, o disposto no nº 2 do artigo 43 do CIRS, por não aplicação aos residentes fora do território nacional a limitação de tributação a 50% das mais valias realizadas que estatui para os residentes no território nacional.
Nº Convencional:JSTA000P20038
Nº do Documento:SA22016020301172
Data de Entrada:10/27/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

1. A Fazenda Pública vem interpor recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou a impugnação interposta por A…………. e outra, parcialmente procedente, concluindo pela ilegalidade do acto de liquidação do IRS, que tributou as mais-valias apuradas na totalidade, na sequência da venda de um imóvel, nos termos do artigo 43º, nºs. 1 e 2 do CIRS, por interpretação a contrario sensu, interpretação esta que violaria o Tratado que institui a Comunidade Europeia.

2. Apresentou as seguintes conclusões das suas alegações:
I. O Tribunal a quo decidiu-se pela ilegalidade do acto de liquidação de IRS, que tributou na totalidade, as mais valias realizadas pelos recorridos com a venda do imóvel identificado na sua declaração de rendimentos, nos termos do art. 43.º, nº 1 e 2 do CIRS, por interpretação à contrario sensu, interpretação esta que, no entender do douto Tribunal, é ilegal porque desaplica o disposto no art. 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia.
II. No caso vertente, a alienação foi realizada por um sujeito passivo não residente, tendo, nessa sequência a Administração Tributária procedido ao apuramento da mais valia, na sua totalidade.
III. Salvo o devido respeito, que é muito, não pode a Administração Tributária conformar-se com a douta decisão proferida, uma vez que apesar do cálculo de apuramento de mais valias obtidas por residentes e por não residentes no território português ser diferente, tal não promove qualquer desigualdade, ilegalidade ou violação do principio da capacidade contributiva.
IV. No que concerne a esta questão, defendeu o Ministério Público que “estando em causa uma mais valia realizada por sujeitos passivos residentes na Grã-Bretanha (e consequentemente não residentes em Portuga!), o valor da mesma, face ao disposto no nº 2 do art. 43.º do CIRS, “a contrário”, não pode ser considerado apenas em 50% mas sim pela sua totalidade”.
V. Um sujeito passivo residente encontra-se obrigado a declarar todos os rendimentos obtidos, dentro e fora do território português, enquanto que o sujeito passivo não residente apenas é forçado a declarar os rendimentos obtidos em Portugal.
VI. Desta forma, o legislador pretendeu tratar de forma diferente, situações que efectivamente o são, não decorrendo dai qualquer ilegalidade.
VII. Isto porque não se pode tributar da mesma forma situações distintas e tanto assim é que no que concerne à tributação liberatória, esta impõe-se aos sujeitos passivos não residentes, devido à impossibilidade de englobamento dos rendimentos por estes obtidos, enquanto que os sujeitos passivos residentes, podem sempre optar pelo englobamento previsto no n. º 6 do Art. 71.º do CIRS;
VIII. Por todo o exposto, entende a Administração Tributaria que o douto tribunal a quo devia ter considerado as diferenças dos destinatários quando proferiu a sua decisão.
Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas. deve ser dado provimento ao presente recurso e, e consequência, deve a sentença recorrida ser totalmente improcedente, porém, V Exas. decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.

3. Os recorridos vieram contra-alegar, concluindo conforme se segue:
A - O Contra-Alegante, na íntegra, discorda de toda a argumentação dispendida pelo DRFP, nas suas alegações de recurso, dado que a existir erro de julgamento este teria a ver com o facto de não ter sido ordenada a anulação da liquidação integralmente e nunca por ter sido, como foi, ordenada a anulação parcialmente;
B - Toda a argumentação deixada pelo Alegante nas alegações que apresentou, afronta deliberadamente toda a jurisprudência já firmada nos Tribunais Superiores e não só, pois também afronta o Acórdão de 16/03/1999, Trummer e Mayer, C-222/97, do T.J.C.E., acima mencionado.
C — Consequentemente, todo o alegado e vertido nas alegações de recurso, apresentadas pelo DRFP, com o devido respeito e salvo melhor opinião, não podem ser valorizado em desfavor do Contra-Alegante, visto não terem sentido e estarem desapoiadas de qualquer norma legal.
D — Logo, toda a argumentação interpretativa desenhada pelo DRFP, no que ao nº 2 do artigo 43º do CIRS respeita, está em total desarmonia com a jurisprudência que já tratou e interpretou largamente a citada norma, em matéria como a tratada nos presentes autos,
Ou seja,
E — Tanto os tribunais inferiores e os superiores já se pronunciaram amiudadas vezes sobre a questão relacionada com o facto da referida norma se aplicar, não só aos residentes no território português, com aos residentes na união europeia, visto nem uns nem outros poderem ter diferente tratamento, dado, todos, estarem subordinados ao princípio da igualdade e do tratamento igual.
No fundo,
F — Com o devido respeito e salvo melhor opinião, tudo tem a ver com o facto dos residentes na União Europeia não poderem ser considerados estrangeiros e, como não são considerados estrangeiros, mas residentes, todos, na União Europeia, para os efeitos do art. 43.º, n.º 2 do CIRS, no que às mais-valias diz respeita, é-lhes dado o mesmo tratamento que os residentes em Portugal.
G — Logo, os tribunais portugueses têm seguido a rigor, como é de Lei, não só o supra citado acórdão do T.J.C.E., como o artigo 56º do aludido Tratado, dado este último ser uma norma de carácter reforçado e superior a qualquer lei ordinária, mormente superior e com carácter reforçado perante o Código do IRS.
21. Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e, em consequência, ser mantida a douta sentença em recurso, com o consequente reembolso do montante de 106.023,87€, acrescidos dos respectivos juros indemnizatórios.

4. O magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento, de acordo com o parecer que se transcreve:
Questão decidenda: (in)compatibilidade da norma constante do art.43º nº2 CIRS com o principio da liberdade de circulação de capitais consagrado no art.56º nº1 CE Tratado institutivo da Comunidade Europeia (actualmente art. 63º Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia)
1. Apreciando pedido de decisão prejudicial formulado pelo STA-SCT sobre a questão decidenda pronunciou-se o TJCE em acórdão proferido em 11 outubro 2007 (processo nº C- 443/06) nos seguintes termos:
O artigo 56º CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente de Estado onde está situado esse bem imóvel.
2. A jurisprudência do STA-SCT pronunciou-se, posteriormente, em conformidade com a interpretação da norma comunitária formulada pelo TJCE, no sentido da incompatibilidade com o art.56º CE, por configurar injustificada violação aos movimentos de capitais, de uma interpretação da norma constante do art.43º nº2 CIRS que limite aos sujeitos passivos residentes a tributação em 50% das mais-valias imobiliárias realizadas, excluindo dessa limitação os sujeitos passivos não residentes (acórdãos STA-SCT 16.01.2008 processo nº 439/06; 30.04.2013 processo nº 1374/12). O princípio do primado do direito comunitário, com expressão constitucional (art.8º nº2 CRP), e a adesão à interpretação da norma comunitária formulada no acórdão do TJCE consequenciam a ilegalidade parcial da liquidação parcial do acto tributário impugnado, na componente resultante da consideração de mais de 50% das mais-valias realizadas com a alienação dos imóveis identificados no processo.
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.

5. Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentos


De facto
1. A representante fiscal dos Impugnantes – B……… - procedeu à entrega da declaração de IRS - Modelo 3, respeitante ao ano de 2004, juntamente com o respectivo Anexo G relativamente aos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidas com alienações de imóveis realizadas, em 2005-03-31 — cfr. consta do PA aqui em anexo;
2. A declaração supra deu origem à liquidação n.º 4150484 de 20050905 no montante de € 212.047,74, por aplicação da taxa de 25% ao rendimento global de €848.190,93— cfr. consta do PA aqui em anexo;
3. A liquidação supra enunciada foi paga em 25-10-2005, com a nota n.º 2005 1145287— cfr. consta do PA aqui em anexo;
4. Os Impugnantes apresentaram junto do Serviço de Finanças de Lisboa 7 um pedido de revisão do acto tributário de liquidação de IRS de 2004, n.º 2005 5004150484 no montante de € 212.047,74 invocando que a liquidação se materializou em erro imputável aos serviços, por errónea interpretação da Lei — cfr. consta do PA aqui em anexo (fls. 16 e seg.);
5. O pedido supra foi indeferido por despacho do Substituto Legal do Director-Geral dos Impostos de 23/12/2009, face aos fundamentos em que se baseou o projecto de indeferimento; que por sua vez se baseia no parecer n.º 52/09, de 2009JUL24 do CEF, onde foram proferidas as conclusões a seguir se transcrevem:
“(...)
I. O pedido de parecer solicitado a este Centro de Estudos por parte da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares incide sobre a análise ao requerimento de revisão do acto de liquidação de IRS, relativo ao ano fiscal de 2004, no que diz respeito à aplicação do artigo 78. º, nº 1 da LGT e do n.º 4 do mesmo artigo à situação em apreço, bem como no que concerne à tributação das mais-valias imobiliárias de não residentes face ao entendimento decorrente do Acórdão do TJCE de 11.10.2007.
II. Tendo em conta que o STA tem proferido Acórdãos no sentido de conceder a possibilidade do sujeito passivo solicitar a revisão de actos tributários, ao abrigo do art. 78. º, n.º 1, 2ª parte da LGT, cumpre analisar o sentido do segmento normativo “erro imputável aos serviços” bem como esclarecer se a situação sub judice poderia ser subsumida a um “erro de direito imputável aos serviços
III. Neste sentido, salienta-se a jurisprudência do STA que se pronunciou, abundantemente sobre o âmbito material da expressão “erro imputável aos serviços” para efeitos do art. 78. º, n.º 1 da LCT tendo fixado o entendimento de que tal conceito também abarca erros de direito, onde se inclui a ilegalidade com base em aplicação de norma do direito nacional contrário às regras do Direito Comunitário.
IV. Sublinha-se, no entanto, que a situação fáctica em apreço no presente parecer apresenta contornos diversos da factualidade constante da jurisprudência citada no ponto anterior. Deste modo, na situação que está na base do pedido sub judice, os serviços respectivos procederam à emissão da nota de liquidação de IRS em 2005, i.e., em data anterior ao Acórdão do TICE de 11 de Outubro de 2007 (Processo C-443/06) que veio a considerar o art. 43.º, n.º 2 do CIRS violava o art. 56.º do TCE, pelo que na liquidação de IRS não se vislumbra a existência de qualquer erro de facto ou de direito praticado pelos serviços.
V. Mesmo concedendo, na esteira da posição que o STA tem uniforme e reiteradamente afirmado, que o erro imputável aos serviços não se restringe aos chamados erros materiais mas também aos erros de direito, é de toda a evidência que, no caso sub judice, não se ver nem erro de facto, nem erro de direito, uma vez que o TJCE só emitiu pronúncia em data posterior à liquidação.
VI. Assim, perante a inexistência de fundamento em erro de direito imputável aos serviços no caso em apreço, propõe-se, salvo melhor opinião, o indeferimento do pedido de revisão do acto de liquidação de IRS.
VII. No que diz respeito à eventual aplicação do art. 78.º, nº 4 e nº 5 da LCT à situação em apreço, cumpre atender ao entendimento que resulta do Parecer n.º 109/04, de 29.11.2004, deste Centro de Estudos, no sentido de que “a revisão excepcional ao abrigo do nº3 [actual n.º4 do art. 78º], também pressupõe que a matéria tributável tenha sido apurada ilegalmente: i. e., estamos a referir-nos à ilegalidade no sentido amplo em que é actualmente entendida, de bloco de legalidade (...)”. Ora, recorrendo à argumentação apresentada nos pontos IV e V considera-se que no caso em análise não se verificou, segundo a nossa opinião, qualquer ilegalidade, cuja consequência seja a injustiça grave ou notória.
VIII. Pelos fundamentos acima expostos, conclui-se que a situação sub judice não qualifica como injustiça grave ou notória, nos termos dos nºs 4 e 5 do art. 78.º da LGT pelo que se considera que ao caso em apreço não seria de aplicar o entendimento decorrente do Acórdão do TJCE de 11 de Outubro de 2007.”
Tudo conforme consta do PA aqui em anexo;
6. Os impugnantes tomaram conhecimento da decisão supra por carta registada com aviso de receção que foi assinado em 23/02/2010 — cfr. consta do PA aqui em anexo;
7. Os Impugnantes são residentes em Inglaterra — cfr. fls. 15/16 dos autos.
8. A presente impugnação foi apresentada em 31/03/2010 — cfr. fls. 2 dos autos).

De direito
Perante a factualidade dada como provada o M Juiz a quo julgou parcialmente procedente a impugnação e determinou a anulação da liquidação impugnada na parte referente a 50% do rendimento auferido a título de mais-valias imobiliárias e ao respectivo reembolso do imposto indevidamente liquidado, e condenou a Administração Tributária ao pagamento de Juros indemnizatórios nos termos previstos no art. 43.º da Lei Geral Tributária, contados desde a data do pagamento do imposto até à emissão da respectiva nota de crédito.
A Fazenda Publica como se vê do teor das suas conclusões de recurso discorda do decidido por entender que a consideração em 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos valias realizadas para efeitos de incidência do IRS respeita apenas às transmissões efectuadas por residentes e não sendo a impugnante residente em território português não há que questionar a ofensa do principio constitucional da igualdade por as situações serem diferentes.
É que enquanto para os residentes o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos incluindo os obtidos fora do território nacional já para os não residentes o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.

A recorrida pugna pela manutenção do decidido reiterando que o entendimento perfilhado pela recorrente vai contra jurisprudência já firmada do STA e afronta a jurisprudência do TJCE designadamente a sustentada no acórdão de 16 03 1999 Trummer e Mayer C.222/97,não podendo os residentes na União e os residentes em território português ter tratamento diferente.
No fundo aquilo que o recurso questiona é a compatibilidade da norma constante do artigo 43/2 do CIRS como artigo 56 do Tratado CE hoje artigo 63 do TFUE que a sentença considerou incompatível por violação do princípio de livre circulação de capitais.
Esta questão como bem salienta o Mº Pº no seu parecer foi até objecto de reenvio prejudicial por parte do STA e sobre ela se pronunciou TJCE no acórdão de 11 Outubro de 2007 in processo C 443/06 aí se deixando exarado:
«O artigo 56. º CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.»
Tendo em conta a doutrina deste acórdão e o estabelecido no artigo 72 nº 1 do CIRS no qual a AT se fundamentou para não aplicar a redução dos 50% à impugnante por a mesma não ser residente em território nacional, no mesmo sentido se pronunciou também o STA por diversas vezes designadamente nos acórdãos de 16 01 2008 in processo 439/06
Aí se deixou dito:
Os n.ºs 1 e 2 do art. 43.º do CIRS estabelecem que «o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes» e que «o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor». ( ( ) Redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro.)
A administração tributária, na liquidação impugnada, interpretou este n.º 2 como aplicando-se apenas a residentes em Portugal, entendendo que, em relação a cidadãos residentes no estrangeiro, inclusivamente num Estado-Membro da União Europeia, deve ser considerado, para efeito daquela tributação, 100% do saldo referido.
Este entendimento consubstancia-se num tratamento diferenciado dos cidadãos da União Europeia residentes e não residentes em Portugal.

Como se vê pelo acórdão do T.J.C.E., a operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa neste processo, constitui um movimento de capitais, à face da jurisprudência daquele Tribunal ( ( ) Acórdão de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C-222/97, Colect., p. I-1661, n.º 24. ), sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia.
Este art. 56.º estabelece o seguinte:
1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
De harmonia com o decidido pelo T.J.C.E. no acórdão junto aos autos
«o artigo 56.º CE proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros, sem prejuízo das justificações previstas no artigo 58.º CE»;
«as disposições conjugadas do CIRS prevêem, para as mais-valias realizadas aquando da alienação onerosa de um bem imóvel sito em Portugal, regras fiscais diferentes consoante os sujeitos passivos residam ou não nesse Estado-Membro»;
«nos termos do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, o montante das mais-valias realizadas por residentes aquando da alienação de bens imóveis em Portugal é apenas considerado em 50% do seu valor. Ao invés, para os não residentes, o CIRS prevê que a tributação do valor das mais-valias realizadas no caso de alienação dos referidos bens incide sobre a totalidade deste valor»;
«Daqui decorre que, nos termos das disposições pertinentes do CIRS, a tributação das mais-valias realizadas não é a mesma para residentes e não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel sito em Portugal, no caso de realização de mais-valias, os não residentes estão sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que é aplicada a residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos.
«(...) uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal tem por efeito tornar a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes, dissuadindo-os de efectuar investimentos imobiliários em Portugal e, consequentemente, operações relacionadas com estes investimentos, tal como a venda de um bem imóvel.
Nestas condições, cabe concluir que o facto de se prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.º CE.
Assim, à face do decidido neste acórdão do T.J.C.E., o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, ao limitar a residentes em território nacional, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRS, a redução a 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas em cada ano é incompatível com o referido art. 56.º.
Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Desta norma decorre, por força da Constituição, que as disposições do Tratado referido, que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos do direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.”
Ora foi alicerçada nesta doutrina e jurisprudência que se impõe ao Tribunal que a sentença perfilhou ao julgar a impugnação judicial parcialmente procedente por o acto impugnado que aplicou o artigo 43/2 do CIRS ser incompatível como citado artigo 56 do Tratado CE o que traduz violação de lei.
Por isso a sentença não merece censura.

Decisão
Face ao exposto acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 2016. – Fonseca Carvalho (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.