Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01319/13
Data do Acordão:05/14/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
DIVIDENDOS
SUJEITO PASSIVO NÃO RESIDENTE
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
Sumário:Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela al. a) do nº 1 do art. 58° do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n° 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.
Nº Convencional:JSTA00068700
Nº do Documento:SA22014051401319
Data de Entrada:07/23/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
DIR FISCAL - IRC
Área Temática 2:DIR COMUN
DIR INT PUB - DIR TRAT
Legislação Nacional:L 30-G/2000 DE 2000/12/29
CONST76 ART8
CIRC01 ART14 ART46 N1 ART89 ART90 N1 C
CPPTRIB99 ART102 N1 D ART106 ART131 N1 N3 ART132
LGT98 ART57 N1 N5
CPC13 ART636
CCIV66 ART279 C
Legislação Comunitária:TFUE ART18 ART49 ART63 ART65
DIR CONS CEE 90/435/CEE DE 1990/07/23 ART2
Legislação Estrangeira:CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO E PREVENIR A EVASÃO FISCAL EM MATÉRIA DE IMPOSTOS SOBRE O RENDIMENTO ENTRE PORTUGAL E A ESPANHA ART10 N1 N2 ART23 N1 A B
REAL DECRETO LEGISLATIVO 4/04 DE 2004/03/05
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01017/11 DE 2012/02/29; AC STA PROC085/12 DE 2012/04/19; AC STA PROC0482/10 DE 2012/11/28; AC STA PROC0694/12 DE 2012/11/28; AC STA PROC01435/12 DE 2013/02/29; AC STA PROC0322/13 DE 2013/05/29; AC STA PROC0654/13 DE 2013/11/27; AC STA PROC0568/13 DE 2013/12/18; AC STA PROC01916/13 DE 2014/03/12; AC STA PROC01318/13 DE 2014/04/09
Jurisprudência Internacional:AC TJCE PROC C-35/98 DE 2000/06/06
AC TJCE PROC C-374/04 DE 2006/12/12
AC TJCE PROC C-379/05 DE 2007/11/08
AC TJCE PROC C-233/09 DE 2010/07/01
DESP TJUE PROC C-38/11 5SECÇÃO DE 2012/06/18
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLII 6ED PAG193-194
JOÃO FÉLIX PINTO NOGUEIRA - NEUTRALIZAÇÃO NA DISTRIBUIÇÃO DE DIVIDENDOS A SOCIEDADES NÃO RESIDENTES IN REVISTA DE FINANÇAS PÚBLICAS E DIREITO FISCAL ANOVI N3 PAG300-347
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, com os demais sinais dos autos, contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa relativa a actos de retenção na fonte de IRC, que incidiram sobre os lucros colocados à sua disposição pela B…………, S.A., e que foram praticados pelo C…………, S.A. (C…………).

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes (as quais, por lapso da recorrente, contêm erros na respectiva numeração – à Conclusão 4.4. logo se segue a Conclusão 4.7 e à Conclusão 4.8. logo se segue a 4.10 – cfr. requerimento de fls. 804).
4.1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a impugnação judicial procedente, anulando a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa conjuntamente com os actos de retenção na fonte de IRC objecto de impugnação, relativos às liquidações dos anos de 2005 e 2006, no montante global de € 1.182.181,50, condenando a Fazenda Pública à restituição das quantias relativas àquelas retenções na fonte de IRC e a pagar juros indemnizatórios sobre tais montantes.
4.2. Entendeu o Tribunal a quo que se verifica uma restrição não justificada à livre circulação de capitais que contende com o direito comunitário, não podendo manter-se na ordem jurídica os actos de retenção na fonte impugnados, devendo os mesmos ser anulados.
4.3. Aquando da contestação, a Fazenda Pública suscitou as questões prévias de ilegitimidade da impugnante e de intempestividade da petição inicial, pugnando pela improcedência da impugnação, nos termos do ponto 3.4. do presente recurso.
4.4. Relativamente à alegada intempestividade da apresentação da impugnação judicial, o Tribunal decidiu pela sua improcedência, defendendo a tempestividade, tendo posteriormente decidido pela anulação da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa.
4.7. Quanto à decisão de anulação da decisão de indeferimento tácito, defendemos que, iniciando-se o prazo de 30 dias para impugnar com essa decisão, tudo nos termos do mencionado n° 5 do artigo 132° do CPPT, tendo aquela sido anulada pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, estamos perante uma impossibilidade superveniente da lide por falta de objecto isto porque, ao ter procedido à anulação do acto de indeferimento tácito, o Tribunal procedeu à anulação do próprio objecto imediato da impugnação judicial.
4.8. Além do mais, atendendo a que a matéria controvertida é exclusivamente de direito, deveria a impugnante ter reclamado nos prazos gerais constantes no n° 1 do artigo 70° do CPPT (tendo neste caso a reclamação carácter facultativo), e interpor impugnação judicial no prazo indicado no artigo 102° do CPPT, afigurando-se-nos como intempestiva tanto a apresentação da reclamação graciosa como a impugnação judicial.
4.10. No que concerne ao mérito da acção, o Tribunal a quo centrou-se na invocada ilegalidade da retenção na fonte sobre dividendos auferidos pelo impugnante por violar o principio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade e o principio da liberdade de circulação de capitais, por achar que a resposta positiva a esta prejudicava a resposta da questão relativa à aplicação da taxa correcta de tributação dos dividendos, por parte do substituto tributário, prevista na Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha.
4.11. Um dos princípios comunitários com maior impacto na fiscalidade directa é o da não discriminação em razão da nacionalidade, com assento no artigo 12° do TCE.
4.12. Constitui facto assente na jurisprudência comunitária que a fiscalidade directa – onde se inclui a tributação dos lucros das sociedades – é da competência dos Estados Membros que a devem exercer no respeito pelo direito comunitário e abster-se de qualquer discriminação em razão da nacionalidade.
4.13. Os artigos 14°, n° 3 e 46°, n° 1, ambos do CIRC, estabelecem o regime de tributação aplicável aos lucros que uma entidade residente em território nacional, nas condições estabelecidas no artigo 2° da Directiva n°90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho, coloque à disposição de uma entidade (residente ou não residente) – Cfr. ponto 3.37 do presente recurso no que concerne à referência ao Acórdão do STA de 20-02-2013, proc. nº 01435/12.
4.14. No entanto, também como já foi por nós defendido nos autos, em caso algum poderá ser aplicável a Directiva 90/435/CEE, de 23 de Julho, pois entre outros requisitos, a mesma exige no seu artigo 2° que a empresa (requerente) detenha uma participação directa no capital da outra empresa (neste caso a “B…………, S.A.), não inferior a 20%, e que a mesma tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos, algo que não se verifica, conforme exposto pela própria impugnante, como visível através dos factos tidos como assentes na douta sentença, visto que nos dois momentos em que ocorreu a distribuição dos dividendos a sua percentagem de participação no capital era de apenas 1,5%.
4.15. Assim sendo, é de concluir que os lucros colocados à disposição da Impugnante pela entidade residente não podiam beneficiar da isenção de IRC, por não se encontrar cumprido o requisito relativo à percentagem do capital, estando os lucros sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, à taxa prevista no n° 2 do artigo 80°, não havendo lugar a qualquer imposto a reembolsar.
4.16. No que toca à alegada existência de discriminação entre residentes e não residentes, defendemos que a sua situação não é idêntica, nem poderia ser, para efeitos de tributação, principalmente em sede de Impostos sobre o Rendimento, desde logo face ao disposto no artigo 4° do CIRC e depois porque multiplicaria exponencialmente as situações de dupla tributação internacional – Cfr. ponto 3.46 do presente recurso no que concerne à referência ao Acórdão do STA de 20-02-2013, proc. nº 01435/12.
4.17. Neste sentido, o TFUE refere expressamente que «a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados -Membros e países terceiros (art. 63º, nº1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de “Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido” (art. 65º, nº 1, alínea a), do TFUE).
4.18. A aferição da legalidade das liquidações não depende do alegado pela Impugnante e sufragado pela sentença a quo quanto ao facto daquela não poder recuperar o imposto suportado em Portugal através de dedução no imposto devido em Espanha.
4.19 Se o País de residência se move por outras opções de política fiscal, a eventual ausência de neutralidade não pode ser imputada ao País da fonte, que não pode ser prejudicado pela situação criada pelo País de residência, isto é, a legalidade da tributação efectivada em Portugal não pode ficar dependente de a mesma ser ou não obtida no Estado de residência (No mesmo sentido, em situação similar, cfr. o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 28/11/2012. proc nº 694/12.), cujo condicionamento, em virtude de opções no domínio da política fiscal, nos transcendem.
4.20. Concluímos então que a legislação portuguesa invocada pela Impugnante não viola qualquer norma ou principio de Direito Comunitário e que não existe nenhuma norma ou princípio de direito comunitário que imponha aos Estados-membros tratamento fiscal igualitário entre residentes e não residentes quando uns e outros se encontrem em situações objectivamente diferentes, o que é o corresponde ao caso em análise, não existindo qualquer restrição não justificada à livre circulação de capitais.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.
Porém, V. Exas. Decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.

1.3. A recorrida A………… apresentou contra-alegações, formulando as conclusões seguintes:
A) Nas suas alegações de recurso, a Fazenda Pública não questiona a matéria de facto dada como assente na decisão recorrida, nem identifica os meios probatórios que impunham decisão diversa, não tendo, portanto, dado cumprimento ao disposto no nº 1 do artigo 685º-B, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
B) Assim sendo, o Tribunal competente para a apreciação do presente recurso sempre seria o Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que a Fazenda Pública não contesta a matéria de facto dada como provada, mas, somente, a solução jurídica adotada;
C) Como afirma JORGE LOPES DE SOUSA, “O indeferimento tácito é uma ficção jurídica destinada a possibilitar ao interessado o acesso aos tribunais, para obter tutela para os seus direitos ou interesses legítimos, nos casos de inércia da administração tributária sobre pretensões que lhe foram apresentadas” (Código de Procedimento e de Processo Tributário - Anotado e Comentado, Vol. II, 6ª edição, Lisboa: 2011, página 194);
D) Assim, “Na impugnação do indeferimento tácito de reclamação graciosa, este acto é o objecto imediato do processo. Porém, o acto de liquidação continuará a ser objecto da impugnação judicial, na medida em que se considera, por presunção, confirmado pelo indeferimento tácito. E o acto de liquidação que é objecto mediato do processo, nos casos de indeferimento tácito, será mesmo o único cuja legalidade pode ser apreciada no processo de impugnação judicial, pois a ficção que é o indeferimento tácito não pode conter vícios próprios, só lhe podendo advir do acto de liquidação (…)” JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e comentado, Vol. II, 6ª edição, Lisboa: 2011, página 195);
E) Neste sentido, a eventual anulação do indeferimento da reclamação graciosa – que será sempre concomitante com a anulação do ato e nunca anterior a esta, como parece entender a Fazenda Pública – é inútil e não destrói os efeitos da anulação do ato tributário. (neste sentido, v. por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de novembro de 2009, proferido no âmbito do processo 0975/09);
F) Deve, portanto, improceder a exceção de impossibilidade superveniente da lide alegada pela Fazenda Pública;
G) De acordo com o artigo 131º, nº 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável ex vi artigo 132º, nº 6, do mesmo diploma, são dois os pressupostos da qualificação da reclamação graciosa como não necessária: (i) o seu fundamento ser exclusivamente matéria de direito; e (ii) a autoliquidação ter sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária;
H) Neste contexto, ainda que a reclamação apresentada tivesse por fundamento apenas matéria de direito – o que não se admite – e não se conhecendo qualquer orientação administrativa nesta matéria (tanto que a Fazenda Pública não fez referência à sua existência nos Autos), sempre se concluiria que a reclamação graciosa foi apresentada tempestivamente;
I) Assim, a decisão recorrida não padece de qualquer vício no que respeita ao julgamento sobre a exceção de intempestividade alegada pela Fazenda Pública e deve, quanto a este ponto, ser confirmada;
J) Sem prejuízo do exposto, e prevenindo a necessidade da sua apreciação, nos termos do disposto no artigo 684º-A do Código de Processo Civil, a recorrida sublinha que apresentou outros fundamentos que afastam a exceção de intempestividade alegada pela Fazenda Pública;
K) Com efeito, na presente ação discute-se a ilegalidade dos atos de retenção na fonte por desconformidade das normas internas com base nas quais foram praticados e os princípios comunitárias da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, mas também, o erro em que incorreu o substituto tributário aquando da retenção na fonte, não aplicando corretamente a taxa convencional de 15% (cf. artigos 31º a 77º da p.i.), o que significa que a impugnação judicial em apreço não versa, exclusivamente, sobre matéria de direito;
L) Acresce que o facto de o nº 3 do artigo 131º e o nº 6 do artigo 132º do Código de Procedimento e de Processo Tributário permitirem a apresentação direta de impugnação judicial (sempre que a mesma se funde, exclusivamente, em matéria de direito), não inviabiliza a possibilidade de apresentação de reclamação graciosa por parte do substituído, no prazo de 2 anos a que se refere o nº 1 do artigo 132º do mesmo Código;
M) Nestes termos, deverá, também por este motivo, ser julgada improcedente a exceção de intempestividade invocada pela Fazenda Pública, mantendo-se, no seu sentido, a decisão recorrida;
N) Os argumentos invocados pela Fazenda Pública para sustentar a existência de um erro de julgamento quanto ao mérito na decisão recorrida improcedem em absoluto;
O) Com efeito, nos anos de 2005 e de 2006, a legislação nacional consagrava dois mecanismos equivalentes com vista à não tributação efetiva dos rendimentos decorrentes de lucros distribuídos por sociedades portuguesas, consoante o beneficiário fosse uma entidade com sede em qualquer Estado-Membro da União Europeia ou com sede no território nacional. Previa-se um regime de isenção para as entidades residentes em outros Estados-Membros da União Europeia e um regime de exclusão da base tributável para as entidades com sede em território nacional;
P) Em qualquer dos casos, o efeito de ambos os regimes traduzia-se na não tributação efetiva destes rendimentos em território português;
Q) Tal como resulta da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, no momento da ocorrência dos factos tributários que deram origem à prática dos atos objeto destes Autos, encontravam-se verificados, com exceção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos, todos os requisitos de que dependia a aplicação dos artigos 46º, nº 1, e 90º, nº 1, alínea c), do Código do IRC;
R) Assim, se a recorrida fosse, à data dos referidos factos, residente em território português, não teria sido tributada nos anos de 2005 e de 2006, no valor, respectivamente, de € 633.700,84 (seiscentos e trinta e três mil e setecentos euros e oitenta e quatro cêntimos) e de € 548.480,66 (quinhentos e quarenta e oito mil quatrocentos e oitenta euros e sessenta e seis cêntimos), – como, efetivamente, sucedeu;
S) Ora, o Direito da União Europeia, por força da cláusula de receção automática do direito internacional (o nº 2 do artigo 8º da CRP), integra-se imediatamente na ordem interna dos Estados-membros e o Direito da União originário pode ter efeito direto, ou seja, pode ser invocado diretamente pelos particulares perante o Estado ou perante outros particulares;
T) Os princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais gozam de efeito direto e podem ser diretamente invocados pelos particulares, devendo os tribunais nacionais, por força do primado do Direito da União Europeia, desaplicar as normas internas que com os mesmos contendam;
U) Tal como esclareceu o TJUE, no célebre Acórdão Amurta, “os artigos 56º CE e 58º CE se opõem à legislação de um Estado-Membro que, quando não é ultrapassado o nível mínimo das participações da sociedade mãe no capital da filial previsto no artigo 5º, nº 1, da Directiva 90/435, prevê uma retenção na fonte sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade estabelecida nesse Estado-Membro a uma sociedade beneficiária estabelecida noutro Estado-Membro, isentando dessa retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária que esteja sujeita, no primeiro Estado-Membro, ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas ou disponha, nesse mesmo Estado-Membro, de um estabelecimento estável a que pertençam as acções detidas pela sociedade que procede à distribuição” (cf. Acórdão de 8 de Novembro de 2007, proferido no processo C-379/05);
V) Também no processo C-199/10, o TJUE precisou que “Os artigos 56º CE e 58º CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado Membro a uma sociedade beneficiária com sede noutro Estado Membro, quando a regulamentação nacional do primeiro Estado Membro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária residente. Só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado Membro até ao montante da diferença de tratamento” (cf. Despacho do TJUE, quinta secção, de 22 de Novembro de 2010, proferido no processo C-199/10, em que se discutia a eventual violação do artigo 56.º CE relativamente a retenções na fonte sofridas por uma sociedade residente em Espanha aquando da distribuição de dividendos por uma sociedade com residência em Portugal).
W) Neste último despacho, o TJUE salientou que “[n]o que respeita a participações não abrangidas pela Directiva 90/435, compete aos Estados-Membros determinar se, e em que medida, deve ser evitada a dupla tributação económica dos lucros distribuídos e introduzir, para esse efeito, de modo unilateral ou através de convenções celebradas com outros Estados-Membros, mecanismos destinados a evitar ou a atenuar essa dupla tributação económica. Contudo, este simples facto não lhes permite aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado (v., neste sentido, acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C-374/04, Colect., p.I-11673, n.º 54)”;
X) O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de fevereiro de 2013, proferido no Processo nº 01435/12 não acolhe corretamente a jurisprudência do TJUE nesta matéria;
Y) Com efeito, e como melhor se compreende através de um segundo Despacho Fundamentado emitido pelo TJUE na mesma matéria (o Despacho Fundamentado de 18 de junho de 2012, proferido no âmbito do processo C-38/11 e disponível em www.curia.europa.eu), a neutralização da discriminação por meio da aplicação de uma convenção de eliminação da dupla tributação só pode ocorrer “se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fração dele”.
Z) Idêntica conclusão se retira do Acórdão do TJUE de 20 de outubro de 2011, proferido no processo C-284/09, em que se afirma que a “República Federal da Alemanha não pode, por isso, alegar que a dedução do imposto retido na Alemanha ao imposto devido no outro Estado-Membro, em aplicação das convenções destinadas a evitar a dupla tributação, permite em todos os casos neutralizar a diferença de tratamento decorrente da aplicação do disposto na legislação fiscal nacional ou nas convenções que têm por efeito reduzir a taxa da retenção na fonte (n.º 70) [no mesmo sentido, v. os Acórdãos de 3 de junho de 2010, proferido no processo C-487/08 (Comissão c. Espanha) e de 19 de novembro de 2009, proferido no processo C-540/07 (Comissão c. Itália)];
AA) O mesmo decorre do Despacho Fundamentado de 18 de Junho de 2012, 5.ª secção, proferido no processo C-38/11, no qual o TTUE salientou que “O Tribunal de Justiça já decidiu que, para participações não abrangidas pela Diretiva 90/435, compete aos Estados-Membros determinar se, e em que medida, deve ser evitada a dupla tributação económica dos lucros distribuídos e adotar, para esse efeito, de modo unilateral ou através de convenções celebradas com outros Estados-Membros, mecanismos destinados a evitar ou a atenuar essa dupla tributação económica. No entanto, esta situação não lhes permite aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado FUE (v. acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.º 54; Amurta, n.º 24; e Aberdeen Property Fininvest Alpha, n.º 28)”;
BB) O Tribunal de Justiça não considera neutralizada, portanto, a discriminação resultante da aplicação do direito de um Estado-Membro pelo simples facto de o resultado dessa discriminação poder, em abstrato, ser eliminado através de mecanismos convencionais – diferentemente, considera que é preciso analisar, casuisticamente, se a discriminação é efetivamente anulada através daqueles mecanismos;
CC) E tal como se destacou o TJUE, “a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição dos dividendos só pode ser neutralizada através deste método de imputação se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fração dele (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Itália, n.º 38; Comissão/Espanha, n.º 62; e Comissão/Alemanha, n.º68) (cf. despacho do TFUE de 18 de Junho de 2012, quinta secção, proferido no Processo C-38/11);
DD) TJUE acima indicadas, acolhidas no já referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de fevereiro de 2012, proferido no recurso n.º 01017/11, disponível em www.dgsi.pt) que o Tribunal a quo se ocupou de saber se os rendimentos estão ou não sujeitos a imposto em Espanha e se o imposto pago em Portugal pode ser recuperado através da dedução ao imposto devido naquele outro país;
EE) Acontece que, tal como verificou o Tribunal a quo, o imposto pago em Portugal pela recorrida nos anos de 2005 e de 2006 não foi, nem era, suscetível de ser recuperado em Espanha, já que os rendimentos provenientes de dividendos distribuídos à recorrida não foram tributados naquele Estado-Membro, não sendo, por conseguinte, possível, deduzir à coleta de imposto o valor do imposto suportado em Portugal;
FF) Assim, é evidente que as disposições legais internas contrariam o princípio da liberdade de circulação de capitais, não sendo, sequer, tal efeito discriminatório neutralizado pela aplicação da Convenção para evitar a dupla tributação existente entre Portugal e Espanha;
GG) Bem decidiu, portanto, o Tribunal a quo ao decidir que o regime previsto no artigo 14.º do Código do IRC e, bem assim, no artigo 89.º do Código do IRC na redação anterior à dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, consubstanciava um tratamento fiscal diferenciado dos rendimentos auferidos por entidades residentes em outros Estados da União Europeia, intolerável à luz dos princípios da não discriminação (artigo 12.º CE) e da livre circulação de capitais (artigo 56.º CE);
HH) E nem se diga, como pretende a Fazenda Pública, que existiam, in casu, razões objetivas que justificassem um tratamento fiscal diferente para contribuintes residentes e não residentes;
II) Na verdade, ainda que se admita que os Estados-Membros possam estabelecer regime diversos para situações de contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência, o certo é que, como bem observou o TJUE “a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, nº68, Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.º35, e Amurta, n.º38)” (cf. Despacho do TJUE, quinta secção, de 22 de novembro de 2010, proferido no processo C- 199/10 - o sublinhado é da recorrida);
JJ) Foi, também, o entendimento seguido nos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 9 de outubro de 2012 e de 30 de outubro de 2012, proferidos, respetivamente, nos processos 05650/12 e 05352/12, ambos disponíveis em www.dgsi.pt);
KK) Também não existe qualquer razão de interesse geral, como seja a necessidade de evitar a fraude e evasão fiscais ou qualquer outra justificação, que possa sustentar a aplicação de regime diferenciados;
LL) Deve, portanto, manter-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, uma vez que os atos de liquidação / retenção na fonte contestados são ilegais por consubstanciarem a aplicação de disposições legais internas atentatórias dos princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais previstos nos artigos 12.º e 56.º CE (atuais artigos 18.º e 63.º do TJUE) e, nessa medida, também inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa;
MM) E resultando tais atos de liquidação da desconformidade da legislação portuguesa com o Direito da União Europeia, é evidente que deve ser reconhecido o direito da recorrida a juros indemnizatórios já que, esta atuação desconforme com a Lei e o erro daí decorrente é imputável aos Serviços, como tem defendido, uniformemente a doutrina e a jurisprudência.
NN) Precavendo-se quanto a uma eventual procedência dos argumentos da Fazenda Pública – no que não se concede –, sempre dirá a recorrida que os atos de liquidação objeto destes Autos são igualmente ilegais por assentarem em normas internas que contrariavam o princípio da liberdade de estabelecimento, previsto nos artigos 43.º a 48.º CE (atuais artigos 49.º e 54.º do TFUE);
OO) Com efeito, o exercício pleno da liberdade de estabelecimento, articulado com o princípio da não-discriminação, impede a existência de entraves fiscais à criação e manutenção, por uma pessoa coletiva estabelecida no território de um Estado-Membro, de agência, sucursal ou filial no território de outro Estado-Membro (cf. os artigos 43.º e 12.º CE).
PP) O TJUE tem vindo a qualificar como discriminação proibida pelo Tratado, a diferença, injustificada, de tratamento entre contribuintes residentes e contribuintes não residentes, ou seja, “quando não exista qualquer diferença de situação objectiva susceptível de justificar a referida diferença de tratamento” (cfr. ponto 25 do Acórdão Denkavit Intenationaal e em sentido convergente, vide, ainda, os Acórdãos “Schumacker”, de 14 de Fevereiro de 1995, e “Royal Bank of Scotland",de 29 de Abril de 1999);
QQ) Ora, resulta dos factos dados como provados que, na data da prática dos atos de retenção na fonte, que, exceção feita à residência da recorrida em território português, se encontravam reunidos todos os pressupostos de que dependia a não tributação do rendimento recebido pela recorrida. Assim, se a recorrida fosse, à data dos referidos factos, residente em território português, não teria sido tributada nos anos de 2005 e de 2006, no valor, respetivamente, de € 633.700,84 e de € 548.480,66 – como, efetivamente, sucedeu;
RR) O que implica que se conclua que o regime previsto na legislação interna deve ser qualificado como discriminatório e, como tal, ofensivo dos artigos 43.º e 48.º CE, sendo, por consequência, ilegais os atos de liquidação impugnados.
SS) Sem prejuízo do exposto, cumpre salientar que os atos de retenção na fonte enfermam de erro, por não traduzirem a devida aplicação da taxa convencional de 15%, prevista no artigo 10.º da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento;
TT) Com efeito, tendo em consideração a função negativa desempenhada pelos tratados de dupla tributação, as disposições convencionais eram, in casu, de aplicar, somente, também, a 50% dos referidos dividendos, já que, por efeito do disposto no n.º 1 do artigo 59.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a base tributável sobre a qual incide a taxa de IRC equivale a 50% do montante total recebido a esse título.
UU) Assim, na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º da Convenção celebrada por Portugal e Espanha é de subsumir, apenas, o montante bruto dos dividendos efetivamente tributados ao abrigo do direito ordinário português, ou seja, in casu, 50% da totalidade dos dividendos recebidos pela Impugnante em cada um dos referidos anos de 2005 e de 2006.
VV) Não tendo sido esse o caso, a Administração tributaria arrecadou indevidamente, por violação da referida disposição convencional, o valor de € 681.218,77, no ano de 2005 e o montante de € 368.505,23, no ano de 2006, pelo que se impõe a anulação parcial dos indicados atos de retenção na fonte na proporção dessa invalidade;
WW) Finalmente, ainda que falecessem razões à recorrida, no sentido da anulação dos atos impugnados – o que manifestamente, não sucede –, sempre se diria que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC em vigor à data dos factos, uma instituição financeira, residente em Portugal, que obtivesse dividendos sujeitos a tributação apenas seria tributada no dia 31 de maio do ano seguinte ao da ocorrência desse facto, por autoliquidação; enquanto a recorrida, instituição financeira não residente, seria necessariamente tributada, por retenção na fonte, no momento da verificação do facto tributário, ou seja com uma antecedência de um ano relativamente a uma entidade congénere residente;
XX) Trata-se, portanto, de um benefício de diferimento de pagamento do imposto que não é extensível a entidades não residentes, pela que, também ele, tem um cunho claramente discriminatório, o que, não fora a ilegalidade dos atos impugnados, determinativa da sua anulação, levaria a que se convocasse a mesma solução que foi preconizada no Acórdão Metallgesellschaft, de 8 de Março de 2001: a interposição de uma ação de indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Termos em que:
A) O presente recurso deverá ser apreciado pelo Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que a Fazenda Pública não contesta a matéria de facto dada como provada, mas, somente, a solução jurídica adotada;
B) Deverão ser julgadas improcedentes as exceções alegadas pela Fazenda Pública, confirmando-se, neste ponto, a decisão recorrida;
C) Deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se, integralmente, a sentença proferida pelo tribunal a quo;
D) No caso de assim não ser atendido e atento o previsto no artigo 684.º-a do Código de Processo Civil, deverá ser ampliado o âmbito do presente recurso, e, consequentemente, serem anulados os atos de retenção na fonte impugnados, por assentarem em normas internas que contrariam os princípios da não discriminação e da liberdade de estabelecimento (previstos nos artigos 12.º e 43º CE);
E) Subsidiariamente, deverão, ainda, ser parcialmente anulados os atos impugnados, por assentarem em erro sobre os respetivos pressupostos de direito (porquanto resultam de uma não aplicação da taxa prevista no artigo 10.º da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha).
A anulação dos atos impugnados deverá determinar, igualmente, a devolução à recorrida das quantias indevidamente retidas, acrescidas de juros indemnizatórios.

1.4. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«O presente recurso interposto pela Fazenda Pública insurge-se contra a sentença recorrida proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, invocando erro de julgamento, por a decisão “estar visivelmente em contradição com os factos provados e normas legais aplicáveis com interesse para a decisão...”.
Para o efeito alega que o prazo da reclamação graciosa não é o previsto no artigo 132º, mas sim o prazo geral do artigo 70º, ambos do CPPT, motivo pelo qual não tendo este último sido respeitado deve a acção ser julgada intempestiva.
Por outro lado da tributação dos dividendos distribuídos à recorrida não resulta uma discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais. E que “a aferição da legalidade das liquidações não depende do alegado pela impugnante e sufragado pela sentença a quo quanto ao facto daquela não poder recuperar o imposto suportado em Portugal através de dedução do imposto devido em Espanha”.
Por último conclui que “não existe nenhuma norma ou princípio de direito comunitário que imponha aos Estados-Membros tratamento fiscal igualitário entre residentes e não residentes quando uns e outros se encontrem em situações objectivamente diferentes, o que ocorre no caso dos autos”.
2. Para se decidir pela procedência da acção de impugnação o Mmo. Juiz “A quo”:
_Salientou o facto de “no momento da ocorrência dos factos tributários... encontravam-se verificados, com excepção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos, todos os requisitos de que dependia a aplicação dos artigos 46º, nº1, e 90º, nº1, alínea c) do CIRC. Pelo que se a impugnante fosse, à data dos referidos factos, residente em território português, não teria sido tributada nos anos de 2005 e de 2006, nos valores, “…de…”
_E invocando a doutrina do acórdão do STA de 29/02/2012 (proc 1017/11), e a jurisprudência do TJUE, vertida nos processos C-379/05 e C-199/10, designadamente o despacho de 22/11/2010 exarado neste último processo, o Mmo. Juiz “a quo” entendeu que «só será de concluir que não haverá violação do direito comunitário se o imposto retido na fonte em Portugal puder ser deduzido no imposto cobrado em Espanha e, em caso positivo, se o imposto pago em Portugal pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha».
_Tendo concluído: «Tal como decorre da matéria de facto dada como assente, os rendimentos auferidos pela impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, pelo que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha».
_E de seguida esclarece-se tal asserção, nos seguintes termos: «Com efeito, isso mesmo resulta das declarações de rendimentos apresentadas pela impugnante por referência aos anos de 2005 e 2006, que não mereceram qualquer tipo de apreciação por banda da administração tributária. E decorre do disposto no artigo 21º da “Ley del Impuesto sobre Sociedades”, na redacção do Real Decreto Legislativo nº 4/2004, de 5 de Março.
_E conclui-se: «Nesta medida, cumpre concluir pela verificação de uma restrição não justificada à livre circulação de capitais, assim contendendo com o direito comunitário. Porque assim é, afigura-se evidente que não se podem manter na ordem jurídica os atos de retenção na fonte impugnados, impondo-se a sua anulação».
3. Na decisão recorrida deram-se como assente, entre outros, os seguintes factos:
No dia 29/04/2005 o C……….., S.A. colocou à disposição da impugnante e aqui recorrida, “A…………”, a título de lucros distribuídos pela “B…………, S.A.” relativos ao exercício de 2004, o montante de € 5.069.606,74 euros, sobre o qual procedeu à retenção na fonte de IRC, no valor de € 633.700,84 euros.
E no dia 28/04/2006 o C…………, S.A. colocou à disposição da impugnante e aqui recorrida, “A…………”, a título de lucros distribuídos pela “B…………, S.A.” relativos ao exercício de 2005, o montante de € 5.484.806,60 euros, sobre o qual procedeu à retenção na fonte de IRC, no valor de € 548.1480,66 euros.
A impugnante manteve de forma ininterrupta, desde o dia 16/12/2004 até ao dia 28/04/2006, 54.848.066 acções representativas de 1,5% do capital social da “B…………, S.A.” adquiridas pelo valor de € 120.665.745,20.
4. No que respeita à intempestividade da acção, a Fazenda Pública alega que o prazo de apresentação da reclamação graciosa no caso dos autos é o prazo geral e não o consignado no artigo l32º do CPPT. Ou seja, em vez do prazo de 2 anos previsto no citado artigo 132º, entende a Fazenda Pública que o prazo da reclamação graciosa, por ser facultativa, é o prazo de 120 dias, previsto no artigo 70º do CPPT, motivo pelo qual considera que a reclamação apresentada é intempestiva. Alega a Fazenda Pública a este respeito que no âmbito da reclamação graciosa a controvérsia restringia-se à matéria de direito, motivo pelo qual para efeitos de impugnação a lei não impõe a dedução obrigatória de reclamação graciosa.
Afigura-se-nos, contudo, que não lhe assiste razão. Como se invoca na sentença recorrida, não ficou demonstrado que o acto de retenção tenha sido realizado de acordo com orientações genéricas da administração tributária e o disposto no nº3 do artigo 131º exige a verificação dos dois requisitos em simultâneo (daí a utilização da copulativa “e”): que a impugnação do acto tenha por fundamento exclusivamente matéria de direito e que o acto tenha sido realizado de acordo com as orientações genéricas da administração tributária. Com efeito, neste caso não faz sentido a obrigatoriedade da reclamação graciosa, uma vez que a posição da administração tributária já está definida.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida fez correcta aplicação do direito e nessa medida não padece do vício que lhe é imputado pela Recorrente, devendo a questão da tempestividade da reclamação graciosa ser confirmada.
5. A questão que importa apreciar consiste em saber se as retenções de IRC, a título definitivo, efectuadas pelo substituto “C…………” sobre os dividendos distribuídos à impugnante e aqui recorrida relativos aos exercícios de 2004 e 2005, por força da aplicação conjugada dos artigo 14º e 89º do CIRC, na redacção anterior à dada pela Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro, consubstanciam um tratamento diferenciado dos rendimentos auferidos pela impugnante e aqui recorrida, violador dos princípios comunitários da não discriminação, liberdade de estabelecimento e livre circulação de capitais, previstos nos artigos 12º, 43º, 48º e 56º do Tratado CE.
Ora, ao contrário do que vem alegado pela Fazenda Pública, da tributação dos dividendos distribuídos à Recorrida resulta uma discriminação arbitrária e uma restrição à livre circulação de capitais. E sendo certo que “não existe nenhuma norma ou princípio de direito comunitário que imponha aos Estados-Membros tratamento fiscal igualitário entre residentes e não residentes quando uns e outros se encontrem em situações objectivamente diferentes”, certo é que não ficou demonstrada esta última parte da asserção, ou seja, que a Recorrida e as demais empresas beneficiárias residentes se encontrem em “situação objectivamente diferente”, diferença que aliás a Fazenda Pública nem sequer se dignou concretizar. Não basta invocar excertos e asserções genéricas da jurisprudência do TJUE. Importa igualmente concretizar os termos em que essas asserções se aplicam ao caso concreto em apreciação no processo.
Ora, como se deixou exarado no despacho de 22/11/2010 proferido no processo nº C-199/10 do TJUE, se “nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea a), CE, o artigo 56.º CE não prejudica o direito de os Estados-Membros «aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência» (acórdão de 8 de Novembro de 2007, Amurta, C-379/05, Colect., p. I-9569, n.º 30)”, também é certo que a derrogação prevista na referida disposição é ela própria limitada pelo artigo 58.º, n.º 3, CE, que prevê que as disposições nacionais referidas no n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 56.º [CE]» (acórdão Amurta, já referido, n.º 31).
E acrescenta o mesmo tribunal, “resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v. acórdão Amurta, já referido, n.º 32 e jurisprudência referida). E conclui: “a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.º 68, Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.º 35, e Amurta, nº 38).
Ou seja, e voltando ao caso concreto dos autos, a partir do momento em que o Estado Português decidiu não tributar os dividendos, procurando evitar uma dupla tributação, então esse benefício é extensível tanto aos beneficiários residentes como aos não residentes, uma vez que a posição de uns se assemelha à dos outros. Só pode ocorrer tratamento diferenciado se a diferença de tratamento disser respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral. Ora, nos caso concreto dos autos não foi concretizado nem ficou minimamente demonstrado que a situação da impugnante e aqui recorrida não seja objectivamente semelhante à das outras sociedades beneficiárias, nem o tratamento diferenciado que a administração tributária reivindica tenha sido por esta justificado com razões imperiosas de interesse geral.
Na verdade, se a razão subjacente à não tributação dos dividendos reside no facto de a matéria tributável já ter sido objecto de tributação em sede de IRC em fase anterior (na esfera da distribuidora dos dividendos) e dessa forma se evitar a dupla tributação económica, então tanto os accionistas beneficiários (dos dividendos residentes como não residentes se encontram na mesma posição perante aquela situação, ou seja, tanto uns como outros podem ser sujeitos a uma dupla tributação económica. E essa situação não se altera pelo facto de a recorrida ter a sua sede noutro Estado-Membro.
Como se deixou exarado no mesmo despacho do TJUE de 22/11/2010 (processo C-199/10), “Nesse caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação da capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.º CE, o Estado de residência da sociedade que procede à distribuição deve certificar-se que, em relação ao mecanismo previsto pela sua legislação nacional para prevenir ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades accionistas não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades accionistas residentes (v. acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.º 70, e Amurta, n.º 39).
Caso não haja esse tratamento equivalente, as sociedades não residentes são dissuadidas de fazer aplicação dos seus capitais naquele estado-membro e nessa medida ocorre uma restrição à livre circulação de capitais, violando-se o disposto no artigo 63º do Tratado (ex artigo 56º do CE).
E não se invoque a jurisprudência do TJUE no âmbito do processo C-279/93 (acórdão de 14/02/1995 - caso “Schumacker”), no sentido de que “o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes, o que sucede, por exemplo, por a maior parte do rendimento do não residente ser normalmente obtido no seu Estado de residência” para se extrapolar para a asserção de que “os residentes e não residentes não se encontram, em geral, em situações comparáveis, porque assentes numa diferença objectiva relevante entre os sujeitos passivos”.
Na verdade, o caso concreto objecto de análise no citado processo C-279/93, por parte do TJUE é significativamente diverso do caso concreto dos autos, uma vez que se reporta a tributação de rendimentos auferidos por pessoa singular em Estado-Membro diverso da sua residência e essas conclusões do TJUE não se podem, sem mais, extrapolar para o caso dos autos. Por outro lado nesse caso o TJ partia do pressuposto que a “situação dos residentes é diferente, na medida em que o essencial dos seus rendimentos é normalmente centralizado no Estado de residência. Por outro lado, este Estado dispõe geralmente de todas as informações necessárias para apreciar a capacidade contributiva global do contribuinte, tendo em conta a sua situação pessoal e familiar”. E o TJUE não deixou de concluir pela verificação de tratamento discriminatório naquele caso concreto daquele processo, uma vez que “o não residente não aufere rendimentos significativos no Estado de residência e obtém o essencial dos seus recursos tributáveis de uma actividade exercida no Estado de emprego, de modo que o Estado de residência não se encontra em condições de lhe atribuir os benefícios resultantes da tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar”.
Ou seja, embora a legislação de determinado Estado possa em abstracto estar em conformidade com o direito comunitário, o resultado da sua aplicação a um caso concreto pode consubstanciar um tratamento discriminatório em função da residência do seu destinatário num outro Estado-Membro. E nessa medida para efeitos de verificar se existe ou não tratamento discriminatório que viole o princípio da livre circulação de capitais importa analisar se as sociedades residentes e não residentes beneficiárias dos dividendos se encontram ou não em situações objectivamente diferentes que afastem esse juízo discriminatório.
Ora, a Recorrente Fazenda Pública não logrou minimamente demonstrar essa diferenciação objectiva, nem isso resulta da argumentação aduzida no acórdão do STA de 20/02/2013 (proc 01435/12) transcrito pela Recorrente, cuja doutrina se nos afigura, salvo o devido respeito, não ser a melhor.
Na verdade o argumento ali aduzido de que a sociedade não residente é tributada em Portugal apenas numa parcela dos seus rendimentos e a uma taxa inferior à taxa de IRC aplicável às empresas residentes não assume pertinência para apreciação da questão do tratamento discriminatório em face da posição semelhante das empresas residentes e não residentes perante os dividendos distribuídos por empresa residente.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida não padece do vício de ilegalidade que lhe é assacado pela Recorrente, uma vez que fez uma correcta interpretação e aplicação do direito comunitário à luz da jurisprudência do TJUE sobre casos similares, vertida nomeadamente nos acórdãos de 08/11/2007 e 03/06/2010, proferidos nos processos C-379/05 (Amurta) e C-487/08, respectivamente, e no despacho de 22/11/2010, proferido no processo C-199/10.
E assim sendo deve a mesma ser confirmada e o presente recurso ser julgado improcedente.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe apreciar, consignando-se, face ao teor das Conclusões A e B das contra-alegações da recorrida, que tendo a recorrente sido notificada, no Tribunal recorrido, para esclarecer qual o Tribunal Superior para onde pretende recorrer, esclareceu que por lapso indicara o TCAS e que o recurso é interposto para o STA.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A. A Impugnante é uma instituição de crédito sedeada em Espanha e sem estabelecimento estável em território português encontrando-se ali sujeita a Imposto sobre as Sociedades (Doc. 4 da petição inicial).
B. Por escritura pública de permuta de ações outorgada em Madrid, no dia 16 de dezembro de 2004, a Impugnante adquiriu à “B…………, S.A.”, 206.125,158 ações daquela mesma sociedade, representativas de 5,53% do seu capital social (Doc. 5 da PI).
C. A Impugnante manteve de forma ininterrupta, desde o dia 16/12/2004 até ao dia 28/04/2006, 54.848.066 ações, representativas de 1,5% do capital social da “B…………, S.A.” (Docs. 5 e 7 da PI).
D. No dia 29/04/2005, o “C…………, S.A. (C…………)” colocou à disposição da impugnante, a título de lucros distribuídos pela “B…………, S.A.” relativos ao exercício de 2004, o montante de € 5.069.606,74 (cinco milhões sessenta e nove mil seiscentos e seis euros e setenta e quatro cêntimos) (Doc. 2 da PI).
E. O “C…………, S.A.”, na qualidade de substituto tributário, procedeu à respetiva retenção na fonte de IRC no valor total de € 633.700,84 (seiscentos e trinta e três mil e setecentos euros e oitenta e quatro cêntimos) (Docs. 2 e 8 da PI).
F. No dia 28/04/2006, o “C…………, S.A. (C…………)” colocou à disposição da impugnante, a título de lucros distribuídos pela “B…………, S.A.” relativos ao exercício de 2005, o montante de 5.484.806,60 (cinco milhões quatrocentos e oitenta e quatro mil oitocentos e seis euros e sessenta cêntimos) (Doc. 3 da PI).
G. O “C…………, S.A.”, na qualidade de substituto tributário, procedeu à respetiva retenção na fonte de IRC no valor total de € 548.480,66 (quinhentos e quarenta e oito mil quatrocentos e oitenta euros e sessenta e seis cêntimos) (Docs. 3 e 9 da PI).
H. No dia 28/12/2007, a impugnante apresentou reclamação graciosa contra os atos de retenção na fonte identificados nos pontos E e G, sobre a qual não recaiu decisão (Doc. 1 da PI).
I. A presente impugnação judicial foi apresentada em juízo no dia 28/07/2008 (fls. 2).
J. No dia 08/10/2007, foi emitida a procuração junta a fls. 52/73, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, outorgada por D…………, na qualidade de representante da impugnante (fls. 52/73).
K. Na declaração de rendimentos do ano de 2005, entregue pela impugnante em Espanha, esta indicou no respetivo quadro B a participação que detinha na “B…………, S.A.”, no valor nominal de € 54.848.066,00, correspondente a 1,50% do capital social daquela participada (fls. 549/571).
L. E no campo 534 (exención doble imposición – arts. 21 y 22 L.I.S.) da mesma declaração de rendimentos, a impugnante deduziu o valor correspondente aos rendimentos obtidos, no montante de € 5.069.606,74, por se tratarem de rendimentos isentos de tributação (fls. 549/571).
M. Na declaração de rendimentos do ano de 2006, entregue pela impugnante em Espanha, esta indicou no respetivo quadro B a participação que detinha na “B…………, S.A.”, no valor nominal de € 54.848.066,00, correspondente a 1,50% do capital social daquela participada (fls. 573/596).
N. E no campo 534 (exención doblo imposición - arts. 21 y 22 L.I.S.) da mesma declaração de rendimentos, a impugnante deduziu o valor correspondente aos rendimentos obtidos, no montante de € 5.484.806,60, por se tratarem de rendimentos isentos de tributação (fls. 573/596).

3.1. Começando por apreciar, em sede de questões prévias, as invocadas falta de representação da impugnante e caducidade do direito de acção, a sentença julgou-as improcedentes.
E em seguida enunciou as seguintes questões a decidir, quanto ao mérito:
─ saber se ocorre ilegalidade da liquidação por a retenção na fonte sobre os dividendos auferidos pela impugnante violar o princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade, e o princípio da liberdade de circulação de capitais;
─ e caso a resposta a esta questão seja negativa, apreciar, então, se ocorre ilegalidade da liquidação por não ter o substituto tributário aplicado a taxa correta de tributação dos dividendos, prevista na Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha, caso se considere a mesma devida.
E julgando improcedentes, como se disse, as ditas questões prévias (representação da impugnante e caducidade do direito de acção) a sentença veio, quanto ao mérito da impugnação, a julgá-la procedente, no entendimento de que se verifica a ilegalidade das retenções na fonte sobre os dividendos auferidos pela impugnante, por ocorrer uma violação do princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade, substanciada, nomeadamente, em restrição não justificada à livre circulação de capitais.
Para tanto, a sentença considerou, em síntese, o seguinte:
─ no momento da ocorrência dos factos tributários encontravam-se verificados, com excepção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos, todos os requisitos de que dependia a aplicação dos arts. 46º, nº1, e 90º, nº1, al. c) do CIRC, pelo que, se a impugnante fosse, à data de tais factos, residente em território português, não teria sido tributada nos anos de 2005 e de 2006, relativamente aos valores em causa;
─ só é de concluir que não haverá violação do direito comunitário se o imposto retido na fonte em Portugal puder ser deduzido no imposto cobrado em Espanha e, em caso positivo, se o imposto pago em Portugal pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha (ac. do STA de 29/2/2012, proc. nº 1017/11, bem como a jurisprudência do TJUE, vertida nos procs. C-379/05 e C-199/10, designadamente no despacho de 22/11/2010 exarado neste último processo;
─ como decorre da matéria de facto dada como assente (e como, aliás, resulta das declarações de rendimentos apresentadas pela impugnante por referência aos anos de 2005 e 2006, que não mereceram qualquer tipo de apreciação por banda da administração tributária, e como decorre do disposto no art. 21º da “Ley del Impuesto sobre Sociedades”, na redacção do Real Decreto Legislativo nº 4/2004, de 5/3) os rendimentos auferidos pela impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, pelo que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha;
─ e por isso, verifica-se a apontada violação do princípio comunitário por restrição não justificada à livre circulação de capitais.

3.2. Discordando, a recorrente Fazenda Pública invoca, em suma, o seguinte:
a) Relativamente à caducidade do direito de impugnação, o Tribunal decidiu pela improcedência, sustentando a tempestividade da impugnação e tendo posteriormente decidido pela anulação da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa.
Ora, se o prazo de 30 dias para deduzir impugnação se iniciou com decisão de anulação da decisão de indeferimento tácito (tudo nos termos do n° 5 do art. 132° do CPPT), tendo tal decisão (de indeferimento tácito) sido anulada pelo Tribunal a quo, estamos perante uma impossibilidade superveniente da lide por falta de objecto, dado que ao ter procedido à anulação do acto de indeferimento tácito, o Tribunal procedeu à anulação do próprio objecto imediato da impugnação judicial.
Além disso, atendendo a que a matéria controvertida é exclusivamente de direito, deveria a impugnante ter reclamado nos prazos gerais constantes no n° 1 do art. 70° do CPPT (tendo neste caso a reclamação carácter facultativo), e interpor impugnação judicial no prazo indicado no art. 102° do CPPT, afigurando-se, assim, como intempestiva, tanto a apresentação da reclamação graciosa como a impugnação judicial.
b) Relativamente à decisão de mérito, sendo certo que a fiscalidade directa é da competência dos Estados Membros que a devem exercer no respeito pelo direito comunitário e abster-se de qualquer discriminação em razão da nacionalidade, os arts. 14°, n° 3 e 46°, n° 1, ambos do CIRC, estabelecem o regime de tributação aplicável aos lucros que uma entidade residente em território nacional, nas condições estabelecidas no art. 2° da Directiva n° 90/435/CEE, do Conselho, de 23/7, coloque à disposição de uma entidade (residente ou não residente), mas também é certo que tal Directiva não pode ser, no presente caso, aplicável pois entre outros requisitos, ela exige no seu art. 2°, que a empresa (requerente) detenha uma participação directa no capital da outra empresa (neste caso a “B…………, S.A.), não inferior a 20%, e que a mesma tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos, algo que não se verifica, conforme exposto pela própria impugnante, como visível através dos factos tidos como assentes na douta sentença, visto que nos dois momentos em que ocorreu a distribuição dos dividendos a sua percentagem de participação no capital era de apenas 1,5%. Daí que os lucros colocados à disposição da impugnante pela entidade residente não podiam beneficiar da isenção de IRC, por não se encontrar cumprido o requisito relativo à percentagem do capital, estando os lucros sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, à taxa prevista no n° 2 do art. 80°, não havendo lugar a qualquer imposto a reembolsar.
- Por outro lado, no que respeita à alegada existência de discriminação entre residentes e não residentes, a sua situação não é idêntica, nem poderia ser, para efeitos de tributação, principalmente em sede de IR, desde logo face ao disposto no art. 4° do CIRC e depois porque multiplicaria exponencialmente as situações de dupla tributação internacional.
A legislação portuguesa invocada pela impugnante não viola qualquer norma ou principio de Direito Comunitário e não existe nenhuma norma ou princípio de direito comunitário que imponha aos Estados-membros tratamento fiscal igualitário entre residentes e não residentes quando uns e outros se encontrem em situações objectivamente diferentes, que é o que no caso sucede.
Vejamos, pois.

4. Quanto às questões da alegada impossibilidade superveniente da lide e da caducidade do direito de impugnação:

4.1. Diz a recorrente que tendo a decisão de indeferimento tácito sido anulada e iniciando-se com tal indeferimento da reclamação o prazo de 30 dias para impugnar (nº 5 do art. 132º do CPPT), então, tendo sido anulada aquela decisão de indeferimento, estamos perante uma impossibilidade superveniente da lide por falta de objecto, visto que, ao ter procedido à anulação do acto de indeferimento tácito, o Tribunal procedeu à anulação do próprio objecto imediato da impugnação judicial.
Mas não é assim.
O processo de impugnação judicial instaurado na sequência e por causa de indeferimento de reclamação graciosa tem por objecto imediato esse mesmo indeferimento e por objecto mediato o acto de liquidação cuja anulação é visada a final.
Como se salienta, entre outros, nos acs. desta Secção do STA, de 16/6/04 e de 12/10/11, respectivamente, nos processos nºs. 01877/03 e 463/11, a reclamação constitui o objecto imediato da impugnação e o acto de liquidação constitui o seu objecto mediato, sendo que nos caso de indeferimento tácito, o acto de liquidação (objecto mediato) «será mesmo o único cuja legalidade pode ser apreciada no processo de impugnação judicial, pois a ficção que é o indeferimento tácito não pode conter vícios próprios, só lhe podendo advir do acto de liquidação».(Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário - Anotado e Comentado, Vol. II, 6ª ed., Lisboa: 2011, pp. 193/194);)
E atendendo a esta amplitude de objecto, então, deduzida impugnação judicial do indeferimento de uma reclamação graciosa, ou o Tribunal confirma o indeferimento, mantendo-se o acto tributário impugnado, ou anula esse indeferimento (nomeadamente por vício procedimental) e, neste caso, o Tribunal tem de apreciar os vícios imputados ao acto de liquidação, uma vez que a impugnação tem por objecto, tanto a decisão da reclamação, como os vícios do próprio acto de liquidação. «E não colhe aqui o argumento (…) no sentido de que com a anulação da decisão da reclamação graciosa fica prejudicado o julgamento da liquidação impugnada e ainda que o julgamento desta, antes da decisão da reclamação graciosa, constituiria a prática de um acto inútil que é proibido por lei.
Esta conclusão estaria correcta se a impugnação do indeferimento fosse autónoma da do acto de liquidação. Então, anulado o indeferimento, a Administração Tributária poderia/deveria praticar novo acto que poderia manter ou alterar o acto de liquidação.» (cfr. citado ac. de 12/10/11, bem como o ac. de 25/11/09, proc. 0975/09);
Improcede, portanto, a alegação atinente à impossibilidade superveniente da lide por falta de objecto.

4.2. Sustenta, igualmente, a recorrente, que o prazo para apresentar a reclamação graciosa é, no caso vertente, o prazo geral (120 dias) previsto no art. 70º do CPPT (dado que se trata de uma reclamação graciosa facultativa: a controvérsia nela suscitada restringia-se a matéria de direito e, por isso, para efeitos de impugnação, a lei não impõe a dedução obrigatória de reclamação graciosa) e não o prazo especial (de 2 anos) previsto no art. 132º. Daí que, não tendo a reclamação sido apresentada naquele prazo de 120 dias, também a respectiva impugnação deduzida na sequência daquela, é intempestiva.
Ou seja, para a recorrente, atendendo a que a matéria controvertida é exclusivamente de direito, deveria a impugnante ter reclamado no prazo geral (120 dias) constante no n° 1 do art. 70° do CPPT (tendo neste caso a reclamação carácter facultativo) e deveria interpor impugnação judicial no prazo indicado no art. 102° do CPPT: e assim, no caso, é intempestiva tanto a apresentação da reclamação graciosa como a impugnação judicial.
A recorrente carece, porém, de razão legal.
Com efeito, nos termos do disposto no nº 3 do art. 131º do CPPT, aplicável ex vi art. nº 6 do art. 132º do mesmo CPPT, os pressupostos da qualificação da reclamação graciosa como não necessária (facultativa) são: (i) o seu fundamento ser exclusivamente matéria de direito; (ii) a autoliquidação ter sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT. Sendo que, apesar de a sentença e o MP advogarem o sentido cumulativo na verificação de tais requisitos, não se verifica, no caso, o requisito de a autoliquidação ter sido feita de acordo com orientação genérica emitida pela AT, pelo que, quer face a esse entendimento, quer à face à interpretação de que tais requisitos não são de verificação cumulativa,(Cfr. o ac. desta Secção, de 12/3/2014, proc. nº 01916/13, onde se considerou-se que «a prévia reclamação graciosa dos actos de autoliquidação a que alude o nº 1 do art. 131º do CPPT se deve ter como dispensada, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, verificado que seja qualquer dos requisitos previstos nesse artigo».) o que é verdade é que, como se refere na sentença recorrida, não ficou, desde logo, demonstrado que o acto de retenção tenha sido realizado de acordo com orientações genéricas da AT, pelo que, ainda que a reclamação apresentada tivesse por fundamento apenas matéria de direito, não se conhecendo qualquer orientação administrativa nesta matéria (tanto que a recorrente não fez referência à sua existência), sempre se concluiria que a reclamação graciosa foi apresentada tempestivamente, dado ser aplicável o prazo de dois anos, referido no nº 3 do art. 132º do CPPT, que impunha a apresentação da reclamação no mencionado prazo de dois anos a contar do termo do ano em que foi efectuado o pagamento indevido.
Pelo que, atenta a factualidade assente nos autos, a reclamação é tempestiva.
E, aceite a tempestividade da reclamação, impõe-se concluir, igualmente, pela tempestividade da impugnação judicial.
É que, como se salienta no ac. desta Secção, de 19/4/12, proc. nº 085/12, nos «casos de retenção na fonte, se for apresentada reclamação graciosa, quer ela seja condição de abertura da via judicial, quer não o seja mas o interessado tenha optado por a apresentar, o prazo para a impugnação judicial é o do nº 5 do art. 132º do CPPT: 30 dias contados do indeferimento expresso ou tácito (sendo que, neste último caso, fica afastado o prazo geral do art. 102º, nº 1, alínea d), do CPPT para a impugnação da generalidade dos indeferimentos tácitos, como o permite o nº 4 do mesmo artigo).»
Ora, se a reclamação graciosa se presume indeferida para efeito de impugnação judicial após o termo do prazo legal de decisão pelo órgão competente (nº 5 do art. 57°, da LGT e art. 106° do CPPT); se o prazo para a decisão da reclamação graciosa é de seis meses (nº 1 do art. 57°, da LGT) e se conta da data da entrada da petição no serviço competente (nº 5 do mesmo art. 57°, LGT) e nos termos do art. 279°, al. c), do CCivil ex vi n° 3 do art. 57° da LGT; então, no caso, uma vez que a presunção de indeferimento tácito se formou no dia 28/6/2012, tendo a impugnante apresentado a presente impugnação judicial no dia 28/7/2012, a mesma tem-se como tempestiva.
E, assim sendo, conclui-se que a sentença recorrida fez, quanto a esta matéria da caducidade do direito de acção, correcta aplicação do direito, improcedendo a correspondente alegação da recorrente.

5. Quanto à questão da alegada ilegalidade da liquidação por a retenção na fonte sobre os dividendos auferidos pela impugnante violar o princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade, e o princípio da liberdade de circulação de capitais:

5.1. Como se disse, a sentença considerou que se verifica a invocada violação do princípio comunitário por restrição não justificada à livre circulação de capitais, pois que, (i) no momento da ocorrência dos factos tributários estavam verificados, com excepção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos, todos os requisitos de que dependia a aplicação dos arts. 46º, nº 1, e 90º, nº 1, al. c) do CIRC, pelo que, se a impugnante fosse, à data de tais factos, residente em território português, não teria sido tributada nos anos de 2005 e de 2006, relativamente aos valores em causa; (ii) e pois que se provou que os rendimentos auferidos pela impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, pelo que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha.
Neste âmbito, o que importa apreciar é, portanto, se as retenções de IRC operadas pelo substituto “C…………, S.A. (C…………)” sobre os dividendos distribuídos à impugnante e aqui recorrida, relativos aos exercícios de 2004 e 2005, por força da aplicação conjugada dos arts. 14º e 89º do CIRC (na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 67-A/2007, de 31/12), consubstanciam um tratamento diferenciado dos rendimentos auferidos pela impugnante e aqui recorrida, violador dos princípios comunitários da não discriminação, liberdade de estabelecimento e livre circulação de capitais, previstos nos artigos 12º, 43º, 48º e 56º do Tratado CE.
Vejamos.

5.2. Em termos de legislação relevante,
▬ O art. 14° do CIRC (na redacção da Lei n° 30-G/2000, de 29/12), dispunha o seguinte, no que ora releva:
«3 - Estão isentos os lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidas no artigo 2º da Directiva nº 90/435/CEE, de 23 de Julho, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 25% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos.
4 - Para que seja imediatamente aplicável o disposto no número anterior, deve ser feita prova perante a entidade devedora dos rendimentos, anteriormente à data da sua colocação à disposição do respectivo titular, de que este se encontra nas condições de que depende a isenção aí estabelecida, através de declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro da União Europeia de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos, sendo ainda de observar as exigências previstas no artigo 114º-A do Código do IRS.
5 - Para efeitos do disposto no nº 3, a definição de entidade residente é a que resulta da legislação fiscal do Estado membro em causa, sem prejuízo do que se achar estabelecido nas convenções destinadas a evitar a dupla tributação
▬ De acordo com o artigo 2° da Directiva n° 90/435/CEE, do Conselho, de 23/7:
«Para efeitos de aplicação da presente directiva, a expressão «sociedade de um Estado-membro» designa qualquer sociedade:
a) Que revista uma das formas enumeradas no anexo;
b) Que, de acordo com a legislação fiscal de um Estado-membro, seja considerada como tendo nele o seu domicílio fiscal e que, nos termos de uma convenção em matéria de dupla tributação celebrada com um Estado terceiro, não seja considerada como tendo domicilio fora da Comunidade;
c) Que, além disso, esteja sujeita, sem possibilidade de opção e sem deles se encontrar isenta, a um dos seguintes impostos:
(…)
- impuesto sobre sociedades, em Espanha,
(…)
- imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, em Portugal,
(…)
ou a qualquer outro imposto que possa vir a substituir um destes impostos, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 20% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos».
▬ E segundo o nº 1 do então art. 46° do CIRC, «Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos:
a) A sociedade que distribui os lucros tenha a sede ou direcção efectiva no mesmo território e esteja sujeita e não isenta de IRC ou esteja sujeita ao imposto referido no artigo 7º;
b) A entidade beneficiária não seja abrangida pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6º;
c) A entidade beneficiária detenha directamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10% ou com um custo de aquisição não inferior a € 20.000.000 e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período
▬ E à data também a al. c) do nº 1 do art. 90°, do CIRC, estabelecia o seguinte:
«Não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, quando este tenha a natureza de imposto por conta, nos seguintes casos:
(...)
c) Lucros obtidos por entidades a que seja aplicável o regime estabelecido no n° 1 do artigo 46°, desde que a participação financeira tenha permanecido na titularidade da mesma entidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição».
▬ Já nos actuais arts. 63º e 65º do TFUE (normativos correspondentes aos anteriores arts. 56º e 58º do Tratado CEE) dispõe-se:
Artigo 63º (ex-artigo 56º TCE)
«1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.»
Artigo 65º (ex-artigo 58º TCE)
«1. O disposto no artigo 63º não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63º.
4. Na ausência de medidas ao abrigo do nº 3 do artigo 64º, a Comissão, ou, na ausência de decisão da Comissão no prazo de três meses a contar da data do pedido do Estado-Membro em causa, o Conselho, pode adoptar uma decisão segundo a qual as medidas fiscais restritivas tomadas por um Estado-Membro em relação a um ou mais países terceiros são consideradas compatíveis com os Tratados, desde que sejam justificadas por um dos objectivos da União e compatíveis com o bom funcionamento do mercado interno. O Conselho delibera por unanimidade, a pedido de um Estado-Membro

5.3. Sendo certo que na falta de medidas de unificação ou de harmonização na União Europeia, os Estados-membros podem ainda definir, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder de tributação, com vista, designadamente, a eliminar a dupla tributação, o que resulta da conjugação dos normativos supra transcritos é que, em termos nacionais, para evitar a tributação efectiva dos rendimentos auferidos, a legislação nacional considerava, ao tempo (em 2007), para os dividendos distribuídos por sociedades nacionais, dois mecanismos (equivalentes), consoante o beneficiário fosse uma entidade com sede em território português ou fosse uma entidade com sede em qualquer outro Estado-Membro da União Europeia: previa-se um regime de exclusão da base tributável, para as entidades com sede em território nacional e previa-se uma isenção para as entidades residentes em outros Estados-Membros da União Europeia. Ou seja, o efeito era equivalente em ambos os regimes: não ocorria tributação efectiva destes rendimentos em território português.
Todavia, as sociedades de outros Estados-Membros estavam, ao tempo, obrigadas ao cumprimento dos seguintes requisitos:
─ detenção de uma participação de 20% no capital da entidade distribuidora dos dividendos (ao invés da participação de 10% ou superior a € 20.000.000,00 exigida para entidades residentes);
─ a manutenção ininterrupta da participação por mais de 2 anos (ao invés de 1 ano exigido para as entidades beneficiárias residentes).
No caso, a impugnante é uma instituição de crédito sedeada em Espanha e sem estabelecimento estável em território português encontrando-se ali sujeita a Imposto sobre as Sociedades.
E por escritura pública de permuta de acções outorgada em Madrid, em 16/12/2004, a impugnante adquiriu à “B…………, S.A.”, 206.125.158 acções daquela mesma sociedade, representativas de 5,53% do seu capital social, tendo mantido, de forma ininterrupta, desde aquele dia 16/12/2004 até ao dia 28/4/2006, 54.848.066 acções, representativas de 1,5% do capital social da referida “B…………, S.A.”, adquiridas pelo valor de 120.665.745,20 Euros.
Portanto, como bem refere a sentença recorrida, no momento da ocorrência dos factos tributários que originaram os actos impugnados, estavam verificados (com excepção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos), todos os requisitos de que dependia a aplicação do regime então constante dos arts. 46º, n° 1, e 90°, n° 1, al. c), do CIRC.
Ou seja, se fosse, nessa data, residente em território português, a impugnante não teria, nos anos de 2005 e 2006, sido tributada (através da falada retenção na fonte), pelo valor das liquidações impugnadas.

5.4. Mas será que o regime em concreto aplicado ao caso, afronta, como conclui a sentença, as apontadas disposições comunitárias?
A questão, na vertente essencial que aqui releva, foi apreciada (embora reportando a situações nem sempre idênticas) por esta Secção do STA, nomeadamente nos acórdãos proferidos em 29/2/2012, no proc. nº 1017/11; em 28/11/2012, nos processos nº 482/10 e nº 694/12; em 29/2/2013, no proc. nº 1435/12; em 29/5/2013, no proc. nº 0322/13; em 27/11/2013, no proc. nº 654/13; e em 18/12/2013, no proc. nº 568/13.
Bem como no acórdão proferido em 9/4/2014, no processo nº 01318/13, relatado pelo presente relator, e cujo texto passamos a transcrever.
«Nestes arestos, afirma-se, por um lado, o primado do direito comunitário, mas, por outro lado, também se acentua que o disposto na al. a) do nº 1 do art. 58º do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que embora aí se preveja que os Estados-membros podem estabelecer uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência,(Referenciando-se, aliás, o acórdão do TJUE, de 8/11/2007, Amurta, C-379/05, Colect., p. I-9569, nº 30.) a jurisprudência do TJUE entende que a derrogação prevista nesta disposição é ela própria logo limitada pelo nº 3 do art. 58º CE, sendo que as disposições nacionais referidas no nº 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 56º [CE]».
Ou seja, acentua-se que os tratamentos desiguais permitidos pela referida al. c) do nº 1 do então art. 58º, do Tratado CEE, devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n° 3 do mesmo artigo e para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral.
E tal é o que se encontra claramente afirmado também no despacho do Tribunal de Justiça (Quinta Secção), de 22/11/2010, proferido no processo nº C-199/10 (Tratava-se de pedido de decisão prejudicial formulado por este Supremo Tribunal Administrativo, no caso Secilpar - Sociedade Unipessoal SL vs. Fazenda Pública, sendo o objecto do pedido de decisão prejudicial o seguinte: «Compatibilidade com os artigos 12º CE, 43º CE, 56º CE, 58º, nº 3, CE (actuais artigos 18º , 49º , 63º e 65º , nº 3, TFUE) e com o artigo 5º, nº 1, da Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-Membros diferentes (JO L 225, p. 6), de um diploma legislativo nacional relativo à tributação dos dividendos distribuídos por uma sociedade residente a uma sociedade beneficiária não residente que detém uma participação inferior a 25 % no capital social da sociedade que distribui os dividendos — Tributação por retenção na fonte à taxa de 15% prevista pela convenção sobre a dupla tributação celebrada entre os dois Estados em causa — Isenção dos dividendos pagos às sociedades residentes».) em que se considerou que «Os artigos 56º CE e 58º CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados-Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado-Membro a uma sociedade beneficiária com sede noutro Estado-Membro, quando a regulamentação nacional do primeiro Estado-Membro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária residente. Só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado-Membro até ao montante da diferença de tratamento. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal no domínio dos impostos sobre o rendimento, celebrada em 26 de Outubro de 1993 entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha»,
Ali se considerando, igualmente, o seguinte:
«29 (…) no que respeita à interpretação dos artigos 56° CE e 58° CE, é de notar que, no processo principal, a taxa normal da retenção na fonte, de 25% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede em Portugal a uma sociedade beneficiária com sede em Espanha, foi fixada em 15% nos termos da convenção para evitar a dupla tributação.
30 A este respeito, há que recordar que, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados-Membros, estes devem exercer essa competência no respeito do direito da União (v., designadamente, acórdão de 13 de Dezembro de 2005, Marks & Spencer, C-446/03, Colect., p. I-10837, n° 29).
31 Assim, na falta de medidas de unificação ou de harmonização na União, os Estados-Membros continuam a ser competentes para definir, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder de tributação, com vista, designadamente, a eliminar as duplas tributações (acórdãos de 12 de Maio de 1998, Gilly, C-336/96, Colect., p. I-2793, nºs. 24 e 30, e de 7 de Setembro de 2006, N, C-470/04, Colect., p. I-7409, n° 44).
32 No que respeita a participações não abrangidas pela Directiva 90/435, compete aos Estados-Membros determinar se, e em que medida, deve ser evitada a dupla tributação económica dos lucros distribuídos e introduzir, para esse efeito, de modo unilateral ou através de convenções celebradas com outros Estados-Membros, mecanismos destinados a evitar ou a atenuar essa dupla tributação económica. Contudo, este simples facto não lhes permite aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado (v., neste sentido, acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C-374/04, Colect., p. I-11673, n° 54).
(…)
35 Os tratamentos desiguais permitidos pelo artigo 58°, n° 1, alínea a), CE devem, por isso, ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n° 3 deste mesmo artigo. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v. acórdão Amurta, já referido, n° 32 e jurisprudência referida).
36 O Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado-Membro a fim de evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos lucros distribuídos por uma sociedade residente, os accionistas beneficiários residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à dos accionistas beneficiários residentes de outro Estado-Membro (acórdão de 14 de Dezembro de 2006, Denkavit Internationaal e Denkavit France, C-170/05, Colect., p. I-11949, n° 34, e acórdão Amurta, já referido, n° 37).
37 Todavia, a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n° 68, Denkavit Internationaal e Denkavit France, n° 35, e Amurta, n° 38).
38 Com efeito, é o mero exercício, por esse mesmo Estado, da sua competência fiscal que, independentemente de qualquer tributação noutro Estado-Membro, cria o risco de tributação em cadeia ou da dupla tributação económica. Nesse caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação da capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56° CE, o Estado de residência da sociedade que procede à distribuição deve certificar-se que, em relação ao mecanismo previsto pela sua legislação nacional para prevenir ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades accionistas não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades accionistas residentes (v. acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n° 70, e Amurta, n° 39).
39 É certo que não se pode excluir que um Estado-Membro consiga garantir o cumprimento das suas obrigações resultantes do Tratado, celebrando uma convenção destinada a evitar a dupla tributação com outro Estado-Membro (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n° 71, e Amurta, n° 79).
40 Contudo, é necessário, para esse efeito, que a aplicação da convenção para evitar a dupla tributação permita compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrente da legislação nacional. Assim, só no caso de o imposto retido na fonte poder ser imputado no imposto devido noutro Estado-Membro até ao montante dessa diferença de tratamento é que a diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros e os dividendos distribuídos às sociedades residentes desaparece totalmente (v., neste sentido, acórdão de 19 de Novembro de 2009, Comissão/Itália, C-540/07, Colect., p. I-10983, n° 37, e de 3 de Junho de 2010, Comissão/Espanha, C-487/08, ainda não publicado na Colectânea, n° 59).
41 Compete ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se, no processo principal, se verifica a hipótese referida no número anterior.
42 Se assim não for, a diferença de tratamento é ainda susceptível, eventualmente, de ser justificada por razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, designadamente, acórdão Comissão/Itália, já referido, n° 55 e jurisprudência referida). Importa, contudo, observar que o órgão jurisdicional de reenvio não refere razões desse tipo.
43 Tendo em conta o que antecede, é de responder à questão submetida que os artigos 56° CE e 58° CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados-Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado-Membro a uma sociedade beneficiária com sede noutro Estado-Membro, quando a regulamentação nacional do primeiro Estado-Membro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária residente. Só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado-Membro até ao montante da diferença de tratamento. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da convenção para evitar a dupla tributação
4.4. Esta doutrina manteve-se no Despacho emitido pelo TJUE, em 18/6/2012, proferido no âmbito do processo C-38/11 (relativo a pedido de decisão prejudicial tendo por objecto a interpretação dos arts. 63° TFUE e 65° TFUE, no âmbito de um litígio que opôs a sociedade Amorim Energia BV ao Ministério das Finanças e da Administração Pública, atinente a reembolso da retenção na fonte aplicada aos dividendos que lhe foram distribuídos pela Galp Energia, SGPS, SA., em que se afirma que a neutralização da discriminação por meio da aplicação de uma convenção de eliminação da dupla tributação só pode ocorrer “se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fracção dele”.
Mantendo-se, igualmente, tal doutrina, também no Acórdão do TJUE, de 20/10/2011, proferido no processo C-284/09 (Comissão Europeia contra a República Federal da Alemanha, por «Incumprimento de Estado – Livre circulação de capitais – Artigos 56° CE e 40° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu – Tributação dos dividendos – Dividendos pagos às sociedades com sede no território nacional e às sociedades estabelecidas noutro Estado-Membro ou num Estado do Espaço Económico Europeu – Diferença de tratamento») em que se afirma que «70. A República Federal da Alemanha não pode, por isso, alegar que a dedução do imposto retido na Alemanha ao imposto devido no outro Estado-Membro, em aplicação das convenções destinadas a evitar a dupla tributação, permite em todos os casos neutralizar a diferença de tratamento decorrente da aplicação do disposto na legislação fiscal nacional ou nas convenções que têm por efeito reduzir a taxa da retenção na fonte (v., igualmente, acórdãos, já referidos, Comissão/Itália, n° 39, e Comissão/Espanha, n° 64).» e que «71. Por último, quanto ao argumento da República Federal da Alemanha, baseado no facto de que as sociedades beneficiárias de dividendos estabelecidas noutro Estado-Membro não estão obrigadas a pagar o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ao qual estão sujeitas as sociedades beneficiárias de dividendos estabelecidas na Alemanha, basta recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de existirem outras vantagens, mesmo supondo que essas vantagens existam (v., neste sentido, acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkooijen, C-35/98, Colect., p. I-4071, n° 61; Amurta, já referido, n° 75; e de 1 de Julho de 2010, Dijkman e Dijkman-Lavaleije, C-233/09, Colect., p. I-0000, n° 41).»
Em suma, como alega a recorrida, o TJUE não considera neutralizada a discriminação resultante da aplicação do direito de um Estado-Membro, pelo simples facto de o resultado dessa discriminação poder, em abstracto, ser eliminado através de mecanismos convencionais - diferentemente, considera que é preciso analisar, casuisticamente, se a discriminação é efectivamente anulada através daqueles mecanismos, sendo que, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição dos dividendos só pode ser neutralizada através deste método de imputação se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. E se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fracção dele (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Itália, nº 38; Comissão/Espanha, nº 62; e Comissão/Alemanha, nº 68, bem como o citado despacho do TFUE, de 18/6/2012, quinta secção, proferido no Processo C-38/11).
4.5. Foi, aliás, com base em algumas destas decisões do TJUE que os supra indicados acórdãos deste STA, de 29/2/2012, no proc. nº 1017/11; de 28/11/2012, no processo nº 482/10; de 29/5/2013, no proc. nº 0322/13; de 27/11/2013, no proc. nº 654/13; e de 18/12/2013, no proc. nº 568/13, se ocuparam da questão de saber se os rendimentos estão ou não sujeitos a imposto em Espanha e se o imposto pago em Portugal pode ser recuperado através da dedução ao imposto devido naquele país.
Sendo que, ao invés, nos acórdãos proferidos em 28/11/2012 e em 20/2/2013, nos procs. nº 694/12 e 1435/12, respectivamente,(O ora relator subscreveu, como adjunto, tais acórdãos, mas, no acórdão de 27/11/2013, considerou rever a posição anteriormente assumida, nomeadamente quanto à apreciação da neutralização, em concreto, da eventual maior tributação da entidade não residente.) se entendeu (i) que nem o TFUE nem em geral a legislação da EU impõem qualquer regra ou princípio relativo à aplicação da cláusula da nação mais favorecida às Convenções sobre dupla tributação (CDT) celebradas pelos Estados-Membros, sendo que em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT’s, é aceitável e não contaria as liberdades de circulação, nem consubstancia uma discriminação contrária aos Tratados Europeus, em virtude de os residentes e os não residentes não se encontrarem, em geral, em situações comparáveis, porque assentes numa diferença objectiva relevante entre os sujeitos passivos; (ii) que constituindo jurisprudência do TJUE que os direitos e obrigações recíprocos previstos numa CDT são aplicáveis apenas aos residentes num dos Estados contratantes da mesma, sendo isto uma consequência inerente às CDT, o direito comunitário não se opõe a que a eventual vantagem em questão não se encontra numa situação comparável à dos residentes abrangidos pela convenção; (iii) que a tributação de dividendos através da retenção na fonte à taxa constante da CDT não implica, em princípio, qualquer ilegalidade, pois que a referida retenção será neutralizada por aplicação de um crédito de imposto no Estado da residência, sendo que se pela via do direito desse Estado de residência não é possível efectivar-se o crédito de imposto conferido pela CDT, tal argumento não pode ser oponível ao País da fonte, que se limita a fazer aplicação do quadro legal vigente na sua ordem jurídica.
E é neste entendimento que, aliás, se apoia a presente alegação da Fazenda Pública.
Que, todavia, é de afastar, considerando a uniformidade e a constância da referida argumentação do TJUE, no sentido de que, por regra, residentes e não residentes não se encontram em situação comparável, devendo ter-se em conta o regime normativo tributário interno concretamente aplicável a cada situação, e considerando que, à data (cfr, o então art. 46º do CIRC), a lei portuguesa trata de modo diferente e menos favorável as entidades não residentes (só os residentes beneficiavam da dispensa de retenção na fonte).
Acresce que este entendimento veio a ser posteriormente reafirmado no acórdão de 18/12/2013, no proc. nº 568/13, deste STA, e já o anterior aresto de 29/5/2013, no proc. nº 0322/13, havia sido objecto de comentário crítico concordante por parte da doutrina (João Félix Pinto Nogueira, NEUTRALIZAÇÃO NA DISTRIBUIÇÃO DE DIVIDENDOS A SOCIEDADES NÃO RESIDENTES, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VI, nº 3 – Outono, pp. 300 a 347.) que, considerando a questão de saber «se basta a previsão de um qualquer método de crédito na convenção (bastando assim a "possibilidade jurídica" do sujeito passivo obter a neutralização) ou se se exige que os efeitos provocados pela retenção no Estado da fonte sejam efetivamente e totalmente "anulados" no Estado da residência», conclui que, tal como entende o TJUE, «é necessária uma neutralização efetiva, isto é, que o sujeito passivo seja efetivamente capaz de imputar toda retenção sofrida na fonte em imposto a suportar no Estado da residência» e para que tal aconteça, «é necessário que os dividendos distribuídos sejam efetivamente tributados no Estado da residência. Se não o forem, ou não o forem a um nível suficiente, então não se produz a total a anulação dos efeitos discriminatórios (provocados pela originária retenção na fonte) não se verifica e não há neutralização».
E mais conclui o seguinte:
«Por outras palavras, é incorreto assumir que o método do crédito do imposto retido na fonte no Estado da residência é sempre capaz de assegurar a neutralização. Há sempre que verificar o impacto efetivo do tratado, o verdadeiro efeito a que este, a final, conduz.»
(…)
Em conclusão, em sede de tributação de dividendos recebidos, as sociedades residentes e não residentes encontram-se situação comparável; apesar dessa comparabilidade, as não residentes são tratadas, pela nossa lei interna, de modo diferente e menos favorável; mesmo tendo em conta o quadro convencional, a neutralização dessa diferença de tratamento não ocorreu, no caso concreto, porque o Estado da residência do sujeito passivo isenta os dividendos recebidos. Assim, mais não há a fazer do que anular as liquidações de imposto baseadas nessa norma
Mas, ainda assim, o autor não deixa de apontar dúvidas e preocupações quanto a estas questões da neutralização, considerando, nomeadamente, que, uma vez que as obrigações que do Tratado decorrem para cada um dos Estados-Membros são obrigações autónomas e independentes, substanciadas em comandos ou proibições que estes têm de cumprir independentemente do que faça ou ocorra num outro EM, então, existindo comparabilidade, a diferenciação pela lei interna simplesmente não deveria ser admitida e a norma doméstica portuguesa deveria ser imediatamente desaplicada por incompatível, não parecendo apropriado deixar a eliminação da discriminação para o sistema convencional. «O funcionamento da CDT prende-se já e sobretudo com a eliminação da dupla tributação jurídica internacional. Nesse quadro, e dado que o direito da UE não obriga ao Estado da residência a eliminar a dupla tributação jurídica internacional (…) a possibilidade de verificação de um crédito efetivo na residência prende-se com escolhas que devem pertencer unicamente àquele Estado.
Caso se quisesse admitir a neutralização, então a mesma apenas deveria ser possível quando as CDT's incluíssem um crédito integral. De facto, só nesses casos é possível ao Estado da fonte (que introduz a retenção prima facie discriminatória) assegurar ele mesmo a anulação dos efeitos negativos desse tipo de tributação. Em todos os outros casos, a anulação do efeitos vai sempre depender de elementos que não estão na sua esfera de domínio e que, consequentemente, não pode controlar.
(…)
A administração tributária, confrontada com pedidos de reembolso de imposto, vai ter de verificar, caso a caso, qual a possibilidade efectiva de o imposto retido ser creditado no Estado da residência – verificando, caso a caso, se a retenção é compatível com o ordenamento da União. Sendo a retenção um tratamento prima facie discriminatório provocado pelo Estado da fonte, pode alegar-se que caberia à administração tributária da fonte a determinação (prova) da neutralização efectiva do imposto, que permita salvaguardar in casu a norma tributária interna. Ou seja, caber-lhe-ia provar que o sujeito passivo beneficiou de neutralização na residência, algo que, mesmo com os renovados sistemas de troca de informação, parece de extrema dificuldade. (…) Cremos, no entanto, que nada obstaria a que o EM da fonte possa deslocar o ónus da prova para o sujeito passivo, uma vez que este se encontra mais próximo da informação e dado (que) o TJUE tem vindo a admitir certos ónus procedimentais em casos transnacionais.» (fim de citação)

6.5. Retornando ao caso dos autos, vemos que a sentença recorrida considerou que o imposto pago em Portugal pela recorrida nos anos de 2005 e 2006 não foi, nem era, susceptível de ser recuperado em Espanha, já que os rendimentos provenientes de dividendos que lhe foram distribuídos não foram tributados naquele Estado-Membro, não sendo, por conseguinte, possível, deduzir à colecta de imposto o valor do imposto suportado em Portugal, sendo portanto, claro que as disposições legais internas contrariam o princípio da liberdade de circulação de capitais e não sendo, sequer, tal efeito discriminatório neutralizado pela aplicação da CDT com Espanha.
Com efeito, ali se diz, que decorre da matéria de facto julgada provada, que os rendimentos auferidos pela impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, pelo que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha. Sendo que tal resulta das declarações de rendimentos apresentadas pela impugnante por referência aos anos de 2005 e 2006 (que não mereceram qualquer tipo de apreciação por parte da AT) e sendo que decorre do disposto nos artigos 21º, 116°, 117º da Ley del Impuesto sobre Sociedades, na redacção do Real Decreto Legislativo n° 4/2004, de 5/3, a isenção destes rendimentos das sociedades detentoras de participações estrangeiras (entidades de tenencia de valores extranjeros), para evitar a dupla tributação económica internacional sobre dividendos e rendas de fonte estrangeira derivadas da transmissão de valores representativos de fundos próprios de entidades não residentes em território espanhol. Tendo, pois, os rendimentos aqui em questão sido declarados (nas declarações de rendimentos relativas aos ditos anos de 2005 e 2006) em conformidade com aqueles normativos e não estando controvertido que os rendimentos auferidos pela impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, nem que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto ali devido, sempre haveria de se concluir que os actos de retenção na fonte objecto de impugnação configuram uma restrição não justificada à livre circulação de capitais, assim contendendo com o direito comunitário.
E assim é, na realidade, visto que, como bem refere a recorrida, as normas convencionais previstas na CDT com Espanha não são susceptíveis de garantir, em todas as situações, a neutralização do efeito produzido pelas normas previstas no CIRC, já que o mecanismo previsto na mesma CDT (possibilidade de dedução do imposto retido na fonte ao imposto a pagar em Espanha, ficando essa dedução limitada à “fracção do imposto, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados em Portugal” (cfr. art. 23º da Convenção), o que significa que a neutralização da tributação ocorrida em Portugal - construída convencionalmente como dedução à colecta de imposto – está dependente de vários factores cumulativos: (i) que o rendimento em causa seja tributado em Espanha, ou seja, que seja incluído na base tributável, (ii) que a sociedade beneficiária tenha uma base tributável positiva (ou seja, que exista matéria tributável), e que (iii) a taxa de imposto em Espanha seja, pelo menos, igual, à da retenção na fonte sofrida em Portugal;
Sendo que, por outro lado, a Fazenda Pública também não logrou demonstrar a falada diferenciação objectiva para que se pudesse considerar diferente tratamento em virtude da não residência.
Em suma, a sentença recorrida não padece do vício de ilegalidade que a recorrente Fazenda Pública lhe imputa, tendo feito, à luz do disposto no art. 8º da CRP, correcta interpretação e aplicação do direito comunitário, bem como do direito nacional, ao considerar que o regime previsto nos arts. 14º e 89º do CIRC (na redacção anterior à dada pela Lei nº 67-A/2007, de 31/12, consubstanciava, no caso concreto, um tratamento fiscal diferenciado dos rendimentos auferidos por entidades residentes em outros Estados da União Europeia, intolerável à luz dos princípios da não discriminação (art. 12º CE) e da livre circulação de capitais (art. 56º CE).
Ficando, consequentemente, prejudicada a apreciação do pedido de ampliação do âmbito do recurso (nos termos do art. 684º-A do CPC – a que corresponde o actual art. 636º do novo CPC) bem como a apreciação das demais questões invocadas pela recorrida na parte final das suas contra-alegações.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 14 de Maio de 2014. - Casimiro Gonçalves (relator) – Pedro Delgado – Isabel Marques da Silva.