Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0871/19.7BEAVR
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
NOTIFICAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - A declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que passam a competir ao administrador, assumindo o mesmo a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência (cf. art. 81.º, n.ºs 1 e 4, do CIRE).
II - Assim, exige-se que a notificação de liquidação tributária efectuada após a declaração de insolvência seja efectuada na pessoa do administrador da insolvência, exigência que não pode ter-se como cumprida se a AT enviou a notificação para a caixa postal electrónica da sociedade (cf. art. 41.º do CPPT).
III - Nesta situação, a sociedade em liquidação pode opor-se à execução fiscal em que estão a ser cobradas dívidas tributárias, com fundamento em inexigibilidade da dívida exequenda [cf. art. 204.º, n.º 1, alínea i), do CPPT].
Nº Convencional:JSTA000P26765
Nº do Documento:SA2202011180871/19
Data de Entrada:07/20/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença daquele Tribunal que, julgando procedente a oposição deduzida pela sociedade acima identificada, julgou extinta a execução fiscal que corria contra esta para cobrança de diversas dívidas tributárias, com motivação que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença datada de 12/02/2020, que julgou procedente a oposição à execução fiscal e, em consequência, determinou a extinção da execução, com todas as consequências legais, com fundamento na inexigibilidade da dívida exequenda, porque as notificações das liquidações não foram efectuadas na pessoa do respectivo Administrador de Insolvência por força do disposto no n.º 3 do artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), mas remetidas para a caixa postal electrónica, Via CTT, relativa à sociedade declarada insolvente. A omissão dessa formalidade constitui uma nulidade processual, com consequências anulatórias de todos os actos posteriores e dependentes do acto omitido ou praticado com nulidade

2. Salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública concordar com a sentença recorrida, porque, não obstante, a sociedade executada se encontrar insolvente, as notificações das liquidações que subjazem à divida exequenda não tinham que ser feitas na pessoa do respectivo Administrador de Insolvência por força do disposto no n.º 3 do artigo 41.º do CPPT, porque foram realizadas através da caixa postal electrónica da sociedade insolvente.

3. O artigo 41.º do CPPT dispunha na redacção vigente à data dos factos, sob a epígrafe “Notificação ou citação das Pessoas Colectivas ou Sociedades”, o seguinte:
1- As pessoas colectivas e sociedades são citadas ou notificadas na sua caixa postal electrónica ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.
2- Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade.
3- O disposto no número anterior não se aplica se a pessoa colectiva ou sociedade se encontrar em fase de liquidação ou falência, caso em que a diligência será efectuada na pessoa do liquidatário”.

4. O n.º 1 do deste artigo diz que a notificação ou citação das pessoas colectivas e sociedades é feita na sua caixa postal electrónica ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.

5. E, o seu n.º 2 que: “Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade”.

6. O n.º 1 parte final e o n.º 2 do artigo 41.º do CPPT determinam quais as pessoas físicas em quem pode ser feita a notificação em nome da própria sociedade, tanto no caso da notificação por via postal registada ou por via postal registada com aviso de recepção como no caso da citação pessoal.

7. O n.º 3 do artigo 41.º do CPPT estabelece que a notificação ou citação da pessoa colectiva e sociedade na pessoa dos seus gerentes ou quando estes não forem encontrados na pessoa de qualquer funcionário, não é de aplicar quando a sociedade se encontrar insolvente, caso em que deve sê-lo na pessoa do Administrador de Insolvência.

8. Este n.º 3 estatui que não é de aplicar às sociedades insolventes apenas o n.º 2 do artigo 41.º do CPPT, nada dizendo quanto ao que se determina no n.º 1, 1.ª parte do artigo 41.º do CPPT, isto é, quando a notificação ou citação da sociedade é feita através da sua caixa postal electrónica (ViaCTT).

9. Quando a notificação é expedida para a caixa postal electrónica da sociedade, não tem de ser concretizada em determinadas pessoas físicas à semelhança do que sucede com a notificação por via postal registada, por via postal registada com aviso de recepção ou citação pessoal.

10. O legislador no que diz respeito à notificação ou citação da sociedade na sua caixa postal electrónica, não excepciona à semelhança do que sucede quando a notificação tem de ser realizada em determinadas pessoas físicas, a notificação é feita à entidade a notificar, não sabemos quem acede à caixa postal electrónica da sociedade.

11. Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, após a declaração de insolvência as notificações das sociedades não são obrigatoriamente feitas na pessoa do Administrador de Insolvência por força do disposto no artigo 41.º, n.º 3 do CPPT.

12. Por outro lado, o domicílio fiscal integra a caixa postal electrónica nos termos previstos no serviço público de caixa postal electrónica por força do disposto no n.º 2 do artigo 19.º da LGT na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011 de 30/12.

13. O meio de citação ou notificação das pessoas colectivas e sociedades através da caixa postal electrónica, foi introduzido no ordenamento jurídico, em 01/01/2012 com a entrada em vigor da referenciada Lei n.º 64-B/2011.

14. E, passou a ser obrigatório para os sujeitos passivos do IRC com sede ou direcção efectiva em território português e os estabelecimentos estáveis de sociedades e outras entidades não residentes, bem como os sujeitos passivos residentes enquadrados no regime normal do IVA, que tiveram de completar os procedimentos de activação da caixa postal electrónica (plataforma informática conhecida pelo serviço Via CTT) e posterior comunicação à AT até ao dia 30/03/2012 ou até 30/04/2012 – cfr. n.º 9 do artigo 19.º da LGT na redacção que lhe foi dada pela supradita Lei n.º 64-B/2011 e artigo 151.º desta lei.

15. À obrigatoriedade de adesão à caixa posta electrónica, imposta aos supramencionados sujeitos passivos tem necessariamente de corresponder, salvo se a lei dispuser o contrário, a obrigatoriedade da sua utilização como canal exclusivo para promover as notificações fiscais, conferindo, às partes envolvidas, segurança e previsibilidade na sua recepção.

16. A obrigatoriedade da notificação ou citação das pessoas colectivas e sociedades através da sua caixa postal electrónica está expressamente prevista no n.º 1, 1.ª parte do artigo 41.º do CPPT, não comportando a norma em causa excepções no caso de sociedades em situação de insolvência.

17. Não se poderá olvidar que nos termos do n.º 4 do artigo 81.º do CIRE o Administrador de Insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência.

18. Sendo a administração e gestão da massa insolvente transferida para o Administrador de Insolvência, incumbe-lhe o cumprimento de determinadas obrigações fiscais, designadamente, declarativas [submeter a declaração periódica de rendimentos prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º e 120.º do CIRC e a declaração anual de informação contabilística e fiscal – alínea c) do n.º 1 do artigo 117.º e 121.º do CIRC] e outras, tais como a liquidação e pagamento dos impostos subsequentes à declaração de insolvência [cfr. artigo 65.º, n.º 4 do CIRE e Circular n.º 10/2015 de 9/09/2015].

19. Não podendo desconhecer que a sociedade insolvente tem activa uma caixa postal electrónica, para a qual lhe são enviadas notificações efectuadas pela AT, havendo uma presunção de notificação, com prazos determinados na lei, independentemente de aceder ou não à respectiva caixa postal electrónica.

20. E, assim sendo, devia ter solicitado, à semelhança do pedido de senha de acesso para poder enviar as declarações por transmissão electrónica, a senha de acesso (password) à caixa postal electrónica a fim de poder consultar as mesmas.

21. Com o devido respeito, e salvo melhor entendimento, ao contrário do defendido pelo douto Tribunal “a quo”, as notificações das liquidações que subjazem à divida exequenda não tinham de ser feitas na pessoa do respectivo Administrador de Insolvência e no domicílio fiscal deste, uma vez que foram remetidas para a “caixa postal electrónica”, Via CTT, da sociedade declarada insolvente nos termos do n.º 1, 1.ª parte do artigo 41.º do CPPT.

22. Destarte, as notificações das liquidações de IMI e de IUC referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018 subjacentes à dívida exequenda realizada através da “caixa postal electrónica”, Via CTT, da sociedade declarada insolvente, encontrando ela activa, devem considerar-se devidamente concretizadas e, consequentemente a dívida exequenda exigível, contrariamente ao decido pelo douto Tribunal “a quo”.

23. O douto Tribunal “a quo” incorreu em errado julgamento em matéria de direito no que toca à correcta interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto no artigo 41.º n.ºs 1, 2 e 3 do CPPT, conjugado com o artigo 81.º n.º 4 do CIRE.

24. Termos em que, deverá a sentença de que ora se recorre, ser revogada e substituída, por outra que julgue improcedente a oposição, mantendo-se as execuções fiscais, com as devidas consequências legais.

Termos em que, e nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.as, deve ser dado provimento ao recurso e a sentença de que se recorre, ser revogada, com as devidas consequências legais, como se nos afigura mais conforme com o que consideramos ser a melhor realização do Direito e Justiça».

1.3 A Recorrida não contra-alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação: «[…]

Da análise da matéria controvertida entendemos que o presente recurso deverá improceder.
A douta sentença recorrida mostra-se, quanto a nós, correcta. Fez correcta interpretação dos factos e correcta se mostra a sua subsunção jurídica, mostrando-se devidamente fundamentada e apoiada em recente jurisprudência deste STA, não sendo passível de quaisquer censuras.
Estando em causa a notificação de liquidações efectuadas e cuja responsabilidade é da massa falida de uma sociedade declarada insolvente, tal notificação deve ser efectuada na pessoa que representa a massa insolvente, ou seja o administrador da insolvência, por ser ele quem assume a representação do devedor. Ver neste sentido a doutrina que emana em anotação ao disposto nos artigos 41.º e 156.º, ambos do CPPT, a págs. 402, in Código de Procedimento e Processo Tributário, do vol. I, anot., 6.ª edição, de Jorge Lopes de Sousa e págs. 88 a 89, do vol. III, da mesma obra.
É, pois, correcta a douta decisão».

1.5 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Na sentença recorrida o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

«1- Em 7/12/2016 foi proferida sentença, no âmbito do processo n.º 4709/16.9T8OAZ, na qual foi declarada a insolvência da sociedade “A…………, Lda.” nipc, ……….., com sede no ……….., Fornos, Santa Maria da Feira, e foi nomeado administrador de insolvência B…………, com domicílio profissional na Rua ……., …, …….., …….., Santa Maria da Feira – fls. 6 do processo físico;

2- Na sequência, a referida Administradora de Insolvência procedeu à apreensão dos seguintes bens para a massa insolvente da referida sociedade:
- Prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º ………. e registado sob o nº. 2309, da freguesia de Fânzeres, Gondomar;
- Prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º ……. e registado sob o n.º 1064, da freguesia de Fornos, Santa Maria da Feira;
- Prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo n.º …….. e registado sob o n.º 1161, da freguesia de Fornos, Santa Maria da Feira;
- Prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo n.º ……. e registado sob o n.º 1464, da freguesia de Fornos, Santa Maria da Feira;
- Veículo automóvel, com matrícula ………..;
- Veículo pesado de mercadorias, com matrícula ………;
- Veículo pesado de mercadorias, com matrícula ………;
- Veículo ligeiro de mercadorias, com matrícula ………..;
- Veículo pesado de mercadorias, com matrícula ……….….;
- Veículo automóvel, com matrícula …………….;
- Maquinaria e móveis de escritório – fls. 7 do processo físico;

3- A AT efectuou as seguintes liquidações em nome da sociedade acima identificada:

N.º Liquidação
Data Liquidação
Natureza/período
Valor a pagar
Data Limite PV
063274903
2/3/2017
IMI/2016 (1.ª prest)
1.128,04
30/4/2017
063275003
2/3/2017
IMI/2016 (2.ª prest)
1.128,02
31/7/2017
68027948
9/10/2017
IUC/2017 – (…………)
53,27
9/10/2017
063275103
2/3/2017
IMI/2016 (3.ª prest)
1.128,02
30/11/2017
69991844
14/1/2018
IUC/2017 – (…….…...)
32,59
2/2/2018
70174369
21/1/2018
IUC/2017 – (………..)
67,80
9/2/2018
70186323
21/1/2018
IUC/2017 – (………..)
750,58
9/2/2018
70188310
21/1/2018
IUC/2017 – (………..)
883,63
9/2/2018
027516103
7/3/2018
IMI/2017 (1.ª prest)
1.148,95
30/4/2018
71618426
25/3/2018
IUC/2017 – (………….)
339,02
13/4/2018
72636724
19/5/2018
IUC/2018 – (……….)
53,46
8/6/2018
74101283
15/7/2018
IUC/2018 – (…………)
67,24
3/8/2018
027516203
7/3/2018
IMI/2017 (2.ª prest)
1.148,94
31/7/2018
027516303
7/3/2018
IMI/2017 (3.ª prest)
1.148,94
30/11/2018
76378909
17/11/2018
IUC/2018 – (……….)
889,54
6/12/2018
76376193
17/11/2018
IUC/2018 – (………..)
755,40
6/12/2018
78900499
16/3/2019
IUC/2018 – (……….)
340,00
4/4/2019
- fls. 46 a 62 do processo físico;

4- As notificações relativas às liquidações aludidas no ponto anterior foram remetidas para a caixa postal, Via CTT, da sociedade devedora e foram consideradas efectuadas nas seguintes datas (pela mesma ordem):
N.º Liquidação
Data remessa notificação
Dada considerada notificada
063274903
24/3/2017
24/3/2017
063275003
10/6/2017
10/6/2017
68027948
13/10/2017
18/10/2017
063275103
25/10/2017
25/10/2017
69991844
14/1/2018
19/1/2018
70174369
21/1/2018
26/1/2018
70186323
21/1/2018
26/1/2018
70188310
21/1/2018
26/1/2018
027516103
2/4/2018
3/4/2018
71618426
30/3/2018
4/4/2018
72636724
20/5/2018
25/5/2018
74101283
15/7/2018
20/7/2018
027516203
20/6/2018
20/6/2018
027516303
19/10/2018
19/10/2018
76378909
18/11/2018
19/11/2018
76376193
18/11/2018
23/11/2018
78900499
17/3/2019
22/3/2019
- fls. 47vº a 62vº e 46vº do processo físico;

5- No Serviço de Finanças de Feira 1 foram autuados (pelo menos) os seguintes processos de execução fiscal em que é executada a sociedade “A…………., Lda.”:
PEF n.º
Data Autuação
Natureza/período
Quantia Exequenda
0094201701078127
8/5/2017
IMI/2016 (1.ª prest)
1.128,04
0094201701118196
6/8/2017
IMI/2016 (2.ª prest)
1.128,02
0094201701174185
6/12/2017
IUC/2017 – (………..)
53,27
0094201701181335
8/12/2017
IMI/2016 (3.ª prest)
1.128,02
0094201801026976
22/2/2018
IUC/2017 – (……….)
32,59
0094201801029193
26/2/2018
IUC/2017 – (……….)
67,80
0094201801029452
26/2/2018
IUC/2017 – (……….)
750,58
0094201801030744
28/2/2018
IUC/2017 – (……….)
883,63
0094201801077040
12/5/2018
IMI/2017 (1.ª prest)
1.148,95
0094201801080598
17/5/2018
IUC/2017 – (……….)
339,02
0094201801100246
15/6/2018
IUC/2018 – (………)
53,46
0094201801131460
10/8/2018
IUC/2018 – (……….)
67,24
0094201801133225
11/8/2018
IMI/2017 (2.ª prest)
1.148,94
0094201801208446
8/12/2018
IMI/2017 (3.ª prest)
1.148,94
0094201801211404
13/12/2018
IUC/2018 – (………)
889,54
0094201801211641
14/12/2018
IUC/2018 – (……….)
755,40
0094201901065858
23/5/2019
IUC/2018 – (……….)
340,00
– fls. 22 a 25 do processo físico;

6- Em 12/8/22019, por carta registada cujo aviso de recepção foi assinado nessa data, a AT citou “B…………….., R. ……….. … …. Santa Maria Feira, 4520-…….. Santa Maria da Feira”, “na qualidade de A.I. da executada supra identificada (A……… – NIPC ………..…), nos termos art. 192º do CPPT”, “de que se encontram pendentes neste Serviço de Finanças os processos de execução fiscal abaixo indicados, instaurados por dívida de IMI/IUC e PORTAGENS” e para proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescido” e juntou “em anexo certidão discriminativa das dívidas exigidas nos autos composta por nove (9) folhas”, referente à dívida exequenda total de € 13.065,38, incluindo, para além dos processos acima referidos, as seguintes dívidas:
PEF nº
Data Autuação
Natureza/período
Quantia Exequenda
0094201901083783
2019
IMI/2018 (1.ª prest)
963,94
0094201901100769
2019
IUC/2018 – (…………)
1.038,00
– fls. 13 a 19 do processo físico;

7- Sob registo postal de 16/9/2019 foi remetido, ao Serviço de Finanças de Feira 1, a petição inicial da presente oposição – vinheta de fls. 2 e seguintes do processo físico;

8- Em 16/9/2019 foram pagas dívidas exigidas nos processos acima referidos e extintas as execuções – acordo, fls. 12 do processo físico;

9- O veículo de matrícula ……………., marca Volvo, encontra-se registado na respectiva Conservatória desde 1974 em nome de entidades diferentes da sociedade devedora nos presentes autos – fls. 8 do processo físico».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 A Opoente é uma sociedade em liquidação, após ter sido judicialmente declarada insolvente.
Instaurada contra ela uma execução fiscal para cobrança das dívidas tributárias elencadas em 3 dos factos provados, veio a mesma deduzir oposição. No que ora interessa, alegou a falta de notificação das liquidações e para pagamento voluntário, que, a seu ver, seriam a remeter à Administradora da insolvência, em nome dela e para o seu domicílio profissional.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, considerando que essa alegação integra o fundamento de oposição previsto na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por inexigibilidade das dívidas exequendas, julgou a oposição procedente. Considerou, em síntese, que à data em que foram efectuadas as liquidações já a sociedade tinha sido declarada insolvente, motivo por que as respectivas notificações eram a efectuar na pessoa do administrador da insolvência, por força do disposto no n.º 3 do art. 41.º do CPPT; porque assim não sucedeu, as referidas liquidações devem ter-se por ineficazes em relação ao seu destinatário, nos termos do disposto no art. 238.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), no art. 77.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária (LGT) e do art. 36.º, n.º 1, do CPPT.

2.2.1.2 A Fazenda Pública recorre dessa sentença na parte em que nela se julgou verificada a inexigibilidade.
Em síntese, entende que a notificação das liquidações que deram origem às dívidas exequendas foram validamente notificadas à Executada, uma vez que foram remetidas para a sua caixa postal electrónica, não sendo o facto de a sociedade ter sido declarada insolvente que determina a invalidade da notificação efectuada por esse meio.
Salienta a Recorrente que a notificação por via electrónica e através da caixa postal electrónica era obrigatória e que o administrador da insolvência tinha a obrigação de aceder a essa caixa postal, devendo ter solicitado a password necessária para o efeito, tudo nos termos do disposto do art. 41.º, n.º 1, do CPPT, do n.º 9 do art. 19.º da LGT, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2012), e do n.º 4 do art. 81.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Mais salienta que o n.º 3 do art. 41.º do CPPT apenas estatui a não aplicação às sociedades insolventes do n.º 2 do mesmo artigo, nada regulando quanto às situações previstas no n.º 1, ainda do mesmo art. 41.º, isto é, quanto às situações em que a notificação ou citação da sociedade é feita através da sua caixa postal electrónica.
Assim, sustenta que a notificação das liquidações que deram origem às dívidas exequendas foi validamente efectuada, porque remetida para a caixa postal electrónica da sociedade, não se verificando a inexigibilidade das dívidas exequendas que determinou a procedência da oposição.

2.2.1.3 A única questão que ora cumpre apreciar e decidir é, pois, a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou verificada a inexigibilidade das dívidas exequendas por a notificação das liquidações que deram origem às dívidas exequendas não ter sido efectuada na pessoa do administrador da insolvência e para o domicílio profissional deste, o que passa por indagar como deve ser feita a notificação de liquidações efectuadas após a declaração de insolvência da sociedade.

2.2.2 DA NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO A SOCIEDADE DECLARADA INSOLVENTE

No caso, é inequívoco que as liquidações foram efectuadas após a declaração de insolvência da sociedade, o que significa que, à data em que foram realizadas as diligências para a notificação daqueles actos tributários, já a sociedade estava privada dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que deixaram de competir aos seus administradores e se transferiram para o administrador da insolvência. Na verdade, com a declaração de insolvência abre-se uma nova fase na vida da sociedade – a sua liquidação –, na qual competem em exclusivo ao administrador da insolvência os poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, incluindo os de representação para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência, como resulta do disposto no art. 81.º, n.ºs 1 e 4, do CIRE (Diz o art. 81.º do CIRE, nos seus n.ºs 1 e 4:
«1- Sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.
[…]
4- O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência».)).
Assim, como bem salientaram o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro e a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal, a notificação das liquidações era a efectuar na pessoa do representante da sociedade para os efeitos de carácter patrimonial, ou seja, na pessoa do administrador da insolvência.
Argumenta a Recorrente que a notificação era a efectuar para a caixa postal electrónica da sociedade notificanda, nos termos da primeira parte do n.º 1 do art. 41.º do CPPT, tendo em conta que esta era obrigada a ter essa caixa e que a lei impõe que a notificação seja efectuada por esse meio; mais argumenta, interpretando o art. 41.º do CPPT, que o n.º 3 apenas afasta a aplicação do n.º 2, o que, a seu ver, significa que apenas impõe a notificação na pessoa do administrador da insolvência quando a notificação seja a efectuar pessoalmente e já não quando, como no caso, a notificação é a efectuar para a caixa postal electrónica da notificanda; argumenta ainda que o administrador da insolvência podia e devia ter pedido a senha de acesso àquela caixa postal. Por isso, conclui que «após a declaração de insolvência as notificações das sociedades não são obrigatoriamente feitas na pessoa do Administrador de Insolvência por força do disposto no artigo 41.º, n.º 3 do CPPT».
Antes do mais recordemos o teor do art. 41.º o CPPT:
«1- As pessoas colectivas e sociedades são citadas ou notificadas na sua caixa postal electrónica ou na sua área reservada do Portal das Finanças, nos termos previstos no artigo 38.º-A, ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.
2- Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade.
3- O disposto no número anterior não se aplica se a pessoa colectiva ou sociedade se encontrar em fase de liquidação ou falência, caso em que a diligência será efectuada na pessoa do liquidatário».
O principal argumento da Recorrente é o de que que o n.º 3 apenas afasta a aplicação do n.º 2 do art. 41.º do CPPT, ou seja, apenas determina a notificação na pessoa do administrador da insolvência quando a notificação for a efectuar pessoalmente e já não quando, como no caso, a notificação é a efectuar para a caixa postal electrónica da notificanda, nos termos da primeira parte do n.º 1 do mesmo artigo.
Salvo o devido respeito, a Recorrente extrai do n.º 3 do art. 41.º, designadamente do seu segmento inicial, onde refere «[o] disposto no número anterior não se aplica» um argumento que a melhor interpretação do artigo não autoriza.
Antes do mais cumpre ter presente que o n.º 1 do art. 41.º do CPPT, na sua redacção original, não comportava a possibilidade de a notificação ser efectuada na caixa postal electrónica da sociedade ou pessoa colectiva a notificar (Nem «na sua área reservada do Portal das Finanças, nos termos previstos no artigo 38.º-A», possibilidade que foi introduzida pela mais recente alteração da norma, efectuada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2019).) ). À data, esse preceito dizia: «As pessoas colectivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem». A referida possibilidade só veio a ter consagração legal com a alteração introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2012).
Assim, na redacção inicial do preceito não faria sentido que o n.º 3 do art. 41.º do CPPT, em ordem a assegurar que, em caso de sociedade declarada insolvente, a notificação ou citação da mesma se fizesse na pessoa do administrador da insolvência, se referisse senão ao “número anterior”: é que a notificação e citação da sociedade não estavam previstas serem efectuadas senão na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes e isto, quer fossem efectuadas por via postal quer o fossem por contacto pessoal (Neste sentido, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 2011, 6.ª edição, volume I, notas 2 e 3 ao art. 41.º, págs. 400/401.) ).
O referido n.º 3 permite, no entanto, dele extrair um princípio geral, em harmonia com o regime da insolvência, qual seja o de que as notificações a efectuar a uma sociedade declarada insolvente devem ser efectuadas na pessoa do administrador da insolvência (Princípio que, relativamente à citação, encontra também expressão no art. 156.º do CPPT.)). Só assim se assegura que a notificação chegue ao efectivo conhecimento deste e sejam salvaguardados os interesses que o legislador visa com a sua nomeação.
Com a referida alteração na redacção do n.º 1 do art. 41.º do CPPT, o legislador passou a permitir que a notificação ou citação de uma sociedade se fizesse na sua caixa postal electrónica, visando assim substituir o tradicional envio de correspondência por via postal, se bem que tenha mantido outros meios de notificação e citação. Mas essa alteração não significa que o legislador se tenha desinteressado por que os administradores ou gerentes tivessem efectivo conhecimento da notificação ou citação; significa apenas que presume que o acesso a essa caixa postal é efectuado por eles, que são os representantes legais da sociedade, ou por alguém a quem eles tenham cometido esse encargo.
A possibilidade de a notificação da sociedade ser efectuada através da caixa postal electrónica não significa, pois, que tenha havido uma diminuição na exigência de que o acto notificando chegue ao efectivo conhecimento da sociedade notificanda, mais concretamente, ao conhecimento dos seus representantes legais. Ora, no caso em que a sociedade foi declarada insolvente, a representação dela, se bem que restrita aos aspectos patrimoniais que relevem para a insolvência, está cometida ao administrador da insolvência (cf. n.º 4 do art. 81.º do CIRE), motivo por que, como prescreve o n.º 3 do art. 41.º do CPPT, deverá a notificação ser efectuada na sua pessoa.
Poderá argumentar-se, como o faz a Recorrente, que o administrador deve diligenciar pela obtenção da senha de acesso à caixa postal electrónica e manter-se atento às notificações que aí sejam recebidas.
Mas não podemos olvidar, por um lado, que «os órgãos sociais do devedor mantêm-se em funcionamento após a declaração de insolvência» (cf. n.º 1 do art. 82.º do CIRE), pelo que não é inequívoco que o administrador da insolvência possa obter esse acesso e, por outro lado, que o administrador da insolvência, apesar de lhe estar cometida a representação da sociedade para fins patrimoniais, não é a sociedade, nem tem a estrutura empresarial dela ao seu dispor, pelo que não se pode, razoavelmente, exigir que possa desempenhar funções que, em algumas empresas, estarão cometidas a muitas pessoas, apoiadas por recursos técnicos que não estão ao alcance do administrador da insolvência.
Tudo a aconselhar que se mantenha o princípio desde sempre assumido pelo legislador e que melhor garante o princípio, constitucionalmente consagrado, do direito à notificação dos actos da Administração (cf. n.º 3 do art. 268.º da CRP), que se nos afigura ser o resultante da melhor interpretação do art. 41.º, n.º 3, do CPPT: a notificação da liquidação tributária efectuada a uma sociedade que tenha sido declarada insolvente deve ser feita na pessoa do administrador da insolvência.
Se o legislador pretendia que, mesmo relativamente às sociedades em liquidação, a notificação dos actos tributários efectuados após a declaração de insolvência pudesse ser efectuada na sua caixa postal electrónica e não na pessoa do administrador da insolvência, deveria tê-lo deixado inequivocamente expresso, o que não fez.
A sentença recorrida, que assim o entendeu e, por isso, decidiu no sentido de que as liquidações que deram origem às dívidas exequendas não podem considerar-se validamente notificadas e, em consequência, julgou a oposição à execução fiscal procedente com fundamento na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, não merece a censura que lhe é feita pela Recorrente.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que passam a competir ao administrador, assumindo o mesmo a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência (cf. art. 81.º, n.ºs 1 e 4, do CIRE).
II - Assim, exige-se que a notificação de liquidação tributária efectuada após a declaração de insolvência seja efectuada na pessoa do administrador da insolvência, exigência que não pode ter-se como cumprida se a AT enviou a notificação para a caixa postal electrónica da sociedade (cf. art. 41.º do CPPT).
III - Nesta situação, a sociedade em liquidação pode opor-se à execução fiscal em que estão a ser cobradas dívidas tributárias, com fundamento em inexigibilidade da dívida exequenda [cf. art. 204.º, n.º 1, alínea i), do CPPT].


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].


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Lisboa, 18 de Novembro de 2020. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Paulo José Rodrigues Antunes.