Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0338/10.9BEAVR 075/18
Data do Acordão:10/03/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRS
PERMUTA
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:I - A prestação pecuniária efectuada no âmbito de um contrato de permuta de bens imóveis, ainda que futura e incerta, decorre ainda do carácter sinalagmático do contrato de permuta.
II - Ainda que, quando da percepção do respectivo montante, tenha sido emitido recibo de quitação em que foi incluída a declaração de que ficam «totalmente “ressarcidos e indemnizados” por parte do Município de Vagos», essa prestação não assume natureza indemnizatória, motivo por que não fica sujeita a tributação em IRS ao abrigo do art. 9.º, n.º 1, alínea b), do CIRS.
Nº Convencional:JSTA00070936
Nº do Documento:SA2201810030338/10
Data de Entrada:01/25/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TAF DE AVEIRO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:IRS
Legislação Nacional:ARTIGO 9º, N.º 1, AL. B) DO CIRS
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 338/10.9BEAVR

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que aquele tribunal, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pelo contribuinte acima identificado, anulou a liquidação adicional de IRS, que lhe foi efectuada com referência ao ano de 2007 e ao montante de € 15.022,13 que nesse ano recebeu do Município de Vagos.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1) O Tribunal a quo considerou que o acto impugnado sofre de errónea qualificação do facto tributário, porque entendeu que a quantia de que foram beneficiários os impugnantes tem a natureza da contrapartida recebida ao abrigo do contrato de permuta, ao contrário do defendido pela Administração Tributária que diz tratar-se de uma indemnização.

2) O tribunal considerou que a questão que se discute nos presentes autos é a de saber qual a natureza da quantia que foi atribuída pelo Município de Vagos: se uma indemnização autónoma do contrato de permuta ou um ganho resultante dessa alienação patrimonial, e considera que a quantia em causa não tem a natureza de uma indemnização mas sim de uma contrapartida atribuída ao abrigo do contrato de permuta e decide que é inaplicável o disposto no artigo 9.º n.º 1 b) do CIRS, e como tal que é ilegal a liquidação por se basear em tal norma.

3) Não se concorda com as ilações de facto que o tribunal a quo retira dos factos provados, nem com a interpretação que foi dada ao art. 9.º n.º 1 b) do CIRS.

4) Conjugando o teor da escritura de permuta celebrada em 22/12/1993 e o recibo a dar quitação a que aludem os pontos 1 e 3 do probatório, é evidente que no caso em apreço, a importância atribuída pelo Município de Vagos, tem a natureza de uma compensação atribuída ao impugnante marido pelo facto de o artigo rústico n.º 4 ter sido rentabilizado, e este beneficiar dessa rentabilização por se tratar de um dos ex-proprietários do referido prédio.

5) A natureza de compensação resulta igualmente do contrato celebrado entre o impugnante marido e o Município de Vagos, na medida em que a mesma estava prevista no caso de o referido prédio rústico vir a ser rentabilizado.

6) Ora não sendo o impugnante e os restantes herdeiros proprietários do imóvel à data em que é atribuída a quantia que decorre da sua rentabilização, tal verba só pode ser justificada como uma forma de compensar os seus ex-proprietários pelo facto de por força do referido contrato de permuta terem ficado privados da potencial rentabilização.

7) A importância recebida é um acréscimo do património, pois corresponde a uma compensação que visa beneficiar ex-proprietários e que é provocada por uma rentabilização do artigo rústico n.º 4 do qual estes já não eram proprietários.

8) E nunca pode ser entendida, como defende o Tribunal a quo, como um pagamento pelo Município de Vagos ao contrato de permuta, pois a contrapartida atribuída aos outorgantes ao abrigo do referido contrato encontra-se aí indicada como sendo a atribuição dos lotes de terreno inscritos na matriz predial urbana da freguesia de …………, Ílhavo, sob os artigos n.ºs 1481, 1482, 1483,1484, 1485 e 1488, aliás como ressalta do ponto 1 do probatório.

9) De realçar que, a importância paga foi qualificada pela entidade pagadora como “indemnização”, como resulta patente dos termos consignados no recibo de quitação que aqui se cita “os herdeiros (...) declaram-se totalmente ressarcidos e indemnizados”. (Veja-se ponto 3 dos factos provados)

10) A quantia recebida não pode ser entendida como integrante da contrapartida recebida pela celebração do contrato de permuta. Pois são realidades distintas o contrato de permuta celebrado em 1993, e o negócio que se verificou posteriormente em 2007, que se traduziu no recebimento de uma indemnização. E não é pelo facto de o segundo negócio estar previsto numa cláusula do contrato de permuta que se pode confundir com este. Pois o primeiro realizou-se em 1993, produzindo desde logo os seus efeitos, independentemente de o segundo se concretizar ou não.

11) A quantia que foi atribuída ao impugnante em 2007 não corresponde ao valor que foi atribuído ao prédio cedido pelos impugnantes e os outros herdeiros, mas apenas uma compensação por o prédio do qual eles são ex-proprietários se ter rentabilizado. Caso não se verificasse a referida rentabilização, não seria atribuída a quantia aqui em discussão.

12) O Meritíssimo Juiz [do Tribunal] a quo refere na douta sentença sob recurso que o art. 9.º n.º 1 b) do CIRS, abrange apenas as “indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais”.

13) Ora na verdade parece-nos que a conclusão é apressada e que a doutrina não apoia tal conclusão, pois o art. 9.º n.º 1 b) do CIRS prevê a tributação das indemnizações na categoria G de rendimentos.

14) E como refere José Guilherme Xavier de Basto, in IRS, Coimbra Editora, pág. 254, são 3 os tipos de indemnizações tributáveis como rendimentos da categoria G: as indemnizações por danos não patrimoniais, as por danos emergentes não comprovados e as por lucros cessantes.

15) E no que ao caso interessa, as indemnizações por lucro cessante, trata-se de verdadeiros acréscimos patrimoniais líquidos. A indemnização substitui então, não perdas que o património do sujeito passivo experimentou, como acontece com as indemnizações por dano emergente, mas antes ganhos que teriam afluído ao seu património se o evento indemnizável não tivesse ocorrido. Ganhos em suma que, a terem tido lugar, haveriam sido tributáveis em IRS. Há, pois, toda a lógica em sujeitar essas indemnizações a imposto.

16) A sujeição de somas recebidas a título de indemnização a imposto de rendimento depende de tais somas poderem ser qualificadas como rendimento.

17) E para tanto, importa debruçarmo-nos sobre o conceito de rendimento. O IRS é um imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e, pretende tributar todos os acréscimos patrimoniais líquidos que afluem ao titular durante o período de imposto.

18) No preâmbulo do Código do IRS diz-se no ponto 5, que o legislador não seguiu o conceito de rendimento-produto, o que leva a tributar o fluxo regular de rendimentos ligados às categorias tradicionais da distribuição funcional (em que são considerados rendimentos os salários, os juros, as rendas e os lucros) e adoptou o conceito de rendimento tributável de rendimento acréscimo patrimonial, que alarga a base da incidência a todo o aumento do poder aquisitivo, incluindo nele as mais-valias e de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos (rendimento-acréscimo).

19) Nesta concepção, o que está em causa é um conceito de rendimento que serve de padrão de medida da capacidade de gastar de cada um, e portanto da respectiva capacidade de pagar impostos. Nesta perspectiva, qualquer acréscimo patrimonial, proveniente ou não da actividade produtiva, deve contar para a determinação da capacidade de gastar, desde que possa ser gasto sem dano do património inicial, ou seja, desde que seja um acréscimo patrimonial líquido.

20) Ora sabendo-se que a tributação em IRS assenta na tributação de rendimento acréscimo, para que as indemnizações sejam tributadas é necessário que tais somas constituam “acréscimos patrimoniais líquidos” que portanto sejam susceptíveis de ser gastas sem dano do património inicial.

21) Ora, nem todas as indemnizações constituem “acréscimos patrimoniais líquidos”. Não o são seguramente as indemnizações por “dano emergente”, já que não representam qualquer acréscimo patrimonial. A indemnização por dado emergente visa colocar o lesado no estado em que se encontrava antes da lesão, pelo que não é um acréscimo patrimonial líquido; é um incremento patrimonial que apenas compensa o decréscimo patrimonial que é a sua causa.

22) Já constituem incremento patrimonial líquido as indemnizações por lucro cessante, pois que substituem apenas outros incrementos patrimoniais líquidos que foram impedidos pelo ato lesivo constitutivo da responsabilidade.

23) Face ao atrás exposto, e partindo da tese que aqui se defende devidamente apoia nos factos provados, de que a importância atribuída aos impugnantes foi paga a título de indemnização, deverá manter-se a liquidação de IRS impugnada pois a esfera patrimonial dos impugnantes sofreu um incremento patrimonial, e como tal deve ser tributada ao abrigo do art. 9.º n.º 1 al. b) do CIRS.

24) E aliás como se decidiu no acórdão do TCA-Norte de 17/12/2004 in processo n.º 00229/04, que apreciou um caso idêntico ao da impugnante, em que se colocava a questão de saber se a verba recebida por dois dos 4 sócios da impugnante pode ou não considerar-se como proveito desta estando, por isso, a mesma sujeita aos impostos de IRC e de IVA, e em que foi entendido que tendo um banco negociado uma indemnização destinada ao inquilino por denúncia de contrato de arrendamento de determinado local, a fim de esse Banco aí instalar serviços seus, esta indemnização constitui um proveito do inquilino, no caso uma sociedade, sujeito a IRC.

25) A douta sentença recorrida violou o artigo 9.º n.º 1 al. b) do CIRS.

Termos em que, deve ordenar-se a revogação da douta sentença recorrida […]».

1.3 O Impugnante apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A. A sentença agora recorrida pela FN considerou (e bem) verificar-se erro nos pressupostos de facto, por parte da Administração Tributária (AT), quando considerou a quantia recebida pelos Impugnantes de € 15.022,13 (quinze mil e vinte e dois euros e treze cêntimos) na sequência da escritura de permuta de bens imóveis, celebrada com a Câmara Municipal de Vagos em 22/12/1993, sujeita a IRS, categoria G enquanto incrementos patrimoniais (indemnização por danos não patrimoniais), nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 9.º do C.I.R.S.

B. A quantia recebida, dada a sua natureza, não se enquadra no preceituado na alínea b), do n.º 1, do artigo 9.º do C.I.R.S., uma vez que o montante recebido resulta directa e necessariamente de negócio de permuta dos imóveis, nos termos do qual os Impugnantes alienaram um imóvel rústico adquirido antes de 1/01/1998, alienação essa concretizada por permuta realizada em 1993, não obstante o facto da Câmara Municipal de Vagos vir a pagar os montantes acordados apenas em 2007.

C. A prestação recebida em 2007 há de reportar-se exclusivamente ao negócio de permuta de imóveis efectuado em 1993, nos termos do qual se convencionou uma condição (positiva) e que se veio a verificar – no caso “do artigo 4.º vir a ser rentabilizado, reverter a favor dos segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo e décimo primeiro outorgantes cinquenta por cento dessa rentabilização”.

D. Assim em cumprimento do compromisso assumido por via daquela condição aposta na escritura de permuta de 22/12/1993, o Município de Vagos pagou “aos herdeiros B……….., C………… e A………… a importância de 90.132,78, correspondente a 1/5 dos 50 % a que todos os herdeiros têm direito” e os referidos herdeiros deram quitação declarando-se totalmente “ressarcidos e indemnizados” por parte do Município de Vagos.

E. Dúvidas não restam que, quer em forma, quer em substância, o negócio em causa é o de permuta de bens imóveis, em que a prestação e contra-prestação correspondem à transmissão (onerosa) de bem imóveis, sendo que no caso concreto, uma das contra-prestações ficou sujeita a uma condição a qual significou um aumento de determinado valor a receber, uma vez verificada essa condição positiva.

F. Por outro lado, os Impugnantes nesse negócio de permuta alienaram um imóvel rústico adquirido antes de 1/01/1998, como tal esta operação, em qualquer caso não estaria sujeita a tributação/imposto, mormente por não se enquadrar no preceituado da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do C.I.R.S.

G. A quantia erradamente tributada em causa corresponde assim ao cumprimento diferido do contrato de permuta de 1993, dele fazendo parte, pelo que não pode ser sujeita a tributação, tal como seria se tal quantia tivesse sido recebida naquele ano de 1993, na medida em que se trata de parte da retribuição do contrato de alienação de direitos reais sobre imóveis que, como se referiu beneficia do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, inexistindo qualquer negócio novo em 2007.

H. A operação de alienação do imóvel rústico adquirido antes de 01/01/1998, por efeito do contrato de permuta realizado entre os Impugnantes e a Câmara Municipal de Vagos, em 1993 sempre se trata de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis não sujeita a tributação/imposto, pelo que, também por esta razão, haveria erro na qualificação do facto tributário, o que determina a respectiva anulação.

I. Ainda e em qualquer caso, a quantia recebida não configura nem tem natureza de qualquer indemnização, antes fazendo parte da retribuição pela contra-prestação dos alienantes mediante e nos termos do referido contrato de permuta de 1993, isto porque é inequívoco e manifesto que existe um nexo de causalidade entre o pagamento pelo Município de Vagos (em 2007) e o contrato de permuta (1993) justamente porque essa quantia paga é contrapartida da permuta pelo facto de, posteriormente, se ter vindo a verificar a rentabilização do imóvel rústico alienado em 1993 pelos Impugnantes, inexistindo qualquer negócio novo em 2007.

J. É assim evidente que não está em causa o pagamento de uma indemnização por qualquer dano causado pelo Município de Vagos aos direitos dos Impugnantes, assim como é igualmente evidente que, além de não existir dano patrimonial, também não existe dano não patrimonial, de natureza espiritual, ideal ou moral.

K. Também não se retira dos factos dados como provados qual pudesse ser o dano (moral ou outro) supostamente ressarcido pela “indemnização” em causa, relacionado com o contrato de permuta de 1993, dano esse no entanto ocorrido em 2007.

L. Inexistindo indemnização por danos, não patrimoniais ou outros, por erro na qualificação do facto tributário, é inaplicável o disposto da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do C.I.R.S.

M. Assim considerando os factos assentes e dados como provados pela sentença na fundamentação de facto, bem andou o Tribunal a quo ao decidir que houve erro na qualificação do facto tributário, considerando-o ilegal e, em consequência, determinando a sua anulação.

Termos em que, […] deve ser negado provimento ao recurso […]».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«1. A quantia de € 90.132,78 paga em 2007 pelo Município de Vagos aos herdeiros de B…………. tem a natureza de mais-valia, constituindo um acréscimo ao valor de realização do terreno rústico alienado nos termos do contrato de permuta celebrado em 22 Dezembro 1993, embora com diferimento temporal (factos provados n.ºs 1/3).
Tendo o terreno rústico alienado sido adquirido por via hereditária em 1986, as mais-valias obtidas não estão sujeitas a tributação por força de norma transitória, na medida em que a aquisição se verificou antes do início da vigência do CIRS e a mais-valia resultante da alienação de prédio rústico não estava anteriormente sujeita a Imposto de mais-valias (art. 5.º n.º 1 DL n.º 442-A/88, 30 Novembro; art. 44.º n.º 1 al. a) CIRS).
2. Em consequência, a quantia controvertida não assume a natureza de indemnização, por inexistência de danos não patrimoniais, danos emergentes não comprovados ou lucros cessantes a compensar, sendo de recusar a sua qualificação como incremento patrimonial (art. 9.º n.º 1 al. b) CIRS)».

1.5 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que a quantia recebida pelo ora Recorrido do Município de Vagos não está sujeita a tributação ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 9.º do Código do IRS (CIRS).


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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1. Em 22/12/1993, no Notário Privativo da Câmara Municipal de Vagos, foi celebrada a escritura de “permuta” na qual consta que essa Câmara Municipal cede aos outros outorgantes (“família ……….”), incluindo os agora Impugnantes (quarto e décimo terceiro), os lotes de terreno inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ………….., Ílhavo, sob os artigos n.ºs 1481, 1482, 1483, 1484, 1485 e 1488, no valor global de 15.000.000$00 e, em contrapartida, os outorgantes particulares cedem à Câmara Municipal o terreno rústico inscrito na matriz predial n.º 4 da mesma freguesia, não havendo diferença declarada de valores, comprometendo-se esta entidade pública a assumir as despesas deste processo de permuta amigável e “a, no caso do artigo 4 vir a ser rentabilizado, reverter a favor dos segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo e décimo primeiro outorgantes cinquenta por cento dessa rentabilização” – fls. 10 a 20 do processo físico.

2. Em 22/06/2007 o Município de Vagos vendeu 3 lotes de terreno, correspondentes a parte do artigo rústico n.º 4 acima referido, pelo valor de € 901.327,80 – fls. 21 do processo físico.

3. Em 2007 e em cumprimento do compromisso assumido na escritura de permuta de 22/12/1993, o Município de Vagos pagou “aos herdeiros B……….., C ………… e A………… a importância de 90.132,78, correspondente a 1/5 dos 50% a que todos os herdeiros têm direito” e os referidos herdeiros deram quitação declarando-se totalmente “ressarcidos e indemnizados” por parte do Município de Vagos – fls. 21 do processo físico.

4. Por comunicação electrónica de 12/03/2008, o agora Impugnante solicitou à Direcção de Finanças de Aveiro informação em tempo útil sobre a eventual sujeição a IRS da quantia recebida e, em caso afirmativo, em que campo da declaração de rendimentos haverá de ser mencionada, esclarecendo que “por habilitação de herdeiros por morte de meu pai em 1986, a minha mãe "couberam-lhe" 2/3 dos € 90.132,78 e aos filhos, eu, A…………. e minha irmã C…………., 50% a cada um do restante 1/3” – fls. 22 e 23 do processo físico.

5. Por ofício n.º 16576, de 26/08/2008, a Direcção de Serviços do IRS da DGCI respondeu que “Em referência ao e-mail relacionado com o assunto em epígrafe, informa-se que, de acordo com o estabelecido no nº 1, alínea b), do artigo 9º do Código do IRS, constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais, exceptuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de transacção, de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão.
No caso, atendendo a que a questão se coloca quanto à indemnização recebida e adveniente do acordo celebrado entre as partes aquando da alienação do prédio rústico, posteriormente loteamento, ocorrida em 1993, encontra-se a mesma sujeita a tributação em sede de IRS nos termos da alínea b), nº 1, do artigo 9º do Código do IRS, pelo que deverá o sujeito passivo e os demais herdeiros fazer constar no anexo G da declaração modelo 3 do IRS do ano de 2007, a referida indemnização nas respectivas quotas-partes” – fls. 24 do processo físico.

6. Por ofício n.º 7153, de 23/10/2008, o Serviço de Finanças de Ílhavo notificou o agora Impugnante “para que proceda em conformidade (com o ofício n.º 16576), substituindo a declaração de IRS/2007 e incluindo o anexo G com o valor da indemnização na sua quota-parte” – fls. 53 da Reclamação Graciosa incluída no PA.

7. Em 30/10/2008, o agora Impugnante entregou declaração modelo 3 do IRS do ano 2007, de que resultou a liquidação n.º 2008 553 4655013, no valor de € 3.766,31, e o valor a pagar, após estorno da liquidação anterior, somou € 4.874,00, a pagar até 17/12/2008 – fls. 25 do processo físico e fls. 54 a 61 do processo de Reclamação Graciosa incluída no PA.

8. Em 17/04/2009, o agora Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação acima referida, que foi indeferida com fundamento no entendimento de que ocorreram dois factos distintos, a escritura de permuta, de que resultou um ganho fora do campo de sujeição do IRS, e outro negócio celebrado em 2007, de que resultou a indemnização em causa nos autos, que já não é parte do valor atribuído ao prédio rústico (artigo n.º 4) cedido à Câmara Municipal de Vagos – Processo de Reclamação Graciosa incluída no PA.

9. Em 8/10/2009 o agora Impugnante apresentou recurso hierárquico, relativamente ao qual não foi proferida decisão no prazo de 6 meses – processo de Recurso Hierárquico incluído no PA.

10. Em 8/03/2010 foi apresentada, por via postal sob registo, a petição inicial da presente impugnação no Serviço de Finanças de Ílhavo – cfr. fls. 3 do processo físico».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Por escritura celebrada em 22 de Dezembro de 1993, a Câmara Municipal de Vagos declarou ceder aos outorgantes particulares, onde se inclui o ora Recorrido, determinados lotes de terreno sitos na freguesia da ………., aí devidamente identificados, no valor global de Esc. 15.000.000$00 e, em contrapartida, os outorgantes particulares declararam ceder à Câmara Municipal o terreno rústico inscrito na matriz predial n.º 4 da mesma freguesia. As partes declararam nesse contrato não haver diferença de valores, mas a Câmara Municipal, não só assumiu as despesas deste processo de permuta amigável, como também se comprometeu a «no caso do artigo 4 vir a ser rentabilizado, reverter a favor dos segundo, terceiro, quarto [o ora Recorrido], quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo e décimo primeiro outorgantes cinquenta por cento dessa rentabilização»
Em cumprimento deste compromisso, porque em 2007 o Município de Ílhavo vendeu 3 lotes de terreno que faziam parte do prédio acima referido como artigo rústico n.º 4 da freguesia da …………., pagou aos outorgantes particulares e/ou aos seus herdeiros a quantia de € 90.132,78, tendo cabido ao ora Recorrido a quantia de € 15.022,13. No recibo de quitação que emitiram ao Município de Vagos os outorgantes particulares declararam-se «totalmente ressarcidos e indemnizados».
A AT, sustentando que esse valor está sujeito a tributação em IRS como incremento patrimonial subsumível à previsão legal da alínea b) do n.º 1 do art. 9.º do CIRS – que, na redacção aplicável (Que é a da dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro.), dispunha: «As indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais, exceptuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de transacção, de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão» –, procedeu à respectiva liquidação adicional, que o ora Recorrido impugnou, depois de ver indeferida a reclamação graciosa que deduziu contra o mesmo acto.
A sentença deu razão ao Impugnante. Erigindo como questão a dirimir a da natureza do pagamento em causa (indemnização com natureza autónoma relativamente ao contrato de permuta ou ganho resultante desse negócio?), salientou que a AT começou por referir a indemnização ao contrato de permuta e só na decisão da reclamação graciosa passou a sustentar que se tratava de uma indemnização que não tem a ver com o contrato de permuta, cujos ganhos não estavam sujeitos a tributação, e, por isso, sujeita a tributação ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 9.º do CIRS. Depois, considerou que o pagamento em causa não pode, de modo algum, considerar-se como uma indemnização, tal como a configura a lei, e que é óbvia a ligação entre esse pagamento e o contrato de permuta, sendo que aquele é ainda uma contrapartida inserida no objecto do contrato.
Concluiu que, não podendo o pagamento em causa ser configurado como uma indemnização e porque foi esse o fundamento da liquidação, este acto não pode manter-se na ordem jurídica. Por isso, julgando procedente a impugnação judicial, anulou a liquidação.
A Fazenda Pública recorre dessa sentença. Se bem interpretamos as suas alegações e respectivas conclusões, recusa que o pagamento em causa tenha a natureza de uma contrapartida ainda no âmbito do contrato de permuta, assacando-lhe a natureza de indemnização.
Apesar disso, reconhece que esse pagamento «tem a natureza de uma compensação atribuída ao impugnante marido pelo facto de o artigo rústico n.º 4 ter sido rentabilizado e este beneficiar da rentabilização por se tratar de um dos ex-proprietários do referido prédio» e que «tal verba só pode ser justificada como uma forma de compensar os ex-proprietários pelo facto de por força do referido contrato de permuta terem ficado privados da potencial rentabilização».
Mantendo, no entanto, que esse pagamento constitui uma indemnização, o que considera que «resulta patente dos termos consignados no recibo de quitação que aqui se cita» e, se bem interpretamos as alegações e respectivas conclusões, que se destina a compensar pelo lucro cessante, entende que, o montante pago não pode deixar de ser tido como um acréscimo patrimonial e, por isso, um rendimento sujeito a IRS.
Cumpre, pois, verificar se o pagamento em causa está ou não sujeito a IRS, indagação que deve ser efectuada – como bem salientou o Juiz do Tribunal a quo – à luz da fundamentação que a AT utilizou para a prática da liquidação impugnada.

2.2.2 DA NÃO SUJEIÇÃO A IRS DO MONTANTE RECEBIDO

Ficou dito no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Junho de 2018, proferido no processo n.º 82/18 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ef1ac18b44d17d68802582a6003eaacc.), em que era recorrido um outro herdeiro que se encontrava em situação em tudo idêntica à do aqui recorrido:
«Estamos face a um contrato de permuta em que uma das partes além da prestação que realizou imediatamente se comprometeu ainda a realizar uma outra prestação futura e incerta – entregar 50% do valor obtido com a rentabilização do imóvel que recebeu por força deste contrato, se viesse a verificar-se qualquer rentabilização.
O contrato de permuta não tem actualmente regulamentação no Código Civil, apresentando-se como um contrato atípico, inominado, oneroso, a que são aplicáveis, com as devidas adaptações, as normas da compra e venda – artigo 939.º. Será talvez o mais antigo contrato estabelecido entre humanos desde tempos imemoriais em que, na ausência de dinheiro, apenas a troca de bens permitia obter o que o outro possuía e nos faltava. Guardou essa característica de troca de bens que Código de Seabra tipificou no artigo 1592.º com a designação de “escambo” ou “troca”, apresentando-se actualmente com um uso renovado ao nível do mercado imobiliário. A realidade que lhe está subjacente são duas compras e vendas recíprocas e de sinal contrário, de bens ou de direitos, em que a contraprestação não é dinheiro, mas sim o bem alienado pela contraparte integradas num mesmo contrato, um único acordo de vontades. A regulamentação própria do contrato de compra e venda não lhe é adequada quanto às regras que são efeito necessário da existência de preço, aqui inexistente.
O contrato em análise tem a particularidade de a prestação a que se obrigou a Câmara Municipal ter sido realizada em parte, ou totalmente no momento da celebração do contrato ficando dependente de um evento futuro e incerto – rentabilização do imóvel que recebeu – a existência e o conteúdo da obrigação de fazer os anteriores proprietários do imóvel participantes na proporção de metade do que conseguisse obter com a rentabilização do imóvel.
Esta prestação futura e incerta que veio a ocorrer e foi objecto de tributação decorre ainda do carácter sinalagmático deste contrato, onde a cada uma das transmissões correspondeu uma inversa aquisição que deriva precisamente da alienação feita pelo outro contraente, e veio adiante acrescer a repartição do valor obtido com a rentabilização do imóvel permutado pelos impugnantes como se se tratasse de um acerto a posteriori do valor dos bens permutados que, no momento da celebração do contrato foi considerado equivalente, mas logo admitido por ambas as partes que poderia não ser efectivamente equivalente. Face ao disposto no art. 399.º do Código Civil “é admitida a prestação de coisa futura sempre que a lei não a proíba”, nada obstando a que a permuta possa ter por prestação a entrega de um bem futuro. O efeito real da transmissão do direito de propriedade sobre os imóveis ocorreu no momento da celebração do contrato, enquanto que a existência e o conteúdo da obrigação de entrega de um valor monetário surge como uma condição futura e incerta e a propriedade desse valor só se transmitirá quando e se o bem efectivamente existir – art. 408.º n.º 2 do Código Civil.
Quer o efeito real da transmissão do direito de propriedade sobre os imóveis quer a aquisição pelos impugnantes deste montante monetário ocorrem como efeito do contrato de permuta e configuram as prestações recíprocas estabelecidas nele pelas partes, ainda que uma fosse actual e determinada e outra futura e incerta, no exercício da liberdade contratual das partes conformarem o contrato, art. 405.º Código Civil.
A expressão «os referidos herdeiros deram quitação declarando-se totalmente “ressarcidos e indemnizados” por parte do Município de Vagos» do valor que este pagou em cumprimento do compromisso assumido na escritura de permuta de 22/12/1993, não tem a virtualidade de converter aquele pagamento numa indemnização ou de lhe retirar a natureza jurídica de prestação devida por força do contrato de permuta. Tratou-se de um ajuste sobre o valor dos bens declarado no contrato de permuta e que, nesse mesmo momento se admitia que não fosse equivalente.
Assim, a sentença recorrida fez um adequado enquadramento jurídico dos factos provados ao considerar que não estava face ao pagamento de uma indemnização enquadrável no disposto no art. 9.º, n.º 1, a) do CIRS dizendo: «(…) Esta norma abrange apenas as “indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais”.
Resulta dos artigos 562.º e 563.º do Código Civil (CC) que “indemnização” é a compensação pelo dano causado, resultante da “responsabilidade civil”.
Qualquer que seja o escopo preciso que, em definitivo, se deva assinalar à responsabilidade civil, é inquestionável que esta visa, fundamentalmente, a reparação do dano, juridicamente entendido como a diminuição duma situação favorável que estava protegido pelo Direito. A responsabilidade civil depende tenazmente da existência de dano: a supressão deste assume-se, por isso, como o seu escopo primordial.
A lei não define o dano não patrimonial. Doutrinariamente o conceito é recortado pela negativa. O dano diz-se não patrimonial quando a situação vantajosa lesada tenha natureza espiritual; o dano não patrimonial é o dano insusceptível de avaliação pecuniária, reportado a valores de ordem espiritual, ideal ou moral; é o prejuízo que não atinge em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo.
Diferentemente do que acontece com a indemnização do dano patrimonial, a do dano não patrimonial não é uma verdadeira indemnização, pois não coloca o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, mediante a concessão de bens com valor equivalente ao dos ofendidos em consequência do facto. – Cfr. Ac. TRC de 16/9/2017, proc. 597/11.0TBTNV.C1, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/c5914b1ca2252b4d80257d5b003907cc?OpenDocument.
Ora, é manifesto que a própria AT admite que existe um nexo de causalidade entre o pagamento pelo Município da Vagos e o contrato de permuta, de tal modo que se pode dizer que essa quantia paga é “contrapartida – da permuta – pelo facto de, posteriormente, se ter vindo a verificar a rentabilização do mesmo”.
Logo, é evidente que não está em causa o pagamento de uma indemnização por qualquer dano causado pelo Município de Vagos ao direito do Impugnante. É ainda mais evidente que, além de não existir dano patrimonial, também não existe dano não patrimonial, de natureza espiritual, ideal ou moral.
A AT não indica, e não se vislumbra, qual o dano moral, supostamente ressarcido pela “indemnização” em causa, relacionado com o contrato de permuta de 1993, mas ocorrido em 2007.
Ora inexistindo indemnização por danos não patrimoniais, por erro na qualificação do facto tributário, é inaplicável o disposto no artigo 9.º, n.º 1, al. b), do CIRS e, tendo o acto tributário sob impugnação sido praticado com esse fundamento, conclui-se que o mesmo é ilegal e deve ser anulado”».
Em conclusão, nada permite concluir que o pagamento em causa tenha natureza de indemnização – sendo absolutamente inócuo para esse efeito que assim tenha sido denominado no recibo de quitação – e, tendo a liquidação sido efectuada com esse fundamento, impõe-se anular esse acto, como bem decidiu a sentença recorrida.
Assim, o recurso não pode ser provido.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A prestação pecuniária efectuada no âmbito de um contrato de permuta de bens imóveis, ainda que futura e incerta, decorre ainda do carácter sinalagmático do contrato de permuta.
II - Ainda que, quando da percepção do respectivo montante, tenha sido emitido recibo de quitação em que foi incluída a declaração de que ficam «totalmente “ressarcidos e indemnizados” por parte do Município de Vagos», essa prestação não assume natureza indemnizatória, motivo por que não fica sujeita a tributação em IRS ao abrigo do art. 9.º, n.º 1, alínea b), do CIRS.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 3 de Outubro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Dulce Neto.