Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0247/16
Data do Acordão:03/08/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:CORRECÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
DEDUÇÃO DE PREJUÍZOS
IMPUGNAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - Quando tenha ocorrido correcção da matéria tributável de um determinado ano em que tenham sido declarados prejuízos para efeitos fiscais e esses prejuízos tinham sido deduzidos aos lucros tributáveis dos anos posteriores, que deu origem a liquidações adicionais para esse ano e para os seguintes onde os prejuízos que foram objecto de correcção hajam sido deduzidos, o contribuinte pode optar, sem que se verifique inutilidade da lide, por impugnar o acto de liquidação efectuada após tal correcção no ano inicial e cada um dos actos de liquidação efectuados em cada um desses anos posteriores como consequência da correcção dos prejuízos daquele primeiro ano, ou, por impugnar apenas a liquidação adicional do ano inicial que a ser julgada procedente implicará a nulidade de todos os actos de liquidação adicional que tenham sido baseados nessa correcção.
II - O processo de impugnação dos actos de liquidação adicionais dos anos onde foram deduzidos os prejuízos devem ver suspensos os seus termos até decisão definitiva sobre o valor dos prejuízos dedutíveis no ano inicial.
Nº Convencional:JSTA00070051
Nº do Documento:SA2201703080247
Data de Entrada:02/29/2016
Recorrente:A............ - SGPS, SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
Legislação Nacional:CIRS01 ART55.
CIRC01 ART52.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLIII 6ED 2011 PAG216 E SEGS.
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto
. 27 de Janeiro de 2016.

Julgou procedente a excepção dilatória de inutilidade/impossibilidade da lide, e absolveu a Ré da instância.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A………… – SGPS, S.A., veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo de impugnação n.° 837/14.3BEPRT, do acto de liquidação de IRC relativo ao ano de 2011, com um valor a reembolsar de € 508.636,93, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

O presente recurso vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 27 de Janeiro de 2016, proferida no âmbito do Processo n.º 837/14.3BEPRT, que julgou procedente a excepção dilatória de inutilidade/impossibilidade da lide, na impugnação deduzida pela Recorrente contra a liquidação de IRC e de juros compensatórios do exercício de 2007.

Quer se queira quer não, não é evidentemente indiferente para a Recorrente que esta acção seja julgada sem que previamente sejam resolvidas as questões de legalidade relacionadas com os actos tributários de liquidação, aos quais esta se liga por razões de prejudicialidade.

É que, desde logo, a circunstância de a correcção ter ocorrido sobre uma outra cujos efeitos não se encontram consolidados na ordem jurídica, determina, para o administrado, o ónus de dispor financeiramente de avultadas somas para fazer face a esta e às correcções que se lhe sigam, ou o de ter que prestar garantias com o propósito da suspensão dos processos de execução fiscal que nessa sequência vierem a ser instaurados.

Esta circunstância determina ainda um enredo de correcções e correcções de correcções que complexificam de um modo que o legislador não pode ter desejado ou certamente não imaginou poder ocorrer, capaz de colapsar de um modo intolerável a vida e o desempenho funcional das sociedades e dos administrados em geral.

Por outro lado ainda, não é perfeitamente líquido na doutrina que, no domínio tributário, a anulação judicial de um determinado acto de natureza fiscal tenha por efeito a prática necessária de um novo acto com o mesmo sentido ou de sentido oposto, expurgado dos vícios que determinaram a anulação e cujos efeitos se reportarão ao momento da prática do acto anulado por via do princípio da reconstituição da situação actual hipotética.
A norma mobilizada pelo Tribunal recorrido (cfr. artigo 133.º do CPA), sendo uma norma do foro administrativo, não tem, pois, em conta, que, no domínio tributário, a prática nela prevista não poderá ter lugar fora dos prazos de caducidade estabelecidos para o exercício, em certos casos, do direito de liquidação do imposto, sob pena de postergação da garantia da segurança patrimonial dos contribuintes e do facto da ilegalidade cuja existência não lhe é imputável acabar por funcionar a favor de quem a praticou (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª Edição, 2012, pág. 870).

E nem o argumento no sentido de que, em virtude de o artigo 100.º da LGT obrigar a AT à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto de um litígio, em caso de procedência de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do contribuinte, um acto de liquidação mantém-se válido enquanto não for proferida decisão final no âmbito do processo judicial pelo qual se impugnou a mesma, serve: se a lei exige aquela reconstituição do statu quo ante, por maioria de razão se há-de concluir que a mesma exige que, enquanto não estiver estabilizado na ordem jurídica um determinado acto, por dúvidas judicialmente discutidas quanto à sua legalidade, se não possam praticar quaisquer outros actos que tenham por fundamento directo aquele acto controvertido.

Além do mais, semelhante interpretação traduz a defesa de uma estranha técnica legislativa (tendo em conta, desde logo, o princípio da economia processual que norteia o legislador): em vez da obrigação de a Administração se abster de produzir actos que estejam dependentes da decisão incidente sobre aquele outro acto controvertido, defende-se que esta, pese embora – repita-se – beneficiar de uma garantia sobre a integralidade do seu crédito, pode ser deixada “em roda livre”, praticando os actos que bem entender, para depois, na eventualidade de uma decisão desfavorável aos seus interesses, ter de emanar outros tantos actos, no sentido da revogação de todos os anteriores.

Ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto actuou, pois, de acordo com uma interpretação errada da lei, e, na medida em que estas são situações habituais e recorrentes, aquelas em que uma sociedade aliena as participadas e também os suprimentos que fez nessas participadas, “viciou” a discussão futura desta questão, que é com toda a certeza controversa, de utilidade prática e perfeitamente penalizadora do contribuinte.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público considerando dever ser confirmada a sentença recorrida.

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

A. O grupo de sociedades encabeçado pela ora Impugnante, sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, foi sujeito a um procedimento de inspecção tributária sobre o exercício de 2007 (conforme documento n° 4, junto a fls. 97 e seguintes do Processo n° 2778/11.7BEPRT);

B. No âmbito do procedimento de inspecção tributária, foram promovidas correcções na esfera individual da sociedade B…………, SGPS, S.A., por não aceitação de uma menos-valia com a liquidação de uma sua participada, e na esfera individual da ora Impugnante, por não aceitação da dedutibilidade dos dividendos distribuídos pela B…………, SGPS, S.A., na sua totalidade (idem);

C. O procedimento de inspecção tributária culminou numa liquidação adicional de IRC, bem como de juros compensatórios e de acerto de contas, relativos àquele exercício, no montante global de € 13.045.662,09 (conforme documentos n°s 1 a 3 juntos a fls. 94 a 96 do Processo n° 2778/11.7BEPRT);

D. Tais liquidações foram impugnadas judicialmente, correndo os seus termos no já designado Processo n° 2778/11.7BEPRT, na Equipa Extraordinária junto deste Tribunal;

E. Na sequência de um procedimento de inspecção interna, a Direcção de Serviços de Inspecção Tributária procedeu, relativamente ao exercício de 2011, à verificação do cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades por parte do grupo encabeçado pela ora Impugnante (conforme fls. 24 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos presentes autos);

F. Tal verificação culminou numa liquidação adicional de IRC, objecto de impugnação nos presentes autos (conforme documento n° 1 junto com a petição inicial);

G. No exercício de 2011, a Impugnante havia declarado como soma algébrica dos resultados fiscais o valor de € 10.637.400,64, ao qual deduzia prejuízos fiscais no montante de € 2.603.128,20 (conforme documentos a fls. 38 e seguintes do PA);

H. Afirma a Administração Tributária, no seu relatório, que “o valor dos prejuízos que a impugnante havia deduzido excede em € 1.355.544,13 a soma do valor remanescente dos prejuízos fiscais apurados pela Impugnante em 2007 = € 1.143.630,07 (que entretanto deixaram de existir) com o valor de € 103.954,09 declarados como prejuízos dedutíveis com origem em 2008” (conforme fls. 39 do PA);

I. A liquidação adicional identificada em 6., supra, também se destinou a dar cumprimento à decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) no âmbito do processo n° 108/2013-T (conforme documento junto como n° 2 à petição inicial);

J. A presente impugnação deu entrada a 08/04/2014 (conforme fls. 2 dos presentes autos) judicial deu entrada neste Tribunal – cf. Carimbo aposto a fls. 2 dos autos.

O objecto do recurso cinge-se a definir se se verifica inutilidade da lide.
A recorrente deduziu a presente impugnação contra a liquidação adicional de IRC de 2011 apenas na parte em que a mesma respeita à correcção levada a cabo pelos serviços de inspecção aos prejuízos fiscais deduzidos em consequência dos ajustamentos que promoveu, em sede inspectiva, ao lucro tributável do Grupo sujeito ao RETGS por si encabeçado do exercício de 2007. O acto de liquidação aqui impugnado foi elaborado por a Administração Tributária ter entendido que “o valor dos prejuízos que a impugnante havia deduzido excede em € 1.355.544,13 a soma do valor remanescente dos prejuízos fiscais apurados pela Impugnante em 2007 = € 1.143.630,07.
A recorrente impugnou o acto de liquidação adicional de 2007 e, caso obtenha total ou parcial provimento todos os actos de liquidação dos anos posteriores em que foram deduzidos tais prejuízos terão que ser corrigidos na respectiva proporção.
Utilizando a mesma argumentação doutrinária da sentença recorrida, que analisa expressamente uma situação similar à dos autos, diremos seguindo as anotações do Cons. Jorge Lopes de Sousa in, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume III, Áreas Editora, Lisboa, 2011, pág. 216 e seguintes, “Em certas situações, a legalidade de um acto administrativo depende da legalidade de um outro acto anteriormente praticado. Por exemplo, se a administração tributária corrigiu a matéria tributável de um determinado ano em que tenham sido declarados prejuízos para efeitos fiscais e esses prejuízos tinham sido deduzidos aos lucros tributáveis de quatro anos posteriores, ao abrigo do disposto nos arts. 52º do CIRC e 55º do CIRS, a alteração da matéria tributável da eliminação de tais prejuízos tem como consequência a alteração da matéria tributável em todos os anos em que esses prejuízos foram deduzidos, impondo a elaboração das correspondentes liquidações adicionais de imposto em cada um destes anos. (..) O contribuinte pode optar por impugnar cada uma das liquidações efectuadas como consequência da correcção dos prejuízos daquele primeiro ano, imputando-lhes como vício a ilegalidade de não serem considerados os prejuízos referidos, mas também poderá não o fazer, pois a eventual anulação do acto de correcção dos prejuízos no primeiro ano acarretará a nulidade de todos os actos de liquidação adicional que tenham sido baseados nessa correcção, pois são actos consequentes daquele acto que corrigiu a matéria tributável no primeiro ano. Será mesmo esta a solução que está em sintonia com o princípio da economia processual, pois a eventual impugnação de cada um dos actos de liquidação sem qualquer outro fundamento que não seja a ilegalidade da correcção da matéria tributável naquele primeiro ano, implicará a suspensão da instância até que seja decidida a questão da legalidade da correcção da matéria tributável efectuada naquele primeiro ano e, decidida esta única questão, haverá apenas que aplicar o aí decidido em cada um desses hipotéticos processos de impugnação. (...) Por isso, nestas situações, se for constituída ou prestada garantia ou for efectuada penhora que garanta a totalidade da dívida exequenda e do acrescido, deverá ficar suspensa a execução».
Cremos que não há qualquer impossibilidade ou inutilidade da lide e muito menos uma impugnação de um acto de liquidação inicial entretanto substituído pelo acto de liquidação adicional, como refere o Magistrado do Ministério Público.
A recorrente, pagando a taxa de justiça correspondente entendeu, como é seu direito, impugnar o acto de liquidação na parte em que depende do que vier a ser decidido quanto à legalidade do acto de liquidação de 2007. Haverá, pois, que esperar pela decisão judicial sobre as correcções à matéria tributável do exercício de 2007 e retirar as devidas consequências para este processo na medida em que aquela impugnação se apresenta como causa prejudicial da decisão a tomar neste processo.
Só poderia existir inutilidade da lide se a pretensão impugnatória do acto de liquidação se tivesse tornado inútil por uma razão superveniente que, no estado actual se não vislumbra qual possa ser, dado que não estão definidos, com trânsito em julgado, o valor dos prejuízos a deduzir naquele ano de 2007 nem se haverá possibilidade de parte desses prejuízos serem deduzidos no ano de 2011 e tal definição é imprescindível para a decisão do pedido formulado nestes autos.
A sentença recorrida fez um inadequado enquadramento legal da relação material controvertida e de quanto das anotações que transcreveu poderia de útil retirar para a decisão destes autos, impondo-se a sua revogação por enfermar de erro de direito.

Deliberação
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, determinando que os termos desta acção fiquem suspensos até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo Processo nº 2778/11.7BEPRT.
Sem custas.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 8 de Março de 2017. – Ana Paula Lobo (relatora) – Dulce Neto – Ascensão Lopes.