Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01671/13.3BESNT 0351/18
Data do Acordão:01/30/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24153
Nº do Documento:SA22019013001671/13
Data de Entrada:04/05/2018
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:INSTITUTO DO TURISMO DE PORTUGAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, SA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF de Sintra) datada de 5 de Dezembro de 2017, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de compensação dos encargos com o funcionamento dos Serviços de Inspeção, efectuada pelo Turismo de Portugal IP.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
1ª) Na presente impugnação judicial, foi contestada a liquidação efectuada pelo Turismo de Portugal, IP, referente à compensação exigível às empresas concessionárias das zonas de jogo referente a despesas suportadas com os serviços de acção inspectiva e de combate ao jogo ilícito, ou a autoliquidação feita pela impugnante e ora recorrente;
2ª) A referida compensação está prevista na Lei Orgânica do Turismo de Portugal, IP, aprovada pelo Decreto-Lei n° 129/2012, de 22/6 – artº 13°;
3ª) A referida compensação é um tributo e, dentro da classificação de tributos estabelecida na Lei Geral Tributária, teria, em princípio, a natureza de uma taxa, assentando "na prestação concreta de um serviço público" (n° 2 do artº 4º da LGT) - não é, assim, aceitável considerar, como o faz a douta sentença recorrida que o quantitativo em causa não é um tributo, mas sim uma prestação contratual;
4ª) Na presente impugnação, a ora recorrente considera ilegais as liquidações efectuadas pelo Turismo de Portugal, IP, em primeiro lugar, por haver uma desproporcionalidade intolerável entre o serviço prestado e o valor exigido de compensação, transformando, assim, a referida taxa num verdadeiro imposto;
5ª) Na verdade, não existe qualquer dado ou elemento comprovativo do efectivo custo suportado pela entidade pública ou da efectiva vantagem para o particular, pelo que, não havendo qualquer relação entre o custo ou a vantagem e o quantitativo exigido, estamos perante um imposto;
6ª) Enquanto imposto, teria a referida compensação de ser criada por Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei autorizado, o que não aconteceu, pelo que há uma violação do princípio da legalidade;
7ª) Na presente impugnação, a ora recorrente considerou – e considera – também ilegal a liquidação efectuada pelo Turismo de Portugal, IP, na medida em que não está acompanhada de qualquer fundamentação;
8ª) Na referida impugnação, a ora recorrente considerou – e considera – também ilegal a liquidação efectuada pelo Turismo de Portugal IP, na medida em que o seu valor é determinado através da multiplicação das despesas suportadas pelo Turismo de Portugal, IP, no ano anterior, por um factor a fixar anualmente pelo membro do Governo responsável pela área de Turismo (artº 13º da Lei Orgânica do Turismo de Portugal, IP);
9ª) Ora, na medida em que não é conhecida a despesa suportada no ano anterior com a inspecção, nem o factor de multiplicação, a referida liquidação é ilegal;
10ª) Na presente impugnação, não está em causa qualquer questão sobre a validade do contrato de concessão celebrado entre a impugnante e o Estado, concessão essa de exploração da zona do jogo do Estoril;
11ª) O contrato de concessão estabelece, apenas, a obrigação da concessionária pagar tal compensação, mas o seu concreto valor, a determinação do seu quantitativo não consta de tal contrato;
12ª) A ora recorrente, na presente impugnação, não contesta a validade de qualquer cláusula do contrato de concessão, mas sim a liquidação efectuada pelo Turismo de Portugal, IP, por ela violar o disposto na lei, concretamente, o artº 13º da Lei Orgânica do Turismo de Portugal;
13ª) Como é entendimento jurisprudencial e doutrinário firmado, para além da bilateralidade, um tributo para ser taxa não pode ser desproporcionado ("intoleravelmente" desproporcionado), isto é, tem que haver um equilíbrio entre o quantitativo exigido pelo ente público e o custo em que este incorre;
14ª) Ora, constata-se que não há qualquer relação entre o valor cobrado pelo Turismo de Portugal IP e o serviço prestado, na medida em que aquele valor é fixado com base num coeficiente, aleatório, fixado casino a casino;
15ª) Deste modo, a compensação é um imposto e, como tal, inconstitucional porque os Decretos-Leis nºs 275/2001, de 17/10 e 129/2012, de 22/6, que criaram esse tributo, fizeram-no sem autorização do Parlamento, em violação dos artºs 103º, nº 1 e 165º, nº 1, i), da Constituição;
16ª) A liquidação ou a autoliquidação ora impugnada é também ilegal porque, determinando o nº 2 do artº 13º do Decreto-Lei nº 129/2012, de 22/6 que a compensação é determinada tendo em conta a despesa suportada pelo ente público com as acções de inspecção, nunca a impugnante foi notificada do valor de tais despesas;
17ª) A liquidação ou a autoliquidação ora impugnada, é também ilegal, na medida em que o Decreto-Lei nº 129/2012, estabelece que a compensação é determinada através da aplicação de um factor a ser fixado anualmente pelo membro do Governo, sendo que a impugnante nunca foi notificada de tal factor, nem sabe se ele existe.
18ª) Deste modo, a douta sentença recorrida não pode manter-se, ao considerar que a prestação em causa não é um tributo.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e anulando-se a liquidação impugnada, como é de Justiça

Contra-alegou o recorrido tendo concluído:
1. Os encargos com o exercício da ação inspetiva nos casinos e com o combate aos jogos ilícitos de fortuna ou azar de base territorial encontram-se previstos no Decreto Regulamentar, no contrato de concessão e na lei como uma contrapartida contratual.
2. A referida compensação não corresponde a uma "prestação concreta de um serviço público" em benefício do particular ou a solicitação deste; não corresponde à utilização de um bem do domínio público; nem muito menos se pode admitir que tal compensação possa ser considerada como o correspetivo devido pelo particular pela remoção de um obstáculo jurídico.
3. Não é a previsão legal de uma taxa, mas sim o facto de ter assinado o contrato de concessão da zona de jogo do Estoril com o Estado concedente que obriga a recorrente a pagar a comparticipação nos encargos com o funcionamento do SRIJ.
4. O contrato de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar celebrado entre a recorrente e o Estado Português é um contrato administrativo.
5. Não se pode enquadrar a comparticipação nas despesas com o SRIJ na figura de uma taxa, pois não se está perante um serviço público em que a recorrente tenha beneficiado de uma vantagem no exercício da sua atividade por causa de uma ação administrativa, nem foi esse exercício que causou um acréscimo de despesa ao Estado, já que esta foi corolário, isso sim, da celebração do contrato de concessão.
6. Que não é uma taxa bem o sabe a recorrente, que não prova existir: (i) atos de liquidação; (ii) autoliquidações; (iii) orientações genéricas emitidas pelo recorrido; (iv) prévia reclamação graciosa, pelo que lhe estava vedado o recurso direto à presente impugnação.
7. O Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de outubro, o Decreto-Lei n.º 129/2012, de 22 de junho, e o Decreto Regulamentar n.º 56/84, de 9 de agosto, não criaram a compensação de encargos do SRIJ, sendo que o 1.º diploma referido prevê as condições acordadas para a prorrogação dos contratos de concessão, o 2.º diploma corresponde à lei orgânica do Instituto do Turismo de Portugal, I.P. e refere as contrapartidas contratuais por ser esta entidade quem as cobra e o 3.º diploma corresponde a um regulamento administrativo que contém as normas jurídicas (caderno de encargos) que enformaram o concurso público e a atribuição da concessão da exploração da zona de jogo do Estoril, em regime de exclusivo.
8. O Decreto n.º 14.643 de 1927 revela que nunca foi intenção do legislador configurar aquela comparticipação das concessionárias das zonas de jogo como um tributo, mas apenas e tão só como uma obrigação financeira contratual a que ficavam sujeitos os adjudicatários nos concursos para atribuição das referidas concessões. De igual modo assim foi configurada pelas subsequentes legislações que lhe sucederam.
9. Não se está perante qualquer tributo, uma vez que não há qualquer ato da administração que tenha beneficiado patrimonialmente a recorrente e, por outro lado, também não foi o exercício livre de qualquer atividade da recorrente ou das demais concessionárias das zonas de jogo, que provocou qualquer acréscimo de custos na Administração, e, por último, muito menos foram os diplomas que regeram ao longo do tempo os Estatutos da entidade fiscalizadora que previram essa obrigação.
10. Nos termos do contrato de concessão, o SRIJ fiscaliza apenas os casinos e não todo o jogo ilícito. Não se aceita, por isso, a qualificação da fiscalização operada pelo SRIJ exclusivamente sobre as concessionárias das zonas de jogo como um serviço público de inspeção e de combate ao jogo ilícito, designadamente o que ofende o exclusivo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (Euromilhões, "raspadinha", Totobola, Placard, entre outros).
11. Se, como pretende a recorrente, se estivesse perante um tributo, no que não se concede, esse tributo só poderia ser uma taxa, (i) só seriam chamadas a pagar essa comparticipação as contrapartes do Estado nos contratos de concessão, (ii) face ao incontornável sinalagma da compensação de encargos e (iii) o valor da comparticipação seria considerado adequado, por cumprir com os princípios da equivalência e da proporcionalidade, uma vez que a base da sua quantificação é somente o custo do funcionamento do serviço.
12. E mesmo neste cenário, não haveria qualquer violação do princípio da legalidade, sendo que, em qualquer caso, não haveria nunca montante algum a devolver à recorrente, pois, por força do contrato de concessão, a quantia devida a título de comparticipação nos encargos do SRIJ foi deduzida à contrapartida anual devida, que agora, por força de uma eventual ilegalidade daquela, a consumiria.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Excelências Colendos Juízes Conselheiros a quanto alegado, deve o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, mantida a douta sentença recorrida, assim se fazendo a costumada Justiça.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso, concluindo, que "(...) A compensação devida por despesas suportadas com os serviços de ação inspetiva e de combate ao jogo ilícito, prevista na Lei Orgânica do Turismo de Portugal IP, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 129/2012, de 22/6, é uma contribuição financeira especial, atentos os fins extrafiscais que com a mesma se visam.
Não procedem as invocadas inconstitucionalidades, inserindo-se a mesma num contrato de concessão, de acordo com o previsto no art. 160. n.º 2 do Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de dezembro.
Quanto à ilegalidade imputada por referência ao art. 13.º n.º 2 do dito Dec.-Lei n.º 129/2012, tendo sido atingidos os fins previstos na norma no quadro da dita relação contratual, não é de anular o ato impugnado. (...)".

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Em 17 de Junho de 1985, foi celebrado, entre a Impugnante e o Estado Português, Contrato de Concessão da Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar na Zona de Jogo do Estoril, o qual foi revisto e integralmente substituído, em 14 de Dezembro de 2001 e aditado em 17 de Outubro de 2003.
2. No Contrato de Concessão referido no número anterior, consta, na cláusula 4.ª, n.º 2, alínea b), que "A concessionária obriga-se, nos termos dos citados Decreto-Lei n.º 275/2001, e Decreto Regulamentar n.º 56/84, a: (...) 2) Para além da contrapartida referida no número anterior, prestar, em cada ano, contrapartida do valor de 50% das receitas brutas declaradas dos jogos explorados no casino; todavia, em caso algum a contrapartida prestada nos termos deste número poderá ser inferior aos valores indicados no anexo ao Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro, depois de serem previamente convertidos em euros correntes do ano a que respeitem, nos termos do n.º 3 do artigo 2.º do mesmo diploma legal. A contrapartida referida neste número realiza-se pelas seguintes formas: (...) b) Através do pagamento das importâncias que à concessionária couberem para compensação do Estado pelos encargos com o funcionamento da Inspecção-Geral de Jogos, nos termos legalmente estabelecidos".
3. A Impugnante recebeu o ofício Ref. 280/2007/CIJ, datado de 03/08/2007, do então Turismo de Portugal, I.P., com o seguinte teor:
"Como é do conhecimento de V. Exa. as atribuições e competências da ex-Inspecção-Geral de Jogos foram transferidas para o Turismo de Portugal, I P, sendo aí prosseguidas pela nova unidade orgânica criada na estrutura interna deste Instituto. Assim, comunica-se a V. Exa. que o pagamento das importâncias devidas, conforme previsto no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 141/2007, de 27 de Abril, para compensação dos encargos com o funcionamento do Serviço de Inspecção de Jogos, passará a ter lugar mediante transferência bancária para conta do Turismo de Portugal, I.P., com o NIB: 078101120112001267545. Mais se determina que após aquela transferência seja dado conhecimento à equipa de Inspecção de Jogos junto deste casino, bem como ao Director do Departamento de Contabilidade e Gestão Geral deste Instituto através do endereço de e-mail ………@turismodeportugal.pt
4. A Impugnante recebeu o ofício Ref.ª 2008.S.17902, datado de 22/12/2008, do então Turismo de Portugal, I.P., Serviço de Inspecção de Jogos, com o seguinte teor: "Para conhecimento da empresa concessionária da Zona de Jogo do Estoril, A…………, S.A., informo de que face à actualização da proporção da comparticipação da Zona de Jogo de Vidago - Pedras Salgadas de 0,549096841 para 0,6 nos encargos com o funcionamento do Serviço de Inspecção de Jogos, com efeitos reportados a Janeiro de 2008 resultou uma comparticipação de 309.103,55€ apurando-se, como consequência, uma diferença a favor dessa concessionária no montante de 5.593, 96€. Torna-se necessário repercutir essa diferença na comparticipação referente ao mês de Dezembro, pelo que o valor a pagar no dia 10 de Janeiro de 2009 é de 303.599,59. Informa-se, ainda, que pelo facto de a zona de jogo de Troia iniciar a comparticipação nos referidos encargos já a partir de Janeiro do próximo ano, e mantendo-se os mesmos pressupostos de 2008, isto é, a mesma despesa e o mesmo factor, o valor do duodécimo da comparticipação dessa concessionária, para o ano de 2009, é de 303.322,78€".
5. Em 27 de Novembro de 2007, a Impugnante foi notificada, por Inspectora da então Inspecção-Geral de Jogos, através da notificação n.º 394/07, do teor do ofício n.º 10254, datado de 27/11/2007, do Turismo de Portugal, I.P., que tinha sido revisto o factor a aplicar ao orçamento do SIJ para 2007, tendo o mesmo sido fixado, em 0,6432, por Despacho n.º 262-XVII/2007/SET, de 14 de Novembro, do Secretário de Estado do Turismo.
6. A Impugnante foi ainda informada, através do ofício referido no número anterior, que a aplicação daquele factor, ao orçamento ordinário do SIJ, determinou a quota-parte dos encargos a suportar pelas empresas concessionárias das zonas de jogo, com as despesas ocorridas em 2007, sendo a comparticipação anual devida pela Impugnante no montante de €3.716.425,08 e o duodécimo de €309.702,09.
7. A Impugnante não foi informada, pelo Turismo de Portugal, I.P., do montante dos encargos efectivamente suportados, em cada ano, com a actividade inspectiva do Serviço de Regulação e Inspecção de logo.
8. A Impugnante tem vindo, todos os meses, a efectuar o pagamento da compensação referida no número 2 supra.
9. Em Setembro de 2013, foi efectuada transferência bancária, no montante de €303.322,78, da conta de Depósitos à Ordem n.º ............, do Millennium BCP.
10. A transferência bancária referida no ponto anterior destinou-se ao pagamento da compensação de encargos referida no número 2 supra (por acordo).
Nada mais se deu como provado.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
As questões suscitadas pela recorrente no presente recurso foram já apreciadas no recurso n.º 01357/17, datado de 23.01.2019, sendo que não se vê agora que devam ser decididas de modo diferente, quer porque estamos perante idêntica situação de facto, quer porque há que fazer apelo às mesmas as normas legais que regulam a matéria.
Além disso, as conclusões apresentadas neste recurso são em tudo semelhantes às que foram apresentadas naquele recurso, demandando, por isso, idêntica solução.
Assim, por razões de facilidade seguir-se-á de perto o que se deixou dito naquele acórdão.

4.1. Considerando a evolução histórica da regulamentação jurídica das concessões do jogo, constata-se que apesar de a respectiva exploração (do jogo) não se reconduzir a uma actividade de interesse público, ela tem sido objecto de intervenção legislativa por parte do Estado, com vista à regulação (sobretudo através do instrumento jurídico da "concessão") dos vários sectores em que aquela se desenvolve, bem como à diminuição do interesse pelo jogo ilícito e clandestino.
Sendo que relativamente a determinadas zonas de jogo (na qual se inclui a zona aqui em causa) vigora um sistema de concessão em que a remuneração do Estado é materializada em contrapartida financeira assente, além do mais, numa percentagem das receitas brutas das concessionárias, resultando, como sublinha João Taborda da Gama (Em parecer emitido em 14/7/2016 e que veio a ser junto a outros processos em recurso neste STA (em que se apreciavam questões relativas ao imposto sobre o jogo ou às contrapartidas previstas como encargo das concessionárias de exploração de zonas de jogo) nomeadamente ao processo nº 2224/13.1BEPRT (1457/15), no qual foi proferido acórdão, em 5/12/2018, em julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art. 148º do CPTA), que o respectivo «ordenamento jurídico do jogo (composto por contratos, leis e diplomas regulamentares) estabelece, para a maioria das concessões, as regras de cumprimento dessa contrapartida, selecionando um conjunto de obrigações parcelares, pecuniárias ou em espécie, cujo cumprimento é imputável no cumprimento da parcela global. Temos assim dois níveis: (i) o primeiro nível, de âmbito fragmentário e especial, em que um conjunto de obrigações (tributos, obrigações de facere de índole turística, etc.) é cumprido; e (ii) um segundo nível, em que é computado o valor pecuniário do cumprimento das obrigações parcelares para o cumprimento da macro-obrigação de contrapartida, apurando-se um saldo devedor (remanescente) ou um saldo credor (crédito de contrapartida).
E no âmbito do primeiro nível estão estipuladas legal e contratualmente variadas formas de realização das contrapartidas anuais, que variam de concessionária para concessionária:
a) ...
b) um outro modo de cumprimento previsto nos contratos/decretos regulamentares é através da tomada em consideração do valor pago pela compensação de encargos para o Serviço de Inspecção de jogos e para a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). Esta modalidade de cumprimento encontra-se prevista para os casinos do Estoril, Espinho, Póvoa de Varzim, Figueira da Foz, Algarve e Troia.»
Esta "compensação de encargos" integra-se, pois, na apontada contrapartida financeira, afastando-se da figura da taxa (e/ou do imposto).
É que, como também o Prof. Vieira de Andrade pondera [Cfr. o parecer emitido em Fevereiro de 2017, também junto ao supra citado processo nº 2224/13.1BEPRT (1457/15)], a concessão da exploração de jogos de fortuna e azar haveria de operar-se num contrato pré-regulado por lei «(não constituindo a prestação de um serviço público), mediante uma contrapartida patrimonial muito forte, dado o alto potencial lucrativo da actividade (exercida em exclusivo territorial), com receitas consignadas ao desenvolvimento do turismo. E, neste contexto, também a necessária tributação desta actividade concessionada, enquanto actividade económica, haveria de ser especial: opta-se, desde sempre, no que respeita à exploração do jogo, pela substituição dos impostos regulares (hoje, IRC, IVA, Imposto de selo) por um imposto de regime especial, também com receitas consignadas ao desenvolvimento do turismo.»
Mas, no entanto, cada uma das prestações financeiras (a contrapartida patrimonial fixada no contrato de concessão do direito e o imposto estabelecido pela lei) «tem a sua estrutura específica, independentemente da finalidade comum e das suas interconexões práticas: uma, a contrapartida, tem natureza administrativa e contratual, outra, o imposto, tem natureza tributária e legal.»
E neste entendimento as contrapartidas pecuniárias (quer a inicial, quando prevista, quer a anual) não terão natureza tributária mas, antes, patrimonial, reconduzindo-se à «contraprestação devida pela atribuição do direito de explorar, em exclusivo a concessão numa zona territorial pré-determinada», independentemente até de o pagamento do imposto de jogo contribuir, juntamente com outros pagamentos, para a realização e preenchimento da contrapartida anual (casos há, aliás, em que não há que pagar qualquer contrapartida anual, mas somente imposto de jogo).
E nem a circunstância de no Decreto nº 14.643, de 3/12/1927 (diploma que inicialmente regulou a actividade do jogo) se considerar na epígrafe que antecede os arts. 44º e seguintes, a menção «Imposto sobre o jogo. Sua consignação», não obstante o art. 45º se reportar ao pagamento das contrapartidas, nem a circunstância de os valores destas poderem ser consignados às mesmas entidades e finalidades do imposto de jogo, tem a virtualidade de determinar a mutação da natureza jurídica da prestação financeira patrimonial em prestação tributária. Estas obrigações financeiras (contrapartidas financeiras mínimas ou de natureza não pecuniária devidas como contraprestação pela concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, bem como o modo de pagamento das mesmas - cfr. o art. 11º, nº 4 e) da Lei do Jogo - e assumidas pela concessionária por efeito da concessão) têm fundamento diferente do imposto e constituem receitas de natureza patrimonial.
Acresce que, como igualmente se acentua neste último parecer citado, a distinção entre ambas as figuras também não é afectada pelo facto de existir uma pré-fixação legal dos montantes e das formas de cálculo e de pagamento: tal prática é frequente nos contratos de concessão, «cujas bases contratuais são, em regra, estabelecidas na lei» e «a obrigação de pagamento destes montantes não nasce coactivamente da lei, mas do contrato de concessão, dado que só existe, a título de remuneração do exclusivo concedido, para as empresas que aceitam, nas condições estabelecidas na lei, ser concessionárias do Estado na exploração do jogo», sendo normal «que a contrapartida pela outorga de um direito de exclusivo para a exploração de um bem ou de um serviço seja calculada a partir de uma percentagem da receita das concessionárias», sendo que também as «receitas patrimoniais podem em regra ser consignadas a finalidades específicas de interesse público - as limitações orçamentais à consignação reportam-se, essencialmente, ao domínio dos impostos» (aliás, relativamente à contrapartida, prevêem-se casos em que o pagamento do imposto do jogo se soma integralmente ao pagamento da contrapartida anual, e casos em que o pagamento deste é deduzido no cálculo da contrapartida anual, o que bem mostra que imposto e contrapartida não são a mesma coisa e não têm, por isso, de ser da mesma natureza).
Neste contexto, e dado que o modo de cálculo da contrapartida também não altera a sua natureza jurídica de prestação contratual, também fica desprovida de relevância a argumentação da recorrente no que respeita à unilateralidade da própria contrapartida mínima, pelo que, neste contexto, dando resposta àquela primeira questão suscitada no recurso, conclui-se agora que a "compensação de encargos para o Serviço de Inspecção de Jogos", aqui impugnada, se reconduz a uma prestação de natureza patrimonial.
4.2. Daí que (considerando as demais questões suscitadas no recurso), não podendo essa contrapartida, incluindo a parte em que é integrada pela dita "compensação de encargos para a Inspecção de Jogos", assumir natureza unilateral e/ou coactiva, então, mesmo por referência ao enquadramento legal sustentado pela recorrente (que faz equivaler a uma taxa a dita compensação de encargos com os Serviços de Inspecção, acabando, aliás, por lhe conferir natureza de imposto, face a uma invocada "desproporção intolerável"), também não pudessem proceder a impugnação, e consequentemente o recurso, quer face à inexistência dos pressupostos para a qualificação como imposto e como taxa, quer face à não verificação das ilegalidades imputadas às liquidações em apreço, alegadamente decorrentes da violação dos princípios e normas constitucionais invocados [inconstitucionalidade orgânica (por inexistência de autorização legislativa da AR) e inconstitucionalidade material (por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real), do DL n° 422/89, de 2/12, do DL n° 275/2001, de 17/10 e do DL nº 129/2012, de 22/06].
Aliás, neste âmbito, mesmo na perspectiva da recorrente, sempre o recurso teria que improceder, atendendo à jurisprudência, com a qual se concorda, firmada no acórdão deste STA, de 5/12/2018 [em julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art. 148º do CPTA no processo nº 2224/13.1BEPRT (1457/15) e para o qual se remete ao abrigo do disposto no nº 5 do art. 663º do CPC], sendo que, naquela perspectiva da recorrente, as questões suscitadas no presente recurso também seriam substancialmente idênticas às que foram objecto de tal julgamento ampliado, mediante o qual se visa, precisamente, «garantir a uniformidade de jurisprudência perante a possibilidade de decisões de sentido divergente ou, pelo menos, com variação substancial do tratamento das questões submetidas e de fundamentação da decisão (...)».
5. Quanto à questão atinente à também invocada ilegalidade das liquidações por violação do disposto no nº 2 do art. 13º do DL nº 129/2012, de 22/6 (Diploma que aprovou a Lei Orgânica do Turismo de Portugal, I.P.), já que alegadamente terão sido operadas sem que fossem conhecidas as despesas no ano anterior e sem que tivesse sido fixado o factor aplicável também por referência ao ano anterior:
Atentando no teor das Conclusões 7ª a 9ª, 16ª e 17ª, bem como o teor das próprias alegações de recurso que as suportam (cfr., nomeadamente os arts. 22º, 39º e 40º das alegações), constata-se que, neste âmbito, a recorrente acaba por invocar apenas uma alegada falta de notificação de um factor considerado na liquidação (alega que «nunca foi comunicado qual o valor da despesa nem o factor a confirmar pelo Governo»], mas não a inexistência da própria fundamentação das liquidações (aliás, nesta parte, apenas alega, genericamente, a ilegalidade da liquidação por não estar acompanhada de qualquer fundamentação - Conclusão 9ª).
Aliás, ao referenciar os actos impugnados, a sentença também incluiu, precisamente, o especificado na alínea G) do Probatório, juntamente com as liquidações especificadas nas alíneas seguintes H) a J).
Ora, é sabido que uma coisa é a falta de fundamentação do acto e outra coisa diferente é a falta de notificação da fundamentação (Sobre a distinção entre acto de notificação e acto notificado, cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª edição, volume II anotação 3 a) ao art. 37º, pp. 349 a 351), sendo que a irregularidade da notificação, tal como a própria falta de notificação, não relevam para efeitos da validade do acto, mas apenas para efeitos da sua eficácia (cfr. art. 36º nº 1 do CPPT), podendo, contudo, as deficiências do acto de notificação (mas já não as que eventualmente sejam atinentes ao próprio acto notificado) ser sanadas nos termos do disposto no art. 37º do mesmo Código.
Assim, independentemente, (i) quer da argumentação da sentença [no sentido de que, por não ter sido impugnada, em sede e momento próprios, ficou consolidada (nomeadamente para efeito do apuramento da respectiva prestação contratualizada) a fixação do valor mensal a pagar por conta da compensação - € 303.322,78 - mencionado na carta do Turismo de Portugal, I.P., datada de 03/08/2007, e com base na qual foram efectuados os sucessivos pagamentos desta componente da contrapartida anual prevista no nº 2 da cláusula 4ª do contrato de concessão, incluindo os relativos aos meses de Março a Maio de 2014, identificados nas aIs. H), I) e J) dos factos provados], também o recurso terá que improceder nesta parte, (ii) quer da eventual relevância da factualidade especificada nas als. F) e G) do Probatório (a qual apontaria, no entendimento do MP, para a improcedência da própria alegação de falta de fundamentação, face à informação, por parte do Instituto de Turismo de Portugal I.P., da não alteração dos pressupostos atinentes ao ano de 2008, bem como dos ajustamentos a que o factor aplicado fora sujeito), o recurso terá de improceder também nesta parte.
6. Neste contexto e pelo exposto, improcederá a alegação respeitante às ilegalidades das liquidações, por violação dos princípios e normas constitucionais invocados [inconstitucionalidade orgânica (por inexistência de autorização legislativa da Assembleia da República e inconstitucionalidade material (por violação dos princípios constitucionais da igualdade tributária, da proporcionalidade, da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real), do DL n° 422/89, de 2/12, do DL n° 275/2001, de 17/10 e do DL nº 129/2012, de 22/06] e improcederá, igualmente, a alegação respeitante à ilegalidade das liquidações por violação do disposto no nº 2 do art. 13º deste último Diploma referido (DL nº 129/2012, de 22/6).

Concordando-se, assim, com o que ali se deixou escrito, também agora se decidirá de igual forma negando-se provimento ao recurso.

Uma vez que, atenta a decisão, temos por verificado o requisito de "menor complexidade" a que alude o nº 7 do art. 6º do RCP, acrescendo que também o montante da taxa de justiça devida se afigura manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado nos presentes autos, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, decide-se dispensar totalmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se, com a presente fundamentação, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
D.n.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2019. – Aragão Seia (relator) – Dulce Neto – Pedro Delgado.