Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02083/18.8BELRS |
Data do Acordão: | 07/11/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | SIGILO BANCÁRIO NÃO RESIDENTE |
Sumário: | I - Nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT, um dos casos em que a AT pode aceder directamente à informação e documentação bancária «sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos» é «[q]uando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º», ou seja, «[a]créscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados». II – Não obsta à tributação indirecta, ao abrigo do art. 87.º, n.º1, alínea f), a eventual condição de não residente, desde que a tributação recaia apenas sobre rendimentos obtidos em território português (cfr. n.º 2 do art. 15.º do CIRS). III - Se o titular desses elementos, que nunca alterou o seu domicílio fiscal (que corresponde ao «local da residência habitual», competindo-lhe comunicar a mudança e até nomear representante, se residente no estrangeiro, cfr. art. 19.º), situado no nosso País, e nas declarações de rendimentos respeitantes ao período em causa se apresentou como residente e assim foi tributado, não pode, em sede do recurso judicial previsto no art. 146.º-B do CPPT, sustentar a ilegalidade da decisão administrativa de derrogação do sigilo bancário com o fundamento de que é não residente, qualidade que não alegou oportunamente. IV - Isto, sem prejuízo de poder fazer prova dessa qualidade se e quando impugnar, graciosa ou contenciosamente, as liquidações respeitantes a esses anos (sejam as já efectuadas sejam as que eventual e adicionalmente venham a ser efectuadas pela AT). |
Nº Convencional: | JSTA000P24817 |
Nº do Documento: | SA22019071102083/18 |
Data de Entrada: | 06/24/2019 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de recurso judicial da decisão de avaliação da matéria colectável por métodos indirectos com o n.º 2083/18.8BELRS
1. RELATÓRIO 1.1 O acima identificado Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente o recurso judicial interposto ao abrigo do disposto no art. 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) da decisão da Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que determinou a derrogação do sigilo bancário. 1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «A) Na douta sentença recorrida foi entendido que, neste processo, as questões a “… apreciar e decidir (é) se se verificam os pressupostos para a derrogação do sigilo bancário, com fundamento na alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT”. B) Para chegar ao referido entendimento, a douta sentença recorrida aplicou o regime da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, o qual prevê a aplicação do regime da derrogação do sigilo bancário “quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados”. C) Contudo, a aplicação ao recorrente do regime da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT enferma de violação de lei. D) Por um lado, o regime da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT apenas é aplicável aos residentes em Portugal, dito de outra forma, o referido regime não é aplicável aos não residentes em Portugal. E) Assim e tal como resulta do n.º 2 do artigo 15.º do CIRS, o IRS dos não residentes apenas incide sobre os rendimentos obtidos em Portugal. F) Por sua vez, a tributação dos acréscimos de património não justificados nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT são qualificados como rendimento tributável a enquadrar na categoria G, tal como assim resulta do n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT. G) O recorrente não só alegou factos demonstrativos da sua não residência em Portugal nos anos de 2014, 2015 e 2016, nomeadamente os factos constantes dos artigos 7.º a 18.º, todos da p.i. de recurso, como juntou provas e indicou testemunhas para deporem sobre os referidos factos. H) Ora, competia ao Tribunal a quo ter ordenado, em especial, a realização da referida prova testemunhal para então decidir sobre a questão da residência ou não, em Portugal, do recorrente nos anos de 2014, 2015 e 2016. I) A douta sentença recorrida fez errada aplicação e interpretação da alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º-B e da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º e do n.º 5 do artigo 89.º-A, todos da LGT e violou o n.º 2 do artigo 15.º do CIRS. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, ordenando-se a baixa do processo para produção de prova relativa aos factos constantes dos artigos 7.º a 18.º, todos da p.i.». 1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 1.4 Não foram apresentadas contra-alegações. 1.5 Recebidos os autos no Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «(…) face ao conteúdo dos autos, nomeadamente dos pontos assentes no probatório, que não foi questionado, e sendo certo que o agora recorrente foi devidamente notificado da dispensa da produção de prova testemunhal, como resulta de fls., já que a prova, “in casu”, a produzir era essencialmente documental e se mostrava junta e nada tendo dito, por outra solução não era de enveredar. 1.6 Com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo, cumpre apreciar e decidir. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida efectuou o julgamento de facto nos seguintes termos (Permitimo-nos corrigir os lapsos verificados na numeração das alíneas a que a sentença sujeitou a factualidade.): «II. 1- DE FACTO Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: 1) A coberto das ordens de serviço n.ºs OI201800644/645/646, emitidas em 29/03/2018 e, na mesma data notificadas ao sujeito passivo, a Direcção de Finanças de Leiria (Divisão de Inspecção Tributária II) iniciou um procedimento de inspecção ao sujeito passivo, A………….., aos anos de 2014, 2015 e 2016 – cfr. fls. não numeradas do Processo Instrutor em apenso; 2) No decorrer do procedimento inspectivo, o ora recorrente foi notificado para, no prazo de 10 dias, “Confirmar, corrigir ou completar os distintos valores de património apurados, apresentados documentos comprovativos desses valores à data de 31/12/2014, 31/12/2015 e 31/12/2016; b) Justificar o acréscimo patrimonial não compatível com os rendimentos declarados, com documentos comprovativos; c) Informar se autoriza a administração tributária a aceder a informações e documentos bancários em seu nome e, em caso afirmativo, deve preencher, assinar e devolver a declaração que segue em anexo, juntamente com fotocopia do cartão do cidadão/BI, relativamente aos anos de 2014, 2015 e 2016 (...)” – cfr. fls. não numeradas do processo instrutor em apenso aos autos; 3) Em 07/06/2018, o, ora, recorrente veio apresentar resposta referindo não concordar com os acréscimos de património superior a € 100.000,00, nos anos em questão, porque o seu domicílio fiscal é em Angola, como a seguir se descreve “(...) O Estado português não sendo o Estado de residência relevante para efeitos fiscais em 2014, 2015 e 2016, não tem competência tributária. Diga-se ainda que as declarações de IRS entregues dos anos em causa foram indevidamente entregues como residente fiscal em Portugal, porquanto o ora exponente não é cá residente. Donde, o imposto que pagou em Portugal não era devido, por os rendimentos em causa não poderem ser objecto de tributação pelo Estado Português, pelo que tem direito a ser reembolsado do imposto que pagou indevidamente. Termos em que deve ser arquivado o procedimento com os fundamentos supra descritos” - cfr. fls. não numeradas do processo instrutor em apenso aos autos; 4) Em 23/07/2018, foi elaborada informação/proposta de decisão, pela Directora-Geral da A.T., para o levantamento do sigilo bancário e acesso às contas bancárias de A…………. - cfr. fls. não numeradas do Processo Instrutor em apenso; 5) Na informação, referida no ponto anterior, é enunciado, resumidamente, o seguinte: “
6) Por despacho de 17/10/2018, a Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, autoriza o acesso dos funcionários da A.T. às contas bancárias e documentos bancários existentes nas instituições bancárias de que seja titular o sujeito passivo, A……….., com referência ao período compreendido entre 01/01/2014 a 31/12/2016 como se enuncia:
– cfr. fls. não numeradas do Processo Instrutor em apenso; 7) Nos anos de 2014, 2015 e 2016, A…………., entregou declarações fiscais Mod.3/ IRS, daqueles anos, indicando ser residente em Portugal – cfr. relatório inspectivo s/ pedido derrogação sigilo bancário a fls. não numeradas do Processo Instrutor em apenso; 8) Até Dezembro de 2017, A…………, possuía domicílio fiscal em Alcobaça – cfr. fls. 213 a 260 do SITAF; 9) Em 04/12/2017, A…………., comunicou à A.T. a alteração no cadastro do IRS para residente em Angola – cfr. relatório inspectivo s/ pedido derrogação sigilo bancário, a fls. não numeradas do Processo Instrutor em apenso e fls. 213 a 260 SITAF; 10) O, ora, recorrente é sócio-gerente de três sociedades com sede em Portugal, como a seguir se identificam:
11) O recorrente declarou à A.T. nos anos de 2014, 2015 e 2016, os seguintes rendimentos no anexo A e anexo J das declarações de IRS:
12) Em 2014, 2015 e 2016, o recorrente obteve rendimentos e foi tributado pelo rendimento de acções e obrigações detidas na sua titularidade, como seguidamente se enuncia:
13) Entre 2014 a 2016, o recorrente efectuou várias doações e suprimentos a sociedades como a seguir se identifica:
14) O recorrente foi titular das seguintes contas bancárias com os seguintes saldos distribuídos pelos anos de 2013, 2014, 2015:
– cfr. doc. n.ºs 2 e 3 junto com a p.i.; 15) Nos anos de 2014, 2015 e 2016, o recorrente efectuou despesas evidenciadas no E-fatura, seguintes:
16) O recorrente é proprietário desde, 25/02/2007, do imóvel urbano sito na Rua ………., freguesia ………., concelho de Leiria, inscrito na matriz sob o artigo 3717 – cfr. fls. 213 a 260 do SITAF; 17) O imóvel, identificado no ponto anterior, em 2007, tinha o valor patrimonial de € 83.840,00 e, gozou de isenção de IMI no período de 2007 a 2012, por se destinar a habitação própria e permanente do sujeito passivo/recorrente – cfr. fls. 213 a 260 do SITAF; 18) O recorrente é, ainda, proprietário do imóvel sito na Rua ………, n.º …., ……., 2460-….. Alcobaça, da freguesia de ………. com artigo matricial 4337, inscrito na matriz em 2017, com valor patrimonial de € 97.840,00 – cfr. fls. não numeradas do processo instrutor em apenso aos autos; 19) Entre 2013 a 2017, o recorrente realizou várias viagens a Angola, constando do passaporte que aquele tem nacionalidade portuguesa, com residência em …………, Leiria – cfr. anexo n.º 2, junto com a p.i. II.2 - DOS FACTOS NÃO PROVADOS Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados». * 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR O Recorrente insurge-se contra a sentença que confirmou a legalidade da decisão da Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de autorização de acesso a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, sociedades financeiras ou instituições de crédito nacionais, de que seja titular o ora Recorrente, para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2014 e 31 de Dezembro de 2016. A decisão administrativa teve por fundamento a desproporção entre os rendimentos declarados, por um lado, e, por outro lado, os acréscimos de património verificados e as despesas efectuadas naquele período, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B, conjugado com a alínea f) do n.º 1 do art. 87.º, bem assim com o n.º 11 do art. 89.º-A, todos da LGT, e o facto de o ora Recorrente, apesar de ter sido notificado para o efeito, não ter esclarecido essa divergência não justificada com os rendimentos declarados. 2.2.2 DA VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO Entre as diversas situações elencadas no n.º 1 do art. 63.º-B da LGT, em que o legislador permite a derrogação do sigilo fiscal pela AT, o acesso directo à informação e documentos bancários «sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos», conta-se a prevista na alínea c), aquela em que «se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º», ou seja, «[a]créscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados». 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso jurisdicional. Custas pelo Recorrente (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). * |