Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02083/18.8BELRS
Data do Acordão:07/11/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:SIGILO BANCÁRIO
NÃO RESIDENTE
Sumário:I - Nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT, um dos casos em que a AT pode aceder directamente à informação e documentação bancária «sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos» é «[q]uando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º», ou seja, «[a]créscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados».
II – Não obsta à tributação indirecta, ao abrigo do art. 87.º, n.º1, alínea f), a eventual condição de não residente, desde que a tributação recaia apenas sobre rendimentos obtidos em território português (cfr. n.º 2 do art. 15.º do CIRS).
III - Se o titular desses elementos, que nunca alterou o seu domicílio fiscal (que corresponde ao «local da residência habitual», competindo-lhe comunicar a mudança e até nomear representante, se residente no estrangeiro, cfr. art. 19.º), situado no nosso País, e nas declarações de rendimentos respeitantes ao período em causa se apresentou como residente e assim foi tributado, não pode, em sede do recurso judicial previsto no art. 146.º-B do CPPT, sustentar a ilegalidade da decisão administrativa de derrogação do sigilo bancário com o fundamento de que é não residente, qualidade que não alegou oportunamente.
IV - Isto, sem prejuízo de poder fazer prova dessa qualidade se e quando impugnar, graciosa ou contenciosamente, as liquidações respeitantes a esses anos (sejam as já efectuadas sejam as que eventual e adicionalmente venham a ser efectuadas pela AT).
Nº Convencional:JSTA000P24817
Nº do Documento:SA22019071102083/18
Data de Entrada:06/24/2019
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de recurso judicial da decisão de avaliação da matéria colectável por métodos indirectos com o n.º 2083/18.8BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente o recurso judicial interposto ao abrigo do disposto no art. 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) da decisão da Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que determinou a derrogação do sigilo bancário.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«A) Na douta sentença recorrida foi entendido que, neste processo, as questões a “… apreciar e decidir (é) se se verificam os pressupostos para a derrogação do sigilo bancário, com fundamento na alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT”.

B) Para chegar ao referido entendimento, a douta sentença recorrida aplicou o regime da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, o qual prevê a aplicação do regime da derrogação do sigilo bancário “quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados”.

C) Contudo, a aplicação ao recorrente do regime da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT enferma de violação de lei.

D) Por um lado, o regime da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT apenas é aplicável aos residentes em Portugal, dito de outra forma, o referido regime não é aplicável aos não residentes em Portugal.

E) Assim e tal como resulta do n.º 2 do artigo 15.º do CIRS, o IRS dos não residentes apenas incide sobre os rendimentos obtidos em Portugal.

F) Por sua vez, a tributação dos acréscimos de património não justificados nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT são qualificados como rendimento tributável a enquadrar na categoria G, tal como assim resulta do n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT.

G) O recorrente não só alegou factos demonstrativos da sua não residência em Portugal nos anos de 2014, 2015 e 2016, nomeadamente os factos constantes dos artigos 7.º a 18.º, todos da p.i. de recurso, como juntou provas e indicou testemunhas para deporem sobre os referidos factos.

H) Ora, competia ao Tribunal a quo ter ordenado, em especial, a realização da referida prova testemunhal para então decidir sobre a questão da residência ou não, em Portugal, do recorrente nos anos de 2014, 2015 e 2016.

I) A douta sentença recorrida fez errada aplicação e interpretação da alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º-B e da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º e do n.º 5 do artigo 89.º-A, todos da LGT e violou o n.º 2 do artigo 15.º do CIRS.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, ordenando-se a baixa do processo para produção de prova relativa aos factos constantes dos artigos 7.º a 18.º, todos da p.i.».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.5 Recebidos os autos no Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«(…) face ao conteúdo dos autos, nomeadamente dos pontos assentes no probatório, que não foi questionado, e sendo certo que o agora recorrente foi devidamente notificado da dispensa da produção de prova testemunhal, como resulta de fls., já que a prova, “in casu”, a produzir era essencialmente documental e se mostrava junta e nada tendo dito, por outra solução não era de enveredar.
A douta decisão recorrida mostra-se, quanto a nós, correcta. Fez correcta análise e interpretação dos factos e correcta se mostra a sua subsunção jurídica, mostrando-se devidamente fundamentada, não sendo passível de quaisquer censuras.
1. A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:
(…)
c) Quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º;” – artigo 63.º-B da LGT.
Pois, o disposto no artigo 87.º, n.º 1 al. f), citado estatui que
1. A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de:
(…)
f) Acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, verificados simultaneamente com a falta de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”.
A Lei prevê, assim, situações em que a administração tributária pode aceder directamente, aos documentos cobertos pelo sigilo bancário, independentemente da autorização do tribunal ou do interessado, salvaguardando-se sempre o princípio da proporcionalidade (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT).
Competia ao recorrente ter afastado tal hipótese, aquando da inspecção de que foi alvo por parte da A.T., carreando a documentação necessária que alicerçasse a sua posição, o que não logrou fazer, pese para isso ter sido instado, como resulta do probatório.
Pois, o facto, por si invocado, de não ter residência permanente em território nacional não o iliba de ter de fazer prova da desproporção dos rendimentos evidenciados no lapso de tempo de 2014 a 2016».

1.6 Com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento de facto nos seguintes termos (Permitimo-nos corrigir os lapsos verificados na numeração das alíneas a que a sentença sujeitou a factualidade.):

«II. 1- DE FACTO

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1) A coberto das ordens de serviço n.ºs OI201800644/645/646, emitidas em 29/03/2018 e, na mesma data notificadas ao sujeito passivo, a Direcção de Finanças de Leiria (Divisão de Inspecção Tributária II) iniciou um procedimento de inspecção ao sujeito passivo, A………….., aos anos de 2014, 2015 e 2016 – cfr. fls. não numeradas do Processo Instrutor em apenso;

2) No decorrer do procedimento inspectivo, o ora recorrente foi notificado para, no prazo de 10 dias, “Confirmar, corrigir ou completar os distintos valores de património apurados, apresentados documentos comprovativos desses valores à data de 31/12/2014, 31/12/2015 e 31/12/2016; b) Justificar o acréscimo patrimonial não compatível com os rendimentos declarados, com documentos comprovativos; c) Informar se autoriza a administração tributária a aceder a informações e documentos bancários em seu nome e, em caso afirmativo, deve preencher, assinar e devolver a declaração que segue em anexo, juntamente com fotocopia do cartão do cidadão/BI, relativamente aos anos de 2014, 2015 e 2016 (...)” – cfr. fls. não numeradas do processo instrutor em apenso aos autos;

3) Em 07/06/2018, o, ora, recorrente veio apresentar resposta referindo não concordar com os acréscimos de património superior a € 100.000,00, nos anos em questão, porque o seu domicílio fiscal é em Angola, como a seguir se descreve “(...) O Estado português não sendo o Estado de residência relevante para efeitos fiscais em 2014, 2015 e 2016, não tem competência tributária. Diga-se ainda que as declarações de IRS entregues dos anos em causa foram indevidamente entregues como residente fiscal em Portugal, porquanto o ora exponente não é cá residente. Donde, o imposto que pagou em Portugal não era devido, por os rendimentos em causa não poderem ser objecto de tributação pelo Estado Português, pelo que tem direito a ser reembolsado do imposto que pagou indevidamente. Termos em que deve ser arquivado o procedimento com os fundamentos supra descritos” - cfr. fls. não numeradas do processo instrutor em apenso aos autos;

4) Em 23/07/2018, foi elaborada informação/proposta de decisão, pela Directora-Geral da A.T., para o levantamento do sigilo bancário e acesso às contas bancárias de A…………. - cfr. fls. não numeradas do Processo Instrutor em apenso;

5) Na informação, referida no ponto anterior, é enunciado, resumidamente, o seguinte: “






(...)
- cfr. fls. não numeradas do Processo Instrutor em apenso;

6) Por despacho de 17/10/2018, a Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, autoriza o acesso dos funcionários da A.T. às contas bancárias e documentos bancários existentes nas instituições bancárias de que seja titular o sujeito passivo, A……….., com referência ao período compreendido entre 01/01/2014 a 31/12/2016 como se enuncia:

– cfr. fls. não numeradas do Processo Instrutor em apenso;

7) Nos anos de 2014, 2015 e 2016, A…………., entregou declarações fiscais Mod.3/ IRS, daqueles anos, indicando ser residente em Portugal – cfr. relatório inspectivo s/ pedido derrogação sigilo bancário a fls. não numeradas do Processo Instrutor em apenso;

8) Até Dezembro de 2017, A…………, possuía domicílio fiscal em Alcobaça – cfr. fls. 213 a 260 do SITAF;

9) Em 04/12/2017, A…………., comunicou à A.T. a alteração no cadastro do IRS para residente em Angola – cfr. relatório inspectivo s/ pedido derrogação sigilo bancário, a fls. não numeradas do Processo Instrutor em apenso e fls. 213 a 260 SITAF;

10) O, ora, recorrente é sócio-gerente de três sociedades com sede em Portugal, como a seguir se identificam:
NIPC
Nome
Relação
Participações Sociais
Data de
início
Data de
Fim
Quota
% Capital
………….………….. Lda.
Sócio-gerente
500.00 €
50%
07-03-2014
-
………….B………… Lda.
Sócio-gerente
100.00 €
50%
25-07-2016
-
…………………….. Lda
Sócio-gerente
1.000.00 €
100%
06-01-2017
-
– cfr. relatório inspectivo s/ pedido derrogação sigilo bancário, a fls. não numeradas do Processo Instrutor em apenso;

11) O recorrente declarou à A.T. nos anos de 2014, 2015 e 2016, os seguintes rendimentos no anexo A e anexo J das declarações de IRS:
Rubrica
2014
2015
2016
Rend. Auferidos em Portugal (……, Lda.)- Cat. A.
€ 5.959,50
€ 6.060,00
€ 6.360,00
Rend. Auferidos Angola (cat. A) anexo J
€ 234.553,15
€ 222.113,16
€ 315.489,90
Imposto pago Estrangeiro
€ 38.532,06
€ 36.906,96
€ 52.764,87
Imposto pago em Portugal
€ 76.748,00
€ 70.935,00
€ 107.129,00
Rendimento líquido
€ 125.232,59
€ 120.331,20
€ 175.213,38
– cfr. relatório inspectivo s/ pedido derrogação sigilo bancário, a fls. não numeradas do Processo Instrutor em apenso e fls. 213 a 260 do SITAF;

12) Em 2014, 2015 e 2016, o recorrente obteve rendimentos e foi tributado pelo rendimento de acções e obrigações detidas na sua titularidade, como seguidamente se enuncia:
Rubrica Titularidade
2014
2015
2016
Saldo de Acções/Obrigações A……………
€ 1.481,73
0,00
€ 29.999,67
– cfr. relatório inspectivo s/ pedido derrogação sigilo bancário, a fls. não numeradas do Processo Instrutor em apenso;

13) Entre 2014 a 2016, o recorrente efectuou várias doações e suprimentos a sociedades como a seguir se identifica:
Rubrica
Sujeito
2014
2015
2016
Doação
……………….
€ 404.198,08
€ 164.535,03
€ 196.480,36
Suprimentos
B…………, Lda.
-
-
€ 420.000,00
– cfr. relatório inspectivo s/ pedido derrogação sigilo bancário, a fls. não numeradas do Processo Instrutor em apenso;

14) O recorrente foi titular das seguintes contas bancárias com os seguintes saldos distribuídos pelos anos de 2013, 2014, 2015:

CONTAS BANCÁRIAS

BANCO ……..

2013
2014
2015
………………………..
€ 318.802,21
€ 427.784,38
€ 492.522,82
………………………..
€ 271.017,09
€ 456.622,05
€ 488.477,94

– cfr. doc. n.ºs 2 e 3 junto com a p.i.;

15) Nos anos de 2014, 2015 e 2016, o recorrente efectuou despesas evidenciadas no E-fatura, seguintes:

Tipo de Documento
2014
2015
2016
Facturas (FT, FR, FS, VD)
90.874,67 €
103.754,58 €
53.087,36 €
Notas de Crédito (NC)
874,37 €
18.488,65 €
94,74 €
(3) = (1) - (2) TOTAL
90.000,30 €
85.265,93 €
52.992,62 €
– cfr. fls. 270 a 278 do SITAF;

16) O recorrente é proprietário desde, 25/02/2007, do imóvel urbano sito na Rua ………., freguesia ………., concelho de Leiria, inscrito na matriz sob o artigo 3717 – cfr. fls. 213 a 260 do SITAF;

17) O imóvel, identificado no ponto anterior, em 2007, tinha o valor patrimonial de € 83.840,00 e, gozou de isenção de IMI no período de 2007 a 2012, por se destinar a habitação própria e permanente do sujeito passivo/recorrente – cfr. fls. 213 a 260 do SITAF;

18) O recorrente é, ainda, proprietário do imóvel sito na Rua ………, n.º …., ……., 2460-….. Alcobaça, da freguesia de ………. com artigo matricial 4337, inscrito na matriz em 2017, com valor patrimonial de € 97.840,00 – cfr. fls. não numeradas do processo instrutor em apenso aos autos;

19) Entre 2013 a 2017, o recorrente realizou várias viagens a Angola, constando do passaporte que aquele tem nacionalidade portuguesa, com residência em …………, Leiria – cfr. anexo n.º 2, junto com a p.i.

II.2 - DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados».


*
2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

O Recorrente insurge-se contra a sentença que confirmou a legalidade da decisão da Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de autorização de acesso a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, sociedades financeiras ou instituições de crédito nacionais, de que seja titular o ora Recorrente, para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2014 e 31 de Dezembro de 2016. A decisão administrativa teve por fundamento a desproporção entre os rendimentos declarados, por um lado, e, por outro lado, os acréscimos de património verificados e as despesas efectuadas naquele período, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B, conjugado com a alínea f) do n.º 1 do art. 87.º, bem assim com o n.º 11 do art. 89.º-A, todos da LGT, e o facto de o ora Recorrente, apesar de ter sido notificado para o efeito, não ter esclarecido essa divergência não justificada com os rendimentos declarados.
O sujeito passivo, ora Recorrente, interpôs recurso judicial da decisão administrativa, ao abrigo do disposto no art. 146.º-B do CPPT. Defendeu que lhe não é aplicável o disposto no referido art. 63.º-B, n.º 1, alínea c), da LGT, porque nos anos em causa (2014, 2015 e 2016) não era residente em Portugal, mas sim em Angola, motivo por que o Estado português não é o estado relevante para efeitos fiscais e, assim, «apenas é tributado em Portugal pelos rendimentos cá obtidos como dispõe o art. 15.º, n.º 2 do CIRS, não lhe sendo aplicável o disposto no art. 87.º, n.º 1 al. f) da LGT». Mais alega que as declarações de rendimentos que apresentou para esse período, nas quais se declarou como residente, constituem um lapso e que os rendimentos aí declarados não podem ser objecto de tributação em Portugal; que os suprimentos feitos à sociedade denominada “B…………, Lda.” foram efectuados através da transferência de montantes existentes em anos anteriores no “Banco …….” e no “Banco ……”; que não se encontra devidamente fundamentada a existência de alegadas doações efectuadas ao sujeito passivo NIF ………; que as despesas evidenciadas no E-factura não podem ser utilizadas para o acréscimo do rendimento previsto no art. 87.º, n.º 1, alínea f) da LGT, porque não existe qualquer fundamentação sobre o tipo de bens ou serviços a que se referem.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou improcedente o recurso. Para tanto, em síntese e após diversos considerandos em torno do regime jurídico que permite o acesso directo da AT à informação bancária dos sujeitos passivos, entendeu que no caso se verifica a desproporção entre rendimentos declarados e os acréscimos de património e as despesas evidenciadas, divergência que, porque não justificada, autoriza a AT a usar a avaliação indirecta da matéria tributável, de acordo com o disposto na alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT, e, consequentemente, a aceder à informação bancária do ora Recorrente, nos termos do art. 63.º-B, n.º 1, alínea c), da mesma Lei.
Mais entendeu que a alegação aduzida pelo ora Recorrente em ordem a afastar a possibilidade de quebra do segredo bancário – que nos anos em causa não era residente fiscal no nosso País – não pode proceder. Por um lado, porque contraria o que consta dos seus elementos de identificação junto da AT, perante quem se declarou residente em Leiria («tendo, inclusive, beneficiado de isenção de IMI, do imóvel que qualificou como residência permanente», situado naquela cidade), sendo que uma eventual mudança de domicílio é ineficaz perante a AT enquanto não lhe for comunicada, como resulta do disposto no n.º 4 do art. 19.º da LGT. Por outro lado, porque o ora Recorrente não alega factualidade e, muito menos, fez prova, que permita concluir pela sua residência fiscal em Angola, não servindo ao efeito o facto de ter actividade profissional que implique várias viagens àquele país e a sua estada aí por alguns períodos de tempo, que não afasta a residência fiscal declarada em Portugal. Finalmente, porque tal alegação contraria o declarado nas declarações de rendimentos que apresentou para os períodos em causa e não pode ser valorada enquanto ele não demonstrar que corrigiu essa situação ou, pelo menos, que deu início ao procedimento nesse sentido.
Inconformado com essa sentença, o contribuinte dela recorre para este Supremo Tribunal Administrativo. Argumenta, em resumo, que a sentença fez errado julgamento quando não o considerou como não residente e, em consequência, quando não afastou a possibilidade de lhe ser aplicável o disposto na alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT e, desprezando essa impossibilidade, quando deu como verificado que a situação se acolhia à fatti species da alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT.
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença decidiu correctamente quando entendeu que estão verificados os pressupostos para a derrogação do sigilo bancário, com fundamento na alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT, o que, atenta a alegação do Recorrente, passa essencialmente por averiguar se, para afastar essa possibilidade de quebrar o segredo bancário, é relevante a condição de não residente, pela primeira vez invocada pelo ora Recorrente em sede de recurso judicial e de recurso jurisdicional, quando nas declarações de rendimentos do período em causa se declarou como residente.

2.2.2 DA VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO

Entre as diversas situações elencadas no n.º 1 do art. 63.º-B da LGT, em que o legislador permite a derrogação do sigilo fiscal pela AT, o acesso directo à informação e documentos bancários «sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos», conta-se a prevista na alínea c), aquela em que «se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º», ou seja, «[a]créscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados».
Foi o que sucedeu no caso sub judice: a AT, verificando que o ora Recorrente, relativamente aos anos de 2014 a 2016, manifestava acréscimo de património e realização de despesa em divergência com os rendimentos declarados, decidiu-se pela quebra do sigilo bancário relativamente a esses anos.
A defesa do ora Recorrente assenta na circunstância de que é não residente e, por isso, lhe não é aplicável o disposto na alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT, pois, não podendo ser tributado no nosso País senão pelos rendimentos aqui obtidos, atento o disposto no n.º 2 do art. 15.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), também o não pode ser com recurso a avaliação indirecta.
Salvo o devido respeito, não é assim. O que diz o art. 15.º, n.º 2, do CIRS, é: «2- Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português»; isto depois de no n.º 1 do mesmo artigo afirmar: «1- Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território».
Ou seja, do citado artigo resulta que mesmo os não residentes serão tributados em IRS pelos rendimentos obtidos no território nacional. Obviamente, esses rendimentos poderão ser tributados quer por métodos directos quer por métodos indirectos, sem prejuízo de a avaliação indirecta ser subsidiária relativamente à avaliação directa (cfr. arts. 81.º, n.º 1, e 85.º, n.º 2, da LGT); ponto é que se verifiquem os requisitos para um ou outro método de tributação, não podendo a priori excluir-se qualquer dos métodos de avaliação da matéria tributável. E se assim é para os residentes, também o é para os não residentes, ainda que apenas relativamente aos rendimentos obtidos em território português. Ou seja, os não residentes podem ser tributados por rendimentos sujeitos a qualquer uma das categorias consagradas no CIRS, desde que os mesmos se considerem obtidos em Portugal, conexionando-se os rendimentos pagos a não residentes com o território português (cfr. art. 18.º do CIRS). Não podem, pois, excluir-se os rendimentos fixados por avaliação indirecta ao abrigo do art. 87.º, n.º 1, alínea f), da LGT, os quais se integrarão na categoria G, por força do disposto na alínea a) do n.º 5 do art. 89.º-A da LGT
Não será, pois, a mera qualidade de não residente a excluir liminarmente a possibilidade de tributação com recurso a métodos indirectos.
Seja como for, e decisivamente, a verdade é que o ora Recorrente, relativamente aos anos de 2014 a 2016 apresentou declarações de rendimentos para efeitos de IRS em que se indicou como residente – sendo como tal tributado – e que também não comunicou, como se lhe impunha, qualquer alteração do seu domicílio fiscal (Apesar de a noção de não residente não estar necessariamente correlacionada com o domicílio fiscal, a verdade é que este, em regra, corresponde ao local da residência habitual, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 19.º da LGT. Sobre a questão, vide RUI DUARTE MORAIS, Sobre o IRS, Almedina, 2.ª edição, ponto 2.1.5, pág. 21.) nos serviços da AT, sendo que uma eventual comunicação de alteração da residência para o estrangeiro, até lhe acarretava a obrigação adicional de constituir representante legal (cfr. art. 19.º da LGT).
Assim, a ser não residente, a verdade é que nunca o deu a conhecer à AT e, inclusive, se comportou perante ela como se fosse residente, designadamente apresentando as declarações de rendimentos nessa qualidade e nela sendo tributado.
Obviamente, tal facto não a impede de, com esse fundamento e respeitados que sejam os respectivos prazos legais, apresentar declarações de substituição ou impugnar graciosa ou contenciosamente as liquidações de IRS que lhe foram efectuadas relativamente a esses anos, bem como as que eventualmente venham a sê-lo. Poderá, em sede própria, demonstrar a ilegalidade de tais liquidações com fundamento nesse vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito (O eventual erro na declaração apresentada pelo sujeito passivo integra-se no conceito de «qualquer ilegalidade» previsto no art. 99.º do CPPT, que elenca os fundamentos de impugnação judicial, e bem assim os de reclamação graciosa, atento o disposto no n.º 1 do art. 70.º do mesmo Código.).
O que não pode, a nosso ver, é sustentar com esse fundamento a ilegalidade da decisão administrativa de derrogação do sigilo bancário, que teve por base as declarações apresentadas pelo ora Recorrente. Para os efeitos de que nos ocupamos, quais sejam os de sindicar a legalidade daquela decisão, a eventual qualidade de não residente, porque não resultava dos elementos fornecidos pelo ora Recorrente nem das liquidações que foram efectuadas com base nesses elementos, não releva.
De acordo com o que deixámos dito, o recurso não merece provimento, devendo manter-se na ordem jurídica a sentença recorrida, que julgou improcedente o recurso judicial.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT, um dos casos em que a AT pode aceder directamente à informação e documentação bancária «sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos» é «[q]uando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º», ou seja, «[a]créscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados».
II - Não obsta à tributação indirecta, ao abrigo do art. 87.º, n.º1, alínea f), a eventual condição de não residente, desde que a tributação recaia apenas sobre rendimentos obtidos em território português (cfr. n.º 2 do art. 15.º do CIRS).
III - Se o titular desses elementos, que nunca alterou o seu domicílio fiscal (que corresponde ao «local da residência habitual», competindo-lhe comunicar a mudança e até nomear representante, se residente no estrangeiro, cfr. art. 19.º), situado no nosso País, e nas declarações de rendimentos respeitantes ao período em causa se apresentou como residente e assim foi tributado, não pode, em sede do recurso judicial previsto no art. 146.º-B do CPPT, sustentar a ilegalidade da decisão administrativa de derrogação do sigilo bancário com o fundamento de que é não residente, qualidade que não alegou oportunamente.
IV - Isto, sem prejuízo de poder fazer prova dessa qualidade se e quando impugnar, graciosa ou contenciosamente, as liquidações respeitantes a esses anos (sejam as já efectuadas sejam as que eventual e adicionalmente venham a ser efectuadas pela AT).


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso jurisdicional.

Custas pelo Recorrente (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).


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Lisboa, 11 de Julho de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Ana Paula Lobo.