Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0268/15.8BEBJA
Data do Acordão:04/28/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRC
AMORTIZAÇÃO DO ACTIVO
TERRENO SUBMERSO POR ALBUFEIRA
Sumário:Os valores contabilizados a título de amortização de terrenos, incluindo os expropriados e submersos, integrantes da bacia/albufeira de barragem objeto de contrato de concessão, por parte do Estado, tal como, os dos terrenos em geral, não são dedutíveis para efeitos fiscais, concretamente, para determinação do lucro tributável, nos termos do art. 17.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).
Nº Convencional:JSTA00071122
Nº do Documento:SA2202104280268/15
Data de Entrada:09/15/2020
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:Z......., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO DO TCA SUL
Decisão:CONCEDE PROVIMENTO
Área Temática 1:IRC
Área Temática 2:AMORTIZAÇÃO IMÓVEIS
Legislação Nacional:ARTIGOS N.ºS. 17.º, 23.º, 29.º, 31.º e 34.º do CIRC E ARTIGOS 10.º e 12.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 de 14 de setembro.
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.


A autoridade tributária e aduaneira (AT), por intermédio da Exma. Diretora-geral, interpôs recurso de revista (excecional), visando acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), datado de 11 de outubro de 2018, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional dirigido contra sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja, julgando improcedente impugnação judicial, de ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), do ano de 2013, no valor total de € 62.292,66, apresentada por Z………., S.A., …
A recorrente (rte) produziu alegação, finalizada com as seguintes conclusões: «

a) A questão que se pretende ver melhor analisada pelo tribunal ad quem no presente recurso, é a de saber se, as amortizações de um terreno, incorporado na bacia de uma barragem objecto de um contrato de concessão, são dedutíveis ao resultado fiscal;

b) Entende, a FP, que o acórdão recorrido procedeu a uma incorreta interpretação e aplicação do artigo 12º do Decreto Regulamentar nº 25/2009 (doravante, DR 25/2009), dos artigos 17º, 29º e 34º, todos, do CIRC, o que afeta e vicia a decisão proferida.

c) Na verdade, a questão acima identificada assume relevância social fundamental, porquanto, a situação apresenta contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, até porque, está em causa questão que revela especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia relativamente a casos futuros do mesmo tipo, em que a utilidade da decisão extravasa, em muito, os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio;

d) Por outro lado a mesma questão assume também relevância jurídica fundamental, uma vez que a questão a apreciar é de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior à comum;

e) In casu, o presente recurso é também absolutamente necessário para uma melhor aplicação do direito, porquanto, o acórdão aqui em crise incorre em erro de interpretação;

f) Desta forma, a necessidade de uma melhor aplicação do direito justifica-se, uma vez que, em face das características do caso concreto, existe a possibilidade de este ser visto como um caso-tipo, não só porque contem uma questão bem caracterizada e passível de se repetir no futuro;

g) Quanto ao mérito do presente recurso entende, a FP, que o acórdão recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação do artigo 12º do Decreto Regulamentar nº 25/2009 (doravante, DR 25/2009), dos artigos 17º, 29º e 34º, todos, do CIRC, pelo que, no nosso entendimento, não deve manter-se,

Vejamos porquê:

h) Entendeu o acórdão recorrido que:

«Nesta óptica, ao contrário do sustentado pela recorrida, não há qualquer contrariedade entre as normas contabilísticas e as normas fiscais, sendo a interpretação que se nos afigura correta plenamente compatível com o disposto no artigo 17º. Código do CIRC.»

i) Do teor dos preceitos, nomeadamente, dos artigos 29º e 34º do CIRC, as depreciações e amortizações dos ativos de uma empresa, para efeitos fiscais, estão associadas ao seu deperecimento;

j) Pelo que, também os terrenos são amortizáveis ou depreciáveis, apenas quando sujeitos a deperecimento, o que não é, claramente, o caso.

k) Ora, de acordo com o acórdão recorrido, os terrenos ao serem qualificados como ativos fixos intangíveis, por aplicação da IFRIC - 12, podem ser objecto de amortização fiscal, nos termos do artigo 12º, nº 1 DR 25/2009.

l) Contudo, a nosso ver, esta norma fiscal (artigo 12º, nº 1 DR 25/2009) não prevê a aceitação da amortização relativa a aquisições de terrenos submersos.

m) Além disso, o DR 25/2009, que visou operacionalizar o regime fiscal das amortizações previsto no CIRC, estabelece como critério-regra que «Podem ser objecto de depreciação ou amortização os elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis e as propriedades de investimento (…)». (In, artigo 1º, do DR 25/2009).

n) E, o artigo 10º do mesmo decreto regulamentar, vem estabelecer que, para «[e]feitos do cálculo das respectivas quotas de depreciação, é excluído o valor do terreno ou, tratando-se de terrenos de exploração, a parte do respectivo valor não sujeita a deperecimento».

o) Em ordem ao que antecede, defendemos que as amortizações ou reintegrações relativas aos terrenos, ainda que submersos, não são aceites como custos/gastos fiscais.

p) Acompanhando esta posição, o voto vencido do douto acórdão refere: «[a] lei fiscal não admite que as amortizações e reintegrações, ainda que registadas contabilisticamente, relativas a custos de aquisição de terrenos, e mesmo que se entendesse que fazem parte integrante de uma barragem ou de qualquer outra infra-estrutura (e não fazem, como na tese que obteve vencimento se concedeu), sejam relevadas fiscalmente (…)»

q) O modelo da dependência parcial do direito fiscal face ao direito da contabilidade consagrado pelo legislador implica que o ponto de partida para a determinação do resultado fiscal seja o resultado contabilístico, desempenhando a contabilidade uma função instrumental, mas o resultado contabilístico está sujeito a correções fiscais decorrentes das regras que o CIRC impõe, como resulta do artigo 17º do mesmo diploma legal, que estabelece:

r) «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.” (…)

s) Como refere o Professor José Casalta Nabais, in “ Direito Fiscal”, 4ª Edição, Almedina, pg. 577, “o lucro contabilístico está sujeito a correcções, pois determinados proveitos ou custos contabilísticos não são havidos como tal no apuramento do lucro fiscal (…)

t) Daí que, com o devido respeito, que é muito, não podermos concordar com a decisão proferida, porque colide com o princípio da dependência parcial do IRC face às normas contabilísticas.

u) Por outras palavras, existindo norma fiscal, como é o caso, esta prevalece sobre qualquer norma contabilística.

v) Assim sendo, conclui-se que os terrenos submersos que integram a bacia de uma barragem, ainda que objecto de um contrato de concessão, não estão sujeitos a deperecimento, não sendo, por isso, fiscalmente amortizáveis.

Por todo o exposto, e o mais que o venerando tribunal suprirá, deve o presente recurso de revista ser admitido e, analisado o mérito, ser dado provimento ao mesmo, revogando-se, em conformidade, o douto acórdão recorrido, com todas as legais consequências, assim se cumprindo, por VOSSAS EXCELÊNCIAS, com o DIREITO e a JUSTIÇA! »


*

A recorrida (rda) formalizou contra-alegações e concluiu: «

Pelo exposto, é possível concluir que:

• O recurso interposto não é admissível;

Se assim não se entender,

• O Contrato de Concessão do EFMA entrou em vigor em 1 de novembro de 2007;

• A partir de 1 de Novembro de 2007, os bens afetos à concessão passaram a ser depreciados, para efeitos fiscais e contabilísticos, pelo método das quotas constantes, ao longo do período de concessão;

• O EFMA tem que ser considerado como um todo indivisível, o qual é composto por diversas componentes que não é possível desagregar para efeitos fiscais;

• Os terrenos submersos em questão estão incluídos no EFMA e são objeto dos Contratos de Concessão supra referidos;

• Nos termos dos Contratos de Concessão (artigo 28°), todos os bens incluídos no EFMA, incluindo os imóveis, reverterão para o Estado Português, no termo da Concessão;

• Como tal, o custo suportado pela Z…….. pela aquisição destes terrenos tem necessariamente que ser aceite como custo fiscal, porquanto o EFMA, enquanto um todo indivisível, é todo ele indispensável à manutenção da fonte produtora da Z…….., ao abrigo do disposto no artigo 23º do Código do IRC;

• De qualquer forma, a IFRIC 12, referente a Contratos de Concessão prevê que os bens objeto de Contrato de Concessão sejam depreciados pelo método das quotas constantes, ao longo do período da concessão. A IFRIC 12 é aplicável ao Contrato de Concessão da Z……… conforme expressamente reconhecido pela Comissão de Normalização Contabilística em 20 de Janeiro de 2011;

• Fiscalmente também se aplica o mesmo critério, suportado no artigo 12º do Decreto-Regulamentar 25/2009, de 14 de setembro, que prevê que "Os elementos do ativo imobilizado adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias e que nos termos das cláusulas do contrato de concessão sejam revertíveis no final desta podem ser reintegrados ou amortizados em função do número de anos que restem do período de concessão quando aquele for inferior ao seu período mínimo de vida útil";

• De acordo com este artigo, todos os bens que integram o Contrato de Concessão e que revertem para o Estado no termo da Concessão são depreciados pelo método das quotas constantes, independentemente da sua natureza, porque integrantes do todo que é a Concessão, aplicando-se neste caso o artigo 12º do Decreto-Regulamentar 25/2009, de 14 de setembro, que é o artigo referente ao tratamento fiscal das amortizações relativas a Contratos de Concessão e não qualquer outro.

Nestes termos, e nos demais de direito, requer-se a V. Exas. se dignem a rejeitar o Recurso interposto, e, caso assim não se entenda, manter a decisão do Tribunal ad hoc e consequentemente ordenar a anulação da correção à matéria tributável da Z………. »


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Pelos Exmos. Conselheiros integrantes da formação preliminar, em acórdão proferido a 3 de junho de 2020, foi decidido admitir a revista, para ser versada «a questão de saber se “as amortizações de um terreno, incorporado na bacia de uma barragem objecto de um contrato de concessão, são dedutíveis ao resultado fiscal …” ».

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A Exma. magistrada do Ministério Público emitiu parecer, concluindo que “deve conceder-se provimento ao recurso de revista interposto pela Fazenda Pública devendo alterar-se o Acórdão do TCAS, mantendo a Decisão proferida pelo TAF de Beja e mantendo a decisão objecto de impugnação judicial, uma vez que a mesma não padece de qualquer vício que determine a sua anulação.”.

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Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

*******

# II.


No acórdão sob revista, em sede de julgamento factual, encontra-se exarado: «

a) A Impugnante é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos apresentando-se como a entidade gestora do Empreendimento de Fins Múltiplos do A….

b) Independentemente do objeto social da Impugnante, encontra-se a mesma com a atividade declarada em termos fiscais de engenharia hidráulica, esta com o CAE 42….

c) Encontra-se, como tal, enquadrada como sujeito passivo de imposto.

d) Em 18/10/2012 deu entrada na Direcção de Finanças de Beja, do ofício do n.º … da DSIRC, anexando cópia da informação n° …./2012 da DSIRC, relativa ao pedido de autorização de utilização de um método de depreciação diferente do estipulado no Decreto-Regulamentar n° 2/90, de 12/01, informação essa que contém a seguinte conclusão:

“Face ao exposto ao longo desta informação, somos de parecer que, ao abrigo, do n° 3 do art.º 30° do CIRC conjugado com o n° 3 do art.º 4° do Decreto Regulamentar n° 25/2009, de 14 de setembro, poderá ser reconhecido, para efeitos fiscais, um método de reintegração que terá por base o perfil de geração de proveitos de acordo com o plano apresentado pela requerente.

No entanto há que considerar que nem todos os investimentos efectuados pela Z……… são passiveis de amortização ao abrigo da lei fiscal pelo que se exclui desta autorização a amortização fiscal do valor dos terrenos submersos por se entender que os mesmos não sofrem qualquer deperecimento.";

e) Na sequência da ordem de serviço n.o 0120…. determinada por despacho do Chefe de Divisão de Inspecção Tributária datado de 11/08/2014, foi realizada acção de inspecção à Impugnante com o objectivo de observar a sua realidade tributária, incidindo em IRC sobre o ano de 2013.

f) Na sequência desta acção de inspecção interna foi elaborado relatório definitivo em 25/11/2014 concluindo da seguinte forma:

Da consulta aos elementos de contabilidade verificámos que a empresa depreciou e considerou como gasto do exercício do ano de 2013 relativamente aos terrenos submersos o montante de € 2.225.121,17 (...) Face ao exposto, a amortização dos terrenos submersos não tem relevância em termos fiscais e não há qualquer apoio na lei fiscal que permita o seu acolhimento. Os terrenos pela sua natureza não estão sujeitos a deperecimento salvo os terrenos de exploração destinados a entulheiras os quais perdem valor respectivamente em função do esgotamento ou em função da superfície degradada pelo que os terrenos em apreço (submersos) não configuram nenhuma daquelas excepções, ou seja, estas depreciações não são aceites como custos para efeitos fiscais por se entender que os mesmos não sofrem qualquer deperecimento nos termos da alínea b) do n° 1 do art.º 33° do CIRC. Deste modo, e devida uma correcção positiva ao lucro tributável da empresa no montante de € 2.225.121,17.

g) Notificada que foi quanto ao projecto do relatório a Impugnante não exerceu o direito de audição,

h) Na sequência do relatório elaborado e conclusões descritas em f), em 22/12/2014 foi emitida a liquidação com o n° 201489100…… referente a IRC do exercício de 2013 apurando imposto a pagar pela Impugnante respectivamente no valor de 62.292,66 €.

i) Não se conformando com esta nota de liquidação apresentou, em 17/04/2015, reclamação graciosa contra a mesma.

j) Sobre esta recaiu despacho, em 08/05/2015, pelo Director de Finanças em regime de substituição, de indeferimento do reclamado;

k) No se conformando com a mesma apresentou, em 21/07/2015, petição inicial que deu origem aos presentes autos;

l) Contabilisticamente a Impugnante enquadrou a generalidade dos bens afetos ao Empreendimento de Fins Múltiplos de A… enquanto ativos fixos tangíveis até 01/01/2010;

m) Após essa data tais bens foram reclassificados como ativos intangíveis conforme previsto na IFRIC 12 (I…F…R…I…C… nº 12).


*

Nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

n) Por contrato de concessão celebrado em 7 de Outubro de 2007 foi concessionada à recorrente, em regime de exclusivo, pelo prazo de 75 anos, a gestão do Empreendimento de Fins Múltiplos do A… (EFMA), bem como a utilização do domínio público hídrico afecto a tal empreendimento, para fins de rega e exploração hidroeléctrica.

o) Os imóveis integrantes da área geográfica do EFMA, que não integravam, na data referida na alínea anterior, o domínio público hídrico, foram expropriados, tendo a recorrente suportado os custos da expropriação;

p) Nos termos da cláusula 7.ª do contrato referido em n), consideram-se afectos à concessão os imóveis adquiridos pela recorrente por via do direito privado ou mediante expropriação.

q) Nos termos da cláusula 8.ª a água das albufeiras, os seus leitos e margens, assim como as infra-estruturas que integram o sistema primário do empreendimento de fins múltiplos de A…. integram o domínio público do Estado.

r) Nos termos do n.º 2 da cláusula 9.ª, os bens que não pertençam ao Estado revertem para este no termo da concessão, sem qualquer indemnização e livres de quaisquer ónus ou encargos;

s) Nos termos da cláusula 24.º, n.os 5, 6 e 9, as receitas da recorrente provêm da cobrança de taxas sobre a utilização privada dos recursos hídricos e das taxas administrativas devidas pela atribuição de títulos de utilização;

t) A recorrente solicitou à DGCI “autorização para utilizar um método de amortização diferente do estipulado no Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro” (fls. 16 do P.A.)

u) Em relação a esse pedido foi prestada informação, transcrita no relatório de inspecção tributária ao exercício de 2013 e já referida supra em d);

v) Nessa informação consta, além do mais, o seguinte:

“9. Entre os bens a amortizar verifica-se que a requerente pretende incluir os terrenos submersos, pois entende que pela natureza da sua utilização perderam todo o valor comercial e não constituem, assim, um investimento recuperável num prazo controlável. Do mesmo modo, a Aldeia da L… constitui um investimento não recuperável, pelo que o seu custo deve ser amortizado ao longo da vida útil do empreendimento.

(…)

Os terrenos pela sua natureza não estão sujeitos a deperecimento, salvo os terrenos de exploração e os destinados a entulheiras os quais perdem valor, respectivamente, em função do esgotamento ou em função da superfície degradada, pelo que os terrenos em apreço, (submersos), não configuram nenhuma daquelas excepções.

Quanto à Aldeia da L… entendemos que o gasto incorrido com a sua construção foi necessário à execução do empreendimento, pelo que nos parece ser de aceitar a sua amortização.

w) A referida informação mereceu despacho de concordância da Subdirectora Geral de 04-10-2012;

x) No relatório de inspecção tributária ao exercício de 2013 é referido o seguinte:

“Da consulta aos elementos da contabilidade, verificamos que a empresa depreciou e considerou como gasto do exercício do ano de 2013, relativamente aos terrenos submersos, o montante de € 2.225.121,17 (…)

Face ao exposto, a depreciação dos terrenos não tem relevância em termos fiscais e não há qualquer apoio na lei que permita o seu acolhimento. Os terrenos pela sua natureza não estão sujeitos a deperecimento, salvo os terrenos de exploração e os destinados a entulheiras os quais perdem valor, respectivamente, em função do esgotamento ou em função da superfície degradada, pelo que os terrenos em apreço, (submersos), não configuram nenhuma daquelas excepções, ou seja, estas depreciações não são aceites como custos para efeitos fiscais por se entender que os mesmos não sofrem qualquer deperecimento, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. Deste modo é devida uma correcção positiva ao lucro tributável da empresa no ano de 2013, no montante de € 2.225.121,17. (…)”

y) Por despacho do Director de Finanças de Beja de 12-12-2014 foi determinada a matéria colectável para o exercício de 2013 no montante de - € 6.310.986,96 “em resultado das correcções operadas por desconsideração do método de amortização diferente do estipulado no D. Regulamentar n.º 2/90 de 12 de Janeiro, no que concerne ao valor dos terrenos submersos”.

z) Por carta de datada de 20-01-2011 a Comissão de Normalização Contabilística comunicou à recorrente que a IFRIC 12 é aplicável ao contrato de concessão (fls. 35 dos autos).

aa) Na liquidação referida supra em h) foi corrigido o prejuízo fiscal apresentado pela recorrente, para menos, no montante de € 2. 225.121,17, tendo sido apurado um prejuízo fiscal de € 6.310.986,96.

bb) A reclamação referida em i) supra constitui o doc. de fls. 4 e ss. do PA, (cujo teor se dá aqui por reproduzido), constando do artigo 23.º o seguinte: “Pelo exposto, nos termos do artigo 13.º do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro e das Cláusulas 8.ª e 9.ª do Contrato de Concessão, considerando que os terrenos amortizados, bem como todos os bens integrados no Empreendimento de Fins Múltiplos do A…. reverterão para o Estado no final do Contrato, estão cumpridos todos os requisitos legais para a aceitação da amortização como custo fiscal, não devendo ser efectuada qualquer correcção em sede de IRC”.

cc) Da informação que sobre essa reclamação recaiu não consta qualquer referência ao normativo referido na alínea anterior. »


***


Responder à questão, acima reproduzida, formulada pela formação preliminar, transporta-nos para o campo da matéria da regulamentação fiscal das depreciações e amortizações (reintegrações), em cédula de IRC.

Neste ambiente, a primeira (e generalista) ideia a reter, é a de que se cuida do tratamento, na perspetiva fiscal, a dar aos elementos do ativo imobilizado, por contraposição do ativo circulante, de uma empresa, identificando-se aqueles como os constitutivos da parte tendencialmente permanente do património desta, adquiridos e/ou produzidos não para serem, por si, alienados, mas, servirem como instrumentos para o exercício da respetiva atividade.

Seguidamente, esquadrinhado o conjunto normativo, nuclear, enformador da matéria em apreço, é possível isolar este rol de premissas (com interesse e relevo, para o thema decidendum):

- na determinação do lucro tributável, em conformidade com o artigo (art.) 17.º, são dedutíveis os gastos correspondentes a depreciações e amortizações - art. 23.º n.ºs 1 e 2 alínea (al.) g) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC);

- somente, são aceites como gastos as depreciações e amortizações respeitantes a elementos do ativo (imobilizado) sujeitos a deperecimento, concretamente, entre outros, não relevantes in casu, os ativos fixos tangíveis e os ativos intangíveis (Entram nesta categoria (antes, “activo imobilizado incorpóreo”), seguramente, as despesas com projetos de desenvolvimento e os elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo.) - art. 29.º n.º 1 al. a) do CIRC;

- têm-se por sujeitos a deperecimento, os ativos que, sistematicamente, sofram perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo - n.º 2 do mesmo art. 29.º (Por outras palavras, são ativos que perecem porque “tendem a perder à medida que sofrem o natural desgaste da participação no processo produtivo ou se tornam, com a simples passagem do tempo, progressivamente inadequados para os fins tidos em vista.” - cf. J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, pág. 397.), pelo que, em princípio, só se consideram nessa situação (sujeitos a deperecimento), depois de entrarem em funcionamento ou utilização - n.º 4;

- não são aceites como gastos (para efeitos de IRC), obviamente, depreciações e amortizações de elementos do ativo não sujeitos a deperecimento, bem como, desde sempre, as depreciações de imóveis “na parte correspondente ao valor dos terrenos ou não sujeita a deperecimento” - art. 34.º n.º 1 als. a) e b) do CIRC;

- quanto aos imóveis, do valor a considerar para efeitos do cálculo das respectivas quotas de depreciação, “é excluído o valor do terreno ou, tratando-se de terrenos de exploração, a parte do respectivo valor não sujeita a deperecimento” - art. 10.º n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 de 14 de setembro (Esta redação, vigente no ano de 2013, é a, mesmíssima, do art. 11.º n.º 1 do, precedente, Decreto Regulamentar n.º 2/90 de 12 de janeiro.);

- para a hipótese, específica, da concessão de bens do Estado, os “elementos depreciáveis ou amortizáveis adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias e que, nos termos das cláusulas do contrato de concessão, sejam revertíveis no final desta, podem ser depreciados ou amortizados em função do número de anos que restem do período de concessão, quando aquele for inferior ao seu período mínimo de vida útil” - art. 12.º n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 de 14 de setembro (Com equivalente, no art. 13.º n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 2/90 de 12 de janeiro.).

Em síntese, destas máximas, é possível, desde já, retirarmos, como ideias-força, a intrínseca e intransponível, ligação entre amortização e deperecimento, em exclusivo, de certos e determinados bens, à cabeça, os ativos fixos tangíveis. Por outro lado, no que respeita ao envolvimento de imóveis, o tratamento fiscal, das respetivas depreciações e amortizações, sempre, excluiu (e continua a excluir) a relevância do valor do terreno em que se mostram implantados.

Antes de nos embrenharmos nos concretos meandros da situação julganda, importa, ainda, coligir a seguinte abordagem.

A necessidade de tratamento e consideração, de valores de amortização dos bens perecíveis teve a sua génese no âmbito do chamado “balanço comercial”, com o objetivo de evitar a sobreavaliação, persistente, do “lucro distribuível” das empresas, com a consequente possibilidade de haver lugar a distribuição de lucros aparentes e inerente redução do capital social (com repercussões a vários níveis) ou de obstar a uma eventual ocultação do valor contabilístico da empresa, por efeito da formação e acumulação das chamadas “reservas ocultas”. Mas, como é, facilmente, percetível, tal necessidade, também, se transmitiu, com, pelo menos, equivalente acuidade, para o campo da fiscalidade, porquanto, a consideração, neste, de amortizações abaixo ou acima dos valores daqueles que resultassem de mensuração pelos parâmetros contabilísticos iria determinar, respetivamente, mais e menos imposto a pagar, por efeito da criação, artificial, de aumento do lucro tributável ou de custo dedutível.

Assim, sem prejuízo de outras cambiantes, é certo e seguro, que a regulamentação das depreciações e amortizações, imposta e pressuposta, pelo art. 31.º n.º 1 do CIRC, se apresenta balizada por esta proximidade e interdependência, de elementos contabilísticos e parâmetros fiscais (Inequivocamente, neste sentido, encontramos os seguintes considerandos, no preâmbulo do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 de 14 de setembro: «

Na sequência da alteração do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (abreviadamente designado por Código do IRC), destinada a adaptar as regras de determinação do lucro tributável ao enquadramento contabilístico resultante da adopção das normas internacionais de contabilidade (NIC), nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, bem como da aprovação do Novo Sistema de Normalização Contabilística (SNC), que adaptou as NIC na ordem jurídica interna, importa rever o regime regulamentar das depreciações e amortizações, adaptando-o a este novo contexto.
(…).
Assim se dá cumprimento, por um lado, à preocupação de aproximação entre fiscalidade e contabilidade e à necessidade de evitar constrangimentos à plena adopção das NIC, e, por outro, ao intuito reformador que presidiu à alteração do quadro jurídico nacional em matéria contabilística.
(…).
Elimina -se, igualmente, a exigência de evidenciar separadamente na contabilidade a parte do valor dos imóveis correspondente ao terreno, transferindo-se essa exigência para o processo de documentação fiscal;»), mas, sem manifestações, evidências, de qualquer prevalência, destacadamente, dos primeiros sobre os segundos.

O aresto recorrido, sem olvidar a demais fundamentação jurídica, decidiu julgar procedente a impugnação judicial (revogando a sentença recorrida), apoiando-se, determinantemente, nesta, umbilical, ligação da matéria das depreciações e amortizações ao tratamento contabilístico dos elementos do ativo sujeitos a deperecimento, com o acrescento da ideia de que esse balanço comercial, obrigatoriamente, respeitador das regras contabilísticas internacionais, se impõe ao pertinente quadro enformador, em matéria fiscal.

Nessa linha, expendeu-se, aí: «

(…).

2.2.4. - Coloca-se então a seguinte questão: que tipo de tratamento contabilístico e fiscal deve ser dado aos terrenos submersos pelas águas da barragem do A…, que constituem a base do respectivo reservatório de água?

Como decorre do anteriormente exposto, estamos perante uma concessão de serviço público, visando o desenvolvimento, financiamento, operação e manutenção das infraestruturas supra referidas, as quais revertem para o Estado no fim do período da concessão.

Em relação às infraestruturas do sistema primário do EFMA, não foi prevista no diploma qualquer retribuição específica por parte do Estado, sendo a recorrente remunerada através de receitas de exploração baseadas em modelo tarifário aprovado pelo Conselho de Ministros (art.º 11.º). Trata-se, pois, de uma concessão do tipo BOT (build-operate-transfer) ou ROT (rehabilitate-operate-transfer).

Dado que as IFRS (I.F.R.S) não se debruçavam sobre o tratamento contabilístico a dar às infraestruturas do tipo daquelas aqui em causa, inicialmente o IFRIC (I.F.R.I.Committee) publicou notas interpretativas sobre esse tratamento e, posteriormente, em 30-11-2006, emitiu a IFRIC 12 -Service Concession Arrangements, que a União Europeia adoptou através do Regulamento (CE) n.º 254/2009, de 25 de Março.

Conforme decorre do considerando 2 deste Regulamento a “IFRIC 12 é uma interpretação que esclarece a forma como devem ser aplicadas as disposições das Normas Internacionais de Relato Financeiro (IFRS) já aprovadas pela Comissão a acordos de concessão de serviços. A IFRIC 12 explica como deve ser reconhecida nas contas do concessionário a infra-estrutura subordinada ao acordo de concessão de serviços. Esclarece igualmente a distinção existente entre as diversas fases de um acordo de concessão de serviços (construção/ exploração) e a forma como o rédito e os gastos devem ser reconhecidos em cada caso. Distingue dois modos de reconhecer a infra-estrutura e o rédito e os gastos conexos («modelos» de activo financeiro e de activo intangível), em função do grau de incerteza a que se encontra exposto o rédito futuro do concessionário”.

A IFRIC 12 passou a ser obrigatoriamente aplicada pelas empresas, o mais tardar a partir da data de início do seu primeiro exercício financeiro que começou após a data de entrada em vigor do regulamento (art.º 2.º do Regulamento 254/2009), ou seja, a partir de 29 de Março de 2009.

A interpretação veiculada pela IFRIC 12 provocou emendas à Norma Internacional de Relato Financeiro n.º 1 (IFRS 1), Interpretação n.º 4 do IFRIC (IFRIC 4) e I.F.R.I. Committee n.º 29 (SIC 29).

Mas a IFRIC 12 não define o que seja um contrato de concessão de serviços públicos. Todavia, é possível do seu § 3 inferir as características típicas de tais contratos:

-  Em primeiro lugar o contrato de concessão deve prever que a utilização da infraestrutura concessionada é destinada a fins de interesse geral.

-  Depois, o contrato entre o concedente (grantor) e o concessionário (operator), deve prever as condições de remuneração deste, a sua própria duração e o tipo de serviços a prestar pelo concessionário, os fornecimentos a que este fica adstrito e prever o controlo residual da infraestrutura no final da concessão, usualmente através da sua devolução ao concedente a custo zero.

Em resumo, como referem Bruno Gonçalo Carvalho Gomes e Hélder Viegas da Silva, “[a] IFRIC 12 aplica-se aos acordos de concessão de serviços pelo sector público ao privado sempre que sejam cumpridos os requisitos do parágrafo 5 da interpretação:

a. A entidade concedente controla ou regulamenta os serviços que o concessionário deve prestar com as infra-estruturas, a quem os deve prestar e a que preço;

b. A entidade concedente controla - através da propriedade, de direitos de beneficiário ou de outro modo - qualquer interesse residual significativo nas infraestruturas no final da vigência do acordo”, ou como resumem, a aplicação da IFRIC 12 “depende de três pontos-chave, decorrentes da primeira alínea: controlo e regulamentação e a quem o serviço deve ser prestado e da segunda alínea: controlo através de interesse residual significativo”.

Portanto, o âmbito de aplicação da IFRIC 12 “é definido em função do controlo da infraestrutura concessionada por parte do concedente. Controlo de preços, controlo de serviços, controlo residual, constituem formas de controlo previstas pela IFRIC 12 e que servem para enquadrar, no âmbito da interpretação determinado contrato ou actividade”.

2.2.5. As características supra aludidas permitem dizer que a IFRIC 12 é aplicável ao caso presente, em que existe um controlo ou regulamentação, pelo concedente, da forma de prestação dos serviços das infraestruturas concessionadas, que residualmente lhe serão atribuídas/devolvidas no final do contrato sem qualquer contrapartida, e em relação às quais a recorrente incorreu em despesas relacionadas com a sua aquisição, construção, modificação ou reabilitação, das quais é reembolsada a partir do momento em que estas ficaram disponíveis para serem utilizadas e através das receitas geradas com a aplicação do tarifário definido pelo concedente, que assim controla os preços dos serviços prestados.

Mas, tendo em conta a distinção operada pela cláusula 8.ª do contrato de concessão e atenta a definição legal de infraestrutura (art.º 41º do Decreto-Lei n.º 46/94), é evidente que os terrenos em causa não podem ser considerados como fazendo parte da infraestrutura “barragem” nem eles próprios podem ser classificados como tal.

Portanto, a pergunta que se coloca é a de saber se a IFRIC 12 deve ser aplicada ao tratamento contabilístico desses terrenos.

2.2.6. O reconhecimento do(s) terrenos submersos

A IFRIC 12 “aplica-se aos acordos de concessão de serviços do sector público ao privado, se:

(a) A entidade concedente controla ou regulamenta os serviços que o concessionário deve prestar com as infraestruturas, a quem os deve prestar e a que preço;

(a) b) A entidade concedente controla - através da propriedade, de direitos de beneficiário ou de outro modo qualquer interesse residual significativo nas infra-estruturas no final da vigência do acordo (cfr. § 5).

No caso presente verificam-se estas duas condições: o Estado fixa as condições de exploração do EFMA e as tarifas a cobrar pela recorrente e, no final da concessão, recebe sem dar quaisquer contrapartidas, as infraestruturas e demais imóveis integrantes da concessão.

Portanto, e como de resto já se salientou, a conclusão óbvia a extrair é de que a IFRIC 12 é aplicável à concessão dos autos, como de resto foi reconhecido pela Comissão de Normalização Contabilística.

Sendo assim, como devem ser contabilisticamente reconhecidos os terrenos submersos, que como já se viu não podem nem devem ser considerados como infraestruturas nem integrando as mesmas?

Embora não integrando a infraestrutura “barragem”, tais imóveis são imprescindíveis ao funcionamento desta, dado que sendo terrenos submersos pelas águas das barragens, constituem o leito e as margens das respectivas albufeiras [cfr. supra, 2.1, al. q)].

Isto é, tais terrenos constituem o leito e as encostas do reservatório da barragem, onde se acumulam as massas de águas que são essenciais para fazer funcionar as turbinas da mesma e, portanto, para a produção de energia eléctrica, bem como para o aproveitamento da água para fins de rega.

Como tais terrenos integram o domínio público hídrico e como, no final da concessão, revertem para o Estado sem qualquer contrapartida da parte deste, então o reconhecimento contabilístico de tais terrenos deve ser feito nos mesmos termos das infraestruturas, as quais, que de harmonia com o § 11 da IFRIC 12, não devem ser reconhecidas pelo concessionário como seus activos fixos tangíveis “dado que o acordo de prestação contratual de serviços não confere ao concessionário o direito de controlar o uso das infraestruturas de serviço público. O concessionário tem [apenas] acesso às infra-estruturas, a fim de prestar o serviço público por conta da entidade concedente, de acordo com as condições especificadas no contrato”.

Ora, o § 12 da IFRIC 12 prevê:

Nos termos dos acordos contratuais concluídos, abrangidos pela presente interpretação, o concessionário actua como um prestador de serviços. O concessionário constrói ou valoriza as infra-estruturas (serviços de construção ou de valorização) utilizadas para prestar um serviço público e opera e mantém essas infra-estruturas (serviços operacionais) durante um período especificado

Por sua vez o § 13 da IFRIC 12 estipula:

O concessionário deve reconhecer e mensurar o rédito, de acordo com as IAS 11 e 18, relativamente aos serviços que presta. Caso o concessionário preste mais do que um serviço (ou seja, serviços de construção ou de valorização e serviços operacionais) no quadro de um único contrato ou acordo, a retribuição recebida ou a receber deve ser imputada por referência aos justos valores relativos dos serviços prestados, quando as quantias forem identificáveis separadamente. A natureza da retribuição determina o seu tratamento contabilístico subsequente. A contabilização subsequente da retribuição recebida como um activo financeiro e como um activo intangível encontra-se descrita em pormenor nos parágrafos 23-26” (…).

No caso em apreço a recorrente presta mais do que um serviço (ou seja, presta serviços de construção ou de valorização e serviços operacionais) no quadro de um único contrato ou acordo, recebendo réditos provenientes das taxas de recursos hídricos que cobra aos particulares.

Atendendo à sua própria natureza, tais réditos não podem ser imputados, separadamente, a cada um dos serviços acima referidos. Consequentemente o seu tratamento contabilístico deve ser unitário.

Dispõe quanto a este aspecto o § 15 da IFRIC 12:

Caso o concessionário preste serviços de construção ou de valorização, a retribuição recebida ou a receber pelo concessionário deve ser reconhecida pelo seu justo valor. A retribuição pode corresponder a direitos sobre:

(a) Um activo financeiro;

(b) Um activo intangível”.

Corresponderá a um activo financeiro se o concessionário tiver “um direito contratual incondicional de receber dinheiro ou outro activo financeiro relativamente aos serviços de construção, da parte da entidade concedente, ou segundo as instruções desta” (§ 16).

Como decorre da matéria de facto a retribuição da concessionária, no caso presente, provém da cobrança de taxas a particulares, pelo que não tem qualquer direito contratual incondicional a receber dinheiro ou outro activo financeiro. Donde, o reconhecimento dos réditos como ativos financeiros não ser o adequado.

A retribuição corresponderá a um activo intangível se ao concessionário lhe for “conferido o direito (licença) de cobrar um preço aos utentes do serviço público. O direito de impor um pagamento aos utentes do serviço público não é um direito incondicional de receber dinheiro, dado que as quantias dependem da medida em que o público utiliza o serviço” (§ 17).

Ora, como já se salientou, a retribuição da concessionária provém da cobrança de taxas, cujo montante global pode ser variável em função do número de utentes, do grau de pluviosidade, etc.

Aplicando ao caso presente verifica-se que a retribuição deve ser reconhecida como um ativo fixo intangível, na medida em que a recorrente apenas tem o direito, contratual e legalmente reconhecido, de cobrar um preço aos utentes pelos serviços que presta, segundo as tarifas aprovadas pelo concedente.

Os réditos devem então ser reconhecida pelo justo valor. Contabilisticamente, o justo valor equivale à quantia pela qual um activo pode ser trocado ou um passivo liquidado, entre partes suficientemente informadas e independentes entre si, dispostas a efectuar a correspondente transacção, ou, como definido na Norma Contabilística e de Relato Financeiro 6 (NCFR 6), “a quantia pela qual um activo pode ser trocado ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e dispostas a isso, numa transacção em que não exista relacionamento entre elas”.

2.2.7. A depreciação dos ativos fixos intangíveis numa perspectiva contabilística

Aqui chegados, a questão a que importa dar resposta é a seguinte: podem ou não tais activos intangíveis ser depreciados ao longo dos anos até que se esgote o seu valor no termo da concessão, quando as infraestruturas são devolvidas ao concedente, como pretende a recorrente?

Vejamos, primeiro, de um ponto de vista contabilístico.

De harmonia com o § 26 da IFRIC 12, “[a] IAS 38 aplica-se aos activos intangíveis reconhecidos de acordo com os parágrafos 17 e 18”.

Nos termos do § 8 da NCFR 6, relativa aos activos intangíveis e que tem por base a Norma Internacional de Contabilidade IAS 38 - Activos Intangíveis, adoptada pelo Regulamento (CE) n.º 2236/2004, da Comissão, de 29 de Dezembro, com as alterações dos Regulamentos (CE) n.º 211/2005, da Comissão, de 4 de Fevereiro e n.º 1910/2005, da Comissão, de 8 de Novembro, e a SIC 29 – Divulgações de Acordos de Concessão de Serviços, adoptada pelo Regulamento (CE) n.º 1725/2003, da Comissão, de 21 de Setembro, o activo é um recurso:

(a) controlado por uma entidade como resultado de acontecimentos passados; e

(b) do qual se espera que fluam benefícios económicos futuros para a entidade

Sendo que activo intangível é um activo não monetário identificável sem substância física.

A mesma NCFR 6 define amortização como “a imputação sistemática da quantia depreciável de um activo intangível durante a sua vida útil”. Significa, portanto, que um activo intangível é (pode) ser depreciado ao longo da sua vida útil. Com efeito, de harmonia com § 89 da NCFR 6 “[a] contabilização de um activo intangível baseia-se na sua vida útil. Um activo intangível com uma vida útil finita é amortizado (…), e um activo intangível com uma vida útil indefinida não o é”.

O termo da vida útil do ativo intangível coincide, no caso presente, com o termo da concessão, quando as infraestruturas são transferidas ao concedente e deixa de existir direito ao recebimento da remuneração (cobrança das tarifas) pelos serviços prestados. Valem neste caso as regras contidas nos §§ 97 a 99 da NCFR 6, ou seja, a quantia depreciável deve ser imputada numa base sistemática durante a vida útil, devendo a amortização começar quando o activo estiver disponível para uso, i.e. quando estiver na localização e condição necessárias para que seja capaz de operar da forma pretendida e deve cessar na data em que findar a concessão, devendo a amortização ser reconhecida nos resultados.

2.2.8. A depreciação dos terrenos submersos numa perspectiva fiscal

Para a recorrida Fazenda Pública não é possível que os terrenos submersos das barragens do A… e P… sejam objecto de depreciação, porquanto o art.º 10.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009 estipula que “No caso de imóveis, do valor a considerar nos termos do artigo 2.º, para efeitos do cálculo das respectivas quotas de depreciação, é excluído o valor do terreno ou, tratando-se de terrenos de exploração, a parte do respectivo valor não sujeita a deperecimento”.

Esta argumentação parte de uma premissa que se nos afigura errada: a de que se trata de meros terrenos sem afectação quando, na verdade, se trata de terrenos afectos à exploração industrial de energia hidroeléctrica e ou de aproveitamento de água para rega.

Em regra, um imóvel deve ser classificado como um activo fixo tangível. No caso de um edifício, por exemplo, a contabilização deve ser feita de forma separada, visto que o valor do edifício propriamente dito está sujeito a depreciação (cfr. § 50 da NCRF 7), enquanto o respectivo terreno não, conforme aliás se prevê no § 58 da NCRF 7.

Mas, como já vimos, o caso dos autos é um caso particular, porque todas as infraestruturas e terrenos, designadamente os submersos, não podem ser abatidos (por natureza) nem alienados. Como revertem para o Estado no termo da concessão, sem que a concessionária tenha direito a receber qualquer contrapartida financeira ou avaliável em dinheiro, não é realizado qualquer valor nesse momento.

É por isso que a IFRIC 12 determina que as infraestruturas não devem ser reconhecidos como activos fixos tangíveis, visto que a concessionária não tem poder de disposição sobre eles nem os pode colocar no mercado no termo da concessão.

Donde, o reembolso do respectivo custo através da cobrança das tarifas pela concessionária corresponder a um activo intangível, na acepção do § 17 da IFRIC 12. E como tal, depreciável nos termos já explanados.

O artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, prevê, sobre a epígrafe “Activos revertíveis” que:

(…).

O art.º 12.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, que revogou e substituiu o anterior, prevê, sob a epígrafe “Activos revertíveis” que:

(…).

Quer o artigo 13.º do Dec.-Reg. n.º 2/90, quer o artigo 12.º do Dec.-Reg. n.º 25/2009, só se compreendem, quando comparados com o art.º 1.º do respectivo diploma, que tratam das “Condições gerais de aceitação das depreciações e amortizações”, numa relação de especialidade, introduzindo um desvio à regra de que só podem ser objecto de depreciação ou amortização os elementos do activo sujeitos a deperecimento em função da sua vida útil.

É que a aplicação, quer do primeiro quer do segundo não depende do deperecimento mas tão-somente da depreciação ou amortização dos elementos do activo. Como a depreciação significa o registo contabilístico da redução do valor dos bens pelo desgaste ou perda de utilidade por uso e a amortização o reconhecimento da perda do valor do ativo ao longo do tempo, não se confundem com deperecimento, cujo significado, para utilizar a argumentação da informação que precedeu o despacho que indeferiu a reclamação graciosa da recorrente, é o seguinte: “deperecer, v. intr. significa “Perecer pouco a pouco, definhar (De de+perder) e deperecimento, s.m. ato ou efeito de deperecer, desfalecimento gradual, consumpção”.

Portanto, não existindo equivalência entre deperecimento, por um lado, e depreciação ou amortização, por outro, para que o n.º 12.º, n.º 1, do Dec.-Reg. n.º 2/90 se aplique ao caso dos autos basta que os elementos do activo sejam depreciáveis ou amortizáveis, ainda que não sejam deperecíveis.

Por outro lado, o art.º 12.º, n.º 1, não faz depender a depreciação ou amortização da vida útil do elemento quando esta é mais longa que o prazo da concessão, mas sim deste prazo se os elementos do ativo da concessionária reverterem para o concedente no termo da concessão.

Cremos, por isso, que foi de caso pensado que o legislador do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 editou esta norma, pois não podia desconhecer a realidade subjacente à maioria, senão mesmo à totalidade, das concessões, em que os bens que as integram revertem no seu termo para a entidade concedente sem quaisquer contrapartidas e livres de ónus ou encargos.

Aliás, não é irrelevante que a informação a que supra se aludiu nem sequer se refira à norma equivalente do Dec.-Reg. n.º 2/90, apesar de expressamente invocada pela recorrente na sua reclamação graciosa.

Donde, a depreciação ou amortização dos terrenos submersos em causa ser possível ao abrigo do disposto no art.º 12.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro.

De resto, como se acima se referiu, tais terrenos não podem ser encarados como meros terrenos sem afectação, mas antes como terrenos destinados a exploração, uma vez que são essenciais para o funcionamento das barragens e, consequentemente, à produção de energia eléctrica e ao aproveitamento de água.

Aliás, tal como foi reconhecido pela própria AT quanto à Aldeia da L...: “Quanto à Aldeia da L... entendemos que o gasto incorrido com a sua construção foi necessário à execução do empreendimento, pelo que nos parece ser de aceitar a sua amortização”.

Parece evidente, como de resto se referiu no acórdão de 31-01-2012, deste tribunal, em que se afirma que «os custos com a submersão da “antiga” Aldeia da L…, a reconstrução de uma “nova” Aldeia da L… (…) fazem parte integrante do empreendimento do A…», que há total semelhança (e no caso presente até por maioria de razão) entre os gastos incorridos pela recorrente com a “reconstrução” da Aldeia da L… e os gastos em que incorreu com a aquisição dos terrenos submersos por via de direito privado e por expropriação, os quais não pode transaccionar no termo da concessão.

O que sempre imporia um tratamento fiscal diferente daquele que a AT adoptou.

Nesta óptica, ao contrário do sustentado pela recorrida, não há qualquer contraditoriedade entre as normas contabilísticas e as normas fiscais, sendo a interpretação que se nos afigura correta plenamente compatível com o disposto no artigo 17.º do Código do IRC.

(…). »

Ponderado este conjunto argumentativo, emergem, na nossa leitura e avaliação, as seguintes ideias, estruturantes, do judiciado no TCAS:

- a Interpretação 12 do International Financial Reporting Interpretations Committee (IFRIC), acronimizada como IFRIC 12 (Mandada aplicar a todas as empresas (de todos os Estados-membros da UE), pelo art. 2.º do Regulamento (CE) N.º 254/2009 da Comissão, de 25 de março de 2009, a partir, pelo menos, da data de início do primeiro exercício financeiro começado após 29 de março de 2009.), foi valorada, pelo tribunal recorrido, como destinada a explicar, em primeira linha, a forma de reconhecer, nas contas de um concessionário, a infraestrutura objeto do acordo de concessão, bem como, a distinguir dois modos de reconhecer essa mesma infraestrutura e, ainda, de separar o rédito e os gastos conexos;

- embora, a IFRIC 12 tenha sido considerada aplicável ao caso presente, imediatamente, aflorou a constatação de que, por força do clausulado no competente contrato de concessão (do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA)), os terrenos submersos (e expropriados pela impugnante) não podiam fazer parte da infraestrutura “barragem” e nem ser classificados como tal (infraestrutura);

- com este impedimento, sustentou-se, então, a ideia de que “não integrando a infraestrutura “barragem”, tais imóveis são imprescindíveis ao funcionamento desta, dado que sendo terrenos submersos pelas águas das barragens, constituem o leito e as margens das respectivas albufeiras” e, em função do tipo de retribuição da concessionária (aqui, rda), considerou-se que a mesma (retribuição) configurava um “ativo fixo intangível (“(…). Aplicando ao caso presente verifica-se que a retribuição deve ser reconhecida como um ativo fixo intangível, na medida em que a recorrente apenas tem o direito, contratual e legalmente reconhecido, de cobrar um preço aos utentes pelos serviços que presta, segundo as tarifas aprovadas pelo concedente.”);

- firmada esta conclusão, o aresto sob análise, empreendeu, em seguida, responder à questão de saber se “podem ou não tais activos intangíveis ser depreciados ao longo dos anos até que se esgote o seu valor no termo da concessão, quando as infraestruturas são devolvidas ao concedente,…”, tarefa desenvolvida dum ponto de vista contabilístico e numa perspetiva fiscal;

- no primeiro, concluiu que um ativo intangível é e pode ser depreciado ao longo da sua vida útil, correspondendo este, no caso presente, ao termo da concessão;

- na segunda, defendeu, com particular relevo, que, não podendo, por aplicação da IFRIC 12, ser as infraestruturas (concessionadas) reconhecidas como ativos fixos tangíveis, decorre que “o reembolso do respectivo custo através da cobrança das tarifas pela concessionária” tem de corresponder a um ativo intangível e, como tal, depreciável (Esta afirmação surge, ainda, complementada, com uma distinção entre “deperecimento”, por um lado e “depreciação ou amortização”, por outro.).

Efetivando a necessária crítica, afigura-se-nos serem evidentes as dificuldades das diversas soluções, parcelares, segmentadas, avançadas na decisão recorrida.

Assim, desde logo, não existem dúvidas de que a IFRIC 12 (ultrapassada, por facilidade de raciocínio, a questão de se é ou não aplicável à situação em apreço), destinando-se, em primeira linha, a explicar “como deve ser reconhecida nas contas do concessionário a infra-estrutura subordinada ao acordo de concessão de serviços (Cf. Considerando (2) do Regulamento (CE) N.º 254/2009 da Comissão, de 25 de março de 2009.), versa, entre outras, a questão do “Tratamento contabilístico de um activo financeiro e de um activo intangível”, estabelecendo que o “concessionário deve reconhecer um activo financeiro na medida em que tenha um direito contratual incondicional de receber dinheiro ou outro activo financeiro relativamente aos serviços de construção, da parte da entidade concedente, ou segundo as instruções desta. (…). O concessionário tem um direito incondicional de receber dinheiro, caso a entidade concedente garanta contratualmente o pagamento ao concessionário do seguinte: (a) quantias especificadas ou determináveis ou (b) a diferença que subsista entre as quantias recebidas dos utentes do serviço público e as quantias especificadas ou determináveis, mesmo que o pagamento dependa do facto de o concessionário assegurar que as infra-estruturas respeitem requisitos especificados em matéria de qualidade ou eficiência.”, bem como, que “o concessionário deve reconhecer um activo intangível na medida em que lhe seja conferido o direito (licença) de cobrar um preço aos utentes do serviço público. O direito de impor um pagamento aos utentes do serviço público não é um direito incondicional de receber dinheiro, dado que as quantias dependem da medida em que o público utiliza o serviço.”. Neste cenário, é imperiosa a conclusão de que a versada IFRIC 12, no tocante a esta questão concreta, versa, exclusivamente, o tratamento, contabilístico, de “réditos”, ou seja, de proveitos/ganhos, esclarecendo que os mesmos podem ser reconhecidos, na contabilidade e de acordo com a IAS 39 (Como: “(a) Um empréstimo ou conta a receber; (b) Um activo financeiro disponível para venda; (c) Caso assim designados no reconhecimento inicial, um activo financeiro pelo justo valor por via dos resultados, se forem satisfeitas as condições para essa classificação”.), como ativos financeiros e/ou como ativos intangíveis (em conformidade com a IAS 38), grosso modo, em função do grau de incerteza da respetiva perceção. Daqui, decorre, consequentemente, julgarmos ilegítima a construção, do tribunal recorrido, no sentido de que retribuição da concessionária (aqui, rda) tenha de ser configurada e contabilizada, apenas, como um “ativo fixo intangível”, servindo este de argumento base/suporte para, posteriormente, tratar da mesma forma os terrenos submersos.

Por outro lado, no que a estes, em exclusivo, respeita, não podemos acompanhar o entendimento que evolui de os mesmos não serem infraestrutura (mais, nem poderem ser classificados como tal) para, em função de uma afirmação lógica de que tais “imóveis” são imprescindíveis ao funcionamento da barragem, constituindo o leito e as margens desta, serem catalogados e tratados, contabilisticamente, como ativos fixos intangíveis e, portanto, depreciáveis.

Mas, concedendo que, assim fosse (devesse ser), numa perspetiva contabilística, o verdadeiro nó górdio reside no tratamento, ao nível fiscal, das amortizações, contabilizadas pela impugnante/rda, relativamente ao exercício de 2013, dos intitulados “terrenos submersos”, em particular, aqueles que a concessionária teve de expropriar e foram colhidos/cobertos pelas águas da albufeira.

Como supra anotámos, nos casos específicos das concessões do Estado, a regulamentação fiscal das depreciações e amortizações, em IRC, integra a regra, privativa, de que “Os elementos depreciáveis ou amortizáveis adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias e que, nos termos das cláusulas do contrato de concessão, sejam revertíveis no final desta, podem ser depreciados ou amortizados em função do número de anos que restem do período de concessão, quando aquele for inferior ao seu período mínimo de vida útil”, por força do disposto no art. 12.º n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 de 14 de setembro; que tem a epígrafe, sugestiva, de “Activos revertíveis”.

Obviamente, a previsão deste normativo não pode ser lida e operada, prescindindo da respetiva inserção no coligido diploma, como um todo, o que, para nós, implica a assunção das regras (atuantes, in casu) que passamos a elencar:

- os elementos (do ativo imobilizado) adquiridos ou produzidos, por entidades concessionárias e revertíveis no final da concessão, somente, podem ser objeto de amortização, os sujeitos a deperecimento, nomeadamente, os ativos fixos tangíveis e os ativos intangíveis;

- constituindo esses elementos adquiridos ou produzidos (nestes, facilmente, se enquadram, havendo, os expropriados) bens imóveis, o cálculo, das pertinentes quotas de depreciação, é feito com exclusão do valor do terreno, em que os mesmos se encontrem implantados/instalados - art. 10.º n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 de 14 de setembro (No caso, específico, dos “terrenos de exploração”, em antinomia, sintomática, o legislador admite, implicitamente, a contrario, a amortização da parte, do respetivo valor, sujeita a deperecimento.);

- em complemento e expandindo, esta regra, por princípio, não são aceites como gastos (para efeitos de IRC), desde sempre, as depreciações de imóveis “na parte correspondente ao valor dos terrenos ou não sujeita a deperecimento” - art. 34.º n.º 1 al. b) do CIRC.

Em suma, para todas as empresas, incluindo concessionárias de bens públicos, as, possíveis (em conformidade com os critérios legais aplicáveis), amortizações, referentes a bens imóveis, não abrangem o valor dos terrenos que os suportem (nem a(s) parte(s) desses mesmos imóveis não sujeita(s) a depreciação); com ressalva de terrenos de exploração (por ex., pedreiras…), relativamente aos quais, em qualquer caso, são aceites amortizações do valor sujeito a deperecimento.

Mais, podendo, na prática, todas as empresas contabilizar, nomeadamente, por razões extrafiscais (como as de rigor do balanço), amortizações respeitantes a terrenos dos seus imóveis, impõe-se, a posteriori, não considerar e declarar, os correspondentes valores como custos dedutíveis ao lucro tributável.


Posto isto, não podemos, de modo algum, acolher o entendimento, sustentado no acórdão recorrido, de que “…, quer o artigo 12.º do Dec.-Reg. n.º 25/2009, só se compreendem, quando comparados com o art.º 1.º do respectivo diploma, que tratam das “Condições gerais de aceitação das depreciações e amortizações”, numa relação de especialidade, introduzindo um desvio à regra de que só podem ser objecto de depreciação ou amortização os elementos do activo sujeitos a deperecimento em função da sua vida útil.

É que a aplicação, quer do primeiro quer do segundo não depende do deperecimento mas tão-somente da depreciação ou amortização dos elementos do activo.

(…).

…, não existindo equivalência entre deperecimento, por um lado, e depreciação ou amortização, por outro, para que o n.º 12.º, n.º 1, do Dec.-Reg. n.º 2/90 se aplique ao caso dos autos basta que os elementos do activo sejam depreciáveis ou amortizáveis, ainda que não sejam deperecíveis.”.

Além de não ser percetível o jogo semântico efetuado (Entendemos significar o mesmo (no quadro do diploma legislativo em apreço) “… ser objecto de depreciação ou amortização os elementos do activo sujeitos a deperecimento” e “elementos depreciáveis ou amortizáveis adquiridos ou produzidos…”.), é evidente que a aplicação, do art. 12.º n.º 1 do versado Decreto Regulamentar, tem de, por um lado, respeitar as especificidades decorrentes de tratar do regime aplicável a “entidades concessionárias” e, por outro, conjugar essas particularidades com o demais espírito do diploma, bem como, com a disciplina, generalista, abstrata, da matéria, consagrada no CIRC.

Com isto queremos significar, concretizando, que o funcionamento do visado art. 12.º n.º 1 (e, n.ºs 2 e 3) não pode colocar em causa outras regras, positivadas no Decreto Regulamentar n.º 25/2009 de 14 de setembro e no CIRC, casuisticamente, as que, como regra geral, excluem a amortização, fiscal, dos terrenos em que se achem implantados imóveis das empresas, suscetíveis de abaterem esse custo nas parcelas restantes.

Acresce, não encontramos qualquer justificação, sem prejuízo, claro, de não descartarmos existirem particularidades no caso de terrenos expropriados, por empresa concessionária de um empreendimento hidroelétrio, entretanto, submergidos, para lhes possibilitar, em sede de IRC, um regime de amortização diferente do operável para todos os demais terrenos (submersos ou não), propriedade de outro tipo de empresas. Ou seja, se a impugnante (rda) fosse proprietária de um empreendimento do género, explorando-o sem necessidade de qualquer concessão do Estado, não poderia amortizar os terrenos que tivesse tido necessidade de comprar (ou expropriar) para instalação da infraestrutura, pelo que, tal possibilidade não pode só decorrer, sem mais, da circunstância de os terrenos da concessionária serem revertíveis para o concedente no final do contrato de concessão.

Efetivamente, resulta do antes exposto que, a impossibilidade de amortização dos terrenos (exceto os de exploração) decorre, única e simplesmente, do facto de o legislador os haver considerado como elementos do ativo não sujeitos a deperecimento; vulgo, o terreno em que está instalada uma fábrica é sempre o mesmo, mantém as mesmas características e utilidades, independentemente, do uso da unidade fabril e dos anos por que o mesmo se estenda.

Julgamos, portanto, não existir qualquer conforto legal, para acomodar e operar um regime de amortização, ao nível do IRC (Sem prejuízo do (possível) funcionamento da IFRIC 12, em sede de contabilidade.), com uma brecha destinada, privativamente, aos terrenos submersos (e/ou outros) de uma barragem, cuja exploração foi concessionada pelo Estado (aliás, a uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos).

A esta conclusão nada opõe (não a prejudica), o ensaio realizado, no aresto recorrido (Reavivado, pela rda, quando, nas suas contra-alegações, conclui que “… o custo suportado pela Z……… pela aquisição destes terrenos tem necessariamente que ser aceite como custo fiscal, porquanto o EFMA, enquanto um todo indivisível, é todo ele indispensável à manutenção da fonte produtora da Z…., ao abrigo do disposto no artigo 23º do Código do IRC.”.), de legitimação da dedução operada, pela impugnante, da amortização dos terrenos submersos, no exercício de 2013, sob o argumento de que os mesmos “não podem ser encarados como meros terrenos sem afectação, mas antes como terrenos destinados a exploração, uma vez que são essenciais para o funcionamento das barragens e, consequentemente, à produção de energia eléctrica e ao aproveitamento de água”, com o acrescento do tratamento que terá sido dado, pela AT, à Aldeia da Luz, no sentido de que “o gasto incorrido com a sua construção foi necessário à execução do empreendimento, pelo que nos parece ser de aceitar a sua amortização.”.

Não merece qualquer tipo de contestação ou reserva, afirmar que, nos termos do art. 23.º n.º 1 do CIRC (na redação vigente no ano de 2013), se consideravam “gastos os que comprovadamente (fossem) indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, nomeadamente, as depreciações e amortizações. Contudo, esta previsão legal, concedente ao sujeito passivo da possibilidade, legal, de deduzir, ao lucro tributável, “gastos”, não constituía (nem constitui) um cheque em branco, a preencher com a mera afirmação de que os disputados terrenos submersos “são essenciais para o funcionamento das barragens e, consequentemente, à produção de energia eléctrica e ao aproveitamento de água”, percebe-se, são “indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. É que, além de, dum modo geral, não bastar, para o efeito, uma mera declaração, impondo-se a comprovação, casuística, dessa indispensabilidade, no caso das depreciações e amortizações, como vimos, importa respeitar algumas outras regras, de aplicação restrita a tal tipo de gastos. Assim, embora, seja empírico que uma barragem não pode funcionar (nem existiria) sem os terrenos em que se encontra fixada e ocupados com a albufeira, uma desejada amortização relativa ao valor daqueles não é possível, porque afastada por outra normação, complementar e conexionada com a apontada regra geral, fixada no art. 23.º n.º 1 do CIRC (Na mesma linha e obedecendo ao mesmo tipo de raciocínio, o legislador introduziu, a partir de 1 de janeiro de 2014, uma lista de encargos não dedutíveis para efeitos ficais, isto é, para determinação do lucro tributável, “mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação” - cf. art. 23.º-A do CIRC.).

Neste ponto, estamos, pois, em condições de responder, à questão formulada pela formação preliminar, afirmando que valores contabilizados a título de amortização de terrenos, incluindo os expropriados e submersos, integrantes da bacia/albufeira de barragem objeto de contrato de concessão, por parte do Estado, tal como, os dos terrenos em geral, não são dedutíveis para efeitos fiscais, concretamente, para determinação do lucro tributável, nos termos do art. 17.º do CIRC.

Antes de decidir, em conformidade com esta afirmação, importa consignar que, não obstante a, incontornável, revogação do acórdão sob crítica, não podemos, desde já, restaurar, na íntegra, o julgado em 1.ª instância, porquanto, continua a pender a questão, que aquele não solucionou, por considerar prejudicada, pelo sentido do decidido, relativa “aos prejuízos fiscais desconsiderados pela correcção que deu origem à Liquidação acima referida, …” - cf. ponto 2.2.9. Assim, sem prejuízo do sentido da decisão desta revista e das repercussões a retirar da mesma, impõe-se que o tribunal recorrido aprecie e decida tal aspeto, enquanto questão suscitada no recurso da impugnante (aqui, rda).

Finalmente, tendo o valor desta causa sido fixado (sem crítica das partes) em € 2.225.121,17, presente o disposto no art. 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), sopesadas a conduta, não censurável, dos intervenientes processuais, a complexidade da causa, decorrente da respetiva novidade e cuidado a ter com o facto de a solução preconizada ser abrangente, com projeção futura, bem como, a (des)proporcionalidade entre o serviço prestado e o valor que seria devido se o pagamento da taxa de justiça fosse integral, justifica-se dispensar este, na parte em que excede € 275.000, na proporção de 75%.


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# III.


Pelo congregado destes fundamentos, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- conceder provimento ao recurso (revista excecional);

- revogar o acórdão recorrido;

- determinar a volta do processo, ao TCAS, para os fins acabados de identificar.


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Custas pela recorrida, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça em 75%.

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[texto redigido em meio informático e revisto]


Lisboa, 28 de abril de 2021. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.