Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0913/20.3BEPRT
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:Justifica-se a admissão de revista, atento o interesse social fundamental da questão decidenda, de acórdão do TCA que confirmou o julgado segundo o qual a garantia prestada pelo responsável subsidiário não deve ser somada à do devedor originário para apurar da suficiência da garantia em ordem à suspensão da execução fiscal, não sendo ilegal a posterior penhora de rendimentos do devedor originário.
Nº Convencional:JSTA000P26732
Nº do Documento:SA2202011180913/20
Data de Entrada:10/30/2020
Recorrente:A......., LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -

1 – A…………, Lda, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 10 de setembro de 2020, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgara improcedente reclamação judicial do ato de penhora de rendas, ao qual foi atribuído o número de pedido de penhora 318220200000000440, no montante de €1.163.722,68, praticado pelo órgão da execução fiscal.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

1.ª Entende a Recorrente que estão verificados os requisitos de que depende a admissão do presente recurso de revista;

2.ª Em face do decidido em segundo grau de jurisdição, considera a Recorrente verificar-se a violação de lei processual e de lei substantiva na interpretação dos artigos 4.º, 18.º, 22.º, 23.º, 52.º e 55.º da LGT, em conjugação com os artigos 46.º, 153.º, 169.º e 199.º do CPPT, e ainda com os artigos 18.º, n.º 2, 103.º, 104.º e 266.º da CRP, colocando-se a questão de saber se, numa situação como a da Recorrente, em que perante um processo de execução fiscal coexistem devedor principal e devedor subsidiário, para efeitos da suspensão desse processo de execução fiscal, deve o órgão de execução fiscal agir de modo a duplicar as garantias constituídas à ordem daquele processo, considerando-se que a suspensão do mesmo se afere autonomamente por referência a cada um dos devedores em apreço e, nessa medida, legitima-se a duplicidade de garantias ordenadas à ordem do mesmo processo mas constituídas por sujeitos distintos, como entendeu o Tribunal, ou, como entende a Recorrente, deve entender-se que perante a existência de garantia idónea que – objetivamente – assegure (se necessário) o pagamento da totalidade da dívida, independentemente de quem a prestou, aquela deve ser considerada válida perante todos os responsáveis?;

3.ª Resulta evidente a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal Administrativo no caso em apreço, impondo-se a revista para uma melhor aplicação do Direito e por se tratar de uma questão de importância jurídica e social fundamental;

4.ª No caso sub judice, a necessidade da revista para uma melhor aplicação do Direito assenta, desde logo, no facto de estarem em causa duas decisões – uma proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e outra em sede de recurso jurisdicional junto do Tribunal Central Administrativo Norte - em que os tribunais, com o devido respeito, interpretaram de modo incorreto os artigos 18.º, 22.º, 23.º e 52.º da LGT e 169.º e 199.º do CPPT em função da situação concretamente determinada;

5.ª Ambas as decisões se pronunciaram no sentido de em face de um processo executivo em que apenas a garantia prestada pelo devedor subsidiário cobre a totalidade da dívida exequenda, aquele processo não pode considerar-se suspenso na esfera jurídica do devedor originário e nessa medida atos adicionais de cobrança coerciva contra o devedor originários são legítimos, inexistindo excesso ou desproporção na atuação da administração tributária;

6.ª Não está em causa um simples erro de julgamento, mas um erro manifestamente ostensivo e grosseiro, aqui consubstanciado no facto de o Tribunal não interpretar cabalmente os vários regimes jurídicos que se convocam perante a presente situação, em concreto, o regime da suspensão do processo executivo e a sua harmonização com o regime da reversão;

7.ª É claramente necessária a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para evitar que esta má interpretação dos artigos 18.º, 22.º, 23.º e 52.º da LGT e 169.º e 199.º do CPPT, se consolide na ordem jurídica e que seja aplicável em todas as situações em que perante o mesmo processo de execução fiscal coexistam devedor originário e devedor subsidiário, criando uma disparidade de tratamento entre contribuintes;

8.ª No que se refere à relevância jurídica fundamental, que se manifesta, por um lado, na complexidade das operações jurídicas indispensáveis à resolução do caso e, por outro lado, na capacidade de expansão da controvérsia, impõe-se ao Tribunal a interpretação de um conjunto de preceitos, recorrendo aos vários elementos interpretativos das normas;

9.ª Estando em causa interpretação de uma multiplicidade de normas e de regimes jurídicos, é necessário, além disso, ter em consideração o entendimento dos Tribunais, com especial enfoque no modus operandi do benefício da excussão prévia e do impacto que isso tem no desenrolar do processo de execução fiscal, trata-se de interpretação particularmente complexa que o Tribunal Central Administrativo Norte, com o devido respeito, não efetuou cabalmente;

10.ª Não se trata de uma mera operação de interpretação de determinada norma jurídica, mas de uma interpretação integrada que, até à data e com o devido respeito, os tribunais superiores não efetuaram de forma completa e consistente;

11.ª Atendendo aos conceitos em presença e às disposições normativas aplicáveis, é inequívoco para a Recorrente a existência de uma complexidade jurídica superior à comum que justifica a admissão do presente recurso de revista;

12.ª Para além disso, saliente-se que não vigora até esta data uma corrente uniforme de jurisprudência proferida pelos tribunais superiores quanto a esta questão;

13.ª Atendendo a que a questão em apreço tem passado e é suscetível de passar pela jurisprudência dos tribunais superiores, entende a Recorrente que é evidente a possibilidade de repetição da questão em casos futuros, em termos de expansão da controvérsia;

14.ª A decisão sobre a questão não é meramente teórica e tem inerentes efeitos práticos, com claro reflexo para o contribuinte;

15.ª Estando em causa a interpretação de normas que conferem efeito suspensivo do processo de execução fiscal, o entendimento acolhido irá bulir com o património dos contribuintes que poderá vir a ser afetado desnecessariamente e de modo desproporcional, pois, a firmar-se o entendimento do Tribunal Central Administrativo Norte, sujeitos na situação da Recorrente verão o seu património afetado;

16.ª Atendendo a que esta é uma questão que não se encontra resolvida na jurisprudência considera a Recorrente que o risco de persistirem e ocorrerem diversas situações deste tipo é bastante elevado;

17.ª É por forma a evitar esta situação com relevante impacto ao nível da situação tributária dos contribuintes que se impõe a revista;

18.ª A questão interpretativa coloca-se, assim, numa abundância de situações e ao longo dos tempos, com referência a diversos contribuintes, pelo que se afigura inequívoca também a relevância social de importância fundamental (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.11.2014, proferido no processo n.º 141/14-30);

19.ª Considera a Recorrente que a interpretação proferida nos presentes autos, em clara violação da lei, por perfilhar aceção contrária ao próprio espírito do legislador tributário, é suscetível de se aplicar em numerosos novos litígios administrativos e judiciais, e inclusivamente originá-los, gerando uma avultada incerteza e instabilidade e fazendo antever como objetivamente útil a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo;

20.ª Estão, assim, preenchidos os requisitos necessários à admissibilidade do recurso previsto no artigo 285.º do CPPT (anterior artigo 150.º do CPTA);

21.ª Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o douto acórdão recorrido decidiu em violação do disposto nos artigos 4.º, 18.º, 22.º, 23.º, 52.º e 55.º da LGT, em conjugação com os artigos 46.º, 153.º, 169.º e 199.º do CPPT, e ainda com os artigos 18.º, n.º 2, 103.º, 104.º e 266.º da CRP;

22.ª No caso sub judice, terá de considerar-se que os processos de execução fiscal se encontram suspensos tanto na esfera do devedor originário como na esfera do devedor subsidiário em virtude de ter sido constituída garantia idónea sobre a totalidade do valor em dívida;

23.ª É esta a interpretação que mantem a coerência do sistema jurídico-tributário e que respeita a legalidade das normas aplicáveis;

24.ª Olhando à letra do artigo 169.º do CPPT não se especifica nem o tipo de garantia, nem o sujeito que poderá prestar tal garantia, sendo certo que o único requisito que se exige é que o processo de execução fiscal tenha uma garantia idónea associada, tal como previsto nos artigos 195.º a 199.º do CPPT;

25.ª Assim, independentemente de pela mesma dívida estarem a responder dois sujeitos distintos – devedor originário e detentor da capacidade contributiva, e o seu gerente, devedor subsidiário, em virtude de ter sido concretizada a reversão –, é reconhecido que a dívida em apreço é apenas uma, sendo igualmente apenas um o processo de execução fiscal, pelo que é evidente que se a dívida exequenda se encontra objetivamente totalmente garantida (independentemente de quem prestou tais garantias), o respetivo processo de execução fiscal terá de considerar-se suspenso nos termos do artigo 169.º do CPPT;

26.ª Não se refere em qualquer disposição legal que a garantia que suspende o processo de execução fiscal se afere por referência a cada um dos sujeitos que a prestem ao invés de se aferir tendo por referência única e exclusivamente o processo de execução fiscal instaurado para a cobrança da dívida (que, reitere-se, é uma só!);

27.ª Devido ao instituto jurídico da reversão, no que ora releva, previsto nos artigos 22.º, n.º 4, 23.º e 24.º da LGT e 153.º, n.º 2, do CPPT, é possível, em caso de fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, que um terceiro alheio às manifestações de capacidade contributiva (pressuposto do imposto) seja responsabilizado pelo pagamento das dívidas de outrem, não obstante ser pacífico que nas situações de reversão a capacidade contributiva inerente ao imposto em dívida é una e pertence ao devedor originário;

28.ª Precisamente por a dívida objeto de reversão ser apenas uma e atendendo à responsabilidade somente subsidiária do revertido, prevê o n.º 2 do artigo 23.º da LGT o benefício da excussão prévia;

29.ª No entanto, o benefício da excussão prévia no âmbito do processo de execução fiscal encontra-se mitigado porquanto tem sido entendimento pacífico a admissão da reversão com as demais consequências antes mesmo do esgotamento efetivo dos bens do devedor originário;

30.ª Com efeito, contrariamente à sua ratio – cobrança efetiva de dívidas em termos práticos –, a reversão constitui na maioria das vezes um mecanismo de garantia preventiva para a cobrança da dívida;

31.ª A jurisprudência tributária tem sido unânime e concordante com este entendimento, como se afere pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.10.2016, proferido no âmbito do processo n.º 0287/16, no âmbito do qual ficou assente que “A Lei não faz, pois, depender a reversão, da prévia excussão dos bens do devedor originário. Fá-la depender, isso sim, da inexistência ou da fundada insuficiência de tais bens, fundada insuficiência esta que, de acordo com a lei (cfr. a alínea b) do artigo 153.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT), se apura de acordo com os elementos constantes do auto de penhora ou outros de que o órgão da execução fiscal disponha”;

32.ª Além disso, a jurisprudência tributária vai mesmo mais longe, destacando que nos casos de fundada insuficiência patrimonial do devedor “(…) a reversão contra o(s) responsável(eis) subsidiário tem lugar imediatamente (n.º 2 do artigo 23.º da LGT), mas, por efeito do benefício de excussão prévia do património do executado, que constitui uma garantia do revertido, o processo de execução fiscal fica, por efeito da lei (do n.º 3 do artigo 23.º da LGT), automaticamente suspenso após a reversão em relação ao revertido (estamos, pois, perante uma suspensão que opera ope legis) pelo período que durar a excussão do património do devedor originário e caberá ao órgão de execução fiscal, que está vinculado por lei a este efeito e que não pode prosseguir neste caso com qualquer acto no âmbito daquele processo (incluindo a penhora), caso pretenda acautelar o futuro pagamento da dívida tributária, lançar mão de providências cautelares (artigo 51.º da LGT), das quais o revertido se poderá defender nos termos do disposto no artigo 144.º do CPPT” (cf. Acórdão do mesmo Supremo Tribunal Administrativo de 21.11.2019, proferido no âmbito do processo n.º 0892/19.0BEBRG).

33.ª Se assim não se entendesse, enquanto a responsabilidade do devedor originário não estivesse consolidada não poderia efetivar-se a reversão;

34.ª Atendendo à finalidade garantística que se tem conferido à reversão, a partir do momento em que aquela se concretize e o revertido preste garantia à ordem do processo de execução fiscal, então, objetivamente, a dívida exequenda passa a estar garantida e, consequentemente, o processo de execução fiscal ficou suspenso quanto a ambos os sujeitos;

35.ª Acresce que, é igualmente pacífico que as garantias constituídas à ordem de processos de execução fiscal deverão ser apreciadas objetivamente, pelo que independentemente do sujeito que as constitui – que poderá ser o sujeito passivo/devedor ou um terceiro alheio à dívida – a administração tributária apenas poderá avaliar a idoneidade da garantia, concretamente, a suscetibilidade do bem dado como garantia responder pelo integral pagamento da dívida exequenda e do acrescido (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 26.09.2020, proferido no âmbito do processo n.º 00632/19.3BEPRT);

36.ª Ademais, note-se que, após a reversão – e independentemente de a legalidade de a dívida se encontrar a ser discutida – o responsável subsidiário tem a possibilidade de proceder ao pagamento da dívida e com isso até beneficiar da isenção de custas e de juros de mora liquidados tal como previsto no n.º 5 do artigo 23.º da LGT;

37.ª Ora, precisamente porque a dívida tributária é só uma, sem prejuízo de a responsabilidade pelo seu pagamento poder ser imputada a mais que um sujeito, na sequência do pagamento efetuado pelo revertido o processo de execução fiscal extingue-se. E extingue-se contra ambos! Não se fazendo qualquer distinção entre o tipo de responsabilidade de cada um dos sujeitos, mesmo na eventualidade de a legalidade da dívida ainda ser controvertida e de existir a possibilidade de a mesma vir a ser anulada e de o pagamento efetuado pelo revertido afinal não ter fundamento legal, pelo que não se poderá fazer distinção entre as garantias constituídas à ordem do processo de execução fiscal, devendo interpretar-se os artigos 18.º, 22.º, 23.º e 52.º da LGT e 169.º e 199.º do CPPT no sentido de que estando a legalidade da dívida a ser discutida e existindo garantia idónea que assegure a totalidade da dívida em apreço e que permita ao Estado (sujeito ativo da relação jurídico-tributária) solver a dívida, então, o processo de execução fiscal deverá considerar-se suspenso;

38.ª Deve destacar-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 08.05.2013, proferido no âmbito do processo n.º 0593/13, refere que “Nos casos em que existem dois executados responsáveis solidários pela dívida exequenda que deduziram oposições contra a mesma execução e em que só um deles presta garantia para assegurar o pagamento da totalidade da dívida e dos acréscimos legais, devem os efeitos suspensivos da garantia prestada sobre a execução estender-se ao outro executado oponente”, devendo este entendimento ser inteiramente aplicável na situação sub judice;

39.ª A propósito da constituição de garantia, recorde-se que nos termos do artigo 199.º, n.º 6, do CPPT, o valor a garantir é somente o valor da única dívida que originou a instauração do processo de execução fiscal, ou seja, inexiste qualquer norma que legitime que nas situações de reversão fiscal a mesma dívida seja duplamente garantida, tanto na esfera do devedor originário como na esfera do devedor subsidiário;

40.ª Neste contexto, se no âmbito da reversão é constituída uma garantia pelo devedor subsidiário para suspender os processos de execução fiscal contra ele revertidos, tal garantia deverá ser considerada não para efeitos de pagamento efetivo da dívida – porquanto esse pagamento depende da excussão do património do devedor originário – mas antes para promover a suspensão do processo de execução fiscal em toda a sua extensão, enquanto a sua legalidade não se tiver consolidado na ordem jurídico-tributária;

41.ª Aliás, reitere-se que a garantia prestada pelo revertido constitui um prejuízo para o seu património, prejuízo esse que, na eventualidade de não ter o condão de suspender os processos de execução fiscal – contra si e contra o devedor originário – tornará todos os atos de cobrança coerciva efetuados à posteriori manifestamente desproporcionais;

42.ª Com efeito, se a reversão tem uma finalidade garantística e se o efetivo pagamento por parte do devedor subsidiário depende da verificação do benefício da excussão prévia, o qual se realizará numa fase posterior à sindicância da sua legalidade, então terá de admitir-se a suspensão in totum do processo de execução fiscal sob pena de violação do princípio da proporcionalidade decorrente dos n.ºs 10 e 11 do artigo 199.º do CPPT e se encontra consagrado nos artigos 55.º da LGT e 46.º do CPPT e, ainda, nos artigos 18.º, n.º 2, e 266.º ambos da CRP;

43.ª Em face da colisão do direito de arrecadação de receita da administração tributária e do direito à propriedade privada dos sujeitos passivos – nos quais se incluem devedores originários e devedores subsidiários – deverá prevalecer o direito à propriedade privada, em virtude da aplicação do princípio da proporcionalidade, que deverá moldar toda e qualquer a atuação da administração;

44.ª Se a dívida em execução tributária se encontra já garantida pela sua totalidade, qual a necessidade de a administração tributária lançar mão de mais um ato de cobrança coerciva (recorde-se, a penhora de rendas contra a qual a Reclamante reclamou)? Nenhuma, pelo que é evidente que tal ato da administração tributária é desnecessário e desproporcional, e, por conseguinte viola os artigos 55.º da LGT, 46.º do CPPT, 7.º do CPA e 266.º, n.º 2, e 18-º, n.º 2, da CRP;

45.ª No que concerne à questão interpretativa que se pretende clarificar com o presente recurso de revista – saber se, numa situação como a do Recorrente, em que está em causa um processo de execução fiscal e em que já foi promovida a reversão contra o gerente, a garantia prestada pelo gerente serve para suspender a execução somente na sua esfera jurídica, ou, verificando-se os pressupostos previstos no artigo 169.º do CPPT, nomeadamente e objetivamente a constituição de uma garantia idónea no âmbito do processo de execução fiscal, a execução fica totalmente suspensa perante quaisquer sujeitos a quem seja imputada a responsabilidade pelo seu pagamento? –, é evidente que a resposta terá de ser a de que, nos termos do artigo 169.º do CPPT e tendo em consideração as normas jurídicas que regulam a reversão e o processo de constituição de garantia, o processo de execução fiscal se deve considerar suspenso perante quaisquer sujeitos a quem seja imputada a responsabilidade pelo seu pagamento desde que a legalidade da dívida esteja a ser discutida judicialmente e exista uma garantia idónea;

46.ª Em face do exposto, não pode acompanhar-se o entendimento do acórdão recorrido, impondo-se a sua revogação e a sua substituição por outro que julgue procedente o recurso.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso de revista ser admitido, devendo ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido da não admissão da revista, com a seguinte fundamentação específica:

Como resulta das alegações de recurso, a recorrente pretende que o STA reaprecie a questão de saber se a suspensão da execução fiscal determinada pela prestação de garantia por parte do revertido, seu sócio-gerente, lhe é oponível, enquanto devedora principal, de molde a determinar a ilegalidade da executada penhora das rendas.

Ressalvado, o devido respeito pela posição da recorrente, aliás, doutamente, sustentada, afigura-se que o presente recurso excepcional de revista não deverá ser admitido.

Vejamos.

Está em causa a questão de saber se a suspensão da execução fiscal determinada pela prestação de garantia por parte do revertido, sócio-gerente da recorrente é, também, oponível à recorrente, enquanto devedora principal.

Ora, o douto acórdão recorrido sustentou que não, mantendo a decisão de 1.ª instância, sendo certo que o MP junto da ambas as instâncias sustentou idêntica posição.

Com todo o respeito pela opinião da recorrente, afigura-se-nos manifesto que o aresto sindicado não tratou a questão em causa de forma ostensivamente errada, como aquela sugere.

Pelo contrário, a nosso ver, a decisão recorrida é, absolutamente, plausível e parece-nos seguir, até, a jurisprudência existente sobre a matéria.

Resulta, de forma clara, dos normativos do artigo 23.º da LGT que o revertido, devedor subsidiário, só responde pela dívida exequenda para além do que o património do devedor principal não puder acautelar.

Trata-se, pois, de uma responsabilidade subsidiária.

A jurisprudência, nos casos de pluralidade de executados, sustenta que a suspensão da execução resultante da prestação de garantia, ainda que só por algum dos executados, aproveita a todos quando sejam solidariamente responsáveis pela dívida exequenda, como é o caso dos devedores subsidiários entre si (acórdãos do STA, de 14/06/1995-Rec. 018631 e de 08/05/2013-Rec. 0593/13 e do TCAN, de 11/05/2006-Rec. 00569/05, disponíveis em www.dgsi.pt).

Esta posição da jurisprudência tem como fundamento substancial o facto de na obrigação solidária cada um dos devedores responder pela prestação integral e esta a todos liberar (artigo 512.º/1 do CC).

Ora, a recorrente e o revertido, seu gerente, não são, entre si, solidariamente responsáveis pela dívida exequenda.

O revertido não é parte nos presentes autos de RAOEF, sendo certo que até tem interesse objetivo na penhora das rendas, pois fica diminuída ou, eventualmente, excluída a sua responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda.

Assim sendo, com todo o respeito pela opinião da recorrente, a interpretação dos normativos que têm de ser convocados para decidir a questão controvertida não se afigura particularmente complexa, de modo a fundamentar a admissão do presente recurso excepcional de revista.

Por fim diga-se que as alegadas inconstitucionalidades não constituem fundamento do recurso excecional de revista, uma vez que as questões de constitucionalidade podem discutir-se (e só podem discutir-se definitivamente) em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade (acórdãos do STA, de 10/09/2014-P. 0659/14 e de 25/06/2015-P. 0567/15, disponíveis em www.dgsi.pt).

Não se verificam pois, em nosso entendimento e ressalvado melhor juízo, os pressupostos para admissão do presente recurso excepcional de revista.

4 – Dá-se por reproduzido, para todos os legais efeitos, o probatório fixado no acórdão recorrido (fls. 6 a 10 da respectiva numeração autónoma).


- Fundamentação -

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão do TCA sob escrutínio negou provimento ao recurso interposto pela ora recorrente da sentença do TAF do Porto que julgara improcedente a reclamação judicial que deduzira do acto do órgão de execução fiscal de penhora de rendas.

Entende a recorrente que estando a quantia exequenda integralmente garantida pela soma da sua garantia com a prestada pelo responsável subsidiário, a penhora é ilegal e violadora do princípio da proporcionalidade, tendo as instâncias incorrido em erro ostensivo e grosseiro ao assim não entender, mais alegando que a questão de saber se numa situação como a da Recorrente, em que perante um processo de execução fiscal coexistem devedor principal e devedor subsidiário, para efeitos da suspensão desse processo de execução fiscal, deve o órgão de execução fiscal agir de modo a duplicar as garantias constituídas à ordem daquele processo, considerando-se que a suspensão do mesmo se afere autonomamente por referência a cada um dos devedores em apreço e, nessa medida, legitima-se a duplicidade de garantias ordenadas à ordem do mesmo processo mas constituídas por sujeitos distintos, como entendeu o Tribunal, ou, como entende a Recorrente, deve entender-se que perante a existência de garantia idónea que – objetivamente – assegure (se necessário) o pagamento da totalidade da dívida, independentemente de quem a prestou, aquela deve ser considerada válida perante todos os responsáveis? se reveste de importância jurídica e social fundamentais.

A resposta que o TCA deu à questão decidenda não é ostensivamente errada e juridicamente insustentável, como alega a recorrente, antes se afigura plenamente plausível, atendendo à natureza da responsabilidade subsidiária e respectiva extensão.

Não obstante, concedemos que o reexame da questão pelo órgão de cúpula da jurisdição possa contribuir para uma maior certeza do direito e consequente de maior segurança jurídica – tanto dos contribuintes como da AT -, no âmbito de institutos jurídicos que amiúde reclamam a intervenção dos Tribunais da jurisdição e do domínio dos quais uma intervenção clarificadora do STA possa servir de paradigma para a resolução de futuros casos similares.

Assim, atendendo à relevância social fundamental da questão decidenda, vai a revista admitida.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso de revista.

Custas a final recorrente.

Lisboa, 18 de Novembro de 2020. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.