Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0363/14
Data do Acordão:04/09/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:INTIMAÇÃO PARA COMPORTAMENTO
SITUAÇÃO TRIBUTÁRIA
EFEITO SUSPENSIVO
RECLAMAÇÃO
Sumário:I – Tem a situação tributária regularizada o executado que, tendo deduzido impugnação judicial contra a liquidação da dívida exequenda, logrou a suspensão da execução fiscal em virtude de penhora que garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido (cf. art. 169.º, n.º 1, do CPPT).
II – Ainda que ulteriormente o órgão da execução fiscal tenha considerado que o valor dos bens penhorados deixou de garantir a dívida exequenda e o acrescido e tenha notificado o executado para reforçar a garantia, deve considerar-se que a execução fiscal se mantém suspensa enquanto não estiver decidida a reclamação judicial que o executado deduziu contra essa decisão do órgão da execução fiscal, reclamação que tem subida imediata a tribunal e efeito suspensivo (cf. art. 278.º do CPPT).
III – Porque o efeito suspensivo da reclamação judicial dos despachos do órgão de execução fiscal que consideraram insuficiente o valor dos bens oferecidos como garantia implica a manutenção do estado de suspensão dos processos de execução fiscal até à decisão final de tais reclamações, tendo o contribuinte requerido a emissão de declaração comprovativa da regularidade da sua situação tributária, o serviço de finanças tem a obrigação legal de lho emitir e, se o não fizer voluntariamente, pode ser judicialmente intimado para o efeito.
Nº Convencional:JSTA00068656
Nº do Documento:SA2201404090363
Data de Entrada:03/24/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - INTIMAÇÃO
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART276 ART278 ART169 N12.
DL 236/95 DE 1995/09/13 ART2.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional de despacho proferido no processo de intimação para um comportamento com o n.º 653/13.0BEAVR

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença da Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que intimou o Chefe do Serviço de Finanças de Anadia a passar a declaração requerida pela sociedade denominada “A………………. S.A.” (a seguir Requerente, Executada ou Recorrida), atestando a regularidade da situação tributária da sociedade.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso a Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «

1- Os requisitos de que depende o reconhecimento da situação tributária regularizada encontram-se previstos no n.º 12 do art. 169.º do CPPT e art. 2.º do DL 236/95, de 13/09.

2- De ambas as normas ressalta que a situação tributária regularizada pressupõe a suspensão do processo executivo mediante a prestação/constituição de garantia idónea ou a dispensa da mesma.

3- O reconhecimento da situação tributária regularizada pressupõe, assim, a existência de uma decisão definitiva sobre a aceitação da garantia prestada/constituída ou a dispensa da mesma.

4- No caso, a decisão sobre a garantia prestada encontra-se pendente de apreciação das reclamações intentadas nos termos do art. 276.º do CPPT.

5- Só com a decisão sobre as ditas reclamações, caso seja obtida procedência, é que se poderá considerar a execução fiscal suspensa.

6- O efeito suspensivo atribuído às reclamações nos termos do art. 276.º do CPPT, nos casos em que é invocado prejuízo irreparável e se verifique a subida imediata das mesmas, impossibilita o órgão da execução fiscal de prosseguir com a cobrança da dívida e, consequentemente de praticar actos no processo, mas não constitui a Reclamante numa situação de regularização tributária.

Nos termos vindos de expor e nos que V. Exas. sempre mui doutamente, poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a intimação totalmente improcedente, como se nos afigura estar mais consentâneo com o Direito e a Justiça» (Aqui como adiante, as partes entre aspas e em itálico são transcrições; por outro lado, em virtude do uso do itálico nas transcrições, as partes que no original surgiam em itálico figurarão em tipo normal, a fim de respeitar o destaque que lhes foi concedido pelos autores.).

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.

1.4 A Recorrida não contra alegou.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público, cujo Representante se pronunciou no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença, com a seguinte fundamentação:

«1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. 292 e segs., que julgou procedente a intimação e determinou que a administração tributária emitisse, nos termos peticionados pela Autora, a declaração de situação tributária regularizada, invocando a Fazenda Pública erro de julgamento, por no seu entender a decisão sobre a garantia prestada se encontrar pendente de apreciação das reclamações intentadas ao abrigo do disposto no artigo 276.º do CPPT. E por o efeito suspensivo dessas reclamações apenas impossibilitar o órgão de execução fiscal de prosseguir com a cobrança da dívida, mas não constituir a reclamante numa situação de regularização tributária.

2. Como se alcança da sentença recorrida, para se decidir pela procedência da acção a Mina. Juiz [do Tribunal] “a quo” deu como assente que a executada e aqui Recorrida havia apresentado reclamação dos despachos do órgão de execução fiscal, proferidos nos dois processos de execução fiscal pendentes (n.º 0035200101505220 e n.º 0035200601005464), no sentido de que o valor dos bens penhorados, após reavaliação, ser manifestamente inferior ao valor da garantia e da necessidade da executada reforçar a garantia para efeitos de suspensão da execução.
Mais deu como assente que tais processos de reclamação correm termos no mesmo tribunal, tendo sido admitidos ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º do CPPT, ou seja, com subida imediata e efeito suspensivo.
E tendo por base tais elementos e o decidido no acórdão deste tribunal exarado a fls. 117 e seguintes, conclui a Mma. Juiz [do Tribunal] “a quo” que, encontrando-se suspensas as execuções, tem «a administração tributária um dever de adoptar um comportamento tendente à emissão da pretendida declaração da situação tributária regularizada».

3. Ora, na sequência do que já deixamos exarado na nossa pronúncia de fls. 112 a 115, afigura-se-nos que a decisão recorrida está conforme o direito e deve ser confirmada.
Com efeito, pese embora o órgão de execução fiscal tenha decidido pela necessidade de reforço da garantia prestada nos dois processos de execução fiscal, após reavaliação dos bens penhorados, certo é que de tais decisões foram apresentadas reclamações com efeito suspensivo, motivo pelo qual aquela decisão não produziu os seus efeitos nos processos executivos.
E só no caso de as sentenças do tribunal tributário a proferir naqueles processos de reclamação confirmarem aquela decisão e a executada não reforçar a garantia ou prestar nova garantia idónea é que estão reunidos os pressupostos para o órgão de execução fiscal determinar o levantamento da suspensão da execução fiscal, como resulta do disposto no n.º 8 do artigo 169.º do CPPT 1 [1 Dispõe a este propósito o artigo 169.º, n.º 8, do CPPT: «Quando a garantia constituída nos termos do artigo 195.º, ou prestada nos termos do artigo 199.º, se tornar insuficiente é ordenada a notificação do executado dessa insuficiência e da obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantada a suspensão da execução»].
A situação configurada no acórdão do STA de 19/09/2012 (processo n.º 0885/12), invocado pela Recorrente nas suas alegações, não é transponível para o caso dos autos.
De facto, no referido aresto entendeu-se que «...não é com o pedido de dispensa de prestação de garantia que a situação fica regularizada, mas apenas com a decisão que definitivamente for tomada sobre ele».
Todavia, ao contrário da situação ali apreciada em que ainda não tinha ocorrido qualquer suspensão do processo de execução fiscal, no caso dos presentes autos os dois processos estão suspensos na sequência de despacho do órgão de execução fiscal que aceitou a garantia prestada em cada um deles. E a decisão que está em litígio e que aguarda resposta do tribunal é a decisão do órgão de execução fiscal sobre a necessidade de reforço dessa garantia, o que, como é óbvio, é substancialmente diferente.
Ou seja, enquanto não houver decisão definitiva sobre a necessidade de reforço da garantia, mantém-se a anterior decisão sobre a idoneidade da mesma e sobre a suspensão do processo. Ou como se deixou exarado no acórdão deste Tribunal a fls. 117: «Daí que se entenda que o efeito suspensivo da reclamação judicial despachos do órgão de execução fiscal que consideraram insuficientes o valor dos bens oferecidos como garantia implicará a manutenção do estado de suspensão dos processos de execução fiscal até à decisão final de tais reclamações».
E nos termos do n.º 12 do artigo 169.º do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 64- B/2011, de 30 de Dezembro), “considera-se que têm a situação tributária regularizada os contribuintes que obtenham a suspensão do processo de execução fiscal nos termos do presente artigo, sem prejuízo do disposto quanto à dispensa de garantia”.
E assim sendo, carecem de fundamento legal as alegações da Recorrente, motivo pelo qual, tendo a sentença recorrida acolhido a pretensão da executada no sentido de a administração tributária ser intimada a emitir a declaração da regularização da sua situação tributária, deve a mesma ser confirmada e o recurso ser julgado improcedente».

1.6 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.7 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando decidiu que, uma vez que as execuções estão suspensas por força da interposição de impugnação judicial contra as liquidações que deram origem à dívida exequenda e pela penhora de bens, o facto de órgão da execução fiscal ter ordenado o reforço das garantias prestadas não obsta à emissão da declaração requerida pela Executada, de que tem a situação tributária regularizada, sendo que foram interpostas reclamações judiciais contras aquelas decisões administrativas, reclamações que foram admitidas para subirem a tribunal de imediato e ainda não decididas.
Dito de outro modo, a questão é a de saber se as reclamações apresentadas contra os despachos do órgão de execução fiscal que consideraram insuficientes o valor dos bens oferecidos como garantia têm efeito suspensivo e qual o âmbito desse efeito.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:

A) O Serviço de Finanças de Anadia instaurou à Autora dois processos de execução fiscal, designadamente com os n.ºs 0035200101505220 e 0035200601005464, o primeiro para cobrança de dívida relativa a IVA, suspenso em 02.05.2002, pela penhora voluntária de bens móveis e o segundo para cobrança de dívida referente a Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas, suspenso em 2006, pela penhora voluntária de bens móveis (acordo);

B) A Autora apresentou impugnações judiciais contra as liquidações a que respeitam as dívidas exequendas dos processos de execução fiscal referidos em A) (acordo);

C) O Serviço de Finanças de Anadia proferiu despacho, em cada um dos processos de execução fiscal referidos em A), no sentido de que o valor dos bens aí penhorados já não garantia a dívida exequenda e acrescido (acordo);

D) Na sequência dos despachos referidos em C), a Autora requereu, em cada um dos processos de execução fiscal referidos em A), a reavaliação dos bens aí oferecidos como garantia (acordo);

E) O Chefe do Serviço de Finanças de Anadia proferiu despacho de indeferimento dos requerimentos referidos em D), relativos ao pedido de reavaliação dos bens oferecidos como garantia nos processos de execução fiscal referidos em A) (acordo);

F) A Autora deduziu reclamação dos despachos de indeferimento referidos em E), sendo que a reclamação do despacho proferido no processo de execução fiscal n.º 0035200101505220, correu termos neste Tribunal com o n.º 283/13.6BEAVR e a reclamação do despacho proferido no processo de execução fiscal n.º 0035200601005464, correu termos neste Tribunal com o 284/13.4BEAVR (acordo e cfr. fls. 6 a 28 dos autos);

G) Nas reclamações referidas em F) foram proferidas sentenças, em 23.05.2013, no proc. n.º 283/13.6BEAVR e, em 25.06.2013, no proc. n.º 284/13.4BEAVR, transitadas em julgado, que as julgou procedentes, anulando os despachos reclamados por falta de fundamentação (acordo e cfr. fls. 6 a 28 dos autos);

H) Em 18.07.2013, por carta registada com aviso de recepção, a Autora, através do seu Mandatário, requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Anadia “(...) que ordene a passagem de certidão que ateste a situação de regularidade da situação fiscal da A………………. S.A. perante a Autoridade Tributária e Aduaneira de Portugal” (cfr. fls. 29 a 32 dos autos);

I) Em 24.07.2013, o Chefe em substituição do Serviço de Finanças de Anadia requereu a este Tribunal a devolução dos processos de execução fiscal aqui em causa (cfr. fls. 48 dos autos);

J) Em 22.08.2013, o Chefe em substituição do Serviço de Finanças de Anadia proferiu despacho no processo de execução fiscal n.º 0035200101505220, onde, em cumprimento da sentença de 23.05.2013, proferida no processo de reclamação n.º 283/13.6BEAVR, na sequência da reavaliação dos bens penhorados neste processo executivo, concluiu que o valor de tais bens é manifestamente inferior ao valor da garantia e determinou a necessidade da Autora reforçar a garantia para efeitos da suspensão da execução (cfr. fl. 49/verso e 50 dos autos);

K) Em 22.08.2013, o Chefe em substituição do Serviço de Finanças de Anadia proferiu despacho no processo de execução fiscal n.º 0035200601005464, onde, em cumprimento da sentença de 25.06.2013, proferida no processo de reclamação n.º 284/13.4BEAVR, na sequência da reavaliação dos bens penhorados neste processo executivo, concluiu que o valor de tais bens é manifestamente inferior ao valor da garantia e determinou a necessidade da Autora reforçar a garantia para efeitos da suspensão da execução (cfr. fls. 50/verso e 51 dos autos);

L) A Autora, em 06.09.2013, através de requerimento junto aos presentes autos, informou que, em 05.09.2013, enviou para o Serviço de Finanças de Anadia reclamação dos despachos referidos em J) e K) (cfr. fls. 59 dos autos);

M) A presente intimação deu entrada neste Tribunal em 12.08.2013 (cfr. fls. 1 dos autos);

N) A Autora deduziu reclamação do despacho referido em J), nos termos do artigo 276.º do CPPT, tendo invocado prejuízo irreparável e requerendo a subida e conhecimento imediatos da mesma (cfr. fls. 138 a 216 dos autos);

O) Foi admitida a subida imediata da reclamação referida em N) (cfr. fls. 217 dos autos);

P) A reclamação referida em N) corre termos na Unidade Orgânica 2, deste Tribunal, com o processo n.º 993/13.8BEAVR, tendo aí sido admitida (consulta do processo no SITAF - pág. 577), não tendo ainda sido proferida decisão (cfr. fls. 137 a 216 dos autos);

Q) A Autora deduziu reclamação do despacho referido em K), nos termos do artigo 276.º do CPPT, tendo invocado prejuízo irreparável e requerendo a subida e conhecimento imediatos da mesma (cfr. fls. 219 a 289 dos autos);

R) Foi admitida a subida imediata da reclamação referida em Q) (cfr. fls. 290 dos autos);

S) A reclamação referida em Q), corre termos na Unidade Orgânica 2, deste Tribunal, com o processo n.º 992/13.0BEAVR, tendo aí sido admitida (consulta do processo no SITAF - pág. 623), não tendo ainda sido proferida decisão (cfr. fls. 218 a 289 dos autos)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Para cobrança coerciva de dívidas de IVA e de IABA foram instauradas pelo Serviço de Finanças de Anadia duas execuções fiscais contra uma sociedade.
Esta impugnou judicialmente as liquidações que deram origem às dívidas exequendas e tendo sido penhorados bens tidos por suficientes para garantir as dívidas exequendas e os acrescidos, as referidas execuções fiscais ficaram suspensas.
Ulteriormente, o órgão da execução fiscal considerou que as penhoras tinham deixado de garantir as dívidas exequendas e acrescidos e, consequentemente, notificou a Executada para reforçar as garantias.
A Executada reclamou dessas decisões ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do CPPT, sendo que essas reclamações, em face da invocação do prejuízo irreparável que adviria para a Executada, foram admitidas para subirem imediatamente a juízo, nos termos do disposto no art. 278.º do CPPT.
Entretanto, a Executada pediu ao serviço de finanças da área da sua sede – Anadia – que lhe emitisse uma declaração comprovativa da regularidade da sua situação fiscal, o que aquele não satisfez dentro do prazo legal para o efeito.
A Executada pediu então ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que intimasse o Chefe do Serviço de Finanças de Anadia a passar a requerida declaração.
Por sentença proferida em 17 de Setembro de 2013, a Juíza daquele Tribunal julgou a intimação improcedente.
Inconformado com essa sentença, o Requerente dela recorreu para esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 18 de Dezembro de 2013 (Acórdão ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/41fe696167c396f280257c5a003fa144?OpenDocument.) (a fls. 117 a 128), a revogou para ampliação da matéria de facto, assinalando naquele aresto que se revelava imprescindível à boa decisão da causa apurar se as referidas reclamações judiciais «foram admitidas, qual o seu objecto, se foi invocado prejuízo irreparável e, sobretudo, se foi admitida a sua subida imediata».
Devolvidos os autos à 1.ª instância, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, após ter procedido à ampliação da matéria de facto nos termos que foram determinados no referido acórdão, proferiu nova sentença. Desta feita, na procedência do pedido, intimando o Chefe do Serviço de Finanças de Anadia a emitir a requerida declaração (cf. a sentença de fls. 292 a 306).
Recorre agora a Fazenda Pública, sustentando que «[o] efeito suspensivo atribuído às reclamações nos termos do art. 276.º do CPPT, nos casos em que é invocado prejuízo irreparável e se verifique a subida imediata das mesmas, impossibilita o órgão da execução fiscal de prosseguir com a cobrança da dívida e, consequentemente de praticar actos no processo, mas não constitui a Reclamante numa situação de regularização tributária».
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o efeito suspensivo que a própria Recorrente reconhece às referidas reclamações judiciais deduzidas contra os despachos do órgão de execução fiscal que consideraram insuficientes os valores dos bens oferecidos como garantia e que os mesmos deveriam ser reforçados, apenas tem como consequência a impossibilidade de prossecução das execuções fiscais ou se estende também à decisão que considerou insuficiente a garantia prestada e, por isso, que essa decisão não obsta a que seja passada à Executada a declaração que ateste a sua situação tributária regularizada.

2.2.2 DO EFEITO SUSPENSIVO DA RECLAMAÇÃO JUDICIAL

No acórdão anteriormente proferido nestes autos considerou-se decisivo averiguar se as reclamações aí referidas tinham sido deduzidas pela Executada contra as decisões do órgão da execução fiscal que lhe tinham ordenado o reforço da garantia tinham sido admitidas, se nela tinha sido invocado o prejuízo irreparável e se tinha sido admitida a sua subida imediata.
E bem se compreende porquê: o efeito suspensivo da reclamação judicial das decisões do órgão de execução fiscal que consideraram insuficientes o valor dos bens oferecidos como garantia implicará a manutenção do estado de suspensão dos processos de execução fiscal até à decisão final de tais reclamações. Na verdade, até que haja decisão transitada em julgado que considere que as garantias já prestadas nos processos de execução fiscal são insuficientes e, por isso, que é legal a decisão do órgão da execução fiscal que ordenou o seu reforço, deve considerar-se que se mantêm suspensas a execuções fiscais e, assim, que se deve ter por regularizada a situação tributária da Executada.
Note-se que, como se salientou no anterior acórdão proferido nestes autos, cuja fundamentação aqui reiteramos, resulta do art. 169.º, n.º 12 do CPPT, na redacção aplicável, que é a da Lei 66/B-2012, de 31 de Dezembro, que se considera que têm a situação tributária regularizada os contribuintes que obtenham a suspensão do processo de execução fiscal nos termos do presente artigo, sem prejuízo do disposto quanto à dispensa de garantia.
Por outro lado, o n.º 8 do mesmo normativo, dispõe que quando a garantia constituída nos termos do art. 195.º, ou prestada nos termos do art. 199.º, se tornar insuficiente é ordenada a notificação do executado dessa insuficiência e da obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantada a suspensão da execução.
Ora, no caso sub judice as execuções fiscais estavam suspensas em virtude das penhoras efectuadas. Ainda que ulteriormente o Serviço de Finanças de Anadia tenha considerado que o valor dos bens penhorados deixou de garantir a dívida exequenda e o acrescido e tenha notificado a Executada para reforçar a garantia, deve considerar-se que as execuções fiscais se mantêm suspensas enquanto não estiverem decididas as reclamações judiciais que a Executada deduziu contra essas decisões do órgão da execução fiscal.
Na verdade, nessas reclamações a Executada invocou o prejuízo irreparável e foi judicialmente admitida a subida imediata a tribunal, com o consequente efeito suspensivo (cf. art. 278.º do CPPT), que se mantém até ao trânsito em julgado da decisão daquelas reclamações.
Esse efeito suspensivo das reclamações judiciais dos despachos do órgão de execução fiscal que consideraram insuficiente o valor dos bens oferecidos como garantia implica a manutenção do estado de suspensão dos processos de execução fiscal até à decisão final de tais reclamações.
Assim, tendo a Executada pedido a emissão de declaração comprovativa da regularidade da sua situação tributária, o Serviço de Finanças de Anadia tinha a obrigação legal de lho emitir e, porque não o fez voluntariamente, bem andou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro ao intimar o Chefe daquele serviço para o efeito, como requerido pela Executada.
Salvo o devido respeito, mal se compreende a pretensão da Recorrente, que parece querer cindir aquele efeito suspensivo, concedendo-lhe relevo enquanto obstáculo à prossecução das execuções fiscais, mas já não para efeitos de se considerar regularizada a situação tributária da Executada.
Sendo inequívoca a suspensão dos processos de execução fiscal, inexiste fundamento legal para concluir pela não verificação da regularidade da situação tributária, em face do disposto no art. 2.º do Decreto-Lei n.º 236/95, de 13 de Setembro e no n.º 12 do art. 169.º do CPPT.
A discussão sobre insuficiência ou reforço da garantia em nada releva para o efeito, sendo que esse relevo apenas poderá verificar-se se e quando houver decisão definitiva (i.e., transitada em julgado) no sentido da insuficiência da garantia e da necessidade do seu reforço. Enquanto não houver decisão definitiva sobre a necessidade de reforço da garantia, mantém-se a anterior decisão sobre a idoneidade da mesma.
A situação dos presentes autos, porque as execuções fiscais estavam já suspensas e assim se devem manter enquanto não forem decididas as reclamações, não se confunde com a que foi objecto do acórdão de 19 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 885/12 desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (No Apêndice ao Diário da República de 17 de Outubro de 2013 (https://dre.pt/pdfgratisac/2012/32230.pdf), págs. 2679 a 2686, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6b1a63b0f276027b80257a860045a4da?OpenDocument.) e que a Recorrente invoca em favor da sua tese. Aí, ao invés do que se passa no caso sub judice, a execução fiscal não estava suspensa, antes tinha sido indeferido o pedido de dispensa de prestação da garantia formulado em ordem a essa suspensão. Os pertinentes considerandos que nesse aresto foram expendidos no sentido de considerar que a reclamação da recusa de dispensa da prestação de garantia, embora tivesse provisoriamente suspendido a execução, não permitia considerar que a sociedade executada tinha a sua situação regularizada não são, pois, aplicáveis ao caso.
Por tudo o que ficou dito, a sentença não merece censura alguma, não podendo conceder-se provimento ao recurso.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Tem a situação tributária regularizada o executado que, tendo deduzido impugnação judicial contra a liquidação da dívida exequenda, logrou a suspensão da execução fiscal em virtude de penhora que garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido (cf. art. 169.º, n.º 1, do CPPT).
II - Ainda que ulteriormente o órgão da execução fiscal tenha considerado que o valor dos bens penhorados deixou de garantir a dívida exequenda e o acrescido e tenha notificado o executado para reforçar a garantia, deve considerar-se que a execução fiscal se mantém suspensa enquanto não estiver decidida a reclamação judicial que o executado deduziu contra essa decisão do órgão da execução fiscal, reclamação que tem subida imediata a tribunal e efeito suspensivo (cf. art. 278.º do CPPT).
III - Porque o efeito suspensivo da reclamação judicial dos despachos do órgão de execução fiscal que consideraram insuficiente o valor dos bens oferecidos como garantia implica a manutenção do estado de suspensão dos processos de execução fiscal até à decisão final de tais reclamações, tendo o contribuinte requerido a emissão de declaração comprovativa da regularidade da sua situação tributária, o serviço de finanças tem a obrigação legal de lho emitir e, se o não fizer voluntariamente, pode ser judicialmente intimado para o efeito.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

*
Lisboa, 9 de Abril de 2014. – Francisco Rothes (relator) – Casimiro GonçalvesPedro Delgado.