Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0202/09.4BEALM 01188/14
Data do Acordão:06/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
REFORMA DE ACÓRDÃO
REFORMA QUANTO A CUSTAS
Sumário:I - O critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta, em primeira linha, na causalidade - considerando-se que lhes deu causa a parte vencida - e, subsidiariamente, na vantagem ou proveito processual, sendo que, em caso algum a responsabilidade por custas depende de culpa da parte, na medida em que se trata de uma responsabilidade puramente objectiva.
II - Tendo a decisão sido declarada nula na parte impugnada, a Recorrida deve ter-se como vencida, porquanto está em causa matéria em relação à qual tinha tido sucesso no Tribunal a quo (a decisão julgou improcedente a pretensão da Impugnante nessa sede), sendo que a decisão proferida pelo Tribunal ad quem coloca em crise a manutenção dessa decisão na ordem jurídica, o que constitui um insucesso para a Recorrida, pois que, nesta sede, pouco importa que o acórdão não tenha apreciado o mérito da acção, pois nada permite distinguir, para efeitos de condenação em custas, as situações em que o recurso tenha sido decidido por razões formais daquelas em que a decisão se refere ao mérito da causa.
Nº Convencional:JSTA000P27807
Nº do Documento:SA2202106090202/09
Data de Entrada:11/05/2014
Recorrente:A........, S.A. (........,S.A.)
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 202/09.4BEALM (Recurso Jurisdicional - Reforma de Acórdão)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, notificada do Acórdão desta Secção do Contencioso Tributário, datado de 14-10-2020 e exarado a fls. 1484 a 1532 dos autos, vem impetrar a reforma do mesmo pelos fundamentos vertidos no requerimento de fls. 1553-1558, concluindo no sentido de o Acórdão ser reformado quanto a custas, pois que, sendo o recurso considerado uma espécie autónoma processual e, porque não existe parte vencida no recurso que deu origem ao presente acórdão, deve passar a constar do acórdão reformando “sem custas”.

Formulou no seu articulado as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

I) A FP recorrida no processo de impugnação judicial acima identificado, em que é recorrente a A………, SA (………, S.A.), notificada do douto Acórdão proferido nos autos em 14/10/2020, vem requerer a sua reforma quanto a custas, nos termos do disposto nos artigos 616.º, n.º 2, alíneas a) e b) e 666.º, ambos, do CPC, aplicáveis ex vi da al. e) do artigo 2.º do CPPT), o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

II) A Reforma da Sentença, ou Acórdão, tem como desiderato suprir lapsos ou erros manifestos nele contidos, podendo ocorrer nos termos do artigo 616.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC em situações de manifesto lapso do Juiz, a saber:

a. Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b. Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

III) Entendeu o Acórdão, ora posto em crise, que as custas do processo ficam a cargo da recorrida, não concorda a FP com a referida decisão, sendo outro o seu entendimento como de seguida se demonstrará:

IV) Foi a Impugnante que deu causa à ação com a apresentação da Impugnação Judicial, tendo aquela merecido decisão de improcedência, excepto no que respeita à correção efectuada em sede de IRC, relativamente ao exercício de 2004, decorrentes do benefício fiscal considerado pela Impugnante no que tange à criação de emprego para jovens, consequentemente, condenou, ambas as partes na proporção do decaimento, fixado em 95% pela Impugnante e, em 5% pela Impugnada.

V) A recorrida não apresentou quaisquer contra-alegações, contentou-se, assim, com a decisão proferida em primeira instância.

VI) Outrossim, o recorrente, também, se contentou com a predita decisão, excepto no que se refere às menos-valias contabilísticas resultantes da venda de prestações suplementares, tendo, por esse facto, apresentado recurso para esse douto tribunal.

VII) Tendo V(s) Exas. decidido que o TAF de Almada cometeu excesso de pronúncia e, consequentemente declararam nula a decisão recorrida, mantendo-se incólume a parte restante, não estando em causa a eficácia da sentença na parte não afectada pela nulidade que, aliás, não foi posta em crise, o que significa que transitou em julgado nesse âmbito.

VIII) Atento o supra exposto conclui-se que, a FP não foi parte interveniente no recurso, pelo que, não pode ser onerada com o pagamento das custas relativas à instância recursiva, uma vez que não deu causa ao fundamento dessa nulidade.

IX) Conforme resulta do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC e do artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), os recursos são considerados processos autónomos para efeito de custas, prescrevendo a primeira parte do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 527.º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa (parte vencida).

X) Assim, facilmente se conclui que não há parte vencida, uma vez que, a FP não contra-alegou, concluindo-se que em sede recursiva a recorrente, apenas, litigou contra o TAF de Almada.

XI) Atento o supra exposto, não pode a FP acompanhar o decidido no douto acórdão quanto a custas, porquanto, sendo o recurso considerado uma espécie autónoma processual e, porque não existe parte vencida no recurso que deu origem ao presente acórdão, a FP vem requerer a V.(s) Exas. que o pedido de reforma seja aceite e, mereça provimento, com a fundamentação acima expendida, passando a constar do acórdão reformando “sem custas”.

Nestes termos, e no mais que o Colendo Tribunal suprirá, requer-se a V(s). Exa.(s) se dignem atender ao pedido de Reforma do Acórdão deste Douto Tribunal, mantendo-se, em conformidade, o decidido na Douta Sentença do TAF de Almada.

PORÉM, V. EX.AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”

Não houve resposta.

O Ministério Público junto deste Tribunal tomou posição no sentido do deferimento do requerido.

Com dispensa de vistos, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.




2. ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DA PRETENSÃO

A Requerente peticiona a reforma quanto a custas do Acórdão proferido nos autos ao abrigo dos artigos 616º nº 2, alíneas a) e b) e 666º, ambos, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi da al. e) do artigo 2º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Com referência à matéria agora suscitada nos autos, é sabido, no que diz respeito ao incidente de reforma de acórdão, admite o legislador que as partes possam deduzir tal incidente, nos termos do artigo 616º nº 2 als. a) e b) do C. Proc. Civil (aplicável ao processo judicial tributário “ex vi” do art. 2º al. e) do CPPT), quando, não admitindo a decisão judicial recurso, tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou, igualmente, quando constar do processo prova documental com força probatória plena (cfr. art. 371º do C. Civil) ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem, necessariamente, decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração.
Por outro lado, o pedido de reforma destina-se apenas a obter o suprimento dos erros palmares, patentes, que, pelo seu carácter manifesto, se teriam evidenciado ao autor ou autores da decisão, não fora a interposição de circunstância acidental ou uma menor ponderação tê-la levado ao desacerto, designadamente quando haja «lapso manifesto de determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica», que tenham levado a uma decisão judicial «proferida com violação de lei expressa». O pedido de reforma não tem como escopo a obtenção de uma nova decisão em face da reapreciação da questão à luz de uma outra (ainda que, porventura, mais correcta) interpretação das normas jurídicas aplicáveis.
No caso presente, a Requerente alega que, para além de ter sido decidido que o TAF de Almada cometeu excesso de pronúncia, o que levou a declarar a nulidade da decisão recorrida, na parte impugnada, ou seja, em relação ao conhecimento da questão das Menos valias contabilísticas resultantes da venda de prestações suplementares, temos que a FP não foi parte interveniente no recurso, pelo que, não pode ser onerada com o pagamento das custas relativas à instância recursiva, uma vez que não deu causa ao fundamento dessa nulidade e conforme resulta do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC e do artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), os recursos são considerados processos autónomos para efeito de custas, prescrevendo a primeira parte do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 527.º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa (parte vencida), o que significa que não há parte vencida, uma vez que, a FP não contra-alegou, concluindo-se que em sede recursiva a recorrente, apenas, litigou contra o TAF de Almada, de modo que, não pode a FP acompanhar o decidido no douto acórdão quanto a custas, porquanto, sendo o recurso considerado uma espécie autónoma processual e, porque não existe parte vencida no recurso que deu origem ao presente acórdão, a FP vem requerer a V.(s) Exas. que o pedido de reforma seja aceite e, mereça provimento, com a fundamentação acima expendida, passando a constar do acórdão reformando “sem custas”.

Que dizer?

Assim, a questão a dirimir é, pois, a de saber se o acórdão cuja reforma é pedida errou ao condenar a Recorrida, ora Requerente nas custas e, na afirmativa, qual o conteúdo da decisão a proferir, atentas as regras da distribuição da responsabilidade por custas.

Tal como refere a Requerente, e de acordo com o disposto no nº 1 do art. 527º do C. Proc. Civil e do nº 2 do art. 1º do Regulamento das Custas Processuais, os recursos são considerados processos autónomos para efeito de custas.

Nos termos do art. 527º nº 1, primeira parte e nº 2 do C. Proc. Civil, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa (As aludidas normas de responsabilidade pelo pagamento de custas estão conexionadas, no que se refere aos recursos, com o disposto no nº 2 do artigo 663º do C. Proc. Civil, que, por remissão para o nº 6 do art. 607º, do mesmo Código, impõe que na parte final dos acórdãos, se condene os responsáveis no pagamento das custas processuais, estabelecendo a proporção da sua responsabilidade), entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respectiva proporção. Conforme o disposto na segunda parte do nº 1 do referido artigo, se não houver vencimento no recurso, é condenada no pagamento das custas a parte que dele tirou proveito.

Tal equivale a dizer que o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta, em primeira linha, na causalidade - considerando-se que lhes deu causa a parte vencida - e, subsidiariamente, na vantagem ou proveito processual, sendo que, em caso algum a responsabilidade por custas depende de culpa da parte, na medida em que se trata de uma responsabilidade puramente objectiva.

Com este pano de fundo, e sem prejuízo do esforço de alegação da Requerente, entende-se que, tendo a decisão sido declarada nula na parte impugnada, a Recorrida deve ter-se como vencida, porquanto está em causa matéria em relação à qual tinha tido sucesso no Tribunal a quo (a decisão julgou improcedente a pretensão da Impugnante nessa sede), sendo que a decisão proferida pelo Tribunal ad quem coloca em crise a manutenção dessa decisão na ordem jurídica, o que constitui um insucesso para a Recorrida, pois que, nesta sede, pouco importa que o acórdão não tenha apreciado o mérito da acção, pois nada permite distinguir, para efeitos de condenação em custas, as situações em que o recurso tenha sido decidido por razões formais daquelas em que a decisão se refere ao mérito da causa.

Como salienta SALVADOR DA COSTA, apud Ac. deste Supremo Tribunal de 18-09-2019, Proc. nº 0427/15.3BEMDL, www.dgsi.pt, «[o] vencimento e o decaimento a que o referido artigo [527.º do CPC] se reporta não tem apenas a ver com o mérito da causa decorrente do direito substantivo, sendo também aplicável aos casos de vencimento ou decaimento meramente formais, baseados em factos e fundamentos jurídicos de natureza meramente processual, como ocorre no caso vertente».

Num e noutro caso impõe-se que haja condenação dos responsáveis pelas custas e, se for caso disso, estabelecer a proporção da sua responsabilidade, sendo que para além do que deixámos já dito quanto à irrelevância da decisão do recurso ser por motivos formais ou substanciais, a atribuição da responsabilidade por custas também não depende da ocorrência de «erros […] imputáveis a qualquer das partes».

Aliás, como se refere no aresto acima apontado, a procedência do recurso jurisdicional assenta sempre em erro da decisão recorrida, ou seja, em erro do juiz ou do colectivo de juízes, que visa corrigir (O recurso jurisdicional, como meio de impugnação judicial, constitui uma «contestação concreta contra um acto de vontade jurisdicional que se considera errado» e a sua admissibilidade «funda-se na falibilidade humana e possibilidade de erro por parte dos juízes» (FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2009, 9.ª edição, pág. 71 e segs.).).

Em conclusão, como há parte vencida no recurso, não faz sentido recorrer ao critério subsidiário do proveito, sob pena de enviesarmos a responsabilidade por custas, pois a parte vencedora no recurso é sempre quem dele tira proveito (no caso, esse proveito resulta da eliminação da ordem jurídica da decisão de improcedência da impugnação na parte impugnada, agora declarada nula).

O pedido de reforma não merece, pois, provimento, com a fundamentação que ora expendemos, devendo manter-se o decidido no acórdão proferido nos autos quanto a custas, pois que se impunha, de acordo com o critério da causalidade, a condenação em custas da parte vencida no recurso, ou seja, da Recorrida, o que equivale a dizer que o acórdão em crise não enferma de vício que legitime o presente pedido de reforma “sub judice” formulado pela ora Requerente que, assim, terá de ser desatendido. - cfr. o já citado Ac. deste Supremo Tribunal de 18-09-2019, Proc. nº 0427/15.3BEMDL, www.dgsi.pt.




3. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em indeferir o presente pedido de reforma de acórdão quanto a custas.

Custas pela Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Uc.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 09 de Junho de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos