Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:063/15
Data do Acordão:02/03/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:ASILO
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:Não é de admitir revista se, estando em discussão pedido de asilo, o acórdão recorrido (em convergência com o TAF) teve em atenção as disposições nacionais e internacionais respeitantes às obrigações de retoma por Estado membro da União Europeia em termos que se aparentam fortemente plausíveis.
Nº Convencional:JSTA000P18551
Nº do Documento:SA120150203063
Data de Entrada:01/20/2015
Recorrente:A...
Recorrido 1:MAI
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.

1.1. A………….. intentou contra o Ministério da Administração Interna - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) - pedido de anulação do despacho do Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 19/03/2014, no qual foi determinado que era a França o Estado responsável pela sua retoma, nos termos do artigo 37.º, n.º 2, da Lei n.º 27/2008, de 30/06, (Concessão de asilo ou protecção subsidiária), e do artigo 18.º, n.º 1, al. d) do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26/06; pediu, ainda, que, consequentemente, lhe fosse concedido asilo ou, em alternativa, autorização de residência por razões humanitárias.

1.2. O Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa, por sentença de 23/06/2014 (fls. 77/81), julgou improcedente o pedido.

1.3. O Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 25/10/2014 (fls. 128/133), negou provimento ao recurso.

1.4. É desse acórdão que o recorrente vem, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, interpor recurso de revista sustentando que fugiu do seu país de origem, Sri Lanka, para França, na sequência das «ameaças de morte, de perseguição e tortura pelos militares (…)»; em França «requereu pedido de asilo», que lhe foi indeferido.
Face a esse indeferimento, alega que «ter-se-á de concluir forçosamente que a transferência de Portugal para França irá ser um sério e grave risco de reenvio directo para o seu país de origem, onde irá ser vitima novamente de perseguições e torturas físicas e psicológicas (…)».
Aduz que a decisão impugnada refere que «“razões invocadas pelo A. de que o seu pedido de asilo apresentado em França não foi devidamente considerado, para além de serem meramente conclusivas, não relevam, uma vez que não se reconduzem a nenhuma das situações do art. 3.º n.º 3 do regulamento (EU) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu”, no entanto, na verdade, é notório, que se encontram preenchidos os requisitos que permitem concluir que a fundamentação do pedido de asilo do ora Recorrente, se baseia, em resumo, nos fundados receios de perseguição e morte».
Sublinha, ainda, que «os factos alegados pelo Recorrente dever-se-ão presumir como verdadeiros, devendo-se aceitar o pedido de asilo ou, pelo menos, da protecção subsidiária de concessão de autorização de residência por razões humanitárias – al. c) do art. 7° da Lei n° 27/08 de 30/06. / (…) / A não ser concedido o pedido de asilo ou a autorização de residência por razões humanitárias ao Recorrente estar-se-á a violar os art. 33.º da Convenção de Genebra, o n.º 2 art. 3.º e 19.º do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, o art. 7 PIDPC, o art. 3.º da CEDH, o art. 25.º da CRP, o art. 8.º da Lei n.º 15/98, de 26 de Março».

1.5. O recorrido nas contra-alegações sustenta que o recurso de revista não deve ser admitido por não se verificarem os requisitos previstos no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, centrando as suas alegações no mérito do recurso destacando, essencialmente, nas conclusões das alegações o seguinte: «O ora Recorrente apresentou, aos 25/02/2014, pedido de asilo no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF (GAR/SEF), mas apurou-se que, aos 23/03/2010, já tinha apresentado pedido de asilo em França, o que foi determinou que esse País fosse considerado o Estado responsável pela retoma a cargo. / Nesta conformidade, o GAR/SEF efectuou, aos 19.03.2014, um pedido de tomada a cargo do Autor às autoridades francesas ao abrigo do artigo 18° n° 1 d) do citado regulamento, [Regulamento (UE) n.º 604/2013] pedido esse aceite no mesmo dia por aquelas autoridades. / Nos termos previstos no citado Regulamento, nomeadamente no art° 18° n° 1 d), o Estado português é somente responsável pelas medidas de execução de transferência (cf. art° 38° da Lei n° 27/2008)».
Alega, ainda, que «urge concluir que a decisão de transferência do ora Recorrente em nada desrespeita as respectivas garantias, enquanto requerente de protecção internacional, pois o procedimento de asilo e as condições de acolhimento em França não implicam qualquer tratamento desumano ou degradante nem risco objectivo (directo ou indirecto) de reenvio para o país de origem, atento os fundamentos de facto e de direito supra, que basearam o acórdão ora recorrido. / Nesta sede, as autoridades nacionais, in casu, o SEF, não tem de analisar se os factos trazidos ao pedido e aos autos preenchem ou não os requisitos dos art°s 3° ou 7° da Lei n° 27/2008. / Não se trata de verificar se o ora Recorrente preenche, ou não, claramente as condições para ser considerado refugiado (ou beneficiário de protecção subsidiária), mas de reiterar que não impende sobre Portugal nenhum dever de reapreciação nos termos do quadro legal supra referido, estando, pelo contrário, adstrito a proferir vinculadamente a decisão de transferência».

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Tem-se em atenção a factualidade considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. As instâncias decidiram, de forma convergente, que o pedido do recorrente era improcedente. Ponderou o acórdão recorrido, nomeadamente, que «o regime do art°.16° n° 1 e) Regulamento (CE) 343/2003, mantido pelo Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho “O Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo por força do presente regulamento é obrigado a: e) Retomar a cargo, nas condições previstas no artigo 20°, o nacional de um país terceiro cujo pedido tenha rejeitado e que se encontre, sem para tal ter recebido autorização, no território de outro Estado-Membro.” / No caso dos autos, foi requerida e aceite a retoma a cargo do ora Recorrente pelo Estado-Membro perante o qual formulara antecedentemente pedido de asilo, o que significa que o acto impugnado se mostra válido e eficaz por se enquadrar no âmbito das disposições legais enunciadas. / Neste sentido se pronuncia expressamente o Tribunal a quo, conforme segmento da sentença proferida que se transcreve. / “(…) no caso, como o A. entrou em França vindo da Malásia e aí apresentou, em 23/03/2010, um pedido de asilo, o Estado Português não deve proceder à decisão do novo pedido de asilo, uma vez que a competência é do Estado Francês e o pedido de asilo é decidido por um único Estado Membro - art.° 3.º, n.º 1 e art.º 18.º, n.º 1, al. d) e n.º 2, ambos do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho. / Tendo o SEF apresentado um pedido de retoma do A. junto das autoridades francesas e tendo estas aceite tal retoma, o SEF está obrigado a transferir o A. para França, tal como impõe o art.º 37.º, n.ºs 1 a 3 do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho».

Recorde-se, da Lei n.º 27/2008, de 30.06:
«Artigo 37.º
Pedido de asilo apresentado em Portugal
1 – Quando existam fortes indícios que é outro o Estado membro da União Europeia responsável pela tomada ou retoma a cargo do requerente de asilo, de acordo com o previsto no Regulamento (CE) n.º 343/2003, de 18 de Fevereiro, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras solicita às respectivas autoridades a sua aceitação.
2 – Aceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o director nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras profere, no prazo de cinco dias, decisão de transferência da responsabilidade que é notificada ao requerente e comunicada ao representante do ACNUR e ao Conselho Português para os Refugiados.
3 – (…).
4 – (…).
5 – (…).
6 – Em caso de resposta negativa do Estado requerente ao pedido formulado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, nos termos do n.º 1, observar-se-á o disposto no capítulo III».

No caso dos autos, resulta que o recorrente requereu asilo em França, em data anterior ao requerido em Portugal; ora, as autoridades portuguesas, nos termos do preceito supra transcrito, formalizaram o pedido de retoma a cargo do requerente às autoridades francesas, o qual foi aceite.
Assim sendo, tudo aponta para que, tal como foi considerado nas instâncias, as autoridades portuguesas deveriam determinar a transferência do recorrente para França.
E, lembre-se com as instâncias, que «não está demonstrada a existência de motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes prestadas pelo Estado Francês, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia».
Resulta do exposto que a questão controvertida nos presentes autos, para além de não evidenciar grande complexidade, não se apresenta como podendo, através da solução encontrada, conduzir o recorrente a tratamento desumano ou degradante.
E decorre do exposto que o acórdão recorrido se constitui como decisão plausível e fundamentada, pelo que se torna desnecessária a intervenção deste Tribunal para uma melhor aplicação do direito.

3. Em face do exposto, não se admite a revista.

Sem custas – art. 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 2015. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – São Pedro.