Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0128/07
Data do Acordão:05/23/2007
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PAGAMENTO SOB CONDIÇÃO
PRESCRIÇÃO
PROVA
FUNDAMENTAÇÃO POR REMISSÃO
Sumário:I - Não tendo sido submetida à apreciação do tribunal a quo, a falta de conhecimento, por este, da prescrição da dívida tributária não configura nulidade por omissão de pronúncia.
II - Por outro lado, só a ausência total de fundamentos importa a nulidade da decisão por falta de fundamentação.
III - O Supremo Tribunal Administrativo não conhece de facto - artigos 21.º, n.º 4, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e 280.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
IV- Ainda assim, à Administração cumpre apenas o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação e, ao invés, cabe ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito.
V- O pagamento de dívidas fiscais não pode ser efectuado sob condição.
VI - A fundamentação de um acto administrativo em questão tributária pode ser efectuada por remissão.
Nº Convencional:JSTA00064363
Nº do Documento:SA2200705230128
Data de Entrada:02/07/2007
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPC96 ART668 N1 ART660 N2 ART712 N1.
CPPTRIB99 ART125 N1 ART280 ART114.
ETAF02 ART21 N4.
CPTRIB91 ART121.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC871/02 DE 2002/10/09.; AC STA PROC102/02 DE 2002/04/24.; AC STA PROC23480 DE 2000/01/25.; AC STA PROC23655 DE 2000/01/12.; AC STA PROC525/05 DE 2005/06/29.
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VOLV PAG143 PAG139.
VIEIRA DE ANDRADE JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 2ED PAG269.
BENJAMIM RODRIGUES A PRESCRIÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO IN PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO PAG263.
ALFREDO DE SOUSA E OUTRO CÓDIGO DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 3ED PAG183.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
A… vem recorrer do acórdão do Tribunal Central Administrativo – Norte que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença que, por sua vez, julgou improcedente a impugnação judicial que deduzira contra a liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, referente ao exercício de 1990.
Fundamentou-se aquele aresto, em síntese, em que a sentença não padecia das nulidades que lhe foram assacadas, falta de fundamentação de facto e omissão de pronúncia; do pagamento da dívida “resulta irremediavelmente inviabilizada a apreciação e eventual proclamação da alegada prescrição”; o voto do Director Distrital de Finanças, na comissão de revisão, foi no sentido do vogal da Fazenda Pública, não se tratando, pois, de voto de qualidade, estando, aliás, fundamentado por remissão; e que ao contribuinte cumpria provar a veracidade das transacções.
O recorrente formulou as seguintes conclusões:
1 – A sentença da primeira instância não se encontra devidamente fundamentada, quanto à matéria de facto, quanto à matéria de direito;
2 – O douto acórdão recorrido, para poder manter a decisão recorrida, teve que acrescentar factos omitidos naquela sentença;
3 – Quer na primeira instância, quer no douto acórdão recorrido não se pronunciou sobre a prescrição, sendo que neste foi argumentado o facto da dívida já estar paga, o que implicaria a sua não apreciação, quando o seu pagamento foi feito condicionalmente, ou seja até à decisão final de impugnação formulada nos presentes autos;
4 – O douto acórdão não valorizou a prova produzida no processo crime, que conjugada com a dos autos levaria à procedência da impugnação;
5 – O Senhor Director de Finanças não fundamentou minimamente a sua adesão ao lado do perito;
6 – Porque o recorrente provou que os serviços prestados e constantes das facturas existiram, pese embora possam as facturas ser consideradas falsas, competia à AT demonstrar que tais serviços não existiram e não ao recorrente, como contrariamente é entendido no douto acórdão recorrido;
7 – Violou, assim, o douto acórdão recorrido, os artigos: 125.º, n.º 1, do CPPT; al. d), n.º 1 do 668.º do CPC; 660.º, n.º 2 CPC, 2.º, al. e) CPPT; 7122.º, n.º 1, al. a) CPC, 281.º CPPT e 749.º CPC; 84.º a 89.º na redacção dada a estes normativos pelo art.º 2.º e seguintes do DL 47/956 de 10.3; 87.º, n.º 3, do CPT 125.º, n.º 1 CPA; 23.º, n.º 1, al. a) e art. 31.º CIRS e mais legislação aplicável.
Termos em que
a) – deve declarar-se que o imposto em causa, a existir, se encontra prescrito
Ou em alternativa:
b) – o parecer do Sr. Director de Finanças é nulo, por não estar devidamente fundamentado, o que implica a nulidade de todo o processado;
Ou ainda:
c) Decretar-se a nulidade do douto acórdão, por não se pronunciar sobre a prescrição invocada, bem como quanto ao arquivamento do processo crime e bem assim, porque a quem compete provar que os serviços constantes das facturas não existiram é à AT e não ao recorrente, como erradamente, salvo o devido respeito, é entendido no mesmo.
Por sua vez, contra-alegando, concluiu a Fazenda Pública:
1. O aditamento da matéria de facto, efectuado nos termos do artigo 712.º, 1, a) do CPC, destina-se a preparar a decisão a prolatar pelo próprio tribunal de recurso, não obrigando a baixa dos autos à 1.ª instância;
2. Não se verifica nenhuma das arguidas omissões de pronúncia;
3. Ainda que o pagamento tenha sido feito condicionalmente, o imposto não pode ser julgado prescrito porque, a partir de então, o direito do credor ficou plenamente satisfeito.
4. A valoração da matéria de facto em processo-crime não é directamente transponível para o processo judicial tributário.
5. O voto do Presidente da Comissão de Revisão encontra-se clara e perfeitamente motivado.
6. O Recorrente não fez prova da veracidade das operações subjacentes às facturas, prova essa que lhe competia inteiramente.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso já que o STA não conhece dos factos; o recorrente não ataca – conclusões 1, 2 e 5 – a decisão recorrida mas, antes, o acto inicialmente impugnado; e não há omissão de pronúncia já que o acórdão recorrido se pronunciou expressamente quanto à questão da prescrição.
E, corridos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado que:
1- A liquidação teve origem em acção de fiscalização levada a efeito à escrita/contabilidade do contribuinte, efectuada por funcionários afectos ao Serviço de Prevenção e Inspecção Tributária, da Direcção Distrital de Finanças de Faro (cfr. fls. 18 a 24 dos autos).
2- As rectificações ou correcções efectuadas e a liquidação adicional de IRS obtida, referente ao ano de 1990, foram baseadas no recurso a métodos indiciários, com base nos factos enunciados no relatório de fiscalização.
3- O impugnante apresentou reclamação relativamente ao acto objecto de impugnação.
4- A reclamação apresentada pelo impugnante foi apreciada pela Comissão (cfr. fls.39 e 40 dos autos).
5- O contribuinte B… afirmou por várias vezes que não prestou qualquer serviço ao ora impugnante, nem lhe emitiu quaisquer facturas e que não o conhece (cfr. fls.20 dos autos).
6- O ora impugnante dava de sub-empreitada vários serviços de construção civil ao Sr.….
7. Em resultado da acção de fiscalização aludida em l, foi, entre o mais, apurado e informado que:
- no ano de 1990, o impugnante estava colectado, em IRS - Categoria C, pela actividade de "Trabalhos que concorrem para a construção de edifícios";
- das diversas colunas do "livro de registo de despesas gerais e operações ligadas a bens de investimento - modelo 6" e na rubrica "24 - Trabalhos executados por terceiros para a produção de bens e serviços", constavam os registos de diversas facturas emitidas a favor do impugnante e em nome de B…;
- os valores líquidos destas facturas foram incluídos, pelo impugnante, na linha "2 -Remunerações do pessoal" do quadro 11 dos anexos B1 das declarações modelo 2 do IRS, dos anos de 1990, 1991 e 1992;
- com relação ao ano de 1990, mostravam-se registadas duas facturas, emitidas em nome de B…, titulando o valor líquido total de 1.820.000$00 (500.000$00 + 1.320.000$00).
8. Além do mencionado em 5. (dos factos provados), B… declarou, ainda, que as facturas que lhe foram presentes (contabilizadas pelo impugnante) não haviam sido por si emitidas, nem assinadas, sendo que nunca utilizou ou mandou imprimir facturas, desse ou de outro tipo, na tipografia Gráfica …., contrib. 502.541.431, com sede em ….
9. Os peritos intervenientes nesta acção fiscalizadora, apontando terem concluído pela falsidade das facturas encontradas registadas como emitidas por B…, propuseram, em sede de IRS, a efectivação de correcções técnicas, traduzíveis no acrescento aos resultados, declarados pelo impugnante, dos valores líquidos das facturas constantes da sua escrita e emitidas em nome de B…. (Ao Invés do que consta no item 2. que, por incorrecto e não correspondente à verdade, se tem por não escrito, de nenhum efeito e substituído pelo conteúdo que antecede).
10. Aceitando e accionando tal proposta, em 6.11.1995, o Sr. Director Distrital de Finanças de Viseu, nos termos do art. 66.° CIRS, fixou o rendimento colectável do impugnante, relativamente ao ano de 1990, em 2.326.929$00, resultante de ter sido "corrigida a importância de 7.156.593$00 (despesas gerais) para 5.336.593$00, em virtude de terem sido utilizadas facturas relativas a serviços que não foram prestados, com o timbre do emitente B… ..."-Cfr. fls. 29/30.
11. Notificado desta fixação, o impugnante, ao abrigo do disposto no art. 84.° CPT, a 11.12.1995, apresentou reclamação dirigida à Comissão de Revisão, visando, entre outros, o ano de 1990, nos termos do articulado fotocopiado a fls. 32 segs. e cujo conteúdo aqui se tem por reproduzido.
12. Em resultado da apreciação aludida em 4., a Comissão de Revisão, por maioria, em 18.12.1995, com referência ao IRS de 1990, decidiu acrescer os custos (de 5.336.593$00) relevados, aquando da fixação do rendimento colectável, da importância de 910.000$00, "para cobrirem os custos não escriturados, evidenciando-se assim um resultado e uma rentabilidade fiscal mais consentâneos com a actividade".
13. Da acta da reunião da Comissão de Revisão consta, além do mais, que "..., o vogal da Fazenda Pública, face aos dados existentes no processo e aos demais factos conhecidos, constata que fiscalmente as duas facturas escrituradas como custos "sub-empreitadas" não poderão deixar de considerar-se falsas e por isso sem relevância legal (...). Todavia, poderá admitir-se que efectivamente alguns serviços, a que elas respeitariam, tenham sido prestados à firma por necessários à obtenção dos proveitos registados e isto tendo em linha de conta uma normal rentabilidade fiscal para o exercício. (...). O Presidente da Comissão corrobora a posição assumida pelo vogal da FP porque retratará melhor a possível realidade. (...). Deste modo esta decisão tem vencimento por maioria de votos ou seja de dois (o do Presidente e o do vogal da FP) contra um (o vogal do SP)".
14. A liquidação (adicional), referenciada em 1., tem o n.° 5323052813, mostra-se datada de 15.12.1995 e apresenta o valor total a pagar, até ao dia 31.1.1996, de 393.822$00, incluindo juros compensatórios de 183.375$00.
15. Não tendo sido solvida voluntariamente, esta quantia foi exigida no processo de execução fiscal n.° 96/107192.0, da RF de Lagoa, no devir do qual veio a ser paga, com o implicante arquivamento desses autos, na sequência de despacho proferido em 10.3.2003 - cfr. fls. 246 segs.
Com relevância para a decisão da causa, não ficaram provados os seguintes factos:
1- Que as facturas emitidas pelo Sr. …, fossem passadas em nome de B….
Vejamos, pois:
Quanta à invocada omissão de pronúncia:
Nos termos dos artigos 668.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil e 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário, a sentença ou acórdão, em suma, a decisão, é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar, o que está em correspondência directa com o dever que lhe é imposto – cfr. art. 660.º, n.º 2 daquele primeiro diploma legal -, de resolver todas as questões que tiverem sido submetidas à sua apreciação, exceptuadas apenas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, por tal modo que é a omissão ou infracção a esse dever, que concretiza a dita nulidade.
Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume V, p. 143.
Ora, a questão da prescrição da dívida não foi submetida à apreciação da primeira instância pelo que o seu não conhecimento não integra qualquer nulidade mas, antes, eventual erro de julgamento.
E a segunda instância apreciou-a, concluindo no sentido da irremediável inviabilidade da sua apreciação, dado o pagamento da dívida. Pelo que é de concluir como no parágrafo precedente: inexistência de nulidade, eventual erro de julgamento.
E o mesmo se diga, mutatis mutandis, “quanto ao processo crime”, como logo se conclui da seguinte asserção constante do acórdão recorrido: o “arquivamento do processo crime encerra nítida situação de apelo a argumento ou razão que nenhum interesse e relevância podia revestir para a discussão e julgamento desta causa, necessariamente, estruturado em pressupostos e premissas diversas das que presidem ao processamento de um processo de matriz criminal, circunstância que dispensava o tribunal recorrido de conhecer e se pronunciar sobre tal problemática”.
Por outro lado, a conclusão 1, no referente à falta de fundamentação de direito da sentença, não encontra qualquer respaldo na matéria alegatória.
Quanto à falta de fundamentação:
A sentença é igualmente nula nomeadamente, quando não especifique os fundamentos de facto ou de direito, da decisão.
Como refere Alberto dos Reis, ibidem, pp. 139 e ss:
"Uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base", comprometendo a sua validade por carecer, então de um elemento essencial quer porque cabe ao juiz demonstrar que a solução dada ao pleito é "emanação correcta da vontade da lei, quer porque as partes e, sobretudo, a vencida, "têm o direito de saber porque razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior”, carecendo este também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso".
Há, todavia, que distinguir a falta absoluta de motivação, "da motivação deficiente, medíocre ou errada", pois só a primeira é causa de nulidade, afectando a segunda unicamente o valor doutrinal da sentença, não produzindo, todavia, nulidade.
A falta absoluta de motivação significa, pois, a "ausência total de fundamentos".
Ora, assim sendo, bastava a pronúncia “superficial sobre os autos”, imputada à decisão, para se concluir pela inexistência de tal nulidade.
O que acontece é que o Tribunal Central Administrativo, em vista da insuficiência da matéria factual contida no probatório propriamente dito, da sentença, lhe acrescentou outros factos, como lho permite expressamente o artigo 712.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, uma vez que, tratando-se de prova documental, os autos continham todos os elementos necessários para o efeito, não tendo, pois que baixar à 1.ª instância com tal finalidade.
Não se verificam, pois, as invocadas nulidades.
Quanto ao mais:
Há que referir, desde já, que o Supremo Tribunal Administrativo não conhece de facto, nos expressos termos dos artigos 21.º, n.º 4, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e 280.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Não pode, pois, este Tribunal equacionar a questão da influência da prova eventualmente produzida no processo crime em termos da sua contraditoriedade com a produzida nos autos.
A verdade é que as instâncias tiveram como provado que as facturas são materialmente falsas, isto é, não correspondem a transacções efectivamente realizadas.
E, ademais, como bem se anota no aresto ora sob análise, e se deixou referido, o arquivamento do processo crime não pode inviabilizar a prova produzida nestes autos, atenta a não vigência aqui de princípios, embora fundamentais no processo crime como, nomeadamente, o princípio in dubio pro reo.
Os presentes autos não têm natureza penal e as regras do ónus da prova encontram-se fixadas no artigo 121.º do Código de Processo Tributário e, ora, 114.º e seguintes do CPPT.
Aliás, uma coisa é a falsidade formal, propriamente dita, das facturas – no sentido de não terem sido emitidas por quem nelas figura como tal – e outra, bem diferente mas relevante no caso, é a de não corresponderem a transacções efectivamente realizadas, como vem provado.
O ónus da prova, relativamente às chamadas “facturas falsas” tem sido objecto de vasta jurisprudência do STA, em sentido uniforme.
Cfr. os acórdãos de 24 de Abril de 2002 – recurso n.º 102/02, de 17 de Abril de 2002 – recurso n.º 26.635, de 9 de Outubro de 2002 – recurso n.º 871/02 e de 14 de Novembro de 2001 – recurso n.º 26.015.
O entendimento sempre perfilhado é o de que à Administração cumpre apenas, tendo em conta o princípio da legalidade administrativa e em termos correspondentes ao disposto no artigo 342.° do Código Civil, o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação.
E, ao invés, cabe ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, seja, a efectiva existência das alegadas transacções.
Como se refere no dito acórdão de 17 de Abril, “cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, ou seja, (...) da existência dos factos de que depende legalmente que ela deva agir ou possa agir em certo sentido”, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade.
O que corresponde ao ensinamento de Vieira de Andrade, in Justiça Administrativa, 2ª edição, p. 269: “há-de caber, em princípio à Administração, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos”.
Assim “quando o acto da Administração se traduza na afirmação positiva da prática, pelo contribuinte, do facto tributário e da sua expressão quantitativa, é a ela que incumbe a prova da sua verificação, devendo a dúvida ser resolvida pelo tribunal contra ela” - Cfr. acórdão citado.
Ora, vem provado que o contribuinte B… sempre disse nunca ter prestado qualquer serviço ao impugnante nem lhe ter emitido quaisquer facturas e nem sequer o conhecer.
Como se refere no aresto recorrido, ao tribunal a quo não restaram dúvidas – matéria que, como se disse, este tribunal não sindica – de que “in casu, a AT recolheu e forneceu indícios sérios e credíveis de que as prestações de serviços (…) não foram reais, não tiveram lugar”.
Provando, pois, a Administração a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, cumpria ao contribuinte demonstrar a veracidade das transacções, o que, nos apontados termos, não logrou provar.
Quanto à prescrição da obrigação tributária:
A prescrição disciplina os efeitos do decurso do tempo sobre o não exercício do direito à cobrança, pressupondo, assim, a existência de uma relação jurídica de crédito eficaz.
Como acentua Benjamim Rodrigues, “A prescrição no Direito Tributário” in Problemas Fundamentais do direito tributário, p. 263, o fundamento da prescrição está na inércia do credor em exigir o cumprimento da prestação, não podendo o devedor ficar indefinidamente, a bel-prazer do credor, àquele vinculado, ou seja, são razões de certeza, segurança e paz jurídica, no caso, entre Estado e o contribuinte.
A prescrição constitui, pois, a par do pagamento, uma forma de extinção da obrigação tributária.
Mas, assim sendo, não faz qualquer sentido declarar prescrita uma dívida já paga, recte, dizê-la extinta quando ela já o está anteriormente.
Cfr., por todos, os acórdãos de 12 de Janeiro de 2000 – recurso n.º 23.655, de 25 de Janeiro de 2000 – recurso n.º 23.480 e de 9 de Junho de 1999 – recurso n.º 23.623.
Alega, todavia, o recorrente que procedeu ao pagamento em termos condicionais, para a hipótese de inêxito da impugnação, que não por aceitação da existência da dívida.
Mas tal alegação, aliás sem respaldo no probatório, é irrelevante, desde logo porque a lei não contempla o pagamento condicional, mesmo em sede de regalias ou benefícios fiscais.
Cfr., por todos, o acórdão do STA de 29 de Junho de 2005 – recurso n.º 0525/05.
E, depois, o pagamento não prejudica a impugnação judicial.
Quanto à falta de fundamentação do laudo do Director de Finanças:
Também aqui falece razão ao recorrente.
Desde logo, como se assinala no aresto recorrido, não se trata de um voto de qualidade mas de maioria, isto é, o Director de Finanças votou no mesmo sentido do laudo do vogal da Fazenda. Pelo que, em tal caso, “o voto de qualidade é irrelevante”.
Cfr. Alfredo de Sousa e J. Paixão, Código de Processo Tributário Anotado, 3.ª edição, p. 183.
De qualquer modo, a decisão está fundamentada, por remissão: o presidente da Comissão “aderiu e fez seus os fundamentos do laudo da Fazenda Pública, através de declaração de concordância, na medida em que “corrobora” a posição daquele, por lhe parecer a mais correcta – cfr. n.º 13 do probatório.
Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso.
Termos em que se acorda negar-lhe provimento, confirmando-se o aresto recorrido.
Custas pelo recorrente, com procuradoria de 50%.
Lisboa, 23 de Maio de 2007. - Brandão de Pinho (relator) - Lúcio Barbosa – Jorge Lino.