Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0995/17
Data do Acordão:01/18/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:CONVITE A CORRECÇÃO
PETIÇÃO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:O convite dirigido aos AA. em sede de audiência prévia para que os mesmos viessem, por um lado, juntar aos autos determinados documentos protestados apresentar e que não respeitavam à verificação dum pressuposto processual, nem eram essenciais ao prosseguimento da ação e, por outro lado, a concretizar os danos patrimoniais sofridos para assim se evitar a necessidade de ulterior incidente de liquidação do pedido de condenação genérico que havia sido formulado, não acarreta ou envolve para aqueles, em termos do seu incumprimento ou do seu não acatamento, um ónus, ou um dever legal de impulso na promoção e no andamento do processo cuja negligência seja conducente à extinção da instância por deserção decorrido o prazo legalmente previsto [cfr. n.ºs 1 e 4 do art. 281.º do CPC/2013].
Nº Convencional:JSTA00070498
Nº do Documento:SA1201801180995
Data de Entrada:10/30/2017
Recorrente:A....., LDA E OUTROS
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACÇÃO ADM COMUM / CONTRATO
Área Temática 2:DIR PROC CIV
Recusa Aplicação:CPC13 ART281 N1 - N4 ART 423 N2 N3 ART6 N1
CPTA02 ART2 ART42 ART88.
CCIV66 ART341 ART342 ART346.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO

1. “A………, Lda.”, B………. e C………., todos devidamente identificados nos autos, instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [doravante «TAF/S»] a presente ação administrativa comum que, na sequência do decidido a fls. 340/341 e 450 dos autos [paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], prossegue apenas contra “ESTADO PORTUGUÊS” na qual, pela motivação inserta na petição inicial corrigida [cfr. fls. 305/325], peticionam que lhe fossem reconhecidos «os direitos … pelo incumprimento do contrato pelos RR. com o consequente pagamento dos prejuízos causados, com juros vencidos e vincendos, em montante a liquidar …» e pagos aos 2.ºs AA. o montante que se vier a apurar em sede incidente de liquidação a título de ressarcimento pelos danos morais.

2. O «TAF/S», por decisão de 28.09.2016 [cfr. fls. 629/638], julgou deserta a instância.

3. Os AA., inconformados, recorreram para o TCA Sul [doravante «TCA/S»], o qual, por acórdão de 18.05.2017, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida [cfr. fls. 671/687].

4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA os mesmos AA., de novo inconformados agora com o acórdão proferido pelo «TCA/S», interpuseram, então, o presente recurso de revista [cfr. fls. 693/705 v.], formulando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
«...
A. O presente recurso de revista excecional é interposto numa ação administrativa comum, sob a forma ordinária, proposta, pelos Autores, em 05 de novembro de 2004, contra o Estado Português, para efetivação de responsabilidade civil derivada do incumprimento de contrato, celebrado ao abrigo do Regime de Incentivos às Microempresas (RIME) aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 154/96, de 17 de setembro, ao abrigo do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 34/95 - Programa das Iniciativas de Desenvolvimento Local.
B. Esta ação, veio a ser julgada deserta por sentença de 03/10/2016, com base no artigo 281.º, n.º 1 e artigo 2.º ambos do Código Processo Civil (CPC).
C. Esta deserção veio a ser confirmada «in totum», pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, por acórdão de 18/05/2017.
D. A partir da Reforma dos Recursos Cíveis de 2007 (Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto) passou a existir o recurso de revista excecional quando existe coincidência de decisões entre a primeira instância e a Relação (esta sem voto de vencido), o que constitui desvio ao princípio da dupla conforme.
E. No caso sub judicio, o acórdão do TCA Sul confirmou a decisão do Tribunal de primeira instância, sem voto de vencido, sendo aplicável ao processo o artigo 150.º, n.º 1, do Código do Processo dos Tribunais Administrativos.
F. No Contencioso Administrativo, contrariamente ao processo civil, o fundamento do recurso de revista é alternativo, pois tanto pode estar em causa a violação de lei substantiva como lei processual, logo não é requisito obrigatório que se trate sempre de lei substantiva a que, em certas situações, se possa acrescer a violação de lei de processo.
G. Desta forma, verifica-se um alargamento do âmbito do fundamento em processo administrativo. O Supremo Tribunal Administrativo tem assim um importante papel para a unidade do direito, pois decide em último grau de jurisdição todas as questões de direito material e processual.
H. Os pressupostos de admissibilidade referidos anteriormente têm sido densificados a nível jurisprudencial. Assim, e em conformidade com a jurisprudência do tribunal superior entende-se que estamos perante uma questão jurídica, de direito substantivo ou adjetivo, de especial complexidade, quando a sua solução envolve a aplicação e ligação a diversos regimes legais e institutos jurídicos, e igualmente na circunstância de o seu tratamento ter suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
I. E, tem-se considerado que estamos perante assunto de relevância social fundamental quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou quando tenha repercussão de grande impacto na comunidade.
J. Finalmente em relação ao pressuposto da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, tem-se entendido que este se justifica quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do STA é reclamada para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação.
K. De facto, está em causa nos autos a interpretação do sentido preceptivo da uniformização do modo de encarar as alterações profundas no regime jurídico da deserção da instância, introduzidas pelo novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.
L. Esta questão tem óbvia relevância por afetar um número indeterminado de sujeitos de direito e a sua elucidação jurídica pela mais Alta Instância Judicial do País contribuirá seguramente para se firmar uma jurisprudência consolidada “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
M. É, pois, admissível o presente recurso de revista excecional ao abrigo do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.
N. O Tribunal “a quo” seguido do Tribunal “ad quem” invocaram o artigo 281.º do Código de Processo Civil, para considerarem deserta a instância uma vez que partilham do mesmo entendimento, ou seja, que os autores não deram no âmbito do processo nenhum impulso processual há mais de um ano.
O. Conforme resulta do supra alegado e dos próprios autos, os autores, tudo fizeram (e continuam a fazer) para que fosse dado andamento ao processo, revelando cuidado e interesse em que este prossiga, apresentando para esse efeito diversos requerimentos.
P. Basta recordar, por exemplo, que os Autores, em 05/06/2014, requereram a aceleração do processo, que se encontrava parado há mais de 7 (sete) anos, pela crónica demora dos Tribunal.
Q. Desde que o processo foi reenviado ao Tribunal “a quo”, 06/11/2014, Ref.ª 005423, foram apresentados pelos Autores vários requerimentos no processo, designadamente: Em 12/11/2014, requerimento de fls.., registado no SITAF com o n.º 227200; Em 03/12/2014, requerimento de fls.., registado no SITAF com o n.º 229617, com o fim último de alcançar nos autos uma decisão final de mérito.
R. Cabe lembrar que na caracterização dos prejuízos e danos causados, os Autores, no seu petitório, fizeram a destrinça entre os danos de caráter patrimonial e os danos de caráter moral, que a sentença sob recurso, sintetiza, mas que cumpre enfatizar, já que destes, muita prova está feita, sendo que a respeitante aos danos morais, foi aquela que maiores dificuldades têm levantado.
S. Na verdade muitos dos documentos relativos ao percurso escolar dos filhos, no estrangeiro, que veio a ser interrompido e/ou abandonado, como consequência da situação em que a Ré colocou os Autores, tardam a chegar às mãos dos Autores, por excessiva demora das entidades notificadas.
T. Esta situação como é óbvio prejudica em primeira linha os Autores que desde 1998, sofreram um abalo na sua vida, por comportamento ilícito e culposo da Ré e que desde 2004, pedem em Tribunal que se faça justiça, tardando esta a acontecer.
U. É certo que o Tribunal “a quo”, em junho de 2015, em Audiência Prévia, convidou os Autores a melhorarem a prova.
V. Porém, desde essa data, que ao Autores lutam por obter mais documentos que reforcem a prova já produzida. Tais documentos, porém, dependem de entidades estrangeiras (Estados Unidos e Espanha), que não os emitiram até ao momento.
W. Seja como for, os autos contem prova suficiente, seja documental seja testemunhal, para que o Tribunal “a quo”, possa mandar prosseguir a ação para conhecimento do mérito da causa.
X. Mas mesmo que assim não se entendesse, seria expectável que o Tribunal “a quo”, ouvisse os Autores (as partes) antes de tomar a decisão sob censura.
Y. O artigo 281.º, n.º 1, do CPC, na sua redação atual, dada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, deve ser interpretada no sentido de que a instância só se considera deserta se o processo se encontrar a aguardar impulso processual há mais de seis meses, e essa falta de impulso se deva à negligência das partes. O n.º 4 do presente artigo estipula que a deserção deve ser julgada por despacho do juiz, no tribunal onde se verifique a falta.
Z. Salvo melhor opinião, consideram os Autores que o n.º 4, do artigo 281.º do CPC na sua redação atual, deve ser interpretada no sentido de ser necessário, além do despacho de deserção, que foi efetivamente proferido, pois não se verifica de forma automática pelo mero decurso dos seis meses, ouvir previamente as partes, de forma a ajuizar no caso concreto se a falta de impulso processual é, ou não, devido a negligência. Somente depois dessa audição das partes, o juiz devia emitir o despacho adequado.
AA. Consideram os Autores ora recorrentes que só a realização dessa audição permite uma decisão fundamentada do juiz ao invés de uma meramente discricionária. No caso sub judice essa audição não teve lugar, o juiz do tribunal “a quo” limitou-se a notificar a recorrente do despacho de deserção da instância, sem que previamente tenha ouvido as partes e indagado se o seu comportamento foi ou não negligente.
BB. Ao aludido artigo subjaz a ideia de “negligência das partes” que determina a apreciação e valoração de um comportamento omissivo dos sujeitos processuais, ou seja, deve considerar-se a falta de um impulso processual necessário. Tem de verificar-se inequivocamente, que tenha ocorrido no processo desleixo, descuido na ação, merecedor daquela punição prevista na lei.
CC. No caso presente, os Autores ora recorrentes revelaram, desde 2004, uma conduta precisamente contrária, uma conduta diligente, reveladora do cuidado e interesse no prosseguimento dos autos, impulsionando reiteradamente o mesmo, apresentando diversos requerimentos, com vista a dirimir o conflito que os opõe ao Réu Estado Português.
DD. Deve também relevar-se que os diversos requerimentos apresentados pelos Autores foram merecendo despachos do Tribunal “a quo”, o que atenta a sua pertinência para o prosseguimento dos autos, e demonstra o interesse dos ora recorrentes no seu andamento.
EE. Atento o exposto, no caso dos presentes autos, impunha-se às Instâncias não terem declarada deserta a instância, devendo antes a ação prosseguir seus termos até decisão final de mérito, sob pena de se frustrarem completamente os efeitos visados pelos ora recorrentes, que é dirimir definitivamente o conflito que os opõe ao Réu Estado Português.
FF. As Instâncias fizeram, salvo o devido respeito, que é muito, errada interpretação e aplicação do artigo 281.º do Código de Processo Civil, designadamente dos seus números 1 e 4 …”.

5. O R., aqui ora recorrido, devidamente notificado, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 711/723], tendo concluído nos seguintes termos:
“…
I. Não se verificando os pressupostos necessários à interposição, admissão e apreciação do Recurso de Revista Excecional previsto no art. 150.º do CPTA, não deve este recurso ser admitido.
II. Ainda que seja admitido, deve ser-lhe negado provimento, uma vez que o Acórdão recorrido fez correta análise dos factos e fez correta aplicação do direito vigente e aplicável …”.

6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal, prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA e datado de 04.10.2017 [cfr. fls. 733/737], veio a ser admitido o recurso de revista.

7. O Digno Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, não emitiu qualquer parecer [cfr. fls. 739 e segs.].

8. Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


DAS QUESTÕES A DECIDIR

10. Constitui objeto de apreciação nesta sede determinar da existência de erro de julgamento imputado pelos AA./Recorrentes ao acórdão recorrido, visto entenderem haver uma incorreta interpretação e aplicação do disposto, nomeadamente, no art. 281.º. n.ºs 1 e 4, do CPC [na redação dada pela Lei n.º 41/2013 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Estatuto sem expressa referência em contrário] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].





FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO

11. Resulta assente na decisão recorrida o seguinte quadro factual:
I) Realizada audiência prévia, em 17.06.2015, o Tribunal a quo solicitou nessa ocasião aos AA. que, através de aperfeiçoamento da petição inicial, viessem concretizar os alegados danos patrimoniais e não patrimoniais, de molde a que os autos pudessem prosseguir, bem como ordenou a junção de prova documental protestada juntar para a prova dos mesmos danos, que até à data ainda não havia sido feita [o prazo pedido pelos AA para o efeito foi de 30 dias].
II) Por decisão proferida em 28.09.2016, o Tribunal a quo, considerando o tempo decorrido [mais de um ano] sem que os AA. tivessem manifestado qualquer impulso processual, de molde a que os autos pudessem prosseguir, julgou deserta a instância, nos termos do art. 281.º, n.º 1 … do CPC.

*

DE DIREITO

12. Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões que constituem objeto do presente recurso de revista.

13. Argumentam os recorrentes de que o acórdão sob impugnação ao haver confirmado a decisão do «TAF/S» que havia extinto a presente instância se mostra firmado, no seu entendimento, em incorreta interpretação e aplicação do disposto, nomeadamente, nos n.ºs 1 e 4 do art. 281.º CPC.

Vejamos.

14. Analisados os autos ressalta que por decisão inserta a fls. 284/287, proferida em 20.04.2005, alegadas “irregularidades da petição inicial” e da “questão da personalidade judiciária” foram os AA. convidados a apresentar nova petição inicial na qual, por um lado, concretizassem “os pedidos em relação às causas de pedir”, bem como que individualizassem “o pedido em relação a cada um dos Réus”, e, pelo outro lado, fosse demandado o Estado Português dada a falta de personalidade judiciária do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, e da Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e do Vale do Tejo.

15. Acedendo ao convite os AA. vieram a apresentar então nova petição inicial [cfr. fls. 305 e segs.] que foi admitida pelo despacho de fls. 340/341, tendo, após devido contraditório, sido proferido, em 06.06.2006, despacho saneador-sentença no qual, em sede de saneamento, se julgaram improcedentes as exceções de incompetência, de ilegitimidade passiva e se considerou o processo próprio, inexistindo quaisquer outras exceções dilatórias ou questões prévias, para depois se julgar verificada a exceção de prescrição [cfr. fls. 492 e segs.].

16. Esta decisão objeto de recurso, no segmento relativo ao juízo de procedência da exceção de prescrição, foi revogada pelo acórdão do «TCA/S» de 10.07.2014, que determinou o prosseguimento dos autos [cfr. fls. 567 e segs.], sendo que os AA., em 05.06.2014, haviam apresentado requerimento com o qual visavam a “aceleração do processo”, solicitando a emissão de decisão nos mesmos [cfr. fls. 565].

17. Na prossecução dos autos já no «TAF/S» foi, em 17.06.2015, agendada e realizada audiência prévia, tendo na mesma os AA. sido convidados “a aperfeiçoar a petição inicial designadamente, atendendo ao tempo já decorrido, indicarem os danos patrimoniais concretos, em vez de remeter para liquidação de sentença” e para esclarecerem “quanto a datas e circunstâncias relativas a danos não patrimoniais, assim como em que medida os investimentos alegadamente realizados pelos Autores foram feitos em função da sua candidatura ao PIME”, bem como que “fosse junta a prova documental protestada juntar e àquela destinada a provar os factos alegados, que até à data ainda não foi feita”, para tal tendo sido concedido o prazo de 30 dias [cfr. fls. 622].

18. E no decurso da mesma diligência veio, logo de seguida, a ser proferido despacho saneador com identificação do litígio, fixação de factualidade assente e enunciação dos temas da prova [cfr. fls. 623 e segs.].

19. Conclusos os autos em 07.12.2015 sem que nada mais tivesse sido requerido ou junto até àquela data veio a ser proferida pelo «TAF/S» decisão a julgar extinta a instância por deserção, que veio a ser confirmada pelo acórdão recorrido [cfr. fls. 628 e segs. e fls. 671 e segs.].

20. Assentam as decisões das instâncias no entendimento de que os AA. negligenciaram nos autos o seu dever de impulso processual, omitindo a apresentação da peça processual e dos documentos protestados juntar e em falta, reconduzindo-se o objeto de discussão ao aferir se tal juízo se mostra acertado.

21. E avançando uma resposta temos que tal juízo não poderá ser mantido.

22. É certo que, de harmonia com o previsto, nomeadamente, nos arts. 02.º, 42.º, do CPTA [na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 214-G/2015 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Estatuto sem expressa referência em contrário], 03.º, 05.º, 06.º, 259.º, 552.º e 590.º do CPC, vigoravam e vigoram no nosso contencioso administrativo princípios com os da necessidade do pedido, do dispositivo ou da autorresponsabilidade das partes, cabendo ao A. na dedução da sua pretensão a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir.

23. E que no segmento relativo à condução do processo impendia e impende sobre as partes interessadas, mormente sobre o A., a dinamização, o impulso do processo.

24. Ocorre que o princípio do dispositivo ou da autorresponsabilidade das partes não vale em termos absolutos já que sofre limitações e compressões, nomeadamente, por efeito da existência de regras onde se mostram afirmados outros princípios, como os da oficialidade e do inquisitório, com a consagração e acentuação de poderes de direção e de condução do processo pelo juiz, numa afirmação do princípio do inquisitório associado ao princípio do favorecimento do processo [cfr., entre outros, os arts. 06.º, 411.º e 590.º do CPC, 88.º do CPTA] e da investigação ou da busca da verdade material [cfr., nomeadamente, os arts. 176.º, n.º 4, 411.º, 417.º, 436.º, 476.º, n.º 2, 487.º, n.º 2, 516.º, n.º 4, 601.º, 604.º, n.º 8, todos do CPC ex vi do arts. 01.º e 42.º do CPTA], na certeza de que tal poder de ordenar as diligências instrutórias que se revelem necessárias ao apuramento da verdade material terá como fronteira natural ou limite aquilo que é o âmbito do processo, determinado pelo pedido e pela causa de pedir [limites externos] tanto para mais que as diligências a ordenar destinam-se a provar os factos que foram alegados como fundamentos do pedido.

25. Ora na situação vertente não se descortina que os concretos atos processuais omitidos pelos AA. revelem, na sequência e contexto do que se mostra peticionado, do que foi a tramitação processual até ali desenvolvida e do que em concreto lhes foi determinado/ordenado, uma conduta negligente na promoção e impulso da presente ação administrativa suscetível de integrar a previsão dos n.ºs 1 e 4 do art. 281.º do CPC.

26. Não só a análise daquilo que foi a dinâmica e conduta havida pelos mesmos nos autos infirma ou não suporta minimamente uma tal conclusão, como também as regras legais disciplinadoras dos concretos atos em crise e daquilo que são as consequências do seu incumprimento ou não acatamento por parte dos AA. não envolvem ou não acarretam a imposição dum ónus de impulso processual sobre aqueles conducente à extinção da instância por deserção decorrido o prazo de 06 meses.

27. Com efeito, quer o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, feito note-se, face aos seus próprios termos, para que os AA., decorrido o tempo já havido, viessem concretizar os danos patrimoniais sofridos, assim se evitando uma condenação carecida de ulterior incidente de liquidação, bem como para que esclarecessem as datas e circunstâncias relativas a danos não patrimoniais, assim como em que medida os investimentos alegadamente realizados pelos Autores foram feitos em função da sua candidatura ao «PIME», quer o determinado em sede de instrução probatória quanto à necessidade de junção da prova documental protestada juntar destinada a provar os factos alegados e que até àquela data ainda não tinha sido feita, não acarretam ou envolvem para aqueles, em termos do seu incumprimento ou do seu não acatamento, um ónus, ou um dever legal de impulso na promoção e no andamento do processo cuja negligência seja conducente à extinção da instância por deserção decorrido o prazo legalmente previsto.

28. É que na concreta situação ocorrida nos autos, tendo nos mesmos sido concluída e ultrapassada a fase da condensação e do saneamento e aberta a fase de instrução para realização de ulterior julgamento, a tramitação, a condução processual ditavam, como impulso devido ao julgador [cfr. arts. 06.º, 07.º, 590.º, 595.º, 596.º, 599.º e segs., do CPC, 02.º, n.º 1, do CPTA], ou logo o julgamento do processo com emissão de pronúncia sobre a pretensão, retirando as consequências para a mesma, em termos da sua improcedência, do facto das irregularidades não terem sido supridas/corrigidas, ou então se isso não fosse o caso, ou possível, como se nos afigura, o agendamento e a realização de audiência final de julgamento e ulterior emissão de sentença de mérito, momentos e sede própria onde caberia retirar as consequências para a análise e julgamento da pretensão formulada, tendo presentes as regras e ónus de alegação e de prova que impendiam sobre os AA., as prerrogativas e faculdades processuais conferidas aos mesmos e sanções [cfr., nomeadamente, os arts. 410.º a 414.º, 417.º, 423.º, 424.º, 430.º e segs., 590.º, 595.º, 596.º, 599.º e segs., todos do CPC, 341.º, 342.º, e 346.º, do CC].

29. Instaurada ou proposta a presente ação cabia ao juiz, no uso e atento o poder de direção que lhe estava e está conferido [cfr., nomeadamente, o art. 06.º, n.º 1, do CPC] providenciar pelo andamento regular e célere da ação, tanto para mais que a situação em presença não constava do leque dos preceitos ou das situações que impunham às partes, no caso aos AA., o ónus de impulso subsequente, mediante a prática de determinados atos cuja omissão impedisse o prosseguimento da causa, visto antes envolver ou poder envolver, ou aportar, consequências ao nível da procedência da pretensão formulada ou do seu julgamento.

30. Atente-se que e quanto aos documentos em falta, nada sendo dito ou determinado que os mesmos respeitavam à verificação dum pressuposto processual ou que eram essenciais ao prosseguimento da ação e sem os quais a mesma não poderia seguir seus ulteriores termos, os AA. poderiam vir, ainda que sujeitos a multa, a juntá-los até 20 dias antes da data em que se viesse a realizar a audiência final uma vez agendada e mesmo após tal limite temporal se a apresentação dos documentos não tivesse sido possível até àquele momento [cfr. n.ºs 2 e 3 do art. 423.º do CPC].

31. De notar ainda que na decisão prolatada em sede audiência prévia os AA. não foram sequer advertidos de que o seu concreto incumprimento seria no contexto e dinâmica dos autos tido pelo julgador a quo como gerador de suspensão da instância, ou como conduta negligente para efeitos de impulso processual e, assim, suscetível de produzir a extinção da instância por deserção, situação em que aqueles poderiam interiorizar a existência dum dever de diligência ou que sobre os mesmos impendia um ónus processual de impulso cujo incumprimento os faria incorrer em negligência processual passível de integração na previsão dos n.ºs 1 e 4 do art. 281.º do CPC.

32. Flui de tudo o exposto que, no contexto apurado, o processo sub specie não se encontrava a aguardar o impulso processual por parte dos AA. a ponto do mesmo não poder prosseguir sem uma conduta ativa e que estes, no caso, assim tenham desenvolvido conduta negligente suscetível de conduzir à deserção da instância, razão pela qual não poderá manter-se o julgado pelas instâncias, impondo-se a sua revogação com prosseguimento dos autos nos seus ulteriores termos se a tal nada obste.


DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional sub specie, revogando o acórdão recorrido, e, em consequência, determina-se a baixa dos autos ao TAF de Sintra para prosseguimento dos autos nos seus ulteriores termos.
Custas neste Supremo e no «TCA/S» a cargo do R..
D.N..


Lisboa, 18 de janeiro de 2018. - Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.