Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01269/17
Data do Acordão:11/30/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
Sumário:Não deve admitir-se recurso de revista relativamente a questões restritas ao concreto litigo que envolve as partes e relativamente às quais as instâncias decidiram em consonância através de um discurso jurídico fundamentado e plausível.
Nº Convencional:JSTA000P22640
Nº do Documento:SA12017113001269
Data de Entrada:11/14/2017
Recorrente:A......., ASSOC PRIVADA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE CABECEIRAS DE BASTO E B......., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório
1.1.A……….., ASSOCIAÇÃO PRIVADA recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte, proferido em 4 de Outubro de 2017, que confirmou a sentença proferida pelo TAF de Braga, que JULGOU IMPROCEDENTE a ACÇÃO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL por si intentada contra o MUNICÍPIO DE CABECEIRAS DE BASTO, indicando como contra-interessada a B…………, LDA.
1.2. Com a presente acção pretendia a autora (ora recorrente) a declaração de nulidade ou a anulação do acto de adjudicação dos lotes 1 e 3 do concurso público internacional visando “a prestação de serviços para …………….”.
1.3. Considera que deve admitir-se a revista por tal ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.
1.4. A contra-interessada pugna pela não admissão da revista.

2. Matéria de facto
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito
3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.
3.2. Com a presente acção pretendia a autora que fosse declarada a invalidade da adjudicação relativamente aos lotes 1 e 3 à contra-interessada. O TCA Norte apreciou o recurso que lhe foi dirigido apreciando separadamente os vícios imputados a cada lote.
3.2.1. Quanto ao lote 1 a controvérsia emerge da circunstância da cláusula 5ª, n.º 7 do Caderno de Encargos definir como uma das obrigações principais para o adjudicatário a “Bienal Internacional de Flauta Transversal (duas edições) ”, e, por outro lado, a cláusula 9ª do mesmo Caderno de Encargos determinar que a prestação de serviços tinha início no dia seguinte à celebração do contrato e o seu termo em 31 de Julho de 2018. Ora, tendo o ocorrido a adjudicação em Março de 2017 e terminado o contrato em 31 de Julho de 2018, a segunda edição da bienal – diz o acórdão recorrido – “ou não se realizará, ou terá lugar necessariamente em 2019”.
A proposta da contra-interessada relativamente à 2ª edição (da bienal internacional de flauta transversal) referiu o seguinte: “A 2ª edição, prevista no caderno de encargos será já a realizar fora do âmbito da candidatura, em 2019, a mesma ganhará condições para ser realizada com a participação aberta a 32 flautistas nacionais e internacionais”.
Entenderam as instâncias que não havia razão para excluir a candidatura da contra-interessada: “não se mostra censurável – diz o acórdão recorrido – que a contra-interessada tenha afirmado que, havendo uma 1ª edição da bienal em 2017 se mostre compreensível que a edição seguinte se venha a realizar apenas em 2019 “fora do âmbito do prazo previsto no presente procedimento”. Isto porque, continua o acórdão, “tendo o contratualizado sido adjudicado, como se disse já, em Março de 2017, terminando a vigência em 31 de julho de 2018, é patente que, sem alterações contratuais, não cabem no referido período duas edições de uma qualquer bienal”. O que terá ocorrido – segundo diz o Município de Cabeceiras de Basto – porque a vigência do concurso fora pensada para três anos, o que se não concretizou por força de constrangimentos orçamentais.
O TCA Norte referiu ainda que não obstante as incongruências do Caderno de Encargos – realização de duas edições de uma bienal, em menos de ano e meio – não foi em momento algum, peticionada a anulação do procedimento.
3.2.2. Quanto ao lote 3, o TCA Norte (relativo aos Recurso Humanos), começou por afastar a alegação da violação da concorrência, por a proposta vencedora aqui não ter afectado meios técnicos e humanos à segunda edição da bienal, com consequências no preço apresentado, por ser questão nova.
Abordou de seguida a questão de saber se a proposta vencedora tinha indicado os “recursos materiais” previstos no art. 8º,n.º 1 do Caderno de Encargos, concluindo que os mesmos tinham sido indicados. Considerando esclarecedora a decisão da 1ª instância, segundo a qual a proposta apresenta: “um quadro com as actividades/áreas e as respectivas tarefas a realizar; um quadro com ferramentas e frequência de monotorização; um quadro com a tipologia das reuniões, os intervenientes, a periodicidade, e os instrumentos de acompanhamento e avaliação; um quadro com o plano da prestação de serviços”.
3.3. Com o presente recurso o acórdão do TCA Norte é posto em causa apenas relativamente à adjudicação do lote 1, nada se dizendo relativamente ao que foi decidido sobre a adjudicação do lote 3. Portanto, para admissibilidade da revista importa apenas ter em conta as questões suscitadas quanto à adjudicação do lote 1.
No presente recurso o acórdão é posto em causa porque (concussão 7) o que o TCA deveria ter feito perante a incongruência e ao não o fazer incorreu em erro de julgamento era “dizer e julgar que a prestação que está a concurso não era possível em termos de facto: isto é, ouvindo eventualmente as partes, declarava nulo o caderno de encargos e tudo quanto se lhe se seguiu – nulidade essa que é do conhecimento oficioso e não reconduzível a mera anulabilidade como resulta do acórdão”.
Como já referimos, a questão relativa ao lote 1 (a única que subsiste) emerge do Caderno de Encargos prever a realização de uma bienal, em menos de dois anos. A proposta vencedora, formulada tendo em conta esta concreta realidade, entendeu que a segunda edição da bienal “será já a realizar fora do âmbito da candidatura”; os demais concorrentes (alega a recorrente) entenderam que nesse âmbito deveriam realizar-se duas edições.
Entenderam as instâncias que a interpretação acolhida na proposta vencedora era razoável e, portanto, mantiveram a decisão que a admitiu e graduou em 1º lugar.
Com esta configuração as questões surgidas limitam-se aos presentes caso sem qualquer virtualidade de projecção em situações futuras. Trata-se de uma situação singular que foi apreciada de acordo com critérios de ponderação e razoabilidade e, portanto, sem razões que justifiquem a intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito.
É certo que a recorrente ataca o acórdão do TCA Norte, numa vertente processual, por este não ter conhecido da invalidade do Caderno de Encargos, apesar de ter notado a incongruência, que de resto pôs em destaque, de se prever uma bienal a realizar em ano e meio. O TCA Norte julgou que essa incongruência era geradora de anulabilidade e, por não ter sido invocada, não a apreciou.
A recorrente considera que a mesma configura uma nulidade e, por ser de conhecimento oficioso, o seu não conhecimento fez o TCA incorrer em erro de julgamento.
Todavia, mesmo nesta vertente processual, a questão não justifica a admissibilidade da revista. A qualificação da invalidade do Caderno de Encargos como nulidade ou como anulabilidade também não extravasa o presente litígio, na medida em que tem por objecto um concreto Caderno de Encargos.
Por outro lado, o entendimento de que a invalidade do Caderno de Encargos era geradora de mera anulabilidade não evidencia erro manifesto ou grosseiro a justificar, só por si, a intervenção deste STA, com vista a uma melhor interpretação e aplicação do Direito. Com efeito, não foi indicada qualquer norma legal cominando o acto de adjudicação com nulidade, e o fundamento invocado para justificar a nulidade do Caderno de Encargos - “a prestação não era possível em termos de facto” (conclusão 7) – foi ultrapassado com a interpretação da proposta vencedora.
Com efeito a sentença proferida na primeira instância entendeu que a contra-interessada “(…) se comprometeu à realização de duas edições, com a diferença de quanto à primeira apresentou proposta para a sua ocorrência ainda durante este ano (entre 30 de Novembro e 3 de Dezembro) e quanto á segunda afirma que deverá ocorrer em 2019, de alguma forma, relegando o agendamento para a entidade adjudicante. Compulsada a proposta da recorrente, verifica-se que a mesma prevê a realização de duas edições, sem avançar datas para a sua realização, pelo que não se debateu com a dificuldade da Contra-interessada”.
Não se justifica, assim, admitir a revista.
4. Decisão
Face ao exposto não se admite a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 30 de Novembro de 2017. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.