Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0482/17
Data do Acordão:07/05/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE ESCOLAR
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
Sumário:I - O Art.º 493.º, n.º 2, do Código Civil, não é aplicável à responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos.
II - Não constitui um facto ilícito, a permissão da realização de um passeio escolar a uma lagoa não vigiada por nadadores salvadores se a ida à água era uma mera possibilidade a verificar no local e estaria sempre dependente da presença dos cinco professores que acompanhavam esse passeio, tendo o afogamento de um dos alunos, de quase 16 anos de idade, ocorrido quando entrou na água desobedecendo às instruções que lhe haviam sido dadas.
Nº Convencional:JSTA000P23506
Nº do Documento:SA1201807050482
Data de Entrada:05/30/2017
Recorrente:A......
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

RELATÓRIO

A……….., devidamente identificados nos autos, intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, contra o Ministério da Educação e Ciência (MEC), pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe, a título de danos morais, a quantia de 75.000,00 €, acrescida de juros vencidos à taxa legal contados desde a citação, em decorrência de acidente escolar de que resultou a morte de seu filho menor, B………..

Por sentença do TAF, foi essa acção julgada totalmente procedente, tendo-se condenado o Réu a pagar à Autora a quantia de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), a título do dano morte do referido menor, bem como o montante de 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros), no tocante aos danos não patrimoniais por esta sofridos, acrescida de juros, contados à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

Desta decisão, o Réu interpôs recurso para o TCA Sul que, por acórdão de 2 de Março de 2017, lhe concedeu provimento e, revogando a sentença recorrida, julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo o Réu do pedido.

Deste acórdão, a A. interpôs recurso de revista para este STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:

a) O dever de vigilância, não implica só e estritamente a vigilância, é necessário que o agente do estado além da vigilância, tenha previamente, durante e posteriormente, preparado e adotado todo um conjunto de ações, que lhe permitam eliminar as possíveis situações de risco.
b) No caso dos autos, deveriam estar de prevenção na Lagoa da Ervideira, meios de socorro de prontidão. O que não aconteceu, bem como os agentes da mesma forma que acompanharam os alunos desde a escola até à primeira praia, deveriam manter a mesma vigilância no percurso até à segunda praia, o que não aconteceu;
c) A não aplicação da regra consagrada no artigo 493º, nº 2 do Código Civil, implicaria um elevadíssimo encargo para os lesados na produção da prova, nestes casos particulares, quando os pais não acompanham os alunos e os mesmos se encontram à guarda e sobre a vigilância dos seus professores;
d) Bastava a omissão, para não haver responsabilidade;
e) Resulta claramente provado, que as orientações dadas pelos professores no acompanhamento dos alunos, foram por estes respeitadas;
f) O que aconteceu depois da chegada à Lagoa, com a deslocação para a segunda praia, foi a falta de acompanhamento e vigilância dos agentes do Réu;
h) A falta de acompanhamento da forma regular, ou seja a omissão resultou na culpa por parte dos agentes/professores;
i) O próprio Réu reconheceu a visita à Lagoa da Ervideira como uma atividade perigosa, tendo para o efeito informado varias entidades (Governo Civil, GNR, Bombeiros;
j) Descurando o cuidado mais básico, a colocação no local de meios humanos de socorro, bem como o acompanhamento dos alunos ao longo de todo o percurso;
l) Daqui resulta claro, a culpa dos mesmos, mas mesmo que tal culpa não seja aplicada sem recurso à presunção nos termos do artigo 493º, nº 2 do Código Civil, tal não invalida a culpa por omissão nos termos gerais, até por recurso a presunções naturais;
m) O dever de vigilância não se destina a impossibilitar a ocorrência de todos os perigos, visto que sendo eles em tão grande número seria impossível consegui-lo, mas apenas e tão a só a evitar aqueles que, segundo as linhas típicas da causalidade, são capazes de caudas danos;
n) O ato voluntário de um órgão ou seu agente, no e das suas funções e por causa delas, que pode revestir a forma de ação ou omissão
o) A ilicitude é uma qualidade da conduta, traduzida na violação de regras legais, regulamentares ou de prudência. Como diz expressamente o artigo 6º do Dec. Lei 48051, de 21 de Novembro de 1967, aplicável ao caso sub judice;
p) Um Passeio escolar, fora do âmbito escolar e das instalações, acarretam riscos acrescidos, sendo o mesmo a uma Lagoa não vigiada, a que acresce que pelo menos desde a chegada à lagoa até à segunda praia, os alunos não foram acompanhados;
q) A culpa, como nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto à vontade do agente, que na forma de mera culpa se afere pela diligência que teria naquelas circunstâncias um funcionário ou agente típico; Pressupõe uma censura de ordem jurídica ao comportamento do lesante;
r) Existiu pelo menos omissão na ação, no acompanhamento dos alunos por parte do agente, o que era expectável, mas que não se verificou;
s) Nesta medida existe por parte do MEC um juízo de censura pela conduta omissiva dos seus agentes, resultante da matéria de facto dada como provada, que conduz ao preenchimento cumulativo de todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual;
t) Analisados os factos dados como provados, aplicando as normas legais aos mesmos, não nos restam dúvida da existência da ilicitude por parte do MEC, porquanto os seus agentes, violaram ilícita, culposamente as regras de prudência comum próprias do bonus pater famílias”.

O recorrido, MEC, contra-alegou, tendo concluído:
I - No entendimento do ME, no âmbito dos presentes autos não estão verificados os pressupostos de facto e de direito, dos quais a lei faz depender a admissibilidade da presente Revista.
II - A Revista, por se revestir da caráter excecional, apenas pode ser admitida nas situações em que o Recorrente demonstra de forma individualizada, coerente, fundamentada e inabalável que este expediente jurisdicional se mostra absolutamente necessário para uma melhor aplicação do direito, dada a sua relevância jurídica e social, tal como ocorre do nº 1, do artº 150º, do CPTA.
III - Nos presentes autos, em antinomia com o ónus que sobre si impendia, a Recorrente não invoca quaisquer razões que fundamentem e se subsumam no preceito legal que prevê a excecionalidade da Revista, pois, tudo quanto é aduzido pela Recorrente, nada mais se traduz do que uma alegação típica de um recurso ordinário e não extraordinário.
IV - o TCA Sul fundamentou a sua posição nos acórdãos do STA, a saber: Ac. do STA datado de 15-05-2014, proferido no âmbito do processo nº 1504/13;Ac. do STA datado de 16- 01-2014, proferido no âmbito do processo nº 0445/13; Ac. do STA datado de 22-06-2004, proferido no âmbito do processo nº 01810; Ac. do STA datado de 04-12-2003, proferido no âmbito do processo nº 0557/03.
V - O acórdão do STA, 0947/07, datado de 29/05/2008, invocado no Recurso de Revista pela Recorrente TEM PARTICULARIDADES DE TODO DIFERENTES COM A SITUAÇÃO SUB JUDICE, desde logo e que fazer perecer a sua aplicabilidade aos presentes autos, porquanto, desde logo,
a) - Nos presentes autos a ida à água era, apenas, uma possibilidade e os alunos, incluindo a vítima, foram informados, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa que caso se consolidasse a ida à água, os alunos poderiam fazê-lo quando todos os professores estivessem presentes e o permitissem e se o permitissem.
b) -, A situação de facto exaurida no acórdão do STA, 0947/07, datado de 29/05/2008, invocado no Recurso de Revista pela Recorrente, reporta-se a uma situação em que a vítima estava em plena água do mar, e devidamente autorizada por quem detinha o dever de guarda.
VI - Por isso, no âmbito da decisão do TCA Sul foi operacionalizado, corretamente, o processo subsumptivo dos factos dados como provados aos preceitos legais aportados à colação, designadamente no conceito de ilicitude, concluindo-se pela inexistência de tal situação jurídica nos presentes autos.
V - A Escola providenciou todas medidas de segurança para que caso algum fortuito não viesse a suceder.
VI - No plano anual de atividades e respetivo projeto curricular de turma dos alunos envolvidos da Escola ………….. constava, para o dia 09 de junho de 2006, uma visita de estudo para a Lagoa da Ervideira, autorizada pelos órgãos da Escola, pelo Governo Civil de Leiria e com comunicação à GNR, Bombeiros e Junta de Freguesia do Coimbrão.
VII - Visita que incluía passeio de bicicleta, com saída da escola até à referida Lagoa da Ervideira e piquenique, sendo os alunos autorizados pelos pais e/ou encarregados de educação, sendo certo que a ida à água seria não uma certeza mas, sim, uma possibilidade.
VIII - Estamos ante uma visita/passeio a uma lagoa, na qual se iria fazer um piquenique mas a ida à água, não constituía uma certeza mas sim e apenas uma possibilidade incluída nas atividades lúdicas a realizar na lagoa, portanto, uma possibilidade a decidir in locu pelo corpo Docente.
IX - Relativamente à, eventual ida à água, foram transmitidas diversas indicações pelos professores, e em vários momentos, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa, concretamente, que os alunos só poderiam ir à água, caso tal possibilidade se concretizasse, quando todos os professores estivessem presentes.
X - Um conjunto de alunos tomou a dianteira e todo o grupo começou a desmembrar-se formando sub-grupos, favorecidos quer pelo tipo de acessibilidade ao local — passadiço estreito - quer pelo modo de deslocação, de bicicleta ou a pé.
XI - No grupo da dianteira, o primeiro a chegar à segunda praia, integrava-se o B……….. tendo este entrado na água à revelia das orientações dos professores, violando o dever de obediência e incorrendo em infração disciplinar – artº 15º alíneas f) e o) e artº 23º da Lei nº 30/2002 de 20 de dezembro, vigente à data dos factos.
XII - Em vários momentos, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa caso se consolidasse a ida à água, os alunos só poderiam fazê-lo quando todos os professores estivessem presentes, contudo o B….. à revelia das orientações dos professores, logo que chegou ao local onde se instalou, de imediato correu para a água!
XIII - Um cidadão com 16 anos de idade, no sistema jurídico português, já é imputável criminalmente e, por conseguinte, portador do discernimento necessário para aferir o que deve e aquilo que não deve fazer, o que lhe é permitido e o que lhe está vedado.
XIV - Na perspetivo legislador, dado assente há muitos anos no sistema jurídico português, um cidadão com 16 anos já é portador de um poder cognoscitivo e valorativo que o conduz a optar pelo caminho considerado correto do ponto de vista legal e de se afastar de condutas ilícitas.
XV - O legislador reconhece a um cidadão de 16 anos de idade o sentido de responsabilidade, a maturidade para cumprir os comandos normativos, para pugnar pelos seus direitos e para cumprir as suas obrigações, sendo portador do discernimento para acatar as ordens e/ou orientações de quem de direito e não infringir as instruções que lhe são transmitidas.
XVI - O legislador assumiu a idade de 16 anos como aquele marco a instâncias do qual o ser humano já se revela como detentor de sentido de responsabilidade para contrair matrimónio, gerir a sua pessoa e bens e de aferir a conduta criminalmente punível.
XVII - O crescimento do ser humano, com vista à sua integração plena na sociedade, só poderá ocorrer, de forma salutar, a instâncias de todo um processo formativo, valorativo e de desenvolvimento a vários níveis, caso se incuta sentido de responsabilidade aos adolescentes.
XVIII - “Acorrentar” um qualquer aluno com quase 16 de idade para impedir qualquer eventual ocorrência, no fito de evitar a 100% qualquer violação dos seus deveres, seria impedi-lo de crescer para a liberdade, para o sentido de responsabilidade, para o saber acatar as orientações de quem de direito, numa palavra de crescer salutar e responsavelmente.
XIX - Seria (e é) espectável que um cidadão de 16 anos de idade acate as orientações do pessoal Docente abstendo-se de, sem o respetivo consentimento, entrar na água, à revelia e contra o que lhe fora transmitido, violando um dever do aluno - acatar as ordens e/ou orientações do Docentes - comportamento que resulta em responsabilidade disciplinar (artº 15º alíneas f) e o) e artº 23º da Lei nº 30/2002 de 20 de dezembro, vigente à data dos factos).
XX - O Acórdão do STA, no processo nº 0557/03, datado de 04/12 de 2003, da 1ª subsecção, decidiu que determinados alunos contando já 16 e quase 15 (14 anos e 8 meses) de idade, estão numa faixa etária, em que uma pessoa com desenvolvimento normal, dispõe da capacidade para se orientar e, de um modo geral, evitar os perigos da via pública.
XXI - O Acórdão do STA, no processo nº 01504/13, de 15/05/2014 da 1ª secção entendeu que determinada Escola apenas pelo facto de ter organizado uma passeio não praticou um ato ilícito, não obstante um aluno de 14 anos de idade ter caído a uma mina, porquanto a Escola informou especialmente os alunos da perigosidade da mina, perigosidade esta que estava claramente assinalada em “placard” que o aluno em causa leu, mas sem ligar à respetiva informação.
XXII - Nos presentes autos, e tomando as palavras do Acórdão do STA, a instâncias do processo nº 01504/13, de 15/05/2014 da lª secção, os alunos, incluindo a vítima, foram informados, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa que caso se consolidasse a ida à água, os alunos só poderiam fazê-lo quando todos os professores estivessem presentes e caso o permitissem.
XXIII - O conceito de ilicitude foi corretamente analisado pelo TCA Sul, na factualidade dada por assente, pois, as factos, a lei e a jurisprudência, indicam que o Recorrida NÃO violou, nem ilícita, nem culposamente, nem a qualquer outro título, as regras de prudência comum próprias do bonus pater famílias - numa palavra, a esta parte atuou, prudente e criteriosamente, segundo as regras do bonus pater famílias.
XXIV - Não havendo ilicitude por parte da Escola, pois não violou nem ilícita, nem culposamente, as regras de prudência comum próprias do bonus pater famílias, considerando que este é um dos elementos de verificação cumulativa com os demais para que impenda qualquer obrigação de indemnizar.
XXV - O facto (morte) ocorreu, antes de o pessoal Docente ter convertido a tal possibilidade — a ida à água - num facto real!
XXVI - A Recorrente parte de um pressuposto errado, dando como assente aquilo que era uma possibilidade (ida à água) e, por conseguinte, omite que o acidente se verificou por desobediência por parte da vítima, que foi informada de que não poderia ir à água.
XXVII - Analisando a realidade numa ótica táctico-jurídica concreta quem cometeu um facto ilícito (de natureza disciplinar), postergando orientações do professares foi o próprio aluno (cfr. artº 15º alíneas f) e o) e artº 23º da Lei nº 30/2002 de 20 de dezembro, vigente à data dos factos) e não a Escola que deu orientações objetivas, concretas e precisas, designadamente caso a ida à água se consolidasse, os alunos só poderiam fazê-lo quando todos os professores estivessem presentes e caso o permitissem!
XXVIII - Se no aludido Ac. do STA nº 01504/13 se entendeu não haver por banda da Escola a prática de qualquer facto ilícito porquanto informou os alunos da perigosidade da mina, a qual estava expressamente assinalada em “placard” que a vítima leu, não ligando à respetiva informação;
XXIX - Por maioria de razão, na presente relação material controvertida também não pode haver por banda da Escola a prática de qualquer facto ilícito porquanto, os alunos, incluindo a vítima, foram informados, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa que caso se consolidasse a ida à água, os alunos só poderiam fazê-lo quando todos os professores estivessem presentes e o permitissem, sendo que a vítima violou as determinações dos Docentes.
XXX - Se a ida à água era apenas uma possibilidade, que, obviamente, enquanto possibilidade, viria a ser decidido apenas no local, não se justificava que a Escola ter acautelasse os riscos inerentes a essa atividade, pois, caso tais riscos se verificassem os Docentes não permitiriam que os alunos fossem à água”.

Pela formação de apreciação preliminar a que alude o art.º 150.º do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista.
O digno Magistrado do MP, notificado nos termos do art.º 146.º, do CPTA, não emitiu parecer.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

FUNDAMENTAÇÃO

I. MATÉRIA DE FACTO
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:
A) A Autora A………… é mãe do menor B……….. falecido a 9 de Junho de 2006, e nascido em 09 de Julho de 1990 – cfr. assento de nascimento junto como Doc. nº 1, com a p.i. e assento de óbito junto com o requerimento da A. de 30/09/2009.
B) A A. era detentora do poder paternal do menor B………., nos termos do acordo do exercício do poder paternal, homologado por sentença do 5º juízo do Tribunal Judicial de Leiria – cfr. doc. nº 1, junto com a p.i..
C) O menor B……….. era aluno da Escola………, ………., sita na Rua ………….., em ………, Leiria frequentando o curso de Educação e Formação T2 – acordo.
D) No âmbito do plano anual de actividades e do respectivo projecto curricular de turma dos alunos envolvidos, foi agendado pela Escola …………., para o dia 09 de Junho de 2006, uma visita de estudo para a Lagoa da Ervideira – acordo.
E) Tal visita, devidamente programada pela escola, foi autorizada pelo conselho executivo da escola, através do Conselho Pedagógico – acordo.
F) Com autorização do Governo Civil de Leiria – acordo.
G) E com comunicação à GNR, Bombeiros e Junta de Freguesia do Coimbrão – acordo.
H) A visita incluía um passeio de bicicleta com saída da escola até à referida Lagoa da Ervideira e piquenique – acordo/depoimento da testemunha ………..
I) Os alunos foram autorizados pelos respectivos encarregados de educação, o que sucedeu também em relação ao menor B………. – acordo.
J) No dia 9 de Junho de 2006, pelas 12h15m, o menor B………, foi vítima de um acidente escolar – acordo.
K) O menor B………. integrou a referida visita de estudo, a qual se iniciou pelas 8:30m, junto à escola e términus previsto para as 17h – acordo.
L) A deslocação dos alunos foi feita em bicicleta desde a escola até à Lagoa da Ervideira – acordo.
M) Sendo que os restantes meios de apoio seriam transportados em carrinha da escola – acordo.
N) Desde a saída da escola até à chegada à Lagoa da Ervideira o percurso decorreu sem incidentes – acordo.
O) Seguindo o B……….. e demais colegas, as instruções dadas pelos professores responsáveis pela visita de estudo – acordo.
P) A ida à água era uma possibilidade incluída nas actividades lúdicas a realizar na lagoa – acordo.
Q) Faziam acompanhamento à visita de estudo cinco professores, entre os quais C…….., ………, ………… e …………. – acordo/depoimento das testemunhas ………. e ………...
R) Os professores deram instruções aos alunos a serem observadas no percurso e no local onde iriam instalar-se – depoimento das testemunhas …………., …………e …………
S) Relativamente à ida à água, foram transmitidas diversas indicações pelos professores, e em vários momentos, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa – depoimento das testemunhas …………, ………… e ………….
T) Concretamente, que só poderiam ir à água quando todos os professores estivessem presentes – depoimento das testemunhas …………, ………… e ………….
U) Chegados à lagoa, professores e alunos acordaram instalar-se na designada segunda praia, por a areia estar mais limpa - depoimento das testemunhas …………e ………….
V) O acesso ao local escolhido processou-se por um passadiço de madeira que ladeia a lagoa – depoimento das testemunhas ………… e ………….
W) Houve professores que permaneceram junto à carrinha a fim de recolher o equipamento e a verificar uma avaria ocorrida naquela durante a viagem – depoimento da testemunha ………….
X) Foi então que um grupo de alunos tomou a dianteira e todo o grupo começou a desmembrar-se formando sub-grupos, favorecidos quer pelo tipo de acessibilidade ao local – passadiço estreito -, quer pelo modo de deslocação, de bicicleta ou a pé – depoimento das testemunhas ………… e ………….
Y) O grupo onde se integrava o menor ………… foi o primeiro a chegar à segunda praia, tendo entrado na água – depoimento das testemunhas ………… e ………….
Z) O menor B…….. foi para a água sem o conhecimento e consentimento dos professores envolvidos na actividade – depoimento das testemunhas …………, ………… e ………….
AA) O menor B………. e pelo menos outros três colegas tomavam banho sem terem a vigilância dos professores – depoimento das testemunhas …………, ………… e ………….
BB) Durante o banho, o B……… começou a bater os braços e, em conversa, os colegas sugeriram que ele estivesse na brincadeira – acordo.
CC) O B…….. não mais apareceu à superfície – acordo.
DD) Um aluno foi avisar o professor ………… que se dirigia para o local e que integrava um grupo que precedia os que tinham chegado à lagoa – depoimento da testemunha ………….
EE) Já na presença do professor ………… que entretanto tinha chegado ao local, este tenta apurar junto dos restantes alunos o que se passava, tendo estes referido que o B……… tinha desaparecido na água – acordo.
FF) Seguiu-se uma tentativa de resgate do menor B……. pelo aluno ………… - depoimento da testemunha ………….
GG) Na tentativa de salvamento envolveu-se também o professor C……….., que entretanto chegara ao local, e atirou-se à água a fim de localizar o B…….., mas sem sucesso – acordo.
HH) Após várias tentativas, o professor C……… encontra o corpo do B……….. tendo-o retirado para a margem, onde já se encontravam os bombeiros que entretanto tinham chegado – acordo.
II) Após a retirada do B……….. da água os bombeiros começaram a reanimação – acordo.
JJ) Seguidos cerca de 5 minutos depois pelo INEM, que tentaram a reanimação, que durou até às 11h15m – acordo.
KK) Seguidamente, o B……….. foi colocado na ambulância com destino ao hospital, tendo falecido no caminho – acordo.
LL) Resulta do relatório de autópsia que a morte do menor B………. foi devida a afogamento – acordo/doc. nº 1, junto com a contestação do MP.
MM) Que esta foi causa de morte violenta – acordo/doc. nº 1, junto com a contestação do MP.
NN) Que as pequenas lesões traumáticas da face, denotam ter sido produzidas por objecto contundente ou actuando como tal, devendo estar relacionadas com o mecanismo da morte – acordo/doc. nº 1, junto com a contestação do MP.
OO) Que as lesões traumáticas torácicas encontradas e o sinal de picada no dorso da mão, denotam ter sido produzidas por objecto contundente e objecto perfurante ou actuando como tal, sugestivos de manobras de reanimação cardio-torácica – acordo/doc. nº 1, junto com a contestação do MP.
PP) A pesquisa de álcool, drogas, medicamentos no sangue foi negativa – acordo/doc. nº 1, junto com a contestação do MP.
QQ) O menor B………. faleceu após ter mergulhado na Lagoa da Ervideira, não tendo conseguido voltar à superfície, acabando por falecer por afogamento – acordo.
RR) A Lagoa da Ervideira não era vigiada por nadadores salvadores – depoimento das testemunhas ………… e ………….
SS) A A. estava ligada ao seu filho B………., por um forte amor filial, ficando privada do seu convívio, assistência, apoio, amizade e afecto – depoimento das testemunhas ………… e ………….
TT) A A. sofreu e sofre um profundo desgosto com a morte do seu filho – depoimento das testemunhas ………… e ………….
UU) Viveu uma relação feliz, durante quase 16 anos de relacionamento com o seu filho – depoimento das testemunhas ………… e ………….
VV) O B…….. era menor, solteiro e sem filhos – cfr. doc. nº 1, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas ………… e ………….
WW) À data do acidente o menor B………. era pessoa saudável – depoimento das testemunhas ………… e ………….
XX) Não sofria de qualquer patologia – depoimento das testemunhas ………… e ………….
YY) Não era portador de qualquer deficiência física ou psicológica – depoimento das testemunhas ………… e ………….
ZZ) Era pessoa alegre e divertida – depoimento das testemunhas ………. e ………. e ………..
AAA) Sendo afável no trato com outras pessoas e amigos, que fazia facilmente – depoimento das testemunhas ………. e ……...
BBB) Vivia com a mãe – depoimento das testemunhas ……….. e …………..
CCC) Tendo à data do óbito 15 anos de idade – cfr. doc. nº 1, junto com a p.i..
DDD) Após o divórcio, nunca mais o pai contactou com a mãe, sendo esta o seu único apoio, moral, educacional e financeiro – depoimento das testemunhas ………. e ………….
EEE) O pai nunca mais procurou o B………, desconhecendo-se o seu paradeiro há largos anos – depoimento das testemunhas ……….. e ………...
FFF) Era o B………. a companhia regular da A, quer nas alegrias, quer nas tristezas – depoimento das testemunhas ……….. e ………...
GGG) A A. após a morte do filho, ficou com grande desgosto e sofrimento – depoimento das testemunhas …………. e …………..
HHH) Deixou de ter vontade de trabalhar, falar ou conviver com outras pessoas – depoimento das testemunhas ………. e ………..
III) Passou e passa muitas horas a chorar a perda do seu filho – depoimento das testemunhas ………. e ………..
JJJ) E até hoje a perda do filho impede-a de dormir à noite – depoimento das testemunhas ………. e ………...

II.2. FACTOS NÃO PROVADOS

1. Que chegados à Lagoa da Ervideira, cerca das 10h do dia 9/06/2006, o B……….. e demais colegas, seguindo as instruções dos formadores deslocam-se para a água, a fim de tomarem banho (19º, da p.i.).
2. Que a única contra indicação era não tomarem banho após as refeições (21º, da p.i.).
3. Que a Lagoa da Ervideira não faz parte das praias fluviais autorizadas a banho (artº 37º, da p.i.).
4. Que o B………… praticava desporto com regularidade (artº 62º, da p.i.)".

II. O DIREITO.

A sentença do TAF, para julgar totalmente procedente a acção intentada pela A., entendeu, quanto ao requisito da ilicitude, que o R. infringira as regras da prudência comum quando permitiu a realização de uma visita de estudo a uma lagoa que não era vigiada por nadadores salvadores e em que a ida dos alunos à água era uma possibilidade incluída nas actividades lúdicas aí a realizar, violando, assim, o dever de vigilância que sobre ele impendia e que fora determinante para a verificação do resultado.
Posição contrária foi sustentada pelo acórdão recorrido que, após remeter para o Ac. deste STA de 15/5/2014, proferido no processo n.º 1504/13, que apreciara uma situação idêntica à dos autos e cuja doutrina considerou aplicável ao caso, acrescentou:
“…Na verdade, também aqui o Tribunal a quo considerou a actividade escolar – visita de estudo numa lagoa, sem vigilância de nadadores salvadores - como perigosa e justificou a existência de ilicitude (e culpa) porque deveria ter acautelado devidamente os riscos inerentes a essa actividade, não providenciado pela presença no local de quaisquer meios humanos e técnicos de socorro e auxílio específicos.
Porém, apesar de o referir, o tribunal a quo não retirou as devidas consequências da factualidade que deu como provada e donde resulta que a ida à água constituía apenas uma possibilidade a verificar no local, que faziam o acompanhamento à visita de estudo cinco professores, que estes deram instruções aos alunos a serem observadas no percurso e no local onde iriam instalar-se e que relativamente à ida à água, foram transmitidas diversas indicações, e em vários momentos, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa; concretamente que só poderiam ir à água se autorizados e quando todos os professores estivessem presentes. Sucede que um grupo de alunos tomou a dianteira e todo o grupo começou a desmembrar-se formando sub-grupos, favorecidos quer pelo tipo de acessibilidade ao local – passadiço estreito -, quer pelo modo de deslocação, de bicicleta ou a pé. E o grupo onde se integrava o menor B………. foi o primeiro a chegar à segunda praia, tendo entrado na água, sem o conhecimento e consentimento dos professores envolvidos na actividade.
Ora, também no caso que nos ocupa verificamos que os agentes do Réu e ora Recorrente demonstraram cuidado na organização e condução da visita de estudo, tendo fornecido por diversas vezes instruções específicas sobre a eventual ida a banhos na lagoa. Instruções ignoradas pela vítima.
Repare-se que a visita em causa, foi devidamente programada pela escola, foi autorizada pelo conselho executivo da escola, através do Conselho Pedagógico, com autorização do Governo Civil de Leiria e com comunicação à GNR, Bombeiros e Junta de Freguesia do Coimbrão (cfr. o provado em E), F) e G) do probatório).
Por outro lado, também como provado, os professores deram instruções aos alunos a serem observadas no percurso e no local onde iriam instalar-se e relativamente à ida à água, foram transmitidas diversas indicações pelos professores, e em vários momentos, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa, concretamente, que só poderiam ir à água quando todos os professores estivessem presentes (cfr. R), S) e T) do probatório).
A verdade é que, o menor B………… foi para a água sem o conhecimento e consentimento dos professores envolvidos na actividade (cfr. o provado em Z) supra).
Acresce que, verificando agora da prontidão do socorro promovido pelos agentes do Réu, ficou provado que após várias tentativas, o professor C………..encontra o corpo do B…………., tendo-o retirado para a margem, onde já se encontravam os bombeiros que entretanto tinham chegado, que após a retirada do B……….. da água os bombeiros começaram a reanimação e que seguidos cerca de 5 minutos depois pelo INEM, que tentaram a reanimação, que durou até às 11h15m (cfr. HH), II) e JJ) do probatório).
E veja-se o que exarou o Tribunal a quo na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
“(…) antes de saírem da escola os professores disseram para terem cuidado e não irem à água enquanto os professores não estivessem presentes. Chegados à lagoa, os professores ficaram de volta da carrinha que se tinha avariado e avisam que podíamos ir para a praia mas que não podíamos entrar na água. “A primeira coisa que fizemos foi ir para a água” – disse a testemunha.
Também a testemunha ……….. referiu que os alunos foram avisados mais do que uma vez em contexto de sala de aula e à saída da escola que não podiam ir à água sem a presença dos professores.
Também a testemunha ……….. referiu que antes de saírem da escola foi transmitido aos alunos que na lagoa não havia autorização para irem livremente à água.”
Donde, terá que concluir-se não estar provado qualquer o facto ilícito imputado ao Réu, sendo que da matéria de facto que vem fixada resulta que o Réu tomou as cautelas adequadas à visita de estudo em causa e informou especialmente os alunos da proibição de irem para a água sem estarem devidamente autorizados pelos professores.
E como conclui o Recorrente: “Não havendo ilicitude por parte da Escola, pois não violou nem ilícita, nem culposamente, as regras de prudência comum próprias do bonus pater famílias, considerando que este é um dos elementos de verificação cumulativa com os demais para que impenda qualquer obrigação de indemnizar, fica prejudicada a apreciação dos demais requisitos” (conclusão XXVII do recurso).
Razões que determinam o erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo (juízo que, de certo modo, se compreende, em face da tragédia ocorrida, mas que objectivamente não é juridicamente autorizado). Com o que tem o recurso que proceder, com a revogação da sentença recorrida.
Atento o que se vem de dizer, não havendo ilicitude, a presente acção terá necessariamente que improceder, ficando prejudicado a apreciação dos demais pressupostos atinentes à responsabilidade civil extracontratual do Estado
Contra este entendimento, a recorrente, na presente revista, alega que o passeio escolar à Lagoa de Ervideira constituía uma actividade perigosa, pelo que, ao caso, era aplicável a presunção de culpa prevista no n.º 2 do art.º 493.º do C. Civil e que, mesmo que assim se não considerasse, estava demonstrada a ilicitude da conduta do R. por os seus agentes não terem adoptado todo um conjunto de acções que diminuíssem as possíveis situações de risco, dado não terem mantido a vigilância no percurso para a chamada “segunda praia” e por não terem providenciado pela existência de meios de socorro de prontidão na Lagoa de Ervideira.
Vejamos se lhe assiste razão.
As instâncias consideraram que estava em causa nos autos a responsabilidade civil extracontratual do Estado pela prática de actos ilícitos, a que era aplicável o DL n.º 48051, de 21/11/67, em vigor à data do acidente que vitimou o filho da A., a qual, nos termos do art.º 2.º, n.º 1, desse diploma, dependia da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: acto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade.
De acordo com o art.º 6.º, do DL n.º 48051, são actos ilícitos “os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares, ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.
Incluindo-se na ilicitude a inobservância de regras de ordem técnica e de prudência comum, ou seja, a postergação do adequado nível de diligência exigido, fica, neste domínio, bastante “reduzido o campo de operatividade autónoma do conceito de culpa” (Ac. do STA de 4/12/2003 – Proc. n.º 0557/03).
Assim, porque a ilicitude, enquanto violação das regras de prudência comum, implica a culpa, a A., ao afirmar a aplicação da presunção de culpa do n.º 2 do art.º 493.º do C. Civil, está a invocar a existência de uma presunção de ilicitude.
Porém, esta presunção não funciona no domínio da responsabilidade civil extracontratual do Estado, pelas razões constantes do Ac. deste STA de 16/1/2014 – Proc. n.º 0445/13 (cf., no mesmo sentido, os Acs. de 22/6/2004 – Proc. n.º 01810/03 e de 15/5/2014 – Proc. n.º 01504/13), onde se referiu:
“(…).
É verdade que este Supremo Tribunal Administrativo tem admitido, sem qualquer dúvida, a aplicação das presunções de culpa previstas no art.º 493.º, n.º 1, do C. Civil, admitindo, assim, que a regulamentação do DL 48051 não é exaustiva e que a remissão do art.º 4.º não é restritiva aos artigos ali referidos (artºs. 487.º e 497.º do C. Civil) – cfr. acórdão de 29/4/98, do Pleno desta 1.ª Secção e de 3/10/2002 (Rº 45160) e de 20/3/2002 (Rº 45831).
(…).
Aliás, a aplicação do regime do art.º 493.º, 2 do C. Civil à responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos é bastante problemático.
MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, por exemplo, consideram que não ser aplicáveis as presunções de culpa na responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos, pelo menos nos casos em que não existem “normas que determinem a aplicação de tais presunções” – cfr. Responsabilidade Civil Administrativa, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2008, pág. 28.
A actual Lei 67/2007, de 31/12, o art.º 6.º, n.º 3, consagra uma presunção de culpa leve sempre que tenha havido incumprimento dos deveres de vigilância, ou seja, consagra uma presunção de culpa “in vigilandum”, tal como a jurisprudência do STA vinha admitindo, mas nada diz sobre a extensão dessa presunção aos casos previstos no art.º 493.º, 2 do C. Civil.
FERNANDES CADILHA … também admite apenas as presunções de culpa “por omissão do dever de vigilância”. “Fora dos casos de presunção de culpa por omissão do dever de vigilância (…) e que envolve a inversão do ónus da prova, a existência da culpa exige a demonstração inequívoca de um juízo de reprovação subjectiva… (…) – Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, Almedina, 2008.
Também no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 22/6/2014, proferido no processo 01810, é expressamente afastada essa aplicação:
“(…)Aceitando que a guarda de presos em estabelecimentos prisionais fechados configure uma actividade perigosa, consideramos que se não verifica, no caso sub judice, qualquer responsabilidade do Estado. É que, contrariamente ao que acontece nos actos de gestão privada, em que existe responsabilidade objectiva no âmbito da simples actividade perigosa (cfr. art.º 493.º, n.º 2 do CC), nos actos de gestão pública essa responsabilidade só se verifica no âmbito das actividades excepcionalmente perigosas (cfr. art.º 8.º do DL n.º 48051). A diferença de tratamento radica na consagração de que é razoável exigir aos particulares o risco próprio da vida em colectividade e da sua organização, ou seja da actividade administrativa, até limites aceitáveis de perigosidade, só havendo responsabilidade quando esses limites orem ultrapassados, o que só se deve considerar em casos excepcionais, isto é, de muita elevada perigosidade.
(…).
Foram razões semelhantes às do acórdão deste Supremo Tribunal acima referido que levaram ao entendimento, segundo o qual o art.º 493.º, n.º 2 do C. Civil não era aplicável à responsabilidade civil emergente dos acidentes de viação, dado que, relativamente a tal actividade, se encontrar especificamente regulada, tanto na área da responsabilidade civil fundada na culpa (art.º 483.º, 1) como na zona negra da responsabilidade pelo risco – ANTUNES VARELA, Das obrigações em Geral, I, 10.ª edição, pág. 596. Doutrina esta que, de resto, viria a ter consagração no Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 21/11/79 (DR de 29/1/80), segundo o qual “O disposto no art.º 493.º, n.º 2 do C. Civil não tem aplicação em matéria de acidentes de circulação terrestre”.
Concordamos com o entendimento do aludido acórdão do STA e acima parcialmente transcrito, sublinhando que no âmbito da gestão privada a actividade perigosa é, em geral, exercida em proveito do agente e, portanto, justificativa de um regime de responsabilidade civil próximo da responsabilidade pelo risco (art.º 493.º, 2 do C. Civil). Quem beneficia da actividade perigosa, também tem o encargo de evitar o perigo que eventualmente possa causar e daí a especial onerosidade quanto ao ónus da prova. A justificação do regime de inversão do ónus da prova no art.º 493.º, 2 do CC aproxima-se da justificação da responsabilidade pelo risco e daí a semelhança entre ambos os regimes (quem beneficia da actividade perigosa suporta os danos por ela causados se não provar que não teve culpa).
Tal não acontece com os serviços e actividades perigosas prestadas pelo Estado aos seus cidadãos, onde o benefício desse exercício redunda a favor de quem os procura – como é exemplar o caso da prestação de cuidados médicos. Deste modo, havendo no DL 48051, um regime geral de responsabilidade civil para as actividades perigosas deve entender-se que o Estado, pelo exercício de tais actividades, responde objectivamente, mas apenas nos termos e condições previstas no art.º 8.º, isto é, quando o perigo seja especial e quando os danos sejam também especiais e anormais.
Este regime não invalida, bem entendido, a responsabilidade do Estado e demais entes públicos, nos termos gerais, isto é, sempre que se prove a culpa, mas sem recurso à presunção do art.º 493.º, 2 do C. Civil – permitindo-se também quanto à culpa o recurso a presunções naturais”.
Arredada a aplicação da referida presunção, cumpre agora averiguar se a A. logrou provar a ilicitude da conduta dos agentes do R., por violação das regras de prudência comum que deveriam ser tidas em conta considerando o dever de vigilância que impendia sobre estes.
Em face da matéria fáctica provada, cremos que a conclusão negativa que foi extraída pelo acórdão recorrido não merece qualquer censura. Efectivamente, se a ida à água constituía uma mera possibilidade a verificar no local e se em vários momentos e locais (nas salas de aula, antes do início do passeio e na chegada à lagoa) os alunos foram advertidos pelos professores que, em qualquer caso, essa ida à água estava dependente da presença no local de todos (no caso, cinco) os professores que acompanhavam o passeio escolar, não se pode afirmar que a permissão dada à sua realização, por se referir a uma lagoa que não era vigiada por nadadores salvadores, constituía, por si só, um facto ilícito. E também não se pode considerar demonstrado que se verifique uma ilicitude determinante do acidente por inobservância do dever de vigilância por parte dos professores que acompanharam o passeio, pelo facto de o menor B………. ter integrado um grupo que tomou a dianteira e que foi o primeiro a chegar à “segunda praia”, atento às condições do percurso [cf. als. V) a X) do probatório], às instruções que lhe haviam sido transmitidas e ao facto de o referido menor ter quase 16 anos [cf. al. A), do probatório], sendo, por isso, detentor de discernimento para acatar as ordens do pessoal docente, abstendo-se de entrar na água sem o seu consentimento. Assim, a não demonstração, pela A., da infracção das regras da prudência comum por parte do R., impede que se possa considerar verificado o requisito da ilicitude.
Nestes termos, a presente revista não merece provimento.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Lisboa, 5 de Julho de 2018. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – António Bento São Pedro.