Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0617/10
Data do Acordão:02/09/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:COIMA
CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
FALÊNCIA
SOCIEDADE COMERCIAL
INSOLVÊNCIA
Sumário:I - A declaração de insolvência constitui um dos fundamentos da dissolução das sociedades e essa dissolução equivale à morte do infractor, de harmonia com o disposto nos artigos 61.º e 62.º do RGIT e artigo 176.º, nº 2, alínea a) do CPPT, daí decorrendo a extinção da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva.
Nº Convencional:JSTA00066810
Nº do Documento:SA2201102090617
Data de Entrada:07/15/2010
Recorrente:MASSA INSOLVENTE A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA-ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:CSC86 ART14 N1 E.
RGIT01 ART61 ART62.
CPPTRIB99 ART176 N2 A.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC24046 DE 1999/11/03.; AC STA PROC25000 DE 2000/06/15.; AC STA PROC1053/07 DE 2008/03/12.; AC STA PROC1057/07 DE 2008/02/27.; AC STA PROC1569/03 DE 2005/01/12.; AC STA PROC1079/03 DE 2003/10/29.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CPPT ANOTADO 4ED PAG807.
JORGE DE SOUSA E OUTRO RGIT ANOTADO PAG395 PAG396.
ALFREDO JOSÉ DE SOUSA CPT ANOTADO 3ED PAG410.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. MASSA INSOLVENTE A…, LDª, com os demais sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de improcedência da oposição que deduziu à execução fiscal instaurada contra a sociedade A…, LDª para cobrança de dívidas provenientes de coimas fiscais que lhe foram aplicadas por decisão administrativa proferida em 2008.
Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
1. Os valores constantes do processo executivo instaurado pelo 1.º Serviço de Finanças de Leiria dizem respeito a coimas e acrescido aplicados à A…, Ldª (em liquidação) declarada insolvente em Outubro de 2007, mas cuja sentença só transitou em julgado em Dezembro desse mesmo ano.
2. Esses mesmos valores não foram reclamados dentro do prazo de um ano após a declaração da insolvência nem no prazo de 3 meses após a sua constituição.
3. Pelo que já não poderiam sê-lo, violando-se assim o Art. 146º do CIRE.
4. Mesmo que tal não se entendesse, qualquer reclamação a ter lugar, após a declaração de insolvência, só pode sê-lo através de acção declarativa a propor contra a massa insolvente, os credores e o devedor, o que também não aconteceu no caso dos autos.
5. É também isto que diz o CIRE e as normas deste, porque normas especiais que são, devem ser aplicadas preferencialmente conforme jurisprudência assente (vd. Ac. Rel. Porto de 31.08.2008 e de 06.11.2008).
6. Acresce que os valores peticionados não são verdadeiros créditos, mas sim coimas e estas em caso algum se podem confundir com créditos.
7. Pelo que e também por este motivo o Art. 180º n.º 6 do CPPT não pode ter aplicação no caso dos autos.
8. Por outro lado, tratando-se de coimas, as mesmas porque aplicadas depois da declaração da insolvência devem ser declaradas extintas já que a insolvência é equiparada à morte do infractor.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve a douta sentença recorrida ser revogada substituindo-a por outras que declare a oposição procedente e provada com todas as demais consequências legais como é de inteira JUSTIÇA.
1.2. A Fazenda Pública (Recorrida) não apresentou contra-alegações.
1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal não emitiu parecer.
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.
2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
A- A sociedade “A…, Lda” foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado em 26/12/2007, proferida no processo n° 5968/07.3TBLRA, do 3° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria (fls. 11 a 19);
B- Em 10/06/2008 foi instaurado contra A…, Ldª, em liquidação, o processo de execução fiscal n° 1384200901045130, a correr termos no Serviço de Finanças de Leiria-1, para cobrança de coimas de 2008 e encargos no montante total de € 35.130,35 (processo administrativo apenso);
C- A A…, Lda., em liquidação, foi citada na pessoa do seu liquidatário judicial, B…, para execução fiscal, identificada na alínea anterior, por carta registada com aviso de recepção em 06/01/2009 (fls. 21, 22 e 23 do processo administrativo);
D- A presente oposição foi deduzida em 05/02/2006 (cfr. fls.3 do articulado inicial).
3. Tal como emerge da síntese conclusiva formulada pelo Recorrente, são duas as questões que importa dirimir no presente recurso:
saber se a presente execução fiscal podia ter sido instaurada e prosseguido em face do disposto no artigo 146.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE);
saber se a dívida exequenda, constituída por coimas fiscais aplicadas depois da declaração de insolvência da sociedade, deve ser extinta por virtude de a insolvência ser equiparável à morte do infractor.
Conforme resulta dos autos, a dívida exequenda resulta de coimas fiscais aplicadas à sociedade A…, Ldª, por decisão administrativa proferida em 2008. Tal sociedade fora, porém, declarada insolvente por sentença transitada em julgado em 26 de Dezembro de 2007. O que significa que quando lhe foram aplicadas essas coimas ela já havia sido judicialmente declarada insolvente, encontrando-se em fase de liquidação.
Ora, a insolvência constitui um dos fundamentos da dissolução das sociedades, conforme decorre do disposto no artigo 141.º, n.°1, alínea e), do Código das Sociedades Comerciais. E a dissolução equivale à morte do infractor, em harmonia com o disposto nos artigos 61.º e 62.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e no artigo 176.º, nº 2, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, daí decorrendo a extinção do procedimento contra-ordenacional, da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva.
Nesse sentido se tem vindo a pronunciar de forma pacífica e reiterada este Supremo Tribunal, conforme se pode ver pela leitura dos acórdãos proferidos em 3/11/1999, 15/06/2000, 21/01/2003, 26/02/2003, 12/01/2005, 6/10/2005, 16/11/2005, 27/02/2008 e 12/03/2008, nos recursos nºs 24.046, 25.000, 01895/02, 01891/02, 1569/03, 715/05 e 524/05, 1057/07 e 1053/07, respectivamente.
Como se deixou frisado no acórdão proferido no recurso 1569/03, «essa parece ser a única solução harmónica com os fins específicos que justificam a sanção: repressão e prevenção, que não de obtenção de receitas para a Administração Tributária. Cfr. Alfredo de Sousa e J. Paixão, CPT Anotado, 3 edição, pág. 410 e Jorge de Sousa, CPPT Anotado, 4ª edição, pág. 807 e RGIT Anotado, págs. 395/96.
E, mantendo embora a sociedade dissolvida, em liquidação, a sua personalidade jurídica - art. 146°, n.° 2 do CSC - são, com a declaração de falência, apreendidos todos os seus bens, passando a constituir um novo património, a chamada “massa falida”: um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, em primeiro lugar, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos - cfr. o Ac’d do STA de 29/10/2003 rec. 1079/03.
Pelo que, então, já não encontrará razão de ser a aplicação de qualquer coima.».
Por outro lado, e como se deixou salientado no acórdão proferido no recurso n.º 1057/07, «no tocante à persistência da responsabilidade judiciária uma vez declarada falida a sociedade, sendo embora certo que uma vez dissolvida mantém, na fase de liquidação, a sua personalidade jurídica - artigo 146.º, n.º 2 do CSC - a verdade é que não tal em nada interfere com o facto da consequência objectiva da respectiva dissolução decorrente da declaração de falência, enquanto realidade jurídica societária, dever ser equiparada à morte do infractor, como acima se viu.».
Pelo exposto, e sem necessidade de outras considerações, procede a segunda questão colocada, não podendo manter-se a decisão recorrida. O que prejudica a apreciação do outro erro de julgamento à mesma imputado.
4. Face ao exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a oposição, com a consequente extinção da respectiva execução fiscal.
Custas pela recorrida, apenas na 1ª instância.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2011 – Dulce Neto (relatora) – Valente Torrão – António Calhau.