Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01761/06.9BEVIS 0748/17
Data do Acordão:11/28/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:MAIS VALIAS IMOBILIÁRIAS
REINVESTIMENTO
EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
EXCLUSÃO DE TRIBUTAÇÃO
Sumário:I - Para efeito de exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias, a quantia a reinvestir na nova habitação deve ter uma correspondência directa com o montante recebido com a venda da habitação antiga.
II – No Código do IRS, o valor aplicado na amortização de empréstimo bancário contraído para a aquisição do imóvel alienado apenas releva para determinar a parte do valor de realização dessa alienação que terá de ser reinvestido na aquisição do novo imóvel.
Nº Convencional:JSTA000P23897
Nº do Documento:SA22018112801761/06
Data de Entrada:06/22/2017
Recorrente:AT AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira – AT recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 28/02/2017, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……… e B…….., ambos com os sinais dos autos, contra a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios n.º 2006 500195378, referente ao ano de 2002 e no montante de EUR 14.104,42, cuja nota de compensação deu lugar ao pagamento da quantia de EUR 16.991,59, apresentando para tanto as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios n.º 2006 5001951378, relativa ao ano de 2002, no montante de €14.104,42, cuja nota de compensação deu lugar ao pagamento de €16.991,59 e, em consequência, anulou tal liquidação.

2. Ressalvado o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública já que considera que a douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, traduzido numa errada interpretação e aplicação do direito, tendo violado a alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS, bem como, a alínea a) do n.º 1, a alínea a) do n.º 4 e a alínea a) do n.º 5, todos do artigo 10.º do CIRS (na redação aplicável), assim como, os artigos 43.º, n.º 1 e 2; artigo 44.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2, e artigo 46.º, n.º 1, todos do CIRS, devendo, por esse motivo, ser revogada, com as legais consequências.

3. Assim, constituem mais-valias sujeitas a IRS os ganhos obtidos resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, sendo que, no entanto, o artigo 10.º, n.º 5, alínea a) do CIRS (com a redação dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro), contém uma exclusão de tributação relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar sempre que, dentro de determinados prazos e condições, o valor da realização for reinvestido em imóvel destinado ao mesmo fim e situado no território nacional, estipulando este preceito legal que o reinvestimento que é relevante para efeitos de exclusão da tributação é o do valor de realização deduzido do valor da amortização do empréstimo contraído para aquisição do imóvel alienado.

4. O não cumprimento dessas condições tem como consequência que a alienação do imóvel, se realizada com mais-valias, integre o regime regra que é o da tributação do rendimento de mais-valias apurado nos termos dos artigos 43.º e seguintes do CIRS.

5. Sucede que, transpondo para a situação em apreço e atento o elenco dos factos provados, tendo os impugnantes adquirido a nova habitação, sublinhe-se, integralmente com recurso a empréstimo bancário verifica-se que não houve qualquer reinvestimento do valor de realização, ou seja, os impugnantes não reinvestiram o valor de realização deduzido da amortização do empréstimo relativo ao imóvel alienado e, portanto, o ato de liquidação de IRS em causa está de acordo com a lei aplicável e não pode ser feito com exclusão da tributação dos ganhos da transmissão onerosa do imóvel.

6. Neste âmbito, refira-se o Acórdão proferido pelo STA, de 18/01/2017, processo n.º 0774/14, segundo o qual «(…) um empréstimo bancário contraído para financiar a aquisição de nova habitação, situação esta que está assente, jurisprudencialmente, que apenas a diferença entre o valor do empréstimo e o valor do prédio adquirido é que constitui reinvestimento para efeitos de integração na delimitação negativa expressa no nºs 5 do artigo 10º do CIRC (ver também o recente Ac. deste STA de 23/11/2016 tirado no recurso nº 039/16).».

7. Precisamente, pode ler-se no Acórdão proferido pelo STA, de 23/11/2016, processo n.º 039/16, que «A questão fulcral consiste, pois, em determinar se a quantia que os recorridos auferiram com a venda da sua habitação foi “reinvestida” em termos de legitimar a exclusão de tributação dos ganhos que obtiveram com essa venda.

Estando assente que para adquirem o novo prédio também recorreram a um empréstimo bancário, o montante do empréstimo não pode fazer parte do capital reinvestido. É que esse montante não tem qualquer nexo de causalidade com o produto da alienação, sendo uma “nova” quantia investida num outro imóvel. Sobre a repercussão que o empréstimo bancário tem na exclusão da tributação das mais-valias, formou-se jurisprudência consolidada de que «o reinvestimento a que se referia o artigo 10º, nº 5 al. a) do CIRC e que levava à exclusão da tributação, era apenas o reinvestimento do produto da alienação, com exclusão do reinvestimento de um empréstimo bancário» (cfr. acs. do STA de 12/3/2003, rec nº 01721/02, de 28/1/2004, rec. 01359/03, de 3/3/2004, rec. nº 01774/03, de 20/4/2004, rec. nº 01876/03, de 2473/2004, rec nº 02053/03, de 28/9/2006, rec. nº 0125/06, de 24/3/2010, rec nº 01241/09).

Apenas a diferença entre o valor do empréstimo e o valor do prédio adquirido é que constitui reinvestimento para efeitos de integração na delimitação negativa expressa no nºs 5 do artigo 10º do CIRC. Ou seja, tendo o novo prédio sido adquirido por [€351.000,00], com recurso a empréstimo bancário de [€250.000,00], o reinvestimento corresponde a [€101.000,00]. Como o prédio antigo foi alienado por [€150.000,00], não houve um reinvestimento total dessa quantia, sobrando ainda [€49.000,00] do produto da alienação.».

8. Além disso, não obstante tudo o já referido e sem que se transija, importa assinalar que, salvo o devido respeito, a sentença sub judicio do mesmo modo afrontou o disposto no artigo 10.º, n.º 5, alínea a) do CIRS, na redação então vigente, na medida que para efeitos do reinvestimento que é relevante para exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias não é permitido deduzir ao valor de realização a amortização do empréstimo contraído para a construção do imóvel alienado, uma vez que tal normativo apenas contempla a dedução de amortização de empréstimo para a aquisição de imóvel e não a dedução de amortização de empréstimo contraído para a construção de imóvel (nesse exato sentido, o decidido no Acórdão do STA, de 18/01/2017, processo n.º 0774/14), donde que, no caso, o valor de realização não foi reinvestido pelos impugnantes, revelando-se também por este prisma incorreta a anulação do ato tributário.

9. Por tudo o exposto, salvo sempre o devido respeito, impõe-se decisão diversa da que foi tomada, pelo que, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser revogada a sentença recorrida.

TERMOS EM QUE, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser revogada a sentença recorrida, como é de inteira JUSTIÇA.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 153/156 dos autos, pronunciando-se pelo provimento do recurso por haver concluído que “a questão que se coloca é desde logo a de saber se não tendo qualquer valor da “realização” sido reinvestido na aquisição do segundo imóvel, por o sujeito passivo ter recorrido na íntegra a empréstimo bancário, se a situação é subsumível na previsão do transcrito preceito legal. E no nosso entendimento a resposta não pode deixar de ser negativa. Com efeito, a alteração introduzida pela Lei nº 109-B/2001, de 27/12, não criou uma exclusão tributária autónoma no caso da aplicação do valor da realização na amortização do empréstimo anteriormente contraído para aquisição do imóvel objeto de transmissão. Antes limitou-se apenas a relevar tal amortização no âmbito do reinvestimento na aquisição do segundo imóvel. Ou seja, o valor aplicado na amortização apenas releva para determinar a parte do valor da realização que deve ser considerado no reinvestimento na aquisição do novo imóvel com a mesma destinação.

Assim, naqueles casos em que não há reinvestimento do valor da realização na aquisição de imóvel com a mesma destinação, a eventual aplicação desse valor na amortização daquele empréstimo bancário não releva para efeitos de exclusão da tributação.

Tal situação só veio a ser prevista na Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro, na qual se veio a consagrar, para o período de 2015 a 2020, a extensão da exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS às situações em que o valor de realização seja aplicado na amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel alienado, cujo contrato tenha sido celebrado até 31/12/2014 – artigo 11º da referida Lei. Norma esta excecional e cujo regime não foi transposto para o CIRS e que constitui uma das medidas adotadas face à crise económico-financeira que afetou o sistema bancário.

Quanto à questão de saber se a expressão “aquisição do imóvel” utilizada pelo legislador tem um sentido restrito e circunscrito ao valor despendido aquando da transmissão do imóvel para a esfera jurídica do sujeito passivo, ou se tem um sentido mais abrangente de forma a englobar os casos de aquisição de terreno para construção e edificação do imóvel, acompanhamos o entendimento que ganhou vencimento no acórdão do STA de 18/01/2017 (proc. 0774/14), citado pela Recorrente.

Com efeito, pese embora as pertinentes considerações vertidas no voto de vencido emitido no referido aresto, estamos em crer que se o legislador tivesse pretendido tal alargamento tê-lo-ia feito constar, uma vez que foi bem explícito na distinção de tais situações no segmento da norma referente ao “reinvestimento”.

De facto, aparentemente, as duas situações são similares, pois o que é objeto de transmissão é o imóvel destinado a habitação e este tanto pode ter sido adquirido já edificado como não. E isso é claro no segmento da norma que estabelece as condições de destinação do valor de realização, que tanto pode relevar se for aplicado na aquisição de outro imóvel, como se for aplicado na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel – segmento final da alínea a) do nº5 do artigo 10º do CIRS. Mas o legislador terá pretendido evitar situações de fraude que tal situação facilmente originaria e de difícil controlo por parte da administração tributária. E nessa medida entendemos que é de afastar uma interpretação extensiva daquele segmento da norma.

Atento que no caso concreto não só não foi aplicado qualquer valor de realização da venda do imóvel no reinvestimento na aquisição do novo imóvel (já que este foi integralmente pago com recurso a crédito bancário), como o empréstimo anteriormente contraído e objeto de amortização não tinha sido utilizado na aquisição do anterior imóvel, temos que concluir que não se verifica a situação de exclusão de tributação das mais-valias realizadas com a venda e subsumível na previsão da alínea a) do nº5 do artigo 10º do CIRS”.

4 – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


- Fundamentação -


5 – Questão a decidir

É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar que, para efeitos de aplicação da exclusão de tributação prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, o valor de realização obtido com a alienação de um imóvel pode ser reinvestido através da amortização de empréstimo contraído para a sua construção.

6 – Matéria de facto

Na sentença objecto do presente recurso foram fixados os seguintes factos:

1. Em data não concretamente apurada os Impugnantes adquiriram um terreno e procederam à construção de uma moradia, no mesmo, após a conclusão da referida obra requereram no Serviço de Finanças de Aveiro-1, a sua inscrição, tendo o mesmo passado a estar inscrito na matriz n.º 4664, da freguesia …………., concelho de Aveiro e descrito como casa de habitação, sito na Rua …………., n.º ……….., lote …….., cfr. facto não controvertido e corroborado pelo Doc. 5 junto à PI, fls. 17/18verso do p. f.;

2. Pela AT foi atribuído ao prédio referido em 1. o valor patrimonial de €38.158,04, cfr. 17/18verso do p.f.;

3. O prédio referido em 1. ficou isento de pagamento de contribuição autárquica de 1999 a 2008 cfr. 18verso do p.f.;

4. Em 25/01/2000, para construção da moradia referida em 1., os Impugnantes celebraram no 7.º Cartório Notarial do Porto, MÚTUO COM HIPOTECA TRANSFERÊNCIA, com CREDIFIN – BANCO DE CRÉDITO AO CONSUMO, SA, destinado à liquidação integral de um empréstimo contraído junto do Banco BPI, SA, celebrado por escritura pública de vinte e cinco de Fevereiro de 1999, lavrada a folhas 222 e ss do livro de notas 59-R do 2.º Cartório da Secretaria Notarial de Aveiro, destinado ao acabamento da construção do imóvel referido em 1., no valor de 19.311.063$00/€96.323,18, cfr. fls. 19/31 do p.f.;

5. Em 03/05/2002, no Cartório Notarial de Aveiro, foi celebrada escritura de COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA, cfr. fls. 32/36 do p.f., que aqui se dá por reproduzida, e donde consta que A…………, e mulher B……….., enquanto primeiros outorgantes, venderam ao segundo outorgante C……………. e mulher, pelo preço de €130.000,00, a casa de habitação referida em 1.;

6. Em 18/06/2003, no Cartório Notarial de Oliveira de Ílhavo, foi celebrada escritura de COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA, cfr. fls. 39/49 do p.f., que aqui se dá por reproduzida, e donde consta que o D…………, vendeu aos ora Impugnantes, A…………, e mulher B…………., pelo preço de “€114.723,52”, o prédio urbano, destinado a habitação, composto por casa de rés-do-chão e primeiro andar, com dependências e logradouro, sito na Avenida ………, ………., freguesia e concelho de ………., inscrito na matriz predial sob o artigo 4.137, com o valor patrimonial de €1.259,44, descrito na Conservatória de Registo Predial de Ílhavo sob o n.º 2764 – Ílhavo. Tendo, declarado os Impugnantes que aceitam a venda nos termos exarados e que o bem adquirido se destina exclusivamente a residência permanente.

7. Para aquisição do prédio referido em 6. os Impugnantes celebraram MÚTUO COM HIPOTECA, no qual se confessaram devedores à CREDIFIN – BANCO DE CRÉDITO AO CONSUMO, SA da importância de €133.213,00, aplicando €114.723,52 na aquisição do imóvel referido em 6. e €18.489,48 para obras de beneficiação no referido imóvel, cfr. fls. 39/49 do p.f.;

8. Em 30/04/2003, os Impugnantes entregaram a declaração modelo 3 com o respectivo anexo G, fazendo referência à venda referida em 5. e declararam pretender reinvestir o valor de realização proveniente dessa alienação. Mais declararam que procederam à amortização do empréstimo bancário no valor de €97.265,59, cfr. fls. 50/53 verso do p.f.;

9. Em 06/07/2006, foi emitida liquidação adicional de IRS n.º 500195378, relativa ao IRS de 2002, no montante de €14.104,42, cuja demonstração da compensação deu lugar ao pagamento de €16.991,59, com data limite de pagamento 13-09-2006, cfr. fls. 13/15 do p.f.;

10. Em 22/08/2006, pelo CREDIFIN – BANCO DE CRÉDITO AO CONSUMO, S.A., foi emitida declaração, cfr. fls. 37 do p.f., com o seguinte teor:

“CREDIFIN – BANCO DE CRÉDITO AO CONSUMO, S.A., inscrito na Conservatória do Registo Comercial sob o n.º 47630, com o capital social de 33.500.000 contos, Pessoa Colectiva n.º 502449349, com sede na Rua do Pinheiro Manso, 662, 2º, sala 2.12, 4100 Porto, declara, para os devidos efeitos, que o contrato de crédito habitação n.º 100 055, destinado à compra de habitação própria e permanente, de que eram Titulares os Exmos. Senhores A………… e mulher, B…………., foi liquidado integralmente em 2003 pelo montante de € 99 819,53 (Noventa e nove mil novecentos e oito Euros e vinte e seus cêntimos).

Porto, 22 de Agosto de 2006”

11. Em 12/09/2006, os Impugnantes procederam ao pagamento da liquidação referida em 9., no montante de €16.991,59, cfr. fls. 16 do p.f.;

12. Em 07/12/2006, foi intentada a presente impugnação, cfr. fls. 2 do p.f.;

13. Os Impugnantes residem na Avenida ………..,…………, em ………., e é o local onde aqueles e os seus filhos, recebem as suas visitas, fazem as suas refeições e pernoitam, cfr. depoimento das testemunhas.

7 – Apreciando
7.1. Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida

A sentença recorrida, a fls. 112 a 125 dos autos, julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pelos ora recorridos contra a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios referentes ao ano de 2002, no entendimento de que estando em apreciação o IRS relativo a 2002, (…), será de aplicar a Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que veio permitir deduzir a amortização do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel alienado ao valor que terá que ser utilizado na aquisição da nova habitação.

Discorda do decidido a Recorrente AT, imputando à sentença sob recurso erro de julgamento traduzido numa errada interpretação e aplicação do direito, por violação “da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS, bem como, a alínea a) do n.º 1, a alínea a) do n.º 4 e a alínea a) do n.º 5, todos do artigo 10.º do CIRS (na redação aplicável), assim como, os artigos 43.º, n.º 1 e 2; artigo 44.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2, e artigo 46.º, n.º 1, todos do CIRS. Alega a recorrente que, tendo os impugnantes adquirido uma nova habitação com recurso integral a “empréstimo bancário verifica-se que não houve qualquer reinvestimento do valor de realização, ou seja, os impugnantes não reinvestiram o valor de realização deduzido da amortização do empréstimo relativo ao imóvel alienado e, portanto, o ato de liquidação de IRS em causa está de acordo com a lei aplicável e não pode ser feito com exclusão da tributação dos ganhos da transmissão onerosa do imóvel”. Alega ainda que “para efeitos do reinvestimento que é relevante para exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias não é permitido deduzir ao valor de realização a amortização do empréstimo contraído para a construção do imóvel alienado, uma vez que [o artigo 10.º, n.º 5, alínea a) do CIRS] apenas contempla a dedução de amortização de empréstimo para a aquisição de imóvel e não a dedução de amortização de empréstimo contraído para a construção de imóvel (nesse exato sentido, o decidido no Acórdão do STA, de 18/01/2017, processo n.º 0774/14) (…)”.

Não foram apresentadas contra-alegações e o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA no seu parecer junto aos autos defendeu o provimento do recurso.

Vejamos.

À data do facto tributário sub judice (ou seja, em 2002, ano em que foram geradas as mais-valias imobiliárias em causa nos presentes autos), era a seguinte a redacção da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS:


Artigo 10.º

Mais-valias


(…)
5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

a) Se, no prazo de vinte e quatro meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em Território português;

b) (…)

A norma prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, previa uma exclusão de tributação aplicável às mais-valias obtidas com a alienação da habitação própria e permanente dos sujeitos passivos e do respetivo agregado familiar em caso de reinvestimento do produto da venda – isto é, do valor de realização da operação – na aquisição, construção ou melhoramento de outro imóvel situado em território português e afecto à mesma finalidade.

Ao contrário da pretensão dos ora recorridos, que obteve vencimento na douta sentença do Tribunal a quo, a exclusão de tributação prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS não pode ser aplicada no caso sub judice, por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, não pode aplicar-se a exclusão de tributação supra referida porque os contribuintes não procederam ao reinvestimento do valor de realização obtido com a alienação da sua antiga habitação própria e permanente (a saber, EUR 130.000) na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel que se destinasse ao mesmo fim. Com efeito, resulta do probatório fixado - cfr. o seu número 7 - que o novo imóvel adquirido pelos contribuintes em 2003 foi integralmente financiado através do recurso a um empréstimo bancário cujo valor global ascendeu ao montante de EUR 133.213,00, de forma a custear não apenas a aquisição da nova habitação (cujo valor de aquisição ascendeu a EUR 114.723,52) mas também as obras necessárias à beneficiação do imóvel (no montante de EUR 18.489,48). Assim, e uma vez que a nova habitação foi totalmente adquirida através de crédito bancário (que, inclusivamente, foi concedido aos contribuintes em montante superior ao valor de aquisição do imóvel), resulta do probatório que os contribuintes não destinaram, de forma direta e imediata, qualquer parcela do valor de realização obtido com a alienação da antiga habitação na aquisição da nova morada de família.

Constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal que a aquisição de nova habitação através do recurso integral a crédito bancário não configura uma situação de reinvestimento do valor de realização obtido com a alienação da habitação antiga para efeitos da exclusão de tributação prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS. Assim, o nosso Acórdão de 16 de Janeiro de 2013, rec. n.º 0950/12 (e, bem assim, mais recentemente, no Acórdão de 23 de Novembro de 2016, rec. n.º 039/16), onde se consignou que se para adquirirem o novo imóvel os contribuintes recorreram “a um empréstimo bancário, o montante do empréstimo não pode fazer parte do capital reinvestido. É que esse montante não tem qualquer nexo de causalidade com o produto da alienação, sendo uma “nova” quantia investida num outro imóvel. (…) Apenas a diferença entre o valor do empréstimo e o valor do prédio adquirido é que constitui reinvestimento para efeitos de integração na delimitação negativa expressa no nºs 5 do artigo 10º do CIRC. (…) A ratio legis dessa exclusão prende-se com o reconhecimento da protecção devida à aquisição ou melhoramento de imóveis destinados a habitação própria e permanente do contribuinte. Daí que se faça a exigência de que no património do contribuinte haja uma identidade funcional entre o imóvel transmitido e o adquirido com o valor da realização: ambos têm que ser destinados a habitação própria e permanente do contribuinte e respectivo agregado familiar. E se considere também que o incentivo, enquadrado na política de habitação, só assuma relevo fiscal se ocorrer reinvestimento dos valores realizados. Será, assim, necessário que o valor obtido na venda seja utilizado para o mesmo fim”.

Na situação sub judice, o valor obtido com a alienação da antiga habitação dos contribuintes não foi directamente canalizado para a aquisição da nova habitação (ainda que parcialmente). Percorrida a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, verificamos que os contribuintes venderam a pretérita casa de morada de família pelo montante de EUR 130.000, tendo destinado uma parcela equivalente a EUR 99.819,53 deste valor para liquidar o empréstimo contraído para a construção dessa mesma habitação. De acordo com os factos assentes, o valor remanescente (isto é, o valor de EUR 30.180,47) não foi reinvestido na aquisição da nova habitação dos contribuintes e da sua família, pois que esta aquisição foi integralmente suportada por crédito bancário (tendo o financiamento ascendido ao montante global de EUR 133.213,00, de forma a abranger a aquisição da habitação – no valor de EUR 114.723,52 – e as respetivas obras de beneficiação – no valor de EUR 18.489,48). Donde não se pode senão concluir que se os impugnantes não procederam ao reinvestimento direto e imediato do valor de realização obtido com a alienação da sua antiga habitação própria e permanente na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel que se destinasse ao mesmo fim, razão pela qual não poderão aproveitar da exclusão de tributação ínsita na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS (com a redação em vigor à data do facto tributário).

Em segundo lugar, concluindo-se que não existiu reinvestimento do valor de realização na aquisição ou no melhoramento da nova habitação dos contribuintes (pelo facto de esta ter sido integralmente adquirida através de crédito bancário), os valores destinados à liquidação do empréstimo anterior não podem relevar para efeitos de exclusão de tributação prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.

Com efeito, ao prever que a exclusão de tributação se aplica quando “(…) o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido (…)” [nosso sublinhado], a alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS não consagra uma exclusão de tributação autónoma para a parte do valor de realização destinada à amortização ou liquidação do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel alienado.

Pelo contrário, e como bem salienta o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, o que a norma permite é que essa amortização releve “no âmbito do reinvestimento na aquisição do segundo imóvel. Ou seja, o valor aplicado na amortização apenas releva para determinar a parte do valor da realização que deve ser considerado no reinvestimento na aquisição do novo imóvel com a mesma destinação. Assim, naqueles casos em que não há reinvestimento do valor da realização na aquisição de imóvel com a mesma destinação, a eventual aplicação desse valor na amortização daquele empréstimo bancário não releva para efeitos de exclusão da tributação”.

A possibilidade de alargamento do âmbito de exclusão de tributação ao valor de amortização de empréstimo anteriormente contraído apenas foi expressamente admitida pelo legislador fiscal para o período compreendido entre 2015 a 2020, através da criação de um regime excepcional e temporalmente limitado, previsto no artigo 11.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014:


Artigo 11.º

Regime especial aplicável às mais-valias imobiliárias


1 - A exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS é extensível às situações em que o valor de realização seja aplicado na amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel alienado.

2 - Nas situações referidas no número anterior em que o valor de realização seja apenas parcialmente aplicado na finalidade aí prevista, a exclusão de tributação abrange somente a parte proporcional dos ganhos correspondentes àquela aplicação.

3 - O regime previsto no n.º 1 não é aplicável se, à data da alienação, o sujeito passivo for proprietário de outro imóvel habitacional.

4 - O disposto nos números anteriores aplica-se às alienações de imóveis ocorridas nos anos de 2015 a 2020, em que os contratos de empréstimo tenham sido celebrados até 31 de dezembro de 2014.

Ora, a necessidade de previsão autónoma e expressa deste regime excepcional reforça o entendimento de que o legislador fiscal não inclui as situações de amortização do empréstimo bancário contraído para a aquisição do imóvel alienado entre o elenco de situações que por regra, e nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, espoletam a possibilidade de exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias [o que, aliás, resultava já do teor literal da norma em apreço].

A previsão da possibilidade de consideração da amortização de empréstimo anteriormente contraído como forma de reinvestimento do valor de realização da alienação de um imóvel nos termos supra referidos configura uma situação excecional prevista expressamente pelo legislador fiscal apenas para o período compreendido entre 2015 e 2020.

Assim, não podendo ser atribuída relevância à amortização do pretérito empréstimo bancário, fica prejudicado o conhecimento da questão de saber se, para efeitos de aplicação da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, esse empréstimo poderia ter sido contraído apenas para a aquisição onerosa do imóvel ou também para a sua construção (pois que, em ambas as situações, o valor destinado à amortização do empréstimo não poderá relevar no presente caso).


- Decisão -

8 – Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação.

Custas pelos recorridos, em 1.ª instância e neste STA, salvo quanto à taxa de justiça devida pelo presente recurso, pois não contra-alegaram.

Lisboa, 28 de Novembro de 2018. - Isabel Marques da Silva (relatora) – Dulce Neto – Pedro Delgado.