Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0607/14.9BEAVR
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26338
Nº do Documento:SA2202009160607/14
Data de Entrada:11/12/2019
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (TAF de Aveiro) datada de 20 de Maio de 2019, que julgou extinto por prescrição, o procedimento contra-ordenacional relativo à condenação de A…………, Lda, no pagamento de coima no valor de € 753,75 acrescida de custas, proferida no processo de contra-ordenação nº 0051201306026222, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Aveiro 1.

Alegou tendo apresentado conclusões, como se segue:
1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão final por simples despacho que julgou procedente o recurso de contraordenação supra identificado da decisão de aplicação da coima no âmbito do processo de contraordenação n.º 0051201306026222 apresentado pela arguida, e consequentemente, declarou extinto o procedimento contraordenacional por efeito da prescrição e a respetiva responsabilidade contraordenacional, sem que o Tribunal a quo tenha considerado o limite máximo do prazo de prescrição do procedimento previsto no n.º 3 do art.º 28 do RGCO, aplicável às contraordenações tributárias, ex vi da alínea b) do art.º 3.º e do n.º 3 do art.º 33, ambos do RGIT.
2. Julgou o Tribunal a quo, na douta fundamentação de direito, que o procedimento contraordenacional em causa se encontrava prescrito, considerando que o procedimento contraordenacional relativamente à infração em questão, extingue-se, volvidos que sejam 5 anos, como decorre do n.º 1 do artigo 33.º do RGIT.
3. Realçou, ainda, na decisão recorrida que teve em consideração, para efeitos de contagem do prazo de prescrição, os factos a que a lei atribui efeito suspensivo e interruptivo, nos termos dos artigos 33.º, n.º 3 do RGIT, 27.º-A e 28.º do RGCO e 120.º do CP.
4. Tem sido entendimento, porém, do Tribunal ad quem que é igualmente aplicável às contraordenações tributárias o limite máximo do prazo de prescrição do procedimento previsto no n.º 3 do art.º 28.º do RGCO.
5. Embora o Tribunal a quo refira expressamente que para efeitos de contagem do prazo de prescrição teve em consideração, o art.º 28 do RGCO, entre outras disposições, na sua apreciação, constata-se que, não só não é feita qualquer menção do n.º 3 do art.º 28 do RGCO, como na contagem do prazo este normativo foi completamente ignorado.
6. Com a devida vénia discorda esta RFP da decisão tomada, por considerar que em 2019-05-10 não se tinha por operada a prescrição do procedimento contraordenacional, por ser igualmente aplicável ao prazo geral do n.º 1 do art.º 33 do RGIT, a regra consagrada no art.º 28 n.º 3 do RGCO, aplicável ex vi, do art.º 3.º, alínea b) do RGIT.
7. Para efeito de determinação do limite máximo do prazo prescricional, tem aqui aplicabilidade subsidiária o disposto no n.º 3 do art.º 28 do RGCO, ao prazo dito “normal”, que in casu é de 5 anos, pois, por força desta disposição normativa, o prazo de prescrição do procedimento completa-se quando desde o seu início, ressalvado o prazo de suspensão – art.º 27-A do RGCO, haja decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.
8. Partindo da análise do prazo prescricional do procedimento referente à infração em questão, relativa à falta de certificação de programa de faturação, punível nos termos do art.º 128.º n.º 2 e 26.º n.º 4 do RGIT, o prazo de prescrição do procedimento é então de 5 anos, contando-se o seu termo inicial desde a prática do facto consubstanciador de contraordenação que se fixou no probatório, cfr. n.º 1 do art.º 33 do RGIT.
9. Se a infração se reporta a 2013-09-02, tal prazo começou a contar a partir de 2013-09-03, pelo que o termo final ocorreria, na ausência de quaisquer causas interruptivas e suspensivas, inquestionavelmente, em 2018-09-03, como de resto refere a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo na sua fundamentação de direito.
10. Resulta do probatório diversas causas interruptivas, concretamente, a notificação à Recorrente em 2013-09-16, para efeitos o art.º 70 do RGIT, a decisão de aplicação de coima em 2013-10-24 e a notificação da decisão de aplicação de coima a 2013-11-20, logo, como a interrupção tem a virtualidade de inutilizar todo o tempo entretanto decorrido, o prazo de 5 anos recomeçou a sua contagem aquando da ocorrência de cada causa interruptiva.
11. Aponta a douta decisão recorrida, também, a existência de uma causa suspensiva, a que a alude a alínea c) do n.º 1 do art.º 27.º-A do RGCO, verificando-se que o prazo prescricional esteve, por isso, suspenso desde 2014-06-30 até 2014-12-30.
12. Verificando-se a ocorrência de diversas causas interruptivas, a fim de evitar que com a renovação do prazo de prescrição após cada interrupção se eternizasse o procedimento contraordenacional, aquele tem sempre como limite máximo o decurso da totalidade do mesmo prazo (5 anos), acrescido de metade, ou seja, (sete anos e meio – 5+2,5), ressalvados, ainda, os casos de suspensão, tal como preceitua o n.º 3 do art.º 28 do RGCO.
13. Ora, levando em consideração o prazo máximo do prazo prescricional a que se refere o n.º 3 do art.º 28 do RGCO de sete anos e meio (5+2,5), o prazo prescricional que iniciou a sua contagem em 2013-09-03 só terminaria em 2021-03-03 e ressalvando, ainda, o período em que esteve suspenso durante seis meses (de 2014-06-30 até 2014-12-30), forçoso é de se concluir que o prazo de prescrição do procedimento só se completará em 2021-09-03, não em 2019-05-10 como preconiza a decisão recorrida, inexistindo, portanto, quaisquer dúvidas de que o procedimento contraordenacional em causa ainda não se encontra prescrito.
14. Face a todo o exposto, entende a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que é muito, que a douta decisão final por simples despacho sob recurso, enferma de erro e de um lapso na aplicação do direito, na medida em que faz uma errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis, mais concretamente, do disposto no art.º 28 n.º 3 do RGCO e da jurisprudência do próprio Tribunal ad quem, conforme supracitada.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Ex.ªs, mui doutamente suprirão, deverá provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta decisão final por simples despacho recorrida, com as legais consequências.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Em 02-09-2013, foi lavrado auto de notícia, que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, em suma, que a ora Recorrente utilizava um programa informático de facturação não certificado, não se verificando os requisitos legais para a dispensa de certificação, nomeadamente, não ter sido o programa informático produzido internamente, nem dispondo a Recorrente ou a pessoa que elaborou o programa de qualquer registo do mesmo no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, o que constitui infracção ao disposto no artigo 123.º do CIRC, punível nos termos do n.º 2 do art. 128.º e n.º 4 do art. 26.º do RGIT;
2. Foi remetida à Recorrente, através de carta registada com A/R, para a sua morada, notificação da instauração do procedimento contra-ordenacional e para exercer o seu direito de defesa ou pagar voluntariamente a coima, tendo a Recorrente sido notificada em 16-09-2013;
3. A 24.10.2013 foi proferida decisão administrativa de fixação de coima, da qual consta, nomeadamente, o seguinte:

Descrição Sumária dos Factos
Ao(À) arguido(a) Foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: Aos dois dias do mês de Setembro do ano de dois mil e treze (…) verifiquei directa e pessoalmente (…) as infracções a seguir descritas: (…) constatou-se que, pese embora o sujeito passivo invoque a dispensa de certificação prévia do seu programa informático de facturação, não reúne efectivamente os pressupostos que o habilitam a beneficiar da mesma; Na realidade, o programa informático não foi produzido internamente, limitando-se o programador contratado, o Sr. ………… a fazer o desenvolvimento de software, isto é, a fazer a costumização de um programa já existente; De facto, constata-se que, por este serviço, supostamente realizado durante um mês, é acordada uma remuneração de 250, valor que é manifestamente reduzido para a concepção de raiz de um programa de facturação; Constatou-se ainda que o mesmo programador no período de um ano efectuou similar prestação de serviços a cerca de outros 60 clientes, apresentando os programas desenvolvidos características semelhantes entre eles; Verificou-se ainda que, nem o programador nem o utilizador do programa, ora sujeito passivo inspecionado utiliza, indevidamente, e em desrespeito pela legislação em vigor, concretamente, o nº 9 do artigo 123º do Código do IRC e a Portaria nº 363/2010, de 23 de Junho, um programa de facturação não certificado previamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT); Tal facto constitui uma contraordenação tributária prevista e punida pelo nº 2 do artigo 128º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, os quais se dão como provados.
• Normas Infringidas Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).
Normas Infringidas Normas Punitivas Período Data Coima
Código Artigo Código Artigo Tributação Infracção fixada
CIRC Artº 123º nº 9 CIRC-Falta de RGIT Artº 128º nº 2 e 26º nº 4
Certificação prévia, pela do RGIT-Utilização 2013 2013-09-02 753,75
Direcção-Geral dos Impostos de de programas ou
programas e equipamentos equipamentos de
informáticos de facturação facturação, não
certificados
Responsabilidade contra-ordenaciona
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Artº 7º do Dec-Lei Nº 433/82, de 27/10, aplicável por força do Artº 3º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.
Medida da coima
Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s)contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (Artº 27º do RGIT):
Requisitos/Contribuintes
Actos de Ocultação Não
Beneficio Económico 0,00
Frequência da prática Acidental
Negligência Simples
Obrigação de não
cometer infração Não
Situação económica e
Financeira Baixa
Tempo decorrido desde
A prática da infracção < 3 meses
DESPACHO
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Artº 79º do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 753,75 cominada no(s) Artº(s) Artº 128º nº 2 e 26º nº 4, do RGIT, com respeito pelos limites do Artº 26º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (EUR 76,50) nos termos do Nº 2 do Dec-Lei Nº 29/98 de 11 de Fevereiro.
Notifique-se o arguido dos termos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para efectuar o pagamento da coima ou deduzir recurso judicial no prazo de 20 dias, sob pena de cobrança coerciva, advertindo-o de que vigora o Princípio de Proibição da “Reformatio in Pejus” (em caso de recurso não é susceptível de agravamento, excepto se a situação económica e financeira do infractor tiver melhorado de forma sensível.
4. A decisão de aplicação da coima foi notificada à Recorrente a 20-11-2013;
5. Em 02-12-2013 a A. apresentou o presente recurso no Serviço de Finanças, por fax, tendo o mesmo sido remetido por correio, que deu entrada no Serviço em 05-12-2013;
6. Em 30-06-2014 foi proferido nestes autos o despacho a que se refere o art. 64.º n.º 2 do RGCO.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
Sem pôr em causa os factos que se levaram ao probatório e considerados na sentença recorrida, no tocante às causas de interrupção e suspensão do prazo de prescrição da contraordenação, pretende a recorrente que à data em que foi proferida a sentença recorrida ainda não se havia completado o prazo de prescrição uma vez que nos termos do disposto no artigo 28º, n.º 3 do RGCO (a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade), tal prazo é de 5 anos mais 2,5 anos, porém sem razão.
O disposto neste artigo 28º, n.º 3 não tem a virtualidade de transformar o prazo normal de prescrição de 5 anos –RGIT artigo 33º, n.º1- num prazo de 7,5 anos, trata-se antes de uma norma de salvaguarda que impede que o procedimento contraordenacional se eternize em virtude da ocorrência de diversos factos com relevância interruptiva e/ou suspensiva, sendo por isso uma norma editada em favor da posição do arguido e não da administração.
Ou seja, tal norma não impede que o prazo prescricional se complete em momento anterior àquele em que se completariam os 7,5 anos (contados ininterruptamente desde a prática da contra-ordenação, ou seja, sem atentar nos factos interruptivos e suspensivos), antes impede que, independentemente das diversas vicissitudes que venham a ocorrer, se prolongue para além desse momento.
Resultando, assim, dos factos provados que efectivamente o prazo se completou em momento anterior àquele em que se completariam os referidos 7,5 anos, tal como bem decidido na sentença recorrida, é esse o momento a atender para que o Tribunal julgue verificada a prescrição.
Improcede, assim, o recurso que nos vinha dirigido.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 16 de Setembro de 2020. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Paulo José Rodrigues Antunes.