Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0654/11
Data do Acordão:07/04/2013
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:COSTA REIS
Descritores:CARREIRA DIPLOMÁTICA
EMBAIXADOR
PROMOÇÃO
Sumário:*
Nº Convencional:JSTA000P16053
Nº do Documento:SAP201307040654
Data de Entrada:02/12/2013
Recorrente:MNE
Recorrido 1:A... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno do Contencioso Administrativo do STA:
A…………………….., solteiro, residente na Rua ………. n.º ……., …… Direito, 1350 – …… Lisboa, intentou a presente acção administrativa especial contra a Presidência do Conselho de Ministros e o Ministério dos Negócios Estrangeiros pedindo a anulação dos seguintes actos:
a) Promoção do Ministro Plenipotenciário de 1.ª classe B……………… à categoria de Embaixador, publicada pelo Decreto n.º 8/2011, de 7/04, emitido pela Presidência do Conselho de Ministros e pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros,
b) Promoção do Ministro Plenipotenciário de 1.ª classe C……………… à categoria de Embaixador, publicada pelo Decreto n.º 9/2011, de 6/12, pela Presidência do Conselho de Ministros e pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Invocou para tanto que tais actos estavam feridos (1) por vício de forma por falta de fundamentação; (2) de desvio de poder; (3) de violação de lei; e (4) de violação dos princípios constitucionais da igualdade e da imparcialidade.

Com êxito já que a acção foi julgada procedente e os actos impugnados anulados com fundamento na sua falta de fundamentação.

Inconformado, o Ministério dos Negócios dos Estrangeiros interpôs o presente recurso que concluiu do seguinte modo:
A.) O douto aresto do Tribunal a quo, ao afastar a natureza política que o legislador expressamente reconheceu com a nova lei orgânica do MNE aos actos de promoção, comprometeu a livre escolha política, por Decreto do Governo, assinado pelo Presidente da República, não só de ministros plenipotenciários para a categoria de embaixadores mas, ainda, em termos mais latos, de outras individualidades de reconhecido mérito, cuja escolha para o exercício de funções político-diplomáticas é realizada, em igualdade de circunstâncias, no exercício da função política.
B.) A expressa intenção clarificadora e interpretativa do legislador tem, nos termos do artigo 13.º do Código Civil tem significado de lei interpretativa e é dotada de eficácia retroactiva, pelo que não podia o Supremo Tribunal a quo, salvo o devido respeito, entender que tal intenção interpretativa da nova Lei orgânica do MNE (cuja inconstitucionalidade não está, nem podia estar, posta em causa), é, não obstante, susceptível de ser afastada por alegadamente não ser aplicável em razão do tempo aos actos postos em crise;
C.) Assim, subscrevendo o entendimento que o artigo 24.°, n.° 2 do DL 204/2006, de 27/11, cuja redacção foi aperfeiçoada com a interpretação autêntica sobre a natureza da nomeação em causa, é dotado de força interpretativa com eficácia retroactiva e, consequentemente, aplicável aos actos apreciados pelo Supremo Tribunal a quo, vem a Entidade Demandada manifestar a sua discordância quanto à interpretação do artigo 21.°, n.° 2 da actual Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros perfilhada pelo Supremo Tribunal Administrativo a quo, bem como sobre a existência e o alcance do dever de fundamentação, dada a natureza política do acto e, finalmente, do conceito de interesse legalmente protegido que o STA a quo acolheu no douto Aresto e que não pode aceitar, por não corresponder, com o devido respeito, à ratio do regime constitucional e legal em vigor. Com efeito, ao ter desconsiderado a interpretação autêntica conferida redacção do artigo 21.º, n.° 2, da actual Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros ao artigo 24°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 204/2006, de 27/11, como se verá mais adiante, foi posto em causa o princípio da separação dos poderes, na medida em que, ao não reconhecer ao acto de nomeação a natureza política e o especial regime jurídico que o legislador constitucional e o legislador ordinário procuraram conferir à escolha destes representantes político-diplomáticos do Estado, o STA a quo, está a substituir-se ao poder legislativo, violando, através da interpretação contida no douto aresto posto em crise o artigo 115.°, n.° 5, da CRP;
D.) Ora, com o devido respeito, que é muito, não pode a Entidade Recorrente concordar com tal entendimento que olvida os procedimentos constitucionalmente previstos, a forma constitucional regulada de acto político, a intervenção de órgãos de soberania, portanto, políticos e, finalmente, a eficácia retroactiva das normas interpretativas que consubstanciam necessariamente a denominada interpretação autêntica. Acresce que a alteração legislativa da Lei Orgânica do MNE serve, manifestamente, para remover quaisquer dúvidas que possam subsistir quanto à natureza dos actos de promoção a categoria de embaixador decorrente das normas aplicáveis - artigo 24.°, n.° 2, do Decreto - Lei n.° 204/2006, de 27/10, que aprovou a Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros interpretado à luz do actual artigo 21.°, n.° 2, da Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros em vigor. Sucede que, o n.° 3 do artigo 9.° do CC estatui que “Na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”. Segundo os Professores Pires de Lima e Antunes Varela: “o sentido decisivo da lei coincide com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório de diplomas, ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei”. Citando o Professor Baptista Machado (introdução ao Direito e Discurso Legitimador, 1987, págs. 182 e 189): “o texto ou letra da lei é o ponto de partida da interpretação e, como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei. A letra, o enunciado linguístico é, assim, um ponto de partida.” (sublinhado nosso).
E.) Significa, portanto, que a função legislativa, através da qual foi manifestada a opção política tem, no plano constitucional, primazia sobre todas as restantes funções do Estado, competindo-lhe estabelecer e definir o interesse da colectividade, como sucede no caso, pois a escolha dos diplomatas com a categoria de ministro-plenipotenciário, com os requisitos legais e que sejam equiparados a individualidades de pessoas que podem exercer determinados cargos é equivalente à escolha de individualidades não pertencentes ao quadro diplomático cujas qualificações as recomendem de forma especial para o exercício de funções em determinado posto (art.º 42.° do ECD), ou à nomeação de membros do Governo, ou à nomeação de Governadores Civis, actos sempre pacificamente reconhecidos e qualificados como actos políticos, até porque nenhuma das pessoas em relação à qual recaia a nomeação pode invocar ter direito subjectivo à nomeação;
F.) Tal primazia da função legislativa, nomeadamente, sobre as funções secundárias administrativa e jurisdicional, determina que estas aplicam a lei, enquanto emanação da vontade política, salvo - no caso dos Tribunais - se a lei ofender a Constituição, o que não foi suscitado pelo Douto Acórdão, nem poderia ser;
G.) Confirma tal entendimento a classificação do Professor Jorge Miranda, no Manual de Direito Constitucional, tomo V, 3.ª edição, pág. 23, porquanto, no caso dos autos, a função política é manifestada pelo exercício da função legislativa, de acordo com a qual foi escolhido o regime de nomeação de embaixadores, sejam de carreira sejam os embaixadores ditos políticos, reconheceu que se trata de um acto de natureza política, totalmente distinto, seja pelos órgãos competentes, seja pelo regime que precede a sua prática, seja pelos requisitos legais, dos demais actos de promoção nas restantes categorias da carreira diplomática (artigos 18.° e 19.° do Decreto-Lei n.° 40- A/98, de 27/02, na redacção em vigor), devendo concluir-se encontrarem-se todos os critérios materiais, formais e orgânicos enunciados pelo Professor Jorge Miranda encontram-se preenchidos no caso dos autos:
(i) [Critérios Materiais]: O diplomata que é provido à categoria de embaixador vai poder exercer o cargo de secretário-geral - único na Administração Pública que, nos termos da lei orgânica do MNE, representa internacionalmente os membros do Governo, ou de embaixador na Missão junto da ONU ou na Missão junto da REPER (União Europeia), em todos os casos, representando o internacionalmente o Estado Português.
(ii) [Critérios Formais]: Liberdade máxima resultante da aprovação por Decreto do Governo, assinado pelo Presidente da República;
(iii) [Critérios orgânicos]: São os órgãos de soberania (políticos ou governativos) que intervêm na promoção.
H.) Assim sendo, resta concluir que estamos em presença de um acto de natureza política, quer à luz do Decreto-Lei n.° 121/2011, de 29/12, quer à luz da Lei Orgânica do MNE entretanto revogada e à luz da qual os actos foram praticados;
I.) Se, em tempos, o instituto dos assentos dotado de “força de lei”, permitia ao poder jurisdicional cruzar a fronteira que separa o poder jurisdicional do poder político, ficou claro, tornou-se inquestionável, a partir do Acórdão Constitucional n.° 743/1996, de 28/05, que a jurisprudência não pode assumir as funções que, constitucionalmente, são atribuídas ao poder político. Ou seja, salvo o devido respeito, que é muito, não podia o Douto Acórdão interferir na vontade do legislador, pondo em causa a mens legis, ao classificar, contra legem, por decisão jurisdicional, como acto de administrativo um determinado acto que o legislador qualificou expressamente de acto político, pois assim violará o disposto no artigo 115.°, n.° 5, da Constituição, ponde em causa o princípio da separação de poderes;
J.) Resulta do que atrás se expôs que, para a Entidade Demandada, não restam dúvidas ter sido intenção manifesta do legislador esclarecer e até positivar, a natureza de um ato de nomeação para a categoria de embaixador - os quais em seu entendimento, já eram constitucionalmente considerados actos de natureza política. O legislador constitucional sempre o entendeu e, por isso, exigia o cumprimento do procedimento legislativo constitucional inerente à adopção da forma de Decreto e, consequentemente, a intervenção do Presidente da República.
K.) Com efeito, a importância constitucional, logo política, da categoria de Embaixador é revelada a forma como se concretiza a promoção. Na verdade, nos termos da Constituição, os decretos (de promoção a Embaixador) são emanados pelo Governo, no exercício da função política, e assinados pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro competente em razão da matéria (artigo 201°, n.° 3 da CRP) sendo, após assinados pelo Governo, posteriormente assinados pelo Presidente da República (artigo 134.°, alínea b) da CRP), como é evidente, sempre e só no exercício da função política. A tramitação constitucional descrita e a intervenção dos órgãos de soberania identificados revela, novamente, a natureza e a importância política de que se revestem as promoções à categoria de Embaixador. Assim sendo, não existe qualquer dúvida que se tratam de verdadeiros actos de escolha política, livre, revestidos de especial solenidade e formalismo (nesse sentido, o Douto Acórdão proferido no Processo n.° 621/10 pelo Supremo Tribunal Administrativo);
L.) Com efeito, recordamos aqui que um dos aspectos em que se consubstancia a execução de política externa de Portugal é, precisamente, o que decorre das relações diplomáticas entre Estados soberanos (relações oficiais ou relações de Estado para Estado, in Calvet de Magalhães, Manual Diplomático, Bizâncio, p. 21). Nos termos da Constituição, compete ao Ministro dos Negócios Estrangeiros preparar, coordenar e executar a política externa de Portugal (artigo 201°, n.° 2, alínea a.) da CRP, conjugado com o artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 204/2006, de 27/10, actual artigo 1º do Decreto-Lei n.° 121/2011, de 20/12, que aprovou a actual Lei Orgânica do MNE). Assim, as funções diplomáticas cometidas ao cargo de embaixador implicam o exercício de funções de soberania no estrangeiro, já que o Embaixador de Portugal representa a República Portuguesa (e não apenas o Ministério dos Negócios Estrangeiros) no Estado onde se encontrar localmente acreditado pelas autoridades locais. De acordo com o artigo 4.°, n.° 1 do Estatuto da Carreira Diplomática, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 40-A/1998, de 27/12, compete aos funcionários diplomáticos a execução da política externa do Estado, a defesa dos seus interesses no plano internacional e a protecção, no estrangeiro, dos direitos dos cidadãos portugueses. Em especial, refira-se que o exercício das funções de Embaixador fundamenta-se na Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas (a que Portugal aderiu através do DL n.° 48295, de 27/03/1968), a qual determina que cabe ao Embaixador exercer um conjunto de funções políticas (artigo 3°);
M.) Ora, em regra, as funções diplomáticas bilaterais e, em particular, o cargo de chefe de missão diplomática, são desempenhadas por diplomatas de carreira com a categoria de ministro plenipotenciário ou de embaixador (artigo 40.° do ECD). Pelo que a promoção à categoria de Embaixador constitui o reconhecimento pelo Governo (e pelo Presidente da República) da aptidão, da preparação, da capacidade de alguns ministros plenipotenciários para desempenharem os cargos da mais elevada responsabilidade política no Estado, no âmbito representação externa de Portugal: os cargos de nomeação política. Acresce que a categoria de Embaixador foi, desde sempre, considerada uma categoria a que se ascendia por livre escolha política. Recorde-se aqui os termos do art.º 90°, sobre nomeação de embaixadores, do Regulamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, aprovado pelo Decreto n.° 47 478, de 31/12/66, e revogada pelo Decreto n.° 34-A/89, de 31/01, isto é, do ponto de vista histórico, a nomeação de embaixadores, da carreira diplomática ou fora dela, tem correspondido sempre ao exercício de uma competência e escolha políticas. Note-se ainda que determinadas missões diplomáticas têm legalmente de ser chefiadas por pessoas com a categoria de embaixador dada a importância e relevância política da missão (Cfr. art.º 3°, n.° 1, DL 459/85, de 4/11) - oriundos da carreira diplomática ou por embaixadores fora do quadro, nos termos do artigo 42.° do ECD. Ora, se nestes últimos casos de nomeação de embaixadores fora do quadro diplomático o Supremo Tribunal a quo admite, em processos semelhantes ao presente, que se trata de uma nomeação política, deveria aplicar um raciocínio de igualdade de razões para concluir necessariamente que os actos de promoção à categoria que permitem exercer estes cargos também têm a mesma natureza política, pois não faz sentido admitir poder nomear livremente ad eternum, embaixadores políticos (cfr. artigo 47.°, n.° 5 do ECD) e afirmar que não é possível nomear livremente embaixadores na categoria;
N.) Reforça esta ideia, a unidade e especificidade da carreira diplomática mencionadas no art.º 2.° do EDC: «Os funcionários diplomáticos constituem um corpo único e especial de funcionários do Estado, sujeito a regras especificas de ingresso, progressão e promoção na respectiva carreira, independentemente das funções que sejam chamados a desempenhar».
O.) E, ainda que se entendesse que as promoções a Embaixador não são actos políticos, apesar de a norma legal prevista no DL 121/2011 assim o entender, com natureza meramente interpretativa, sempre se diga que o ato de promoção é um ato de alta administração que, como tal, não carece de fundamentação (cfr. Vieira de Andrade, in “O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”, p. 131 e ss.), que merece equiparação a acto político e implicam discricionariedade pura, que resulta da circunstância de se tratar da nomeação política numa categoria (excepcional, cuja diferença em relação à categoria anterior de ministro-plenipotenciário reside no facto de permitir o eventual exercício de funções como secretário-geral ou chefe de missão na Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER), não impedindo o exercício do cargo de chefe de missão (embaixador) em outros serviços periféricos externos). Tais actos são em tudo equiparados aos actos de nomeação dos diretores-gerais ou dos chefes de missão nos termos previstos no artigo 42.° do ECD - actos em relação aos quais não se questiona a natureza política com a diferença - importante de salientar - de que os diplomatas estrangeiros acreditados em território português acompanham as nomeações publicadas em DR e o percurso dos diplomatas portugueses, existindo historicamente, por isso, alguma reserva na apreciação de características dos diplomatas;
P.) Ao contrário do que afirma o Douto Acórdão ora recorrido, e ressalvado o devido respeito, que é muito, os actos de promoção à categoria de embaixador não só são actos políticos, como também são actos que não carecem de fundamentação, quer por força de uma norma específica que não o determina, quer por força das normas gerais sobre a fundamentação dos actos administrativos. Aliás, os requisitos da fundamentação dos actos de nomeação só podiam decorrer da Constituição, da Lei Orgânica do MNE ou do próprio artigo 20.º, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 40-A/98, de 27/02, que aprovou o Estatuto da Carreira Diplomática (ECD). Ora, o dever de fundamentação é imposto aos actos administrativos, como resulta das normas gerais contidas no artigo 268°, n.° 3, da CRP e, mesmo admitindo a benefício de raciocínio ser aplicável esse regime, tal dever obedece ao regime contido no artigo 124°, n.° 1, al.ª a.) do CPA, sendo que o CPA apenas impõe a fundamentação de actos administrativos que neguem, extingam ou afectem por qualquer modo interesses legalmente protegidos, o que não sucede no caso dos autos onde nem sequer há qualquer concurso (ou sequer prestação de provas).
Q.) Também não colhe o argumento do Supremo Tribunal a quo de que o artigo 47.°, n.° 2, da CRP imporia a obrigatoriedade de realização de concurso para o acesso às diferentes categorias. Refira-se a este propósito que o citado artigo da CRP se refere apenas ao recurso à via concursal para o (primeiro) ingresso na função pública e não se refere a acessos na carreira. Acresce que para a ora Entidade Recorrente, não restam dúvidas que foi expressa intenção do legislador esclarecer e até positivar, a natureza de um ato de nomeação para a categoria de embaixador - os quais, em seu entendimento, já eram claramente, constitucionalmente considerados actos de natureza política. O legislador constitucional sempre o entendeu e, por isso, exigia a intervenção do Presidente da República, nos termos da Constituição, e, por isso, a nomeação assumia a forma de Decreto do Governo.
R.) Com efeito, a importância constitucional, logo, política, da categoria de Embaixador é revelada a forma como se concretiza a promoção. Na verdade, nos termos da Constituição, os decretos (de promoção a Embaixador) são emanados pelo Governo, no exercício da função política, e assinados pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro competente em razão da matéria (art.º 201.°, n.° 3 da CRP) sendo, após assinados pelo Governo, posteriormente assinados pelo Presidente da República (art.º 134°, al.ª b) da CRP), como é evidente, sempre e só no exercício da função política. A tramitação constitucional descrita e a intervenção dos órgãos de soberania identificados revela, novamente, a natureza, a escolha e a importância política de que se revestem as promoções à categoria de Embaixador. Assim sendo, não existe qualquer dúvida que se tratam de verdadeiros actos de escolha política, livre, revestidos de especial solenidade e formalismo (cfr. no mesmo sentido, o Douto Acórdão do STA proferido no Processo n.° 621/10);
S.) Ainda que assim não se entendesse quanto à natureza do acto, o que por mero benefício de raciocínio se concebe, nota-se que estes actos não carecem de fundamentação nos termos do regime geral. Como se teve oportunidade de explicar, não existe qualquer procedimento e os diplomatas em condições de poderem ser nomeados na categoria de embaixadores não têm o direito subjectivo à promoção;
T.) De facto, relativamente à interpretação da alínea a.) do artigo 124.° do CPA, única que podia, em tese, ser susceptível de aplicação no caso dos autos, o Professor Vieira de Andrade (cfr. “O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”, p. 96 e ss) defende que: «Para que se exija a fundamentação, é necessário que se esteja perante um interesse do particular que tenha uma “tutela” da ordem jurídica.» (sublinhados nossos) Ora, salvo o devido respeito, não está demonstrado, por não ser demonstrável, que da anulação do acto em causa resultaria a satisfação do interesse do Recorrido, porquanto aquilo que verdadeiramente caracteriza o interesse protegido é a tutela reflexa. Ora, no caso em apreço, não há sequer procedimento em que o Recorrido seja participante… como poderia ser então detentor de um interesse?
U.) Assim, como não colhem os exemplos apontados de actos praticados por decretos e que são legalmente fundamentados, na medida em que tal fundamentação resulta de imposição legal expressa (art.º 28°, n.° 4 da Lei n.° 107/2001), por um lado, e, por outro, tais actos afectam, comprimem directamente direitos de propriedade de terceiros criando servidões legais (ou seja, não existe uma situação igual comparável). Logo, para além de a lei não exigir especialmente que estes actos sejam fundamentados - como expressamente o faz em relação a outros actos de alta administração - a presente situação não cabe em nenhuma das alíneas do n.° 1 do artigo 124.° do CPA já que a promoção à categoria de Embaixador não se realiza através de nenhum procedimento concursal, com ou sem a apresentação de candidaturas, não negando restringindo ou afectando, por isso, direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros.
V.) Dito de outra forma: se, em tese, o Recorrente é detentor dos condicionalismos que a lei estabelece para poder ser promovido a Embaixador, tal não implica que tenha direito a ser promovido ou tenha sequer um interesse legalmente protegido, mas, apenas e eventualmente, uma mera expectativa de poder ser escolhido pelo Governo, nos autos trata-se de uma “mera” expectativa do Recorrente, no sentido de que se trata de uma expectativa de facto e não uma expectativa jurídica. Com efeito, nem todas as expectativas gozam de protecção jurídica (neste sentido, o Acórdão do STJ de 29/04/2010);
W.) Neste caso concreto, o efeito útil da anulação dos actos de nomeação pretendido não é, reflexamente, a nomeação dos demais “promovíveis”;
X.) Em paralelismo, podemos invocar que podem ser nomeados directores-gerais todos os que preencham os requisitos que a lei impõe mas sendo a nomeação feita por escolha do Governo, não podem todos os restantes cidadãos que reúnam, em abstracto, as condições legais invocar que lhes foi negado, extinto, restringido ou afectado um direito ou interesses legalmente protegidos, porquanto não existe procedimento em que participem. Aliás, os requisitos da fundamentação dos actos de nomeação só podiam decorrer ou da Lei Orgânica do MNE ou do próprio artigo 20.°, n.° 2 do D 40-A/98, de 27/02, que aprovou o Estatuto da Carreira Diplomática (ECD).
Y.) Esta natureza politica e de livre escolha foi bem entendida pelo Supremo Tribunal, ao julgar, de forma clara, que a discricionariedade na nomeação dos embaixadores se harmoniza com a livre escolha, fixada no artigo 40.° do ECD, que permite ao Conselho de Ministros, a título excepcional confiar a chefia de uma missão diplomática a individualidades não pertencentes ao quadro diplomático, reconhecendo, e bem, a igualdade de tratamento que ambas as nomeações devem merecer já que ambas as situações são materialmente idênticas - traduzem escolhas que permitem o exercício, sem termo pré-determinado na lei (cfr artigo 47.°, n.° 5 do ECD), de determinados cargos específicos de representação internacional do Estado Português ao mais alto nível político. Com efeito e como muito bem entendeu o Supremo Tribunal no Douto Acórdão de 23.02.2012, proferido no recurso 621/10, trata-se de um ‘acto de livre escolha”, entre os ministros plenipotenciários que reúnam os requisitos para ser promovidos. Resta, assim, retirando todas as consequências desta premissa, concluir que havendo identidade entre as nomeações de embaixadores fora do quadro e as nomeações na categoria de embaixadores, na medida em que ambas são feitas sem prazo previamente determinado na lei, nos termos do disposto no artigo 47°, n.° 5, do ECD, pressupõem a emissão de Decretos do Governo e a intervenção de SEXA o Presidente da República, é forçoso concluir-se que ambos os casos são de qualificar como actos políticos.
Z.) Resulta dos elementos lógicos da interpretação (histórico, racional e teleológico) das normas jurídicas que o artigo 20°, n.° 2 do ECD dispensa a fixação de critérios de avaliação a ponderar na apreciação de qualidades dos funcionários e dos serviços prestados (ao contrário do regime expressamente previsto no artigo 19.° do ECD). A forma solene que reveste o ato de promoção - Decreto - é demonstrativa dessa absoluta liberdade de escolha (ao contrário do regime expressamente previsto no artigo 19.° do ECD);
AA.) Abordando a interpretação do ponto de vista histórico, e fazendo um percurso sobre os regimes jurídicos de promoção à categoria de Embaixador e as alterações que os mesmos foram sofrendo, verifica-se que apenas no período entre a vigência do Decreto-Lei n.° 498/88, de 30/12, e o Decreto-Lei n.° 79/92, de 6/05, foi o concurso a forma expressa de nomeação de ministros plenipotenciários à categoria de embaixador. Existindo assim como um período excepcional no que toca ao regime deste tipo de actos. De resto, a regra dominante foi sempre a de que a nomeação era livre e não fundamentada.
BB.) Em face do que antecede, verifica-se que, de acordo com a evolução do regime jurídico de acesso à categoria de embaixador, é manifesto que, no actual Estatuto da Carreira Diplomática, o legislador dispensou intencionalmente a fixação prévia dos critérios de avaliação a ponderar na apreciação das qualidades dos funcionários e dos serviços prestados, o que demonstra que o Ministro dos Negócios Estrangeiros dispõe de total liberdade de escolha para promover de entre os Ministros Plenipotenciários com o tempo de serviço previsto na lei, pois a lei não fixa quaisquer critérios de avaliação para a promoção. Se a lei não fixa quaisquer critérios, então, necessário é concluir que a liberdade de escolha é total, desde que cumpridos, como foram, os aspectos vinculados da norma.
CC.) Aliás, a outra conclusão não se chegaria através do elemento sistemático de interpretação do ECD vigente. Com efeito, comparando todas as disposições sobre a promoção à categoria seguinte, percebe-se de imediato que os requisitos procedimentais, no caso da promoção a Embaixador são nulos, existindo, nesta promoção somente requisitos materiais e inerentes ao exercício das competências para serem respeitados na prática destes actos. Consequentemente, considera-se, salvo o devido respeito, que é muito, que o Douto Acórdão ora recorrido não interpretou correctamente a norma prevista no artigo 20.°, n.° 2 do ECD, porquanto, não ponderou devidamente todos elementos de interpretação na interpretação do preceito em causa (neste sentido decidiu o douto Acórdão proferido no Processo n.° 621/2010, em 23.02.2012);
DD.) Com efeito, e como bem considerou o Douto Acórdão proferido no Processo 621/2010, em 23.02.2012, “para além da fixação prévia dos critérios de avaliação, a promoção é efectuada através de decreto, ou seja, através de uma forma solene de expressão de certos actos políticos ou actos administrativos de Governo associada a actos de poder, a actos de autoridade, que não é objecto de qualquer procedimento administrativo, designadamente de audiência prévia dos interessados nem carece de fundamentação.”
EE.) Ora, quer o procedimento constitucional de aprovação do Decreto, quer a forma solene que o ato de aprovação reveste demonstram, desde logo, a sua inegável e indiscutível associação a actos de poder político, actos de natureza constitucional e a actos de autoridade, os quais, porque submetidos a um processo constitucional previsto na Constituição e na lei, não são sujeitos a um procedimento administrativo, logo, porque não prevista nas normas constitucionais e legais que estabelecem os requisitos para a prática destes actos, não carecem de audiência prévia, nem de fundamentação, na medida em que são, por natureza, actos políticos, logo, também, livres. Como se salientou a propósito do elemento sistemático, é claro o contraste normativo existente entre o regime de promoção a ministro plenipotenciário, que é consumado mediante despacho e com base num processo em que existe obrigatoriamente uma grelha de avaliação e cujas promoções são, nos termos legalmente previstos directamente no ECD, objecto de fundamentação.
FF.) Consequentemente, conclui-se, outra vez, que o Recorrente interpretou correctamente a norma prevista no artigo 20°, n.° 2 do ECD, porquanto qualificou devidamente a natureza política, isto é: livre, da discricionariedade conferida pelo processo constitucionalmente previsto para a promoção. De facto, ao estabelecer que a promoção ocorre por Decreto do Governo, assinado pelo Presidente da República, estão a Constituição e a lei a assumir, expressamente, que existem apenas requisitos materiais e de competência e simultaneamente a reconhecer que não existe nem procedimento administrativo, nem requisitos formais de fundamentação administrativa, porque se trata da prática de um ato político, portanto, livre.
GG.) É entendimento do Acórdão de que ora se recorre que o artigo 21°, n.° 2 da nova Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros, aprovada pelo DL 121/2011, de 29/12, não é aplicável ao caso sub judice. Contudo, salvo o devido respeito, que é muito, salientar que este é o sentido que o legislador constitucional e ordinário sempre pretendeu imputar aos actos políticos de nomeação à categoria de embaixador ao determinar a necessidade de observância de um procedimento constitucional e dotar órgãos constitucionais de competência legal para a prática dos actos em causa, por estarem em causa as escolhas mais relevantes para a defesa dos interesses político-diplomáticos da representação externa do Estado. Em segundo lugar, ainda que assim não se entendesse, o que por mero dever de patrocínio se concebe, sempre se dirá que a lei nova teve exclusivamente a intenção de interpretar a lei anterior, pelo que, tratando-se de lei interpretativa, o artigo 13°, n.° 1 do Código Civil estatui que tem efeito retroactivo. Finalmente, essa também foi o entendimento sustentado pelo STA, no processo 621/10, tendo sido considerado que não se verificou qualquer alteração no regime jurídico dos actos de promoção. Na verdade, ocorreu apenas e tão só uma clarificação do legislador nesta matéria.
HH.) Do que antecede, constata-se que a promoção a Embaixador obedece à livre escolha do Governo, com base no mérito das qualidades dos ministros plenipotenciários em condições de serem promovidos e dos serviços por eles prestados e cumprindo os diplomatas que promovidos os requisitos vinculativamente previstos na lei, competia ao Governo escolher, sem dever de fundamentar, os diplomatas a promover por Decreto, pois inexiste qualquer direito à promoção a embaixador ou mesmo de qualquer interesse legalmente protegido, mas apenas a mera expectativa de facto (não de direito) de o serem (cfr artigo 268°, n.° 3, da CRP e artigo 124°, n.° 1, alínea a) do CPA).
II.) O Recorrido, não tendo sido lesado num direito subjectivo, apenas poderia pôr em causa a legalidade da nomeação se demonstrasse a titularidade de um interesse reflexamente protegido com a anulação dessa actividade. No caso em apreço, como se disse antes à cautela, trata-se aqui de uma “mera” expectativa do Recorrido, no sentido de que se trata de uma expectativa de facto e não um a expectativa jurídica, ou como designado por Esteves de Oliveira, um mero interesse simples ou de facto (no mesmo sentido, o já citado douto Acórdão do STJ, de 29/04/2010).
JJ.) Logo, salvo o devido respeito, que é muito, não releva, no caso dos autos, a posição vertida no manual do Prof. Freitas do Amaral (Curso de Direito Administrativo, Vol II, pág. 66) de que existe um interesse legítimo quando, num concurso para preencher vaga de um professor catedrático, um dos candidatos seleccionados não se encontra nas condições legais exigíveis para concorrer É que, em primeiro lugar, salienta-se que não estamos em presença de qualquer concurso, na medida em que nem a Constituição (o citado art.º 47.°, n.° 2 da CRP respeita ao ingresso e não às promoções na função pública), nem a lei exige a realização de qualquer concurso, por outro lado, é indubitavelmente uma promoção de diplomatas que reúnem os requisitos para nomeação.
KK.) Finalmente, faz-se notar que os actos em causa se encontram motivados com a fundamentação exigível seja pela natureza política do ato, seja pela ausência de processo administrativo com concorrentes, pois os actos reproduzem as normas jurídicas que os legitimam constitucional e legalmente.

O Recorrido contra alegou para concluir como se segue:
1. Não pode proceder o argumento apresentado pelo Recorrente MNE de que os actos aqui em causa são “actos de natureza política” dada a respectiva forma solene de “Decreto”.
2. Os actos sub judice não são “actos políticos” e, ainda que pudessem ser assim classificados - o que não se aceita - tal classificação nunca poderia decorrer da mera designação que lhes é atribuída por lei, isto é, a designação de “Decreto”.
3. O facto de o acto de promoção ser publicado através de Decreto não faz daquele acto um “acto político”, nem conduz à discricionariedade que o Recorrente pretende.
4. A forma dos actos não determina, nem pode determinar, a natureza política dos mesmos ou a natureza discricionária dos poderes em causa.
5. Ainda que a lei tenha determinado que o acto de promoção deve ter a forma de “Decreto”, tal designação não modifica a natureza administrativa do mesmo, que foi confirmada, de resto, anteriormente em dois Acórdãos anteriormente proferidos pelo Pleno desse Venerando Supremo Tribunal Administrativo, sobre esta mesma questão jurídica.
6. Ainda que os Embaixadores fossem promovidos por Decreto-Lei, não deixaria de se tratar de um verdadeiro acto administrativo, impugnável perante os tribunais.
7. O que determina se se trata de um Acto administrativo ou de um Acto político é a natureza e a função do próprio Acto e não a designação que o legislador lhe dá.
8. Caso fosse de aceitar este argumento, estaria aberto o caminho para a pura arbitrariedade da Administração, bastando para tal que o poder legislativo determinasse que determinados actos administrativos, passassem a ser praticados sob a forma de “Decreto”.
9. Não procede igualmente o argumento do Recorrente de que a “natureza política” dos actos sub judice decorreria ainda do carácter soberano das funções habitualmente desempenhadas pelos Embaixadores - cfr. pag. 42/52 Recurso.
10. A natureza alegadamente soberana das funções dos Embaixadores nunca poderia conduzir à “natureza política” dos respectivos actos de promoção ou, sequer, à sua discricionariedade absoluta, conforme pretende o Recorrente.
11. Conforme resulta do Parecer do Professor João Caupers, supra citado e transcrito: “Por estranho que possa parecer; o termo «embaixador» não é unívoco quanto ao seu significado. Pode, evidentemente, designar o diplomata que já foi promovido à categoria de embaixador. Mas também pode designar aquele que, ainda que não detendo tal categoria profissional., foi efectivamente nomeado representante do Estado português num Estado estrangeiro. (...) não só há países em que o embaixador de Portugal não detém a categoria de embaixador, como existem diplomatas portugueses com a categoria de embaixador que não representam Portugal em país nenhum, encontrando-se, por exemplo, a dirigir serviços do MNE em Lisboa. (...)
12. No mesmo sentido, no referido Parecer: “No processo judicial em causa impugnaram-se actos de promoção à categoria de embaixador e não actos de nomeação de embaixadores de Portugal neste ou naquele país. Ora, a hipotética exclusão da jurisdição administrativa poderia justificar-se para estes, mas nunca para aqueles. Na verdade, os primeiros nada têm a ver com a representação do Estado português no estrangeiro, limitando-se a criar uma condição - que nem é necessária, nem é suficiente - de tal representação”.
13. Os Actos de promoção à categoria de Embaixador não se relacionam com a representação do Estado Português no estrangeiro, sendo que apenas geram uma condição para que tal representação seja possível.
14. Os actos de promoção à categoria de Embaixador não podem ser definidos como decisões que envolvam os “interesses essenciais do Estado”, não se enquadrando no exercício da função política ou de governo, no âmbito da qual se incluem apenas os actos referentes à definição dos verdadeiros interesses ou fins primaciais do Estado.
15. Não procede o argumento invocado pelo Recorrente de que, tais actos são actos políticos dado que, do “ponto de vista histórico”, tais actos “sempre foram” actos políticos, de livre escolha, nunca tendo existido a obrigação de fundamentação dos mesmos.
16. O conceito de “acto político” sempre teve uma aplicação muito restrita, reservada a actos específicos, entre os quais não se encontram, nem poderiam encontrar, os actos sub judice.
17. Os verdadeiros actos políticos, ainda que continuem a existir, estão hoje reduzidos ao mínimo.
18. “O Estado de Direito exige que a categoria dos actos políticos seja reduzida ao mínimo - e, nomeadamente; que não seja alargada para além dos limites específicos da função política” - cfr. Diogo Freitas do Amaral, op. cit. supra, pag. 164.
19. Os actos administrativos aqui em crise não podem ser classificados como “actos políticos” e nem o alegado “enquadramento histórico” de tais actos poderia modificar a sua natureza administrativa.
20. Ao contrário do que alegou o Recorrente, sendo os actos aqui em crise verdadeiros actos administrativos, a jurisdição administrativa tem competência para aferir da respectiva validade, não procedendo a alegada violação do “princípio da separação de poderes”.
21. Os actos sub judice verdadeiros actos administrativos, sujeitos ao controlo jurisdicional pelos Tribunais Administrativos - ainda que tal controlo possa ser limitado pela discricionariedade inerente a estes mesmos actos.
22. Os actos aqui em causa não são, assim, “actos políticos” ou actos de natureza política, nem sequer poderão ser equiparados a tais actos - “actos de alta administração” como alega o Recorrente - sendo, ao invés, actos administrativos do Governo, actos de poder, actos de autoridade, que, sem qualquer dúvida, são impugnáveis perante a jurisdição administrativa.
23. Não procede o que o Recorrente alegou quanto à desnecessidade de fundamentação dos actos sub judice: “são actos que não carecem de fundamentação, quer por força de uma norma específica que não o determina, quer por força das normas gerais sobre a fundamentação dos actos administrativos. Aliás, os requisitos da fundamentação dos actos de nomeação só podiam decorrer da Constituição, da Lei Orgânica do MNE ou do próprio artigo 20°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 40-A/98, de 27 de Fevereiro (…)” - cfr. pag. 44/52 do Recurso.
24. Os actos de promoção aqui em crise têm que ser devidamente fundamentados e esta obrigatoriedade de fundamentação decorre expressamente da Lei, nomeadamente da própria CRP, do Decreto-Lei n.° 40-A/98, de 27/02 e, ainda, do Decreto-Lei n.° 204/2006, de 27/10.
25. Além de verificados os requisitos vinculativos previstos na lei, será sempre necessário que o acto de promoção seja fundamentado, sendo exposto de forma clara os motivos que conduziram à promoção de um diplomata em especial e não de outro.
26. A obrigação de fundamentação decorre ainda, expressamente, da CRP.
27. O Artigo 268.°/3 da CRP dispõe expressamente que: “os actos administrativos (...) carecem de fundamentação legal expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
28. O Artigo 124°, n.° 1, alínea a) do CPTA estabelece que: “devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente, (...) neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos”.
29. “O dever de fundamentação constitui uma das mais relevantes garantias dos particulares, facilitando o controlo da legalidade dos actos e, no caso de actos praticados no exercício de poderes discricionários, pode mesmo mostrar-se imprescindível para que a fiscalização contenciosa possa ocorrer” (in CPA Anotado, Diogo Freitas do Amaral e outros, 5ª Edição, Coimbra, 2005, pag.229).
30. Não procede igualmente o quanto foi alegado pelo Recorrente sobre a alegada incorrecta “interpretação da lei pelo Supremo Tribunal” que, segundo alega o mesmo, teria atentado contra o “princípio da separação de poderes”.
31. Nenhum dos “elementos sistemáticos de interpretação (...) das normas jurídicas” alegados pelo Recorrente permite concluir - ou sequer duvidar - que a escolha dos diplomatas a promover à categoria a Embaixador pudesse ser totalmente livre e sem fundamentação.
32. Não pode proceder também o quanto foi alegado pelo Recorrente sobre a aplicabilidade do art.º 21.° do Decreto-Lei 121/2011, de 29/12 aos actos aqui em apreço - cfr. pag. 50/52 do Recurso.
33. A norma em apreço não tem aplicação aos actos em crise, emitidos muito antes da sua entrada em vigor.
34. E, a “total liberdade de decisão do MNE” alegada pelo Recorrente não existia no passado (antes da entrada em vigor do referido Decreto-Lei n.° 121/2011) e continua a não existir.
35. No mesmo sentido, não procede o quanto foi escrito pelo Recorrente a pag. 48/52 do Recurso, alegando que se o Artigo 20.º, n.° 2, não fixa “critérios de avaliação a ponderar na apreciação das qualidades dos funcionários e serviços”, significa que tais critérios não têm que existir e que, como tal, “o Ministro dos Negócios Estrangeiros dispõe de total liberdade de escolha”.
36. Esta norma indica quais são os critérios vinculados da promoção a Embaixador - a existência de vagas na categoria, pelo menos quatro anos de serviço na respectiva categoria e oito anos nos serviços externos - e nada define quanto aos critérios específicos a ter em conta na “apreciação” das “qualidades” do funcionário e dos “serviços” prestados.
37. A norma não tinha de definir os critérios a considerar naquela “apreciação, uma vez que é evidente que deveriam ser sempre promovidos apenas os ministros plenipotenciários que apresentem as melhores “qualidades” e que tenham prestado os melhores “serviços”.
38. A apreciação legítima deverá, assim, conduzir, à promoção dos ministros plenipotenciários que apresentem as melhores “qualidades” e que tenham prestado os melhores “serviços”.
39. Estão em causa juízos de mérito, em que o que realmente importa são as motivações que estão por detrás destes juízos, as quais têm que ser legítimas, isto é, têm que se basear (unicamente) nas “qualidades” do funcionário e os “serviços” prestados, permitindo apurar os melhores. E para se poder avaliar se são legítimas devem ser expressas ou seja a escolha deve ser fundamentada, para que seja possível um controlo da legalidade da escolha.
40. O facto de a lei não definir, expressamente, quais os critérios a ponderar naquela “apreciação” não justifica, assim, a “total liberdade de escolha”, uma vez que as motivações por detrás daquela apreciação e escolha terão que ser sempre legítimas.
41. A liberdade da “apreciação” e da escolha será, assim, sempre limitada, com o controlo da legalidade e legitimidade dessa escolha.
42. E, como tal, haverá sempre o necessário controlo jurisdicional daqueles juízos, ainda que reduzido ou limitado pela latitude da margem de livre decisão concedida ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.
43. Aceita-se que sejam inimpugnáveis as motivações dos actos de promoção à categoria de Embaixador que assentem (verdadeiramente) em juízos de mérito válidos, onde sejam ponderados factores legítimos, como a experiência, a antiguidade, a formação académica ou as competências linguísticas, entre outros.
44. O juiz administrativo não deve poder controverter os critérios usados pelo MNE para determinas a «maior experiência diplomática». E, menos ainda, substitui-los pelos seus próprios critérios.
45. Um controlo jurisdicional com esta extensão não seria de facto possível, pois significaria sempre invadir a margem de livre decisão do MNE.
46. Porém, serão sempre ilegítimas e judicialmente impugnáveis, as motivações que baseiem a preterição de um ministro em razões constitucionalmente interditas, consumando uma violação dos princípios fundamentais do poder administrativo consignados na Constituição.
47. O controlo jurisdicional tem que existir, ainda que limitado.
48. Caso fosse de aceitar o impedimento deste controlo, estaríamos perante “actos livres de direito”, o que é e continuará a ser inconcebível e inaceitável num Estado de direito.
49. A amplitude e a intensidade do controlo jurisdicional da legalidade dos actos administrativos dependem directamente da latitude da margem de livre decisão. E que, no caso concreto, a preterição de um ministro plenipotenciário com menor experiência diplomática por outro que a tenha maior não deve ser objecto de qualquer valoração ou desvaloração jurídica.
50. Da redacção ou da interpretação da norma do ECD invocada pelo Recorrente, não pode decorrer a “total liberdade de escolha” que o mesmo pretende e que, segundo ele, serviria para justificar a total falta de fundamentação dos actos sub judice.
51. Não procede o que foi alegado pelo Recorrente sobre a inexistência de interesse ou direito na esfera do Autor:”inexiste qualquer direito à promoção a embaixador ou mesmo qualquer interesse legalmente protegido, mas apenas a mera expectativa de facto” — cfr. pag. 34/52 do Recurso.
52. Ao contrário do que o Recorrente alegou, o direito dos diplomatas interessados não é uma “mera expectativa”, sem tutela do Direito. Tal classificação consubstanciaria sempre uma grave violação dos princípios constitucionais.
53. No caso dos presentes autos, os “interessados” serão sempre todos os ministros plenipotenciários que preenchiam as condições para serem promovidos à categoria de Embaixador.
54. Não existindo vagas de Embaixador suficientes para a promoção de todos os ministros plenipotenciários que preenchiam as condições de o ser, somente alguns poderiam ser promovidos.
55. Qualquer um daqueles ministros plenipotenciários teria, portanto, um interesse particular em que os preceitos legais aplicáveis à promoção fossem rigorosamente cumpridos e todo o processo fosse tramitado nos termos da lei.
56. A promoção de alguns ministros plenipotenciários implica a não promoção de outros, que são, assim, lesados.
57. O ministro plenipotenciário Autor era, exactamente, um dos ministros plenipotenciários que preenchia as condições necessárias - expressamente definidas por lei - para ser promovido à categoria de Embaixador.
58. A ser de acolher o entendimento do Recorrente, a quase totalidade das promoções nas carreiras da administração pública deixaria de poder sindicada pela jurisdição administrativa.
59. Os ministros plenipotenciários têm, efectivamente, a expectativa de ascender à categoria de Embaixador. Como qualquer pessoa que se encontre, nas mesmas circunstâncias, em qualquer outra carreira.
60. Não se trata de uma “mera” expectativa, mas de uma expectativa jurídica ou juridicamente tutelada, que consiste, exactamente, no direito de todos e de cada um daqueles ministros plenipotenciários a que nenhum deles seja promovido em violação do quadro jurídico aplicável.
61. Não tem que estar em causa se os actos de promoção impugnados prosseguiram ou não o “interesse público”, pois tal intenção só ficará satisfeita se o órgão administrativo declare os fundamentos da sua decisão. O que não sucedeu.
62. Existe, assim, uma real “expectativa jurídica” daqueles ministros plenipotenciários e, como tal, tais actos de promoção têm que ser necessariamente fundamentados, conforme decorre do já citado Artigo 268°, n.° 3 da Constituição, desenvolvido e concretizado pelo Artigo 124.°, n.° 1, alínea a) do CPA.
63. O dever de fundamentação é, de facto, uma das mais relevantes garantias dos particulares, permitindo o controlo da legalidade dos actos, sendo mesmo imprescindível para que a fiscalização contenciosa possa efectivamente ocorrer.
64. Não há dúvidas, assim, quanto ao sentido do imperativo constitucional-legal, de que devem ser fundamentados os actos lesivos de interesse de terceiros.
65. E os actos aqui impugnados são, efectivamente, actos lesivos de terceiros que merecem tutela jurídica.
66. Cumpre concluir que não existe a “discricionariedade pura ou absoluta liberdade de escolha” que, no entender do Recorrente, permitiria a livre decisão de promover determinados ministros plenipotenciários, decisão esta desprovida de fundamentação e imune a qualquer forma de controlo.
67. Os actos administrativos impugnados podem ser (e são) discricionários e não vinculados, mas jamais poderão ser arbitrários. Pelo que, aquilo que o Recorrente entende como “discricionariedade pura ou absoluta liberdade de escolha” não pode existir e, caso exista, tratar-se-á, sempre e inevitavelmente, de “arbitrariedade pura”, totalmente inaceitável num Estado de Direito.
68. Pelas razões expostas não assiste razão ao Réu Recorrente e, como tal, o presente Recurso deverá improceder, mantendo-se a douta decisão proferida por esse Venerando Tribunal nos presentes autos.

A Ilustre Magistrada do M.P. pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso por a decisão recorrida estar conforme a jurisprudência do Pleno deste STA.
Parecer que o Recorrente contraditou.

Cumpre decidir.


FUNDAMENTAÇÃO


I. MATÉRIA DE FACTO.

O Acórdão recorrido julgou provados os seguintes factos:
1. O Autor era, em 30/12/2009, ministro plenipotenciário de 1.ª classe, tendo, nessa data, 16 anos, 8 meses e 16 dias na categoria, e 28 anos, 4 meses e 27 dias de tempo de serviço nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros;
2. O contra-interessado B………………… era, na mesma data, ministro plenipotenciário de 1.ª classe, tinha 12 anos, 10 meses e 12 dias na categoria e 23 anos, 9 meses e 18 dias nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros;
3. O contra-interessado C………………… era também, nessa mesma data, ministro plenipotenciário de 1.ª classe, tinha 11 anos, 1 mês e 19 dias na categoria e 18 anos, 11 meses e 19 dias nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros;
4. Pelo Decreto nº 8/2011, de 7 de Abril, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 69, de 7 de Abril de 2011, que se dá por reproduzido, o ministro plenipotenciário de 1.ª classe B………………. foi promovido a embaixador;
5. Pelo Decreto n.º 9/2011, de 6 de Dezembro, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 69, de 7 de Abril de 2011, igualmente dado por reproduzido, o ministro plenipotenciário de 1.ª classe C………………….. foi promovido a embaixador;


II. O DIREITO.

A………………….. intentou, contra o Conselho de Ministros e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, acção administrativa especial pedindo a anulação dos actos de promoção à categoria de embaixador dos dois ministros plenipotenciários indicados como contra-interessados para o que, no essencial, alegou o seguinte:
- Era funcionário diplomático com a categoria de ministro plenipotenciário e, reunindo as condições que lhe permitiam aceder à categoria de embaixador, requereu a sua promoção a esta categoria.
- Todavia, os Réus optaram, arbitrária e injustificadamente, pela promoção de colegas seus com carreiras menos longas e com menor experiência o que teve por consequência a preterição do seu requerimento e a ocupação das vagas existentes por diplomatas que reuniam menores condições para acederem à categoria de embaixador.
- Actos esses que para além de não estarem fundamentados estavam feridos de ilegalidade por vício de violação de lei, violação dos princípios da imparcialidade e da igualdade e desvio de poder.
- O que determinava a sua anulabilidade.

O Acórdão recorrido, muito embora tenha considerado que as referidas promoções não feriam os princípios da igualdade e da imparcialidade nem, tão pouco, enfermavam de desvio de poder, considerou que as mesmas eram ilegais “em razão de falta de fundamentação” e, por isso, as anulou.
Para decidir dessa forma começou por - contrariando a tese dos RR de que tais actos tinham a natureza política ou eram actos equiparáveis a actos políticos e que, por isso, não careciam de fundamentação - afirmar que os mesmos mais não eram do que actos de progressão na carreira diplomática, de uma categoria a outra, e, nessa medida, meros actos de natureza administrativa. Por essa razão também não colhia o argumento de que – a não se considerarem políticos – tais actos deveriam ser qualificados como actos de Alta Administração os quais, à semelhança dos actos políticos, também não tinham de ser fundamentados. De resto, a fundamentação só pode ser dispensada nos casos legal e especificamente previstos e, no caso, essa previsão não existia sendo certo, por outro lado, que estando em causa apenas uma promoção numa carreira pluricategorial, era evidente que a lei geral exigia a sua fundamentação.
Todavia, ao invés do que o Autor pretendia, não ocorreu violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade – uma vez que os dados recolhidos não permitiam concluir que os requisitos apresentados pelo autor tivessem sido tratados de modo diferente ou de forma discriminatória relativamente aos dos seus colegas promovidos - nem, tão pouco, desvio de poder já que não se detectava naqueles actos razões ou objectivos estranhos ao fim legal.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros não aceita esta decisão.
Desde logo, porque considera errado não se qualificar os actos impugnados como actos políticos ou, no mínimo, actos de Alta Administração já que, para além do mais, a escolha dos embaixadores foi sempre considerada como um acto distinto dos demais actos de promoção nas restantes categorias da carreira diplomática e, por isso, sempre teve tratamento legal diferente. Por ser assim é que sempre se ascendeu à categoria de embaixador por escolha política, livre e discricionária, do Governo - com base nas qualidades evidenciadas pelos respectivos candidatos e nas necessidades de cada momento - e sempre houve embaixadores exteriores à respectiva carreira. As promoções a embaixador são, assim, verdadeiros actos de escolha política sendo sintomático desta particularidade o facto das mesmas serem da competência do Governo e formalizadas em decretos assinados pelo Primeiro-Ministro, pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros e pelo Presidente da República.
Mas se assim não se entender então haverá que qualificar os actos de promoção como actos de Alta Administração por as funções exercidas pelos embaixadores implicar a representação externa do nosso país.
Nesta conformidade, quer os qualifiquemos as promoções como actos políticos quer as consideremos como actos de Alta Administração, certo é que as mesmas não carecem de fundamentação e, assim sendo, não foi cometida a ilegalidade que determinou a sua anulação.

São, assim, duas as questões a resolver; por um lado, a de saber se as promoções à categoria de embaixador podem ser qualificadas como actos políticos e, por essa razão, dispensadas de fundamentação e, respondendo-se negativamente a esta questão, a de saber se as mesmas podem ser consideradas actos de Alta Administração também libertos dessa obrigação.
Vejamos, pois.

1. É pacífico considerar-se que o exercício da função política se traduz em definir do interesse geral da colectividade e, por isso, que a mesma se concretiza na escolha das opções destinadas à preservação e melhoria do modelo económico e social por forma a assegurar a satisfação necessidades colectivas de segurança e de bem estar das pessoas. Por ser assim é que só os órgãos superiores do Estado – maxime o Governo - podem exercer essa a função pois só eles têm legitimidade para definir, em termos gerais, os fins que a sociedade deve almejar, os meios que cabe utilizar para os alcançar e os caminhos que será necessário percorrer, legitimidade que encontra fundamento no sufrágio popular, isto é, na livre escolha dos cidadãos (Vd. M. Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10.ª ed., vol. I, pg.s 8 a 10, S. Correia, Noções de Direito Administrativo pg.s 29/30 e F. Amaral Curso de Direito Administrativo, vol. I, pg 45, e Acórdãos deste STA de 22/04/93 (rec. n.º 29.790), de 9/06/1994, (rec n.º 33.975), de 5/03/98 (rec. n.º 43.438) e de 9/05/2001 (rec. 28.775).).
E que a função administrativa lhe está a jusante visto se destinar a pôr em prática as orientações gerais traçadas pela função política revestindo, no essencial, natureza executiva e complementar.
E, porque assim, tudo seria simples se na organização do Estado existissem órgãos com funções exclusivamente políticas e órgãos com funções apenas administrativas já que, se assim fosse, tudo estaria rigorosamente pré-definido e seria impossível qualquer confusão entre os actos políticos e os administrativos. Todavia, não é isso que acontece visto haver entidades - como, por ex., o Governo - que têm, simultaneamente, funções políticas e funções administrativas.

Daí ser essencial definir quando é que os actos têm natureza política e quando é que têm natureza administrativa uma vez que só as decisões administrativas são susceptíveis de controlo judicial.

2. No caso, uma boa parte das dificuldades acima referenciadas não se põe uma vez que estão em causa, apenas e tão só, dois actos de promoção numa carreira do funcionalismo público, ainda que de um corpo especial, realizada sem ter sido acompanhada de qualquer motivação.
Por isso é seguro não estarmos na presença de um acto político se por este entendermos apenas os que definem os interesses ou fins primaciais do Estado e, por isso, se traduzem na escolha das opções destinadas à preservação e melhoria do seu modelo económico e social já que tais promoções estão longe de constituir actos dessa natureza e terem as referidas finalidades.
No entanto, é bom lembrar que, para além daqueles actos definidores do interesse geral, também se devem considerar políticos os actos que, a jusante, são praticados por órgãos com legitimidade política, se traduzem na materialização daquelas opções e não reúnam as características apontadas no art.º 120.º do CPA. E é aqui que o Recorrente sustenta a sua tese de que os actos impugnados têm natureza política ou equiparada já que foram praticados pelo Governo, contribuem para a concretização da política externa do país, domínio político por excelência, e tomaram a forma solene de decreto.

Mas essa tese não tem cabimento.
Desde logo, porque, repete-se, tais actos mais não são do que actos de promoção de uma categoria a outra numa carreira de funcionários do Estado realizados a coberto das normas do Estatuto Carreira Diplomática ( Aprovado pelo DL 40-A/98, de 27/02.), normas essas que devem ser qualificadas como administrativas. O que significa que aquelas promoções reúnem todos os elementos referidos no art.º 120.º do CPA para poder ser qualificado como um acto administrativo.
Com efeito, o art.º 3.º/1 do citado Estatuto, depois de estabelecer que aquela carreira integrava as categorias de a) Embaixador, b) Ministro plenipotenciário, c) Conselheiro de embaixada, d) Secretário de embaixada, e) Adido de embaixada, previu nos seus art.ºs 15.º a 24.º a forma de acesso a cada um desses patamares hierárquicos e os requisitos que eram necessários preencher para esse efeito. E os actos sob censura mais não fizeram do que dar cumprimento a tais regras escolhendo, de entre os ministros plenipotenciários, os que reuniam melhores condições para o acesso à categoria de embaixador. Ora, essa escolha e as regras que a disciplinam têm clara natureza administrativa pelo que a não pode ser qualificada como um acto integrado no exercício da função política ou constituir um acto equiparado.
Depois, porque os actos impugnados não só não se traduzem em actos que contribuem para a definição da política externa de Portugal como, também, e situando-se num plano muito inferior, nem sequer podem ser vistos como actos que executam essa política.

É certo que a recente Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros, aprovada pelo DL 121/2011, de 29/12, estatui que “a promoção à categoria de embaixador é efectuada por decreto do Governo, no exercício da função política nos termos da Constituição e da lei” (art.º 21.º/2 com sublinhado nosso) o que parece contradizer o que se acaba de afirmar, mas também o é que essa contradição mostra ser apenas aparente na medida em que, nos termos constitucionais, continua a pertencer ao Governo a competência para “praticar todos os actos exigidos pela lei respeitante aos funcionários e agentes do Estado e de outras pessoas colectivas públicas.” (art.º 199.º/e) da CRP), norma inserida no capítulo respeitante ao funcionamento do Governo cuja epígrafe é «Competência Administrativa», e não restarem dúvidas de que as promoções em crise serem actos respeitantes a funcionários.
E, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, o transcrito normativo não tem natureza interpretativa uma vez que a mesma constitui uma formulação nova para um problema que a legislação anterior não contemplava. De todo modo, como se afirmou no Acórdão recorrido, “independentemente do efectivo significado dessa alteração, nomeadamente para a futura definição das categorias da carreira diplomática, ela não pode ter consequências no presente processo já que, evidentemente, os actos aqui em causa foram praticados sob outro título legal.”

Nestes termos, e tendo-se em conta que (1) só se pode qualificar como acto administrativo a estatuição individual e concreta praticada no exercício da função administrativa (2), que não releva para a qualificação de administrativo a forma como o acto é exteriorizado e (3) que o decisivo na qualificação de acto administrativo é o preenchimento dos requisitos inscritos no art.º 120.º do CPA, é forçoso concluir que, nas presentes circunstâncias e perante a legislação que se lhe aplicava, as promoções impugnadas devem ser qualificadas como actos administrativos.
Dir-se-á, por fim, que tais actos, pelas razões anteriormente descritas, também não podem ser qualificados como actos de Alta Administração.

Resta saber se os mesmos estavam sujeitos a fundamentação e se a ausência desta determina a sua ilegalidade.

3. É sabido que a Administração tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou interesses legítimos dos seus destinatários e que tal passa pela exposição das razões que a levaram a praticá-lo e a dar-lhe determinado conteúdo por forma a que aqueles possam ficar cientes dos motivos que o determinaram. O que pressupõe que ele contenha, com suficiência e clareza, as razões de facto e de direito que estiveram na sua origem para que o seu destinatário, se o quiser, possa impugná-lo com o necessário e indispensável esclarecimento (Vd. art.ºs 268º/3 da CRP e 124. do CPA).
Só assim não será se, contrariando o princípio geral acabado de expor, existir norma especial que dispense o autor do acto do cumprimento desse dever.

O Recorrente sustenta que estamos na presença de uma situação desta natureza; seja porque o art.º 20.º do Estatuto Diplomático dispensa a fundamentação nas promoções à categoria de embaixador, seja porque estas são actos de Alta Administração e nestes não existe aquela obrigatoriedade.
Todavia, nenhum destes argumentos procede.

Desde logo porque, pelas razões anteriormente expostas, as promoções ora em causa são vulgares actos administrativos que não podem ser qualificadas como actos de Alta Administração.
Depois, porque, como decorre do Estatuto da Carreira Diplomática não existe norma que dispense expressamente o dever de fundamentação nos actos de promoção nessa carreira.
Com efeito, o art.º 17.º/1 do Estatuto da Carreira Diplomática prevê que “os lugares das várias categorias da carreira diplomática são providos mediante promoção por mérito dos funcionários diplomáticos da categoria anterior” (sublinhado nosso) e, no tocante à categoria de embaixador, concretiza que essa promoção, da competência do Ministro dos Negócios Estrangeiros, é feita com base na apreciação das qualidades do funcionário e dos serviços prestados, ouvido o secretário-geral (Este artigo tem a seguinte redacção:
«Artigo 20.º
Acesso à categoria de embaixador
1 - O acesso à categoria de embaixador é aberto a todos os ministros plenipotenciários que tiverem cumprido quatro anos de serviço na respectiva categoria e um mínimo de oito anos nos serviços externos.
2 - As promoções são realizadas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, com base na apreciação das qualidades do funcionário e dos serviços prestados, ouvido o secretário-geral, e só podem ter lugar quando se verifique a existência de vagas na categoria».).
O que permite que retiremos duas conclusões; a primeira, a de que a carreira diplomática é uma carreira hierarquizada onde o acesso aos seus diversos patamares depende do preenchimento de determinados requisitos e, depois, que não faria sentido fazer depender essa ascensão hierárquica da valoração de determinados requisitos, entre eles o do mérito, se os interessados não pudessem controlar a legalidade dessa valoração.
O que tem como corolário directo a publicação das razões que justificam a promoção.
E esta obrigatoriedade de fundamentação aplica-se a todos actos de promoção naquela hierarquia, designadamente à categoria de embaixador, já que, por um lado, aquele Estatuto em ponto algum afasta expressamente essa obrigatoriedade e, por outro, esta categoria não tem um conteúdo funcional de tal modo distinto que justifique que o acto que permite o acesso a essa categoria não tenha de ser fundamentado – a prova disso é o facto de uma das principais funções do embaixador ser a chefia das missões diplomáticas e esta função poder ser confiada aos ministros plenipotenciários e, até, a título excepcional, a conselheiros de embaixada (art.º 40.º/1 e 3 do citado Estatuto).
Ou seja, a categoria de embaixador é apenas uma categoria funcionalmente distinta das restantes categorias da carreira diplomática e que essa diferenciação não justifica que a promoção à mesma constitua um acto dispensado de fundamentação. Deste modo, e ainda que se admita que os requisitos a essa promoção possam conter particularidades que a individualizam da promoção às outras categorias, certo é que entre eles não consta a dispensa de fundamentação. E a esta conclusão não se opõe o art.º 19.º/4 do citado Estatuto – onde se prescreve a proposta das promoções a ministro plenipotenciário deve ser objecto de fundamentação – e a circunstância de igual obrigação não constar da norma que prevê a promoção a embaixador (art.º 20.º), uma vez que sendo a promoção um acto administrativo ela tem de ser obedecer ao que se estabelece no art.º 124.º do CPA. De resto, como bem se assinala no Acórdão recorrido, “sempre que não se pretende que o órgão que escolhe esteja subordinado a qualquer critério e se lhe dá plena liberdade – na admissão, evidentemente, que a usará bem – a lei limita-se a expressar os requisitos objectivos sem mais.”
Finalmente, o argumento de que não existe um direito à promoção a embaixador e que tal dispensa a obrigatoriedade da fundamentação não colhe uma vez que, por um lado, salvo os casos excepcionais das promoções automáticas, tal direito não existe em nenhuma das carreiras do funcionalismo público e, por outro, se bem atentarmos, a recusa das promoções pode atingir negativamente os direitos ou os interesses legalmente protegidos dos candidatos preteridos e estes merecem protecção jurídica.

São, assim, improcedentes todas as conclusões do recurso.
Neste sentido podem ver-se os Acórdãos do Pleno de 18/10/2012 (rec. 12/11) e de 15/11/2012 (rec. 621/10).

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar o Acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 4 de Julho de 2013. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira Vítor Manuel Gonçalves GomesAntónio Bento São PedroJorge Artur Madeira dos SantosAntónio Políbio Ferreira Henriques.