Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0730/12
Data do Acordão:07/11/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECLAMAÇÃO
PREJUÍZO IRREPARÁVEL
SUBIDA IMEDIATA
HIPOTECA LEGAL
GARANTIA
PENHOR
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO
Sumário:I - Mesmo que esteja constituída hipoteca que assegurará o pagamento da dívida, deverá apreciar-se não se há prejuízo imediato por a reclamação não subir imediatamente mas, antes, se tal prejuízo existirá caso a subida só venha a ocorrer depois da penhora ou depois da venda, conforme for o caso.
II - Embora inserida num processo de execução fiscal, a prolação de uma decisão de constituição de garantia (hipoteca legal) – art. 195º do CPPT - constitui um acto de natureza administrativa, a que têm de ser aplicados os requisitos procedimentais exigidos para tal tipo de actos, entre os quais os da necessidade de fundamentação expressa e acessível, além do mais.
III - Se a garantia oferecida cobrir a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a AT não pode recusar, face ao disposto no nº 5 do art. 52º da LGT e no art. 199º do CPPT, a substituição com fundamento em aspectos qualitativos das garantias, designadamente quanto à maior ou menor liquidez imediata da oferecida em substituição.
Nº Convencional:JSTA00067742
Nº do Documento:SA2201207110730
Data de Entrada:06/28/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...... E MULHER
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CONST76 ART268 N3 N4
CPA91 ART120 ART100 ART103 ART124 ART125
CPPTRIB99 ART278 N3 D ART36 N1 ART169 N1 ART195 ART170 ART169 N2 ART276 ART45 ART199 ART217
LGT98 ART52 ART77 N6 ART50 N2 B ART103 ART2 C ART60 ART52 N5
L 53-A/2006 DE 2006/12/29
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01054/11 DE 2011/12/07; AC STA PROC059/12 DE 2012/02/23; AC STA PROC0185/12 DE 2012/03/07; AC STA PROC0247/12 DE 2012/04/12; AC STA PROC0126/12 DE 2012/02/15
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIV PAG305-309 VOLIII PAG390-393.
LEITE DE CAMPOS BENJAMIM RODRIGUES JORGE DE SOUSA LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA 4ED 2012 PAG424-425.
DUARTE MORAIS A EXECUÇÃO FISCAL 2ED 2006 PAG78.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida no TAF de Viseu, julgou procedente reclamação deduzida, nos termos do art. 276º do CPPT, por A……… e B………, ambos com os demais sinais dos autos do despacho proferido pelo chefe do Serviço de Finanças de Mangualde, em 23/9/2011, que ordenou a constituição de hipoteca legal, bem como dos despachos proferidos pela mesma entidade, em 25/11/2011 e 29/12/11, mediante os quais, respectivamente, foi indeferida a prestação de garantia através de penhor de créditos, oferecida pelos reclamantes e foi mantida a hipoteca legal no processo de execução fiscal n° 2550201101009230.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as Conclusões seguintes:
a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente a reclamação apresentada nos autos com a consequente revogação dos despachos reclamados;
b) São três as questões sobre as quais incide o recurso: Da subida imediata da reclamação; Da legalidade da constituição de hipoteca legal; Da idoneidade do penhor de créditos oferecido como garantia;
c) A douta sentença considerou estar-se perante uma situação de imediata subida da reclamação, com o consequente conhecimento do pedido no momento presente, de que a Fazenda Pública discorda, pela motivação seguidamente relatada;
d) Alegam os reclamantes como fundamento da subida imediata da reclamação o facto de a hipoteca legal constituída não merecer a sua concordância, do que decorre que a mesma é indevida para efeito do art. 278°, n° 3, d), além de que é de valor muito superior ao da garantia a prestar; Acrescentam que a hipoteca legal incide sobre a sua casa de morada de família e que esse facto, atenta a sua posição social e notoriedade pública e social, acarreta um grave e irreparável prejuízo para a sua reputação pessoal e social e ainda para os seus interesses económicos e empresariais, pela publicidade que o registo permite;
e) Salvo melhor interpretação, os argumentos aduzidos não justificam o conhecimento imediato do pedido, pois que, embora pacífico que o entendimento jurisprudencial vai no sentido de que a enumeração constante do art. 278° n° 3 do CPPT não é taxativa, admitindo-se outras situações, para além das aí expressamente elencadas, como podendo igualmente consubstanciar um prejuízo irreparável, sempre se dirá que torna-se necessário que os reclamantes provem e demonstrem, no caso concreto, em que medida a manutenção do despacho reclamado, com as devidas consequências, é susceptível de lhes causar um prejuízo irreparável;
f) Da análise aos presentes autos resulta que os reclamantes não demonstraram, como lhes competia, a existência de factos concretamente identificados integradores da ocorrência de "prejuízo irreparável" por força das ilegalidades contempladas nas várias alíneas do n° 3 do art. 278° do CPPT, ou com base noutros fundamentos; Por outro lado, na douta sentença recorrida não está devidamente fundamentado porque é que a subida diferida não tem o mesmo efeito da sua apreciação de imediato, sobretudo se atentarmos que o Órgão de Execução Fiscal suspendeu a tramitação do processo de execução fiscal em referência;
g) De facto, estando a tramitação do processo executivo suspensa por determinação do serviço de finanças, dificilmente se concebe uma previsão de prejuízo para os reclamantes que não possa ser objecto de reparação - Neste sentido veja-se Acórdão do STA de 20.01.2010, proferido no Recurso n° 01258/09;
h) Pelo que, devem os presentes autos ser apreciados e decididos apenas a final, por a situação factual não se enquadrar em nenhum dos fundamentos previstos no art. 278°, n° 3 do CPPT, nem se poder retirar que a retenção da reclamação a torna inútil;
i) Caso não seja esse o entendimento, sobre a questão da legalidade da constituição de hipoteca legal, o conteúdo dos despachos reclamados versa:
Despacho de 25.11.2011 que indeferiu o pedido de suspensão do processo executivo n° 2550 2011 01009230, mediante a prestação de garantia através da constituição de penhor sobre o crédito que os reclamantes detêm sobre a sociedade "C……… S.A.", e, em consequência não cancelou a hipoteca legal já constituída por despacho datado de 23.09.2011 sobre o prédio urbano n° 4182 da freguesia de ……… e Despacho de 29.12.2011 que manteve a decisão proferida no despacho anterior;
j) A douta sentença identificou as seguintes questões a resolver, sobre as quais nos debruçaremos; 1 - Se a decisão do serviço de finanças de Mangualde que, na sequência da constituição de hipoteca legal, procedeu à suspensão do processo executivo, padece de vício de forma por falta de fundamentação e notificação válida; 2 - E, se os despachos do chefe do serviço de finanças em causa, proferidos em 25.11.2011 e 29.12.2011 padecem de vício de violação de lei ao não aceitarem a garantia proposta pelos reclamantes;
k) O Meritíssimo Juiz considerou imperioso averiguar da legalidade da constituição da hipoteca legal e da consequente decisão de suspensão do processo de execução fiscal, no que se refere aos vícios de falta de fundamentação e notificação;
l) Baseando-se na doutrina de Jorge Lopes de Sousa, pronunciou-se no sentido de que a decisão de constituição de hipoteca legal consubstancia um acto administrativo em matéria fiscal e, como tal, carece de fundamentação, deve ser precedida de direito de audição e tem de ser notificada aos destinatários;
m) Para daí concluir que, os actos traduzidos nos despachos do órgão de execução fiscal datados de 25/11/2011 e 29/12/2011, bem assim no Despacho de 23/09/2011, que ordena a constituição de hipoteca legal e consequente declaração de suspensão da execução, padecem de vício de forma por falta de fundamentação, quanto à necessidade e oportunidade da hipoteca legal, o que implica a sua anulação, que se reflecte nos actos que com base nele foram praticados;
n) Do que a Fazenda Pública discorda, pois, no âmbito da normal tramitação do processo de execução fiscal podem ser praticados dois tipos de actos: Actos materialmente administrativos e actos de puro trâmite;
o) No entender da Fazenda Pública, o acto que determina a constituição de hipoteca legal não é um acto administrativo em matéria tributária, mas antes um acto de puro trâmite ou, dito de outra forma, um acto sem carácter jurisdicional praticado pela Autoridade Tributária no âmbito da execução fiscal enquanto mera "auxiliar" na prossecução do escopo judicial da execução;
p) É o que resulta do mais recente entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Administrativo, sendo determinante a este propósito o teor dos seguintes Acórdãos: Acórdão de 07.12.2011 (Recurso n° 01054/11), Acórdão de 23.02.2012 proferido no Processo n° 059/12, Acórdão de 07.03.2012 emanado no Recurso n° 0185/12 e o Acórdão de 12.04.2012 no Processo n° 0247/12;
q) Acompanhamos a jurisprudência elencada, atentando-se de forma particular que no Acórdão do STA referido sob o n° 0247/12 a situação é semelhante à dos presentes autos (acto de constituição de penhor da executada sobre terceiros, sendo que nos autos o acto apreciado consiste na constituição de hipoteca legal);
r) Assim e apoiando-nos no entendimento perfilhado nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo anteriormente citados, ficou demonstrado que o acto praticado de ordenar a constituição de hipoteca legal não configura, como sustentado na douta sentença recorrida, um acto administrativo em matéria tributária, mas um puro acto de trâmite no âmbito do processo de execução fiscal;
s) Daí resulta que toda a fundamentação da sentença recorrida para decidir da forma que o fez enferma de um vício de raciocínio ao pressupor que o acto que determina a constituição de hipoteca legal pelo Órgão de Execução Fiscal é um acto administrativo, sujeito às exigências próprias desse tipo de actos, ao nível da fundamentação, do direito de audição e da notificação aos interessados;
t) Pelo que, demonstrado que o acto praticado não reveste a natureza de acto administrativo, mas antes de acto de puro trâmite sujeito às regras processuais aplicáveis aos actos de natureza não jurisdicional praticados nos demais processos judiciais tributários e não às regras dos actos administrativos tributários ou do procedimento tributário e, como tal, sujeito às regras do Código de Processo Civil, por força do disposto no artigo 2°, alínea e) do CPPT, diverso é o panorama ao nível das questões que se prendem com a fundamentação, direito de audição e notificação aos visados;
u) Ora, nos actos de puro trâmite (como sucede no caso vertente) não tem lugar o exercício do direito de audição previamente à tomada da decisão; a sua fundamentação é menos exigente, bastando-se com um mínimo de fundamentação (requisito cumprido pelo Órgão de Execução Fiscal, fls. 17 dos autos) e, acerca da notificação, não obstante os reclamantes não tenham sido notificados do despacho de 23.09.2011 (fls. 17 dos autos) que determinou a constituição de hipoteca legal, certo é que tiveram conhecimento de que fora constituída hipoteca legal sobre o imóvel urbano n° 4182 da freguesia de ………, através dos ofícios n° 3296 e 3297 (fls. 31/32 dos autos), bem como, na notificação para o exercício do direito de audição (fls. 57 a 60) e na decisão final que fez incluir notificação do despacho que determinou a suspensão dos autos em virtude da constituição de hipoteca legal e da intencionalidade demonstrada de reagir contenciosamente contra a liquidação;
v) Decisão de constituição de hipoteca legal, aliás, contra a qual os reclamantes reagiram contenciosamente através dos presentes autos de Reclamação nos termos do art. 276° do CPPT, contestando (entre outras coisas) o acto de constituição de hipoteca legal;
w) Mas, ainda que se entendesse que os reclamantes não tiveram conhecimento do acto que ordenou a constituição de hipoteca legal (o que não se concebe, conforme demonstrado), tratar-se-ia de um requisito de eficácia do acto, que em nada afectaria a sua validade, nos termos dos arts. 36°, n° 1 do CPPT e 77°, n° 6 da LGT e Acórdão do TCA Sul de 03.05.2012 (Processo n° 08459/12);
x) Conclui-se, pois, que o despacho que determinou a constituição de hipoteca legal, enquanto puro acto de trâmite, mostra-se conforme com a legalidade (art. 195°, n° 1 do CPPT), tem um mínimo de fundamentação exigível adaptado ao tipo de acto em questão, não carece do direito de audição e dele tiveram conhecimento os reclamantes, a que acresce o facto de que a notificação constitui requisito de eficácia do acto mas não logra afectar a sua validade;
y) A última das questões a analisar consiste em averiguar da idoneidade do penhor de créditos apresentado pelos reclamantes, tendo o despacho reclamado considerado inidónea a garantia consistente num penhor de um crédito que detêm sobre a sociedade "C……… S.A.", não tendo dispensado a prestação de outra garantia por considerar não estarem reunidos os requisitos;
z) A questão central reside em determinar se a decisão que não aceitou o penhor para suspensão da execução fiscal, por considerar essa garantia no caso em concreto como inidónea, está ferida de vício de violação de lei; Antecipando a resposta, não ocorreu o aludido vício, o que se tentará demonstrar;
aa) Da conjugação do disposto nos arts. 52° da LGT, 169°, 195° e 199°, estes do CPPT, resulta que pode a cobrança da dívida tributária ser suspensa através de prestação de garantia idónea, estando a Autoridade Tributária vinculada à lei e havendo que observar o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais e a proibição da concessão de moratórias no seu pagamento;
bb) A expressão “garantia idónea” consubstancia um conceito impreciso/indeterminado, conferindo ao órgão competente o poder de apreciar, no caso concreto, a adequação do meio oferecido para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, abrindo, neste ponto, uma margem de discricionariedade à Administração; Na falta de uma definição legal de garantia idónea, pode afirmar-se que o conceito de idoneidade depende da capacidade de, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar, assegurar a efectiva cobrança dos créditos garantidos e resulta da conjugação do disposto no art. 169° com os arts. 199° e 217° do CPPT, ex vi n° 2 do art. 52° da LGT - Neste sentido, vide Acórdão do STA de 21.09.2011, Recurso n° 0786/11 e doutrina de Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao art. 199°;
cc) Na situação dos autos, o objecto deste concreto penhor consubstancia um direito de crédito futuro (ainda não vencido); A sociedade devedora deste crédito é uma SGPS e o seu activo é constituído por participações sociais e créditos sobre participadas; O património destas sociedades é constituído por um tipo de activos com grande oscilação em termos de valor de mercado, além da sua possibilidade de liquidação quase instantânea; As partes intervenientes no contrato celebrado foram os reclamantes e a SGPS, S.A., ao qual é alheia a Autoridade Tributária, sendo que no caso de incumprimento desse contrato, no caso de transmissão das acções ou outras situações, o credor fica sem possibilidades de assegurar a realização do seu crédito, situações que não são passíveis de controlo pela Autoridade Tributária, o que determinou um juízo de inidoneidade do penhor por parte da AT;
dd) Assente que a garantia a prestar deve ser idónea e que o ónus da prova dessa idoneidade cabe aos executados, atentas as particularidades do penhor de créditos em causa, competia aos agora reclamantes demonstrar a capacidade financeira e bancária da sociedade "C……… S.A. para solver a dívida" (a AT desconhece quais os compromissos assumidos pela SGPS em instituições financeiras ou bancárias de prestação de outras eventuais garantias), o que não sucedeu, pois que se limitaram a afirmar que possui uma estrutura sólida, mas sem que fosse acompanhada de elementos demonstrativos dessa realidade;
ee) Segundo defendido na sentença recorrida os fundamentos invocados pela Autoridade Tributária referentes ao grau de risco da execução da garantia introduzem uma restrição ao conceito de idoneidade da garantia que não tem suporte legal, acrescentando que o critério para aferir da idoneidade do penhor resulta da suficiência do valor dos bens oferecidos para assegurar o pagamento do crédito exequendo, do que a Fazenda Pública discorda, porquanto, do nosso ponto de vista e atento o princípio da unidade do sistema jurídico previsto no art. 9°, n° 1 do Código Civil, não quis o legislador uma avaliação do conceito de idoneidade somente em função do valor (devendo revestir características de segurança, estabilidade e credibilidade), nem tal se retira da leitura dos preceitos que regulam essa matéria, mormente art. 199° do CPPT e 52°, n° 2 da LGT;
ff) Salvo melhor entendimento, não foi esse o espírito do legislador, para o que importa analisar a questão à luz das relações de direito privado;
gg) Em termos similares, a propósito da apreciação da idoneidade de caução, veja-se o disposto no art. 984°, n° 2 do CPC e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.06.2006, proferido no Processo n° 0632708 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 16.11.2006 e proferido no processo n° 5246/2005-6, nos quais se discutia sobre se a caução oferecida - penhor sobre direitos de crédito e penhor de madeira - era idónea;
hh) Apelando ao raciocínio vertido nos mencionados acórdãos conclui-se que na prestação de caução (em moldes semelhantes à prestação de garantia na execução fiscal), há que averiguar da idoneidade dos bens/créditos oferecidos, neles se clarificando que a razão de ser da caução (leia-se, garantia a prestar) decorre da necessidade de prevenir quaisquer possíveis riscos para a cobrança do crédito do exequente por virtude da suspensão da execução;
Esclarece-se também nesses dois acórdãos que na aceitação da caução (garantia), há que acautelar riscos que se pretendem prevenir, como por exemplo, o perigo de deterioração/depreciação, de vir a ser titular de um crédito de montante bem inferior ao inicialmente atribuído, as despesas e encargos de manutenção do bem, entre outros;
ii) Ora, fazendo um paralelismo de regimes entre a prestação de caução no domínio do direito privado, regulado no CPC, e a prestação de garantia na execução fiscal na área do direito público, previsto no CPPT, temos que a idoneidade da prestação de caução não se basta com o valor dos bens/créditos no momento em que é prestada, antes deve ter em conta os eventuais riscos futuros que possam afectar a segurança da cobrança do crédito do exequente por virtude da suspensão da execução;
jj) Aqui chegados, temos de concluir que se tal ponderação de riscos futuros da garantia a prestar, susceptíveis de afectar a cobrança do crédito (segurança da garantia), tem de ser considerada e acautelada na prestação de caução nas relações privadas, dela dependendo a idoneidade e consequente aceitação da mesma, por maioria de razão nas relações de direito público, como ocorre na área do direito fiscal (em que estão em causa especiais interesses de natureza pública), esse tipo de riscos, não pode deixar de ser tomado em conta, o que foi feito no caso dos autos pelas razões já anteriormente elencadas para que se remete;
kk) Reitera-se que, não densificando a lei o conceito de idoneidade da garantia, certo é que na sentença recorrida a idoneidade do penhor de créditos vem reportado apenas à suficiência abstracta em termos de valor, mas sem que esteja cumprido o requisito da segurança bastante para se ter por acautelada a dívida tributária, o que pode comprometer a eficaz e regular cobrança da dívida tributária;
ll) Acresce que no panorama actual a economia apresenta-se muito imprevisível, o risco associado a aplicações financeiras ou partes de capital é elevado, pelo que, a volatilidade da economia é tal que torna ainda mais "frágeis" certo tipo de garantias, não se revelando adequadas a assegurar a cobrança dos créditos tributários;
mm) A decisão recorrida imputa ao despacho reclamado o vício de violação de lei porque a Autoridade Tributária aferiu a idoneidade do penhor, utilizando critérios que não têm suporte legal, do que a Fazenda Pública diverge - sobre o conceito de vício de violação de lei vide "Diogo Freitas do Amaral", Curso de Direito Administrativo, Volume II, Editora Almedina, fls. 391 e seguintes;
nn) Uma vez que o conceito de idoneidade não é fornecido pelo legislador fiscal nem consta de qualquer outro diploma que seja subsidiariamente aplicável, a Autoridade Tributária ao fazer a sua aplicação no caso concreto praticou um acto que comporta discricionariedade, no entanto, não foi pelo Órgão de Execução Fiscal violado qualquer princípio constitucional ou princípio geral de direito, razão porque não padece o despacho reclamado do vício de violação e que, do nosso ponto de vista, não tem aqui aplicação;
oo) Em suma, não está verificado o vício de violação de lei e os critérios de idoneidade patentes na sentença não têm suporte legal, devendo manter-se a legalidade do despacho reclamado porque fundamentador, de facto e de direito, da não aceitação do penhor de créditos por não revestir idoneidade para o efeito à face da lei aplicável.
Termina pedindo o provimento do recurso e revogação da decisão recorrida, com as devidas consequências legais.

1.3. Contra-alegaram os recorridos, pugnando pela confirmação do julgado recorrido, alegando, em síntese:
Que há ilegalidade manifesta da constituição de hipoteca legal, sendo que o despacho que a determinou, bem como o despacho posteriormente proferido em 29/12/2011, nem se encontram fundamentados, nem foram validamente notificados aos recorridos pois que estes, até à notificação recebida em 2/1/2012, nunca antes foram notificados de nenhuma decisão proferida na execução em que porventura se tivesse determinado a suspensão desta (e não foi através dos ofícios nºs. 3296 e 3297, de 25/10/2011, que tal notificação se realizou) e sendo que tais despachos também enfermam do vício de violação d lei, por errada e ilegal interpretação do nº 2 do art. 169º do CPPT, ocorrendo ainda falta de fundamento válido para a não aceitação do penhor de crédito oferecido como garantia.
Acrescendo, ainda, que caso a reclamação apenas subisse a final, como é pretensão da AT, aquela perderia toda a utilidade e sempre ocorreria para os executados um prejuízo avultado e irreparável.

1.4. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«1. Matéria controvertida:
- se os autos de reclamação deviam apenas ter sido apreciados e decididos a final do processo executivo, nos termos do previsto no art. 278° n° 3 do C.P.P.T.;
- se a constituição de hipoteca em garantia, bem como a suspensão da execução a que a seguir se procedeu, está em conformidade com o disposto no art. 195° n° l do C.P.P.T., bem como se a mesma tem a fundamentação exigível, ainda que mínima, se não carece do direito de audição e se a falta da respectiva notificação não afecta a sua validade, tendo dela tomado conhecimento os reclamantes;
- se a recusa de aceitação do penhor oferecido em substituição da dita hipoteca não está ferida do vício de lei, conforme resulta do disposto nos arts. 52° da L.G.T., 169º, 195º, 199º e 217º do C.P.P.T., bem como se os critérios utilizados no despacho em reclamação têm suporte legal.
2. Posição que se defende.
a. Fundamentação.
Tendo sido alegado prejuízo irreparável pelo reclamante e, estando em causa a garantia que foi constituída por hipoteca legal de imóvel de valor muito superior às quantias em execução créditos, e em vez de crédito que foi oferecido pelo reclamante, é de aceitar, conforme decidido foi, que seja tenha procedido à apreciação e decisão imediata da reclamação, nos termos do previsto no art. 278° n° 3 al. d) do C.P.P.T..
A constituição da hipoteca em causa mostra-se alegadamente fundada no "real" interesse da eficácia da cobrança que no caso resulta em face da dívida exequenda, cujo montante é de reconhecer que era elevado, bem como do acrescido.
Por outro lado, a dívida em causa é de I.R.S..
Ora, o que ora se encontra previsto no art. 195° n° l do C.P.P.T., ainda que obtenha sustentação no disposto no art. 50° n° 2 al. b) da L.G.T., parece permitir que se tenha como prevalecente o interesse da A.T. em face de outros do executado.
A ser assim e de acordo com a jurisprudência do S.T.A., nomeadamente, o acórdão de 12-4-2012 proferido no proc. 0247/2012, que se cita no recurso interposto pela F.P., merece resposta favorável o leque de questões enunciadas em segundo lugar na matéria controvertida.
Ainda que o interesse em caso fosse de aferir em função da necessidade que no caso se fizesse sentir, pois não se está face a imposto sobre a propriedade, o qual é a situação que sem mais resulta abrangida, a referência àquele interesse parece dispensar a consideração de outras possibilidades, nomeadamente, a da verificação de outros bens que devessem ter sido penhorados ou que tal dependesse de uma nomeação à penhora que pudesse ainda ser efectuada pelo executado, havendo que reconhecer que a fórmula utilizada ainda que muito simples - apenas se fez corresponder o adjectivo "real" ao que consta da previsão legal - ainda corresponderá aos "termos mais simples" previstos no art. 138° n° l do C.P.C., a que subsidiariamente há que recorrer.
Finalmente, no art. 52° da L.G.T. prevê-se, excepcionalmente, a possibilidade de substituição da garantia, no caso do "executado provar interesse legítimo na substituição e daí não resulte prejuízo para o credor tributário".
No caso de penhor, a sua aceitação está ainda dependente da concordância da A.T., conforme previsto no art. 199º n° 2 do C.P.P.T..
O respectivo despacho que sobre o pedido de substituição foi proferido mostra-se apenas assente no "maior grau de risco" que a aceitação do penhor ofereceria para a A.T..
Assim, vindo ainda referido que o pedido foi indeferido, sem que tenha sido efectuada a apreciação da solidez económica e financeira da sociedade cujas acções tinham sido oferecidas em penhor, o que parece que se impunha ainda efectuar, atento o fim em vista de ser verificado se o seu valor era suficiente para o valor que importava garantir, de acordo com o previsto no art. 199º n° 5 do C.P.P.T..
2. Conclusão.
Parece que o recurso interposto pela F.P. é apenas de proceder quanto ao leque das segundas enunciadas questões, sendo, pois, de revogar o decidido e manter a hipoteca legal, sem prejuízo de ser de apreciar o pedido de substituição dessa garantia pelo penhor que foi oferecido, de acordo com o que quanto ao seu "real" valor resultar e em face do que importa garantir, nos termos do art. 199° n° 5 do C.P.P.T..»

1.5. Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe apreciar.


FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
l. Em 22 de Setembro de 2011, foram os reclamantes A……… e mulher B………, contribuintes nºs. ……… e ………, respectivamente, residentes no Largo ………, em Mangualde, citados de que contra si havia sido instaurada no Serviço de Finanças de Mangualde, a execução fiscal n° 2550201101009230, para cobrança coerciva das seguintes dívidas:

Origem
Período
N° Execução
Nº Certidão
Valor (€)
IRS
2008
2550201101009230
2011/688391
92.500,00
JUROS E ACRESCIDOS
2550201101009230
2011/688391
7.541,90

Cfr. artigo primeiro da petição inicial e documentos fls. 124 e 125 presentes autos, que se dão por integralmente reproduzidos.
1. Por Despacho de 23/09/2011, o Chefe de Serviço de Finanças de Mangualde, em regime de substituição, determinou a constituição de hipoteca legal sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob o n° 5938, da freguesia de ……… e inscrito na respectiva matriz sob o artigo n° 4182, “com valor patrimonial de € 22.926,05 e atribuído de € 250.000,00”, “visto que a Fazenda Pública tem um real interesse na eficácia da cobrança da dívida exequenda e do acrescido” e destina-se a “garantir a quantia exequenda no processo de execução fiscal 2550201101009230 e respectivos juros de mora vencidos e vincendos, bem como as custas processuais, consubstanciando-se a dívida exequenda, àquela data, “no montante de € 100.041,90 e acrescido no valor de € 432,53, constituído por juros de mora no montante de € 121,86 e custas processuais no valor de € 310,67”, em que são executados os reclamantes - cfr. documentos de fls. 17 e 18 dos presentes autos, que se dá por integralmente reproduzido.
3. Sobre o prédio urbano descrito nesta Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob o n° 5938, freguesia de ………, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 4182 e em que figuram como sujeitos activos os reclamantes e pela AP. 2379, de 2011/09/23, foi registada hipoteca legal a favor da Fazenda Nacional - Serviço de Finanças de Mangualde, com o capital de € 100.041,90 e montante máximo assegurado de € 100.474,43, para garantia da dívida exequenda exigida no processo de execução fiscal n° 2550201101009230, acrescida de juros de mora no montante de 121,86 € e custas processuais no valor de 310,67 € cfr. documento de fls. 126 dos presentes autos, que se dá por integralmente reproduzido.
4. Por requerimento com registo de entrada nos Serviços de Finanças de Mangualde em 24 de Outubro de 2011, os reclamantes disseram que “tendo sido notificados da instauração contra si do processo de execução fiscal para cobrança de pretensas dívidas de IRS, relativas ao ano de 2008 e acrescidos, que lhes está a ser movido pelo Serviço de Finanças como Procº nº 2550201101009230... irão oportunamente deduzir reclamação graciosa e/ou impugnação judicial, que terão por objecto a legalidade da divida exequenda e seus fundamentos... . Neste momento e porque tal nunca lhe foi comunicado, os requerentes desconhecem qual o valor da garantia a prestar, informação esta que deverá constar do processo... . Requer-se pois que aos requerentes sejam urgentemente informados sobre o valor pecuniário da garantia que pretendem e deverão prestar para que a presente execução possa ficar suspensa...” cfr. documento de fls. 27 e 28 dos presentes autos que se dá por integralmente reproduzido.
5. Por informação do Serviço de Finanças de Mangualde de 25 de Outubro de 2011, é referido que na sequência do “Despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Mangualde, datado de 23.09.2011, foi determinada a constituição de hipoteca legal” sobre o prédio urbano indicado no ponto 3 e que em “24/10/2011 os reclamantes manifestaram a intenção de, oportunamente, apresentarem reclamação graciosa ou impugnar judicialmente a legalidade da dívida exequenda, solicitando informação acerca do valor da garantia a prestar”, tendo sido indicada naquela informação que o valor da garantia a prestar seria de € 127.721.61, cfr. documento de fls. 30 dos presentes autos, que se dá por integralmente reproduzido.
6. Na sequência da informação a que alude o ponto anterior, o Chefe do Serviço de Finanças de Mangualde, em substituição, produziu Despacho datado de 25/10/2011, do seguinte teor: “Face à informação que antecede e atendendo a que se encontram reunidos todos os pressupostos exigidos no n° 2 do artigo 169° do CPPT, em conformidade com o preceituado neste normativo legal, determino a suspensão da presente execução fiscal, a qual, nos termos previstos no n° 3 do artigo 169° do CPPT, será levantada se, no prazo legal, não for apresentado o correspondente meio processual e comunicado esse facto a este serviço de Finanças...”, cfr. documento de fls. 30 dos presentes autos, que se dá por integralmente reproduzido.
7. Pelos ofícios nºs. 3297 e 3296, ambos datados de 25/10/2011, o Serviço de Finanças de Mangualde notificou os reclamantes de que “a garantia a prestar para os efeitos previstos no artigo 169° do Código de Procedimento e de Processo tributário (CPPT), designadamente suspensão do Processo de Execução Fiscal... ascende ao valor de € 127.721,61. ... Mais se refere que, tendo sido constituída hipoteca legal sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ……… sob o artigo 4182, verifica-se que o valor que lhe foi atribuído é suficiente para assegurar a suspensão do PEF nos termos mencionados...”, cfr. documentos de fls. 31 e 32 dos presentes autos, que se dão por integralmente reproduzidos.
8. Por requerimento com registo de entrada no Serviço de Finanças de Mangualde em 14 de Novembro de 2011, os reclamantes pretenderam oferecer como garantia do crédito exequendo através da constituição de penhor sobre uma parte do crédito que detinham sobre a “C………, S.A.” no montante de € 182.250,00, em face do que requerem “imediata suspensão da presente execução” e, bem assim, que deferindo o Serviço de Finanças “o requerido e constituído o penhor oferecido seja em seguida cancelada a hipoteca legal sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ……… sob o art. 4.182, hipoteca”, cfr. documento de fls. 42 dos presentes autos que se dá por integralmente reproduzido.
9. Ao requerimento referido no ponto anterior, os reclamantes juntaram cópia do contrato de compra e venda de acções celebrado entre estes (Segundos Outorgantes) e a C……… S.A.” (Primeira Outorgante), datado de 27 de Dezembro de 2008, mediante o qual aqueles venderam a esta 75000 acções que detinham na firma “D………, S.A.", figurando na cláusula Quarta daquele contrato que “O preço acordado pela venda da totalidade das acções é de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), o qual será pago durante os próximos dez anos, em prestações de montante variável e a definir por acordo entre os ora outorgantes”… cfr. documento de fls. 47 dos presentes autos que se dá por integralmente reproduzido.
10. Ao mesmo requerimento juntaram também os reclamantes cópia do “Aditamento a contrato de compra e venda de acções” datado de 11 de Novembro de 2011, referido no ponto anterior, mediante o qual foi reconhecido que à data da celebração deste contrato o valor em dívida resultante da venda das acções era de € 365.000,00 e declara a primeira outorgante que tem conhecimento que os segundos outorgantes para suspenderem a tramitação do processo de execução fiscal n° 2550201101009230 que contra estes é movido, ofereceram como garantia a constituição de penhor sobre parte do crédito que detinham sobre a primeira outorgante, declarando ainda a primeira outorgante que aceita a constituição daquele penhor e a proceder ao pagamento à Administração Fiscal da importância de € 127.721,61 quando a correspondente dívida se tomar vencida e exigível. – cfr. documento de fls. 52 dos presentes autos, que se dá por integralmente reproduzido.
11. Por requerimento registado no Serviço de Finanças de Mangualde em 15 de Novembro de 2011, os reclamantes vieram solicitar a correcção dos valores indicados no requerimento indicado no ponto 8 deste probatório, no sentido de que o valor ali indicado respeita a um só reclamante, devendo, por isso, considerar-se como valor total dos créditos que detêm sobre a “C………, S.A.” a importância de € 365.000,00, cfr. documento de fls. 55 e 56 dos presentes autos que se dá por fielmente reproduzido.
12. Pela informação datada de 25/11/2011, o Serviço de Finanças de Mangualde pronunciou-se sobre o requerimento dos reclamantes a que se refere o ponto 8, concluindo que “... verifica-se que o pedido formulado pelos executados visa a substituição de garantia nos termos do n° 5 do artigo 52° da LGT, pelo que há que determinar se a hipoteca legal já constituída e o penhor do crédito oferecido se situam no mesmo plano, em termos de idoneidade.
Porém, verifica-se que, ainda que, nesta data, fosse formulada uma eventual apreciação positiva acerca da solidez económica e financeira desta última sociedade (análise essa, que não foi demonstrada pelos requerentes e não damos como adquirida), este tipo de garantia faz emergir, de forma evidente, o maior grau de risco que lhe está associado, não só pelo facto de estarmos a lidar com fluxos financeiros futuros, como pela própria incerteza que envolve o contexto empresarial actual.
São esses factores que em termos de idoneidade, colocam o penhor do crédito oferecido num patamar substancialmente inferior em relação à garantia já constituída e faz com que, da substituição pretendida, resulte num prejuízo para o credor tributário... .
Face ao exposto, ... será de indeferir o pedido de substituição de garantia apresentado...”, cfr. documento de fls. 58 e 59 dos presentes altos, que se dá por integralmente reproduzido.
13. Por Despacho de 25/11/2011, o Chefe do Serviço de Finanças, em substituição, concordou com a informação constante do ponto anterior e ordenou a notificação para o exercício do direito de audição, cfr. documento de fls. 57 dos presentes autos que se dá por integralmente reproduzido.
14. Pelo ofício n° 3854, de 28/11/2011, o Serviço de Finanças de Mangualde notificou os reclamantes a fim de exercerem o direito de audição relativamente ao despacho constante do ponto anterior, cfr. documento de fls. 60 dos presentes autos, que se dá por integralmente reproduzido.
15. Por requerimento registado no Serviço de Finanças de Mangualde em 16 de Dezembro de 2011, os reclamantes no exercício do direito de audição, cfr. documento de fls. 61 a 70 dos presentes autos, que se dá por integralmente reproduzido.
16. Pela informação datada de 29/12/2011, o Serviço de Finanças de Mangualde, pronunciou-se sobre o requerimento apresentado pelos reclamantes no exercício do direito de audição, pugnando pela manutenção da decisão de suspensão da execução por força da garantia resultante da hipoteca legal do prédio inscrito na matriz urbana da freguesia de ……… sob o n° 4182, considerando ainda que a pretensão dos reclamantes se reconduz a um pedido de substituição da garantia, mantendo o projecto de decisão datado de 25/11/2011, face do que o Chefe de Finanças de Mangualde, em regime de substituição, converteu o projecto de decisão em decisão definitiva, cfr. documento de fls. 77 a 80 dos presentes autos que se dá por integralmente reproduzido.
17. Pelo ofício n° 4312, de 30/12/2011, o Serviço de Finanças de Mangualde, notificou os reclamantes da decisão referida no ponto anterior, cfr. documento de fls. 81 dos presentes autos, que se dá por integralmente reproduzido.
18. Os reclamantes intentaram a reclamação dos presentes autos no dia 17 de Janeiro de 2012, cfr. documento de fls. 83 dos presentes autos que se de por integralmente reproduzido.

3.1. Apreciando em primeiro lugar a questão prévia, suscitada pela Fazenda Pública, atinente à questionada subida imediata da reclamação, a sentença recorrida veio a concluir que, no caso, deve ser admitida a subida imediata da presente reclamação, dado que não tem o mesmo efeito a apreciação, de imediato ou a somente a final, da questão atinente à legalidade da hipoteca legal que os recorridos invocam ser de valor superior, no dobro, relativamente à divida exequenda, bem como a apreciação da legalidade da recusa da garantia por eles proposta (independentemente de a sua pretensão se dirigir à substituição daquela ou à prestação de garantia na sequência da informação prestada pelo serviço de finanças).
Para tanto, referenciando a doutrina do cons. Jorge Lopes de Sousa (In CPPT anotado, Vol. IV, pág. 305 a 309, 6ª Edição, 2011, Áreas Editora. ) no sentido de ser de admitir o alargamento do regime de subida imediata das reclamações das decisões do órgão de execução fiscal em face do “direito à tutela judicial efectiva de direitos e interesses legítimos em matéria de contencioso administrativo, artigo 268°, n° 4 da CRP, em que se engloba o tributário” e de que “o alcance da tutela judicial efectiva não se limita à possibilidade de reparação dos prejuízos provocados por uma actuação ilegal, comissiva ou omissiva da Administração, exigindo antes que sejam evitados os próprios prejuízos, sempre que possível” e que, mesmo em caso em que esteja constituída hipoteca que assegure o pagamento da dívida, deverá apreciar-se não se há prejuízo imediato por a reclamação não subir imediatamente mas sim se tal prejuízo virá a existir se a subida só ocorrer depois da penhora ou depois da venda, conforme for o caso.

3.2. E enunciando, em seguida, as restantes questões a apreciar (i) se a decisão do Serviço de Finanças de Mangualde que, na sequência da constituição de hipoteca legal, procedeu à suspensão do processo executivo, padece de vício de forma por falta de fundamentação e notificação válida; (ii) se os despachos do Chefe de Finanças, de 25/11/2011 e 29/12/2011, padecem de vício de violação de lei ao não aceitarem a garantia proposta pelos reclamantes; e (iii) se a posição processual assumida pela Fazenda Pública consubstancia litigância de má-fé e, consequentemente, susceptível de condenação em multa e indemnização peticionadas pelos reclamantes, a sentença veio a considerar, no que agora interessa (já que a questão atinente à litigância de má-fé não é objecto do presente recurso) o seguinte:
a) Quanto à questão de saber se a decisão do Serviço de Finanças de Mangualde que, na sequência da constituição de hipoteca legal, procedeu à suspensão do processo executivo, padece de vício de forma por falta de fundamentação e notificação válida:
Porque os actos através dos quais a AT procede à constituição de penhor ou hipoteca legal, têm natureza administrativa (uma vez que se inserem na definição dada pelo art. 120º do CPA) então, a decisão de constituir penhor ou hipoteca legal está sujeita aos requisitos gerais dos actos administrativos em matéria tributária, inclusivamente no que concerne ao direito de audição e sua dispensa (arts. 100° a 103º do CPA e 45° do CPPT) e de fundamentação (arts. 77° da LGT e 124° e 125° do CPA).
E pela mesma razão essa decisão está sujeita a notificação aos que por tais actos sejam afectados (268° n° 3 da CRP) e pode ser impugnada contenciosamente (n° 3 do mesmo artigo) no caso, tratando-se de decisão tomada em processo de execução fiscal, através da reclamação prevista no art. 276° do CPPT.
Dado que a constituição de hipoteca legal ou penhor apenas poderá ser efectuada quando tal seja necessário para garantia da cobrança da dívida, é com esse pressuposto que devem ser lidas as indicações de situações em que tais actos podem ser praticados feita no n° l do art. 195° do CPPT, ao referir que tal constituição pode ser efectuada «quando o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável».
No caso e segundo resulta da factualidade provada, no dia 23/9/2011, o órgão da execução fiscal (doravante OEF) determinou a constituição de hipoteca legal porque «tem um real interesse na eficácia da cobrança da dívida exequenda e do acrescido» e, no seguimento, considerou suspensa a execução fiscal.
Porém, esta suspensão do processo executivo promanada da constituição da hipoteca legal padece de vício de forma por falta de fundamentação e de notificação, porque muito embora nos termos do n° l do art. 169º do CPPT a execução fique suspensa se for constituída hipoteca legal nos termos do art. 195º, a verdade é que esta decisão de constituição de hipoteca legal (consubstanciando um acto administrativo em matéria fiscal e carecendo, como tal, de fundamentação, em face do n° l do citado art. 195° do CPPT), não está fundamentada (pois não é possível perceber a concreta motivação do OEF que conduziu à constituição da hipoteca legal, ou seja, quais os fundamentos que para garantir a eficácia da cobrança, em concreto, recomendavam a constituição da hipoteca legal) sendo que se impunha ao mesmo OEF, à luz do disposto nos arts. 77° da LGT e 124° e 125º do CPA, uma justificação, ainda que sucinta e mesmo por remissão, da razão pela qual era recomendável ao interesse da eficácia da cobrança da dívida exequenda a constituição de hipoteca legal.
Além disso, o despacho do OEF datado de 25/10/2011, ao determinar a suspensão da execução por terem os reclamantes manifestado a intenção de impugnar a divida exequenda – art. 169° n° 2 do CPPT – vem atribuir uma nova justificação à constituição da hipoteca, já anteriormente constituída, através da força suspensiva do processo executivo. Deste modo, o OEF atribuiu à hipoteca legal uma justificação que antes não tinha feito nem podia fazer porque em face deste normativo, esta suspensão dependeria da manifestação por parte dos reclamantes da intenção de impugnação, o que vem adensar dúvidas sobre a existência da fundamentação exigível do acto que determinou a constituição da hipoteca legal.
Acresce que tão pouco o OEF deu lugar à audição prévia, como lhe era imposto pelos arts. 45° do CPPT e 100° a 103º do CPA e também não notificou os reclamantes da constituição da hipoteca legal, como lhe era imposto pelo art. 268°, n° 3 da CRP e art. 36° do CPPT, sendo que, como resulta da factualidade provada, os reclamantes apenas tomaram conhecimento da hipoteca constituída depois de haverem requerido informação sobre o montante da garantia a prestar.
Ora, o acto inválido que sirva de fundamento a uma decisão de suspensão do processo de execução fiscal, como a dos presentes autos, inquina com a mesma invalidado o acto seguinte. Assim, forçoso é concluir que os actos traduzidos nos despachos do OEF datados de 25/11/2011 e 29/12/2011, bem como o despacho de 23/9/2011, que ordena a constituição de hipoteca legal e consequentemente permitiu ao órgão de execução fiscal a declaração de suspensão da execução, padecem de vício de forma, nomeadamente de falta de fundamentação, quanto à necessidade e oportunidade da hipoteca legal, o que implica a sua anulação, que se reflecte nos actos que com base nele foram praticados, nomeadamente a constituição da hipoteca.
b) Quanto à legalidade dos despachos do Chefe de Finanças de 25/11/2011 e 29/12/2011 que não aceitarem a garantia oferecida pelos reclamantes com vista á suspensão do processo executivo n° 2550201101009230:
Quanto a esta matéria, os reclamantes alegam que o acto (despacho de 25/11/2011) que rejeitou a garantia oferecida, por considerar que a garantia proposta não tem idoneidade, padece de vício de violação de lei.
Ora, visto o disposto nos arts. 52° da LGT e 169°, n° l, 195º e 199º do CPPT, verifica-se, no caso, que os fundamentos invocados pela AT referentes ao grau de risco da execução da garantia introduzem uma restrição ao conceito de idoneidade da garantia que não tem suporte legal, não constituindo parâmetros relevantes no juízo de aferição da idoneidade da garantia oferecida (o OEF indeferiu o pedido porque, na sua óptica, o penhor de crédito oferecido em substituição da hipoteca constituída, se traduz no oferecimento de garantia que não tem a mesma idoneidade, pois, ainda que nesta data fosse formulada uma eventual apreciação positiva acerca da solidez económica e financeira da sociedade, este tipo de garantia faz emergir, de forma evidente, o maior grau de risco que lhe está associado, não só pelo facto de estarmos a lidar com fluxos financeiros futuros, como pela própria incerteza que envolve o contexto empresarial actual. E estes factores colocam, em termos de idoneidade, o penhor do crédito oferecido num patamar substancialmente inferior em relação à garantia já constituída e faz com que, da substituição pretendida, resulte num prejuízo para o credor tributário).
E, assim sendo, o acto reclamado, ao fundar-se em critérios que não têm suporte legal para aferir da idoneidade da (oferecida) garantia mediante penhor, padece de vício de violação de lei, a acarretar a sua anulação.

3.3. É do assim decidido que a recorrente Fazenda Pública discorda, delimitando as questões a decidir no recurso às seguintes:
1) Da subida imediata da reclamação;
2) Da legalidade da constituição de hipoteca legal;
3) Da idoneidade do penhor de créditos oferecido como garantia.
Vejamo-las, pois.

I - Quanto à questão atinente à subida da presente reclamação [Conclusões a) a h)].

4.1. Sob a epígrafe «Subida da reclamação. Resposta da Fazenda Pública e efeito suspensivo», no art. 278º do CPPT dispõe-se, além do mais:
«1 - O tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final.
2 – (…)
3 - O disposto no nº l não se aplica quando a reclamação se fundamentar em prejuízo irreparável causado por qualquer das seguintes ilegalidades:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada;
b) Imediata penhora dos bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos de direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência;
d) Determinação da prestação de garantia indevida ou superior à devida;
e) Erro na verificação ou graduação de créditos»

4.2. No caso, a recorrente alega que os argumentos aduzidos não justificam o conhecimento imediato do pedido, pois que, por um lado, embora a enumeração constante do nº 3 do art. 278º do CPPT não seja taxativa, sempre seria necessário que os reclamantes demonstrassem em que medida a manutenção do despacho reclamado, com as devidas consequências, é susceptível de lhes causar um prejuízo irreparável, sendo que da análise aos presentes autos resulta que os reclamantes não demonstraram a ocorrência de factos concretamente identificados integradores da ocorrência do invocado "prejuízo irreparável" e, por outro lado, a sentença também não fundamenta devidamente porque é que a subida diferida não tem o mesmo efeito da sua apreciação de imediato, sobretudo se atentarmos em que o OEF suspendeu a tramitação do processo de execução fiscal em referência.
Ora, na verdade, como salienta o cons. Jorge de Sousa (loc. cit.) deve admitir-se o alargamento do regime de subida imediata das reclamações das decisões do OEF, em face do «direito à tutela judicial efectiva de direitos e interesses legítimos em matéria de contencioso administrativo, artigo 268°, n° 4 da CRP, em que se engloba o tributário» e em face do postulado de que «o alcance da tutela judicial efectiva não se limita à possibilidade de reparação dos prejuízos provocados por uma actuação ilegal, comissiva ou omissiva da Administração, exigindo antes que sejam evitados os próprios prejuízos, sempre que possível»
É certo que «o facto de se ter previsto a subida imediata da reclamação como excepção à regra da subida diferida aponta no sentido de apenas se poderem considerar como relevantes para esse efeito prejuízos que não sejam os que estão associados normalmente a qualquer processo executivo, como os transtornos ou incómodos» e que, por isso, «a interpretação correcta do regime de subida previsto neste artigo será a de que só haverá subida imediata quando, sem ela, ocorrerem prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer execução. Por outro lado, no âmbito da protecção constitucional garantida pelo direito à tutela judicial efectiva não se pode incluir protecção contra os inconvenientes próprios de qualquer processo judicial executivo, pois eles são inerentes ao próprio funcionamento do regime judiciário global relativo à tutela de direitos». (Ibidem, 305/306. )
Porém, no caso dos autos, tendo os reclamantes alegado prejuízo irreparável, estando em causa a garantia que foi constituída por hipoteca legal de imóvel de valor muito superior às quantias em execução, bem como como a apreciação da legalidade da recusa da garantia por eles proposta (independentemente de a sua pretensão se dirigir à substituição da dita hipoteca ou à prestação de garantia na sequência da informação prestada pelo serviço de finanças) é de aceitar, conforme foi decidido, que seja tenha procedido à apreciação e decisão imediata da reclamação, nos termos do previsto na al. d) do nº 3 do citado art. 278° do CPPT, sendo que, como a sentença refere, mesmo estando constituída a hipoteca que assegurará o pagamento da dívida, deverá apreciar-se não se há prejuízo imediato por a reclamação não subir imediatamente mas sim se tal prejuízo virá a existir se a subida só ocorrer depois da penhora ou depois da venda, conforme for o caso.
Improcede, portanto, nesta parte, a alegação da recorrente Fazenda Pública.

II - Quanto à questão relativa à legalidade da constituição de hipoteca legal [Conclusões i) a x)].

5.1. Quanto a esta matéria, a recorrente Fazenda Pública discorda do decidido porque, em seu entender, no âmbito da normal tramitação do processo de execução fiscal podem ser praticados, quer actos materialmente administrativos, quer actos de puro trâmite, sendo que o acto que determina a constituição de hipoteca legal não é um acto administrativo em matéria tributária, mas antes um acto de puro trâmite ou, dito de outra forma, um acto sem carácter jurisdicional praticado pela Autoridade Tributária no âmbito da execução fiscal enquanto mera "auxiliar" na prossecução do escopo judicial da execução. E cita em seu apoio o entendimento jurisprudencial que, segundo ela, decorre dos acs. do STA, nos acs. de 7/12/2011 (rec. n° 01054/11), de 23/2/2012 (rec. nº 059/12), de 7/3/2012 (rec. nº 0185/12) e de 12/4/2012 (rec. nº 0247/12).
E, por isso, toda a fundamentação da sentença recorrida para decidir da forma que o fez enferma de um vício de raciocínio ao pressupor que o acto que determina a constituição de hipoteca legal pelo OEF é um acto administrativo, sujeito às exigências próprias desse tipo de actos, ao nível da fundamentação, do direito de audição e da notificação aos interessados, sendo que, quanto a esta última vertente, ainda que se entendesse que os reclamantes não tiveram conhecimento do acto que ordenou a constituição de hipoteca legal (o que não se concebe, conforme demonstrado), tratar-se-ia de um requisito de eficácia do acto, que em nada afectaria a sua validade, nos termos dos arts. 36°, n° 1 do CPPT e 77°, n° 6 da LGT.
Vejamos.

5.2. De acordo com o disposto no art. 50º da LGT, o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários e, para garantia desses créditos, a AT dispõe «Do direito de constituição, nos termos da lei, de penhor ou hipoteca legal, quando essas garantias se revelem necessárias à cobrança efectiva da dívida ou quando o imposto incida sobre a propriedade dos bens» (al. b) do nº 2 do art. 50º da LGT).
Por sua vez, nos termos do disposto no nº 1 do art. 169º do CPPT (Suspensão da execução. Garantias) «A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda (…) desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195º ou prestada nos termos do artigo 199º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente
E no art. 195º do mesmo CPPT (Constituição de hipoteca legal ou penhor) dispõe-se, além do mais, que:
«1 - Quando o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável, o órgão da execução fiscal pode constituir hipoteca legal ou penhor.
2 - A hipoteca legal é constituída com o pedido de registo à conservatória competente, que é efectuado por via electrónica, sempre que possível.
(…)»

5.3. Como decorre do disposto no art. 103º da LGT, e tem sido repetidamente afirmado pela jurisprudência deste STA, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, na totalidade, e embora a AT nele possa praticar actos que não tenham natureza jurisdicional é garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos aí praticados por órgão da AT.
Entre os actos que podem ser praticados pela AT no processo de execução fiscal inclui-se a constituição de hipoteca legal, nos casos enunciados nos arts. 50º da LGT e 195º do CPPT.
Ora, apesar das divergências que, a respeito da natureza de determinados actos praticados pela AT na execução fiscal, se têm manifestado na jurisprudência deste STA [de que são exemplo, os arestos de 7/12/2011 (rec. n° 01054/11), de 7/3/2012 (rec. nº 0185/12) e de 12/4/2012 (rec. nº 0247/12) referenciados pela recorrente; mas não já o ac. de 23/2/2012, rec. nº 059/12, também indicado, pois que, neste, se entendeu que a dispensa de prestação de garantia é um acto materialmente administrativo, embora, face à urgência objectiva, revelada pela norma ínsita no art. 170º do CPPT, de prolação dessa decisão, deva apelar-se (por força da aplicação subsidiária desta norma em conformidade com o disposto no art. 2º, al. c) da LGT) ao regime contido no CPA, cujo art. 103º, nº 1, estabelece que não há lugar a audiência dos interessados quando a decisão seja urgente], afigura-se-nos que no caso vertente, pelo menos o acto substanciado no reclamado despacho proferido em 23/9/2011, tem natureza materialmente administrativa, dado que se trata de acto em que o OEF determinou a constituição de hipoteca legal porque «tem um real interesse na eficácia da cobrança da dívida exequenda e do acrescido».
Ou seja, contrariamente ao entendimento da recorrente, temos para nós que o acto de constituição da hipoteca legal aqui em questão se qualifica como verdadeiro acto administrativo em matéria tributária e não como mero acto de trâmite, uma vez que não se confina nos estreitos limites da ordenação intraprocessual, antes projecta externamente efeitos jurídicos numa situação individual e concreta ― cfr. art. 120º do CPA (Expressamente neste sentido, cfr. também o cons. Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e comentado, Vol. III, anotações 2, 6 e 7 ao art. 195º, pp. 390 a 393, 6ª Edição, 2011, Áreas Editora.) ― sendo que essa decisão da AT de proceder à constituição de tal hipoteca legal, e apesar do posterior despacho (de 25/10/2011) no sentido de determinar a suspensão da execução por os reclamantes terem manifestado a intenção de impugnar a divida exequenda – art. 169° n° 2 do CPPT (atribuindo, assim, uma nova justificação àquele acto anterior de constituição da hipoteca) implica e determina manifestos reflexos na esfera jurídica dos ora recorridos. A AT surge, ali, nas suas vestes de sujeito activo da relação tributária, agindo com base na verificação de requisitos que só a ela cabe apreciar (quando a garantia se revele necessárias à cobrança efectiva da dívida ou quando o imposto incida sobre a propriedade dos bens» - al. b) do nº 2 do art. 50º da LGT) ou, no texto do nº 1 do art. 195º do CPPT, quando o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável.
Ora, como aprofundadamente se deixou dito no citado acórdão de 23/2/2012, rec. nº 59/11 e na declaração de voto lavrada no também citado acórdão de 7/372012, rec. nº 185/12, quando o OEF «instaura, conduz e tramita a execução fiscal constitui um sujeito processual que age como interlocutor no diálogo processual, “substituindo” o juiz e praticando nele todos os actos que, não contendendo com qualquer composição de interesses, sejam legalmente necessários para a obtenção do fim a que o processo se destina. E a competência que detém o processo não brota, em princípio, da função tributária exercida pela Administração Fiscal nem emana de um poder de autotutela executiva da Administração, resultando, antes, de uma competência que a lei lhe confere para intervir no processo judicial como órgão auxiliar ou colaborador operacional do Juiz. Razão por que, todos os actos inscritos no procedimento processual pelos sujeitos processuais (partes, mandatários, órgão da execução, funcionários, juiz) estão submetidos a estritas regras processuais, que encontram previsão nas normas que regulam o processo tributário e, subsidiariamente, nas normas inscritas no CPC por força do disposto no artigo 2°, alínea e), do CPPT.
Todavia, já assim não será nos casos em que no procedimento processual surge “enxertado” um procedimento administrativo/tributário, em que a Administração Tributária actua como tal, no exercício da sua função tributária, agindo sobre a relação jurídica tributária estabelecida entre si (como sujeito activo) e o contribuinte (como sujeito passivo) ou sobre a obrigação que dela emana, produzindo actos materialmente administrativos em matéria tributária, pois a estes procedimentos tributários há que aplicar os princípios gerais que regulam a actividade administrativa e as normas que a LGT prevê para os procedimentos tributários…».
No caso, o chefe de Serviço de Finanças de Mangualde, através do acto/despacho aqui em causa, determinou a constituição de hipoteca legal sobre o questionado prédio urbano «visto que a Fazenda Pública tem um real interesse na eficácia da cobrança da dívida exequenda e do acrescido» e tal hipoteca se destina a «garantir a quantia exequenda no processo de execução fiscal 2550201101009230 e respectivos juros de mora vencidos e vincendos, bem como as custas processuais, consubstanciando-se a dívida exequenda, àquela data, “no montante de € 100.041,90 e acrescido no valor de € 432,53, constituído por juros de mora no montante de € 121,86 e custas processuais no valor de € 310,67”, em que são executados os reclamantes». E no subsequente despacho de 25/10/2011 considerou-se, face à constituição de tal hipoteca, suspensa a execução fiscal, seguindo-se, ainda, o despacho de 29/12/11 que, concordando com o projecto de decisão elaborado pelos Serviços da AT na sequência do direito de audição, determinou a sua conversão em decisão definitiva, indeferindo, portanto, os requerimentos dos reclamantes. Ou seja, como diz o MP, a constituição da hipoteca em causa mostra-se alegadamente fundada no «real» interesse da eficácia da cobrança.
É certo que na redacção inicial do nº 1 do art. 195º do CPPT, a constituição de penhor ou hipoteca só podia ocorrer quando existisse um «risco financeiro», ao passo que com a actual redacção (resultante da Lei nº 53-A/2006, de 29/12) se admite a constituição da hipoteca legal ou penhor quando «o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável».
Porém, como salienta o cons. Lopes de Sousa, se anterior redacção («risco financeiro») revelava que, mesmo relativamente aos impostos que incidam sobre a propriedade dos bens, a constituição de penhor ou hipoteca só era admissível quando existisse um perigo sério de que sem a constituição daquelas garantias pudesse fracassar a cobrança do imposto, a alteração da redacção, neste ponto, «parece não ter alcance prático apreciável, uma vez que a eficácia da cobrança recomendará a constituição de hipoteca legal ou penhor nos casos em que existir risco financeiro, isto é, esteja em perigo a possibilidade de cobrança da dívida. Eventualmente, a alteração terá por pressuposto que a expressão «risco financeiro» pode apontar no sentido de se tratar de situação em que esteja em causa a cobrança de uma quantia elevada, mas não é esse o significado literal da expressão. De qualquer forma, com a nova redacção fica claro que a constituição da hipoteca legal ou penhor não depende do montante em causa, mas sim da necessidade (sempre presente …) e não inconveniência dessa constituição para assegurar a efectivação da cobrança
E também o facto de na nova redacção (introduzida pela citada Lei n° 53-A/2006, de 29/12) se omitir a referência à necessidade de fundamentação da decisão (na redacção inicial previa-se que a constituição da hipoteca ou do penhor fosse feita na sequência de decisão fundamentada da administração tributária - que é o acto constitutivo - que deverá ser notificada ao executado, e é susceptível de reclamação nos termos dos arts. 276° a 278° do CPPT) não implica que tal decisão não haja de ser fundamentada.
«Com efeito, embora inserida num processo de execução fiscal, a prolação de uma decisão de constituição de garantia constitui um acto de natureza administrativa, a que têm de ser aplicados os requisitos procedimentais exigidos para tal tipo de actos. Por isso, deverá interpretar-se a alteração legislativa introduzida no n° 1 deste art. pela Lei n° 53-A/2006 como não afastando a necessidade de fundamentação, pois é a interpretação que se compagina com a Constituição, que impõe a fundamentação expressa e acessível dos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268°, n° 3, da CRP).» (Jorge Lopes de Sousa, loc. cit. anotação 7 ao art. 195º, pp. 392/393. )
Ora, retornando ao caso sub judice, não se vê que da fundamentação do acto em causa se possa concluir que a AT considerou e ponderou a existência de qualquer perigo sério de que sem a constituição da dita hipoteca se perfile uma impossibilidade de cobrança da dívida exequenda: o invocado «real» interesse da eficácia da cobrança ou, na alegação do MP, o montante elevado da dívida exequenda (100.041,90 Euros) e acrescido (Euros 432,53) e a circunstância de se tratar de dívida de IRS, nada adiantam sobre aqueles requisitos. (E nesta óptica, mesmo que se entendesse que não estamos perante um acto administrativo mas, antes, perante um acto trâmite do processo executivo, também faltaria a necessária fundamentação exigível à luz do disposto no art. 158º do CPC. )
Daí que, em consequência, e independentemente da questão atinente à também invocada falta notificação aos reclamantes da constituição da hipoteca legal, se concorde com a decisão recorrida:
a) quando, por um lado, conclui que o questionado acto praticado pelo OEF não está fundamentado, uma vez que (apesar de a lei impor a justificação, ainda que sucinta e mesmo por remissão, sobre as razões pelas quais era recomendável ao interesse da eficácia da cobrança da dívida exequenda a constituição de hipoteca legal) perante a fundamentação constante do despacho em questão, não foi possível aos reclamantes, mesmo em termos de um “destinatário normal”, perceberem a concreta motivação que levou o OEF à constituição da hipoteca legal, ou seja, quais foram os fundamentos que para garantir a eficácia da cobrança, em concreto, recomendaram a constituição da hipoteca legal, o que implica a anulação de tal acto, a qual se reflecte nos actos que com base nele foram praticados, nomeadamente a constituição da hipoteca.
Acrescendo que, também o despacho datado de 25/10/2011, ao determinar a suspensão da execução por terem os reclamantes manifestado a intenção de impugnar a dívida exequenda - artigo 169°, n° 2 do CPPT, veio atribuir uma nova justificação à constituição da hipoteca, já anteriormente constituída, reportando agora à suspensão do processo executivo, isto é, atribuindo o OEF à mencionada hipoteca legal uma justificação que antes não tinha feito nem podia fazer porque em face deste normativo, esta suspensão dependeria da manifestação por parte dos reclamantes da intenção de impugnação.
b) e quando, por outro lado, também conclui que, por não ter ocorrido a audiência prévia dos reclamantes, como era imposto pelos arts. 60º da LGT, 45° do CPPT e 100° a 103º do CPA, ocorre essa alegada preterição de formalidade legal, igualmente geradora da respectiva anulação.
Improcedem, portanto, as Conclusões i) a x) das alegações do recurso.

III - Quanto à questão relativa à idoneidade do penhor de créditos que os reclamantes ofereceram como garantia [Conclusões y) a oo)]

6.1. A sentença considerou que, atentos os arts. 52° da LGT e 169°, n° l, 195º e 199º do CPPT, os fundamentos invocados pela AT referentes ao grau de risco da execução da garantia introduzem uma restrição ao conceito de idoneidade da garantia que não tem suporte legal, não constituindo parâmetros relevantes no juízo de aferição da idoneidade da garantia oferecida.
A Fazenda Pública alega, por seu lado, que não ocorreu o invocado vício de violação de lei, pois que, resultando dos citados normativos que pode a cobrança da dívida tributária ser suspensa através de prestação de garantia idónea, estando a AT vinculada à lei e havendo que observar o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais e a proibição da concessão de moratórias no seu pagamento, a expressão “garantia idónea” consubstancia um conceito impreciso/indeterminado, conferindo ao órgão competente o poder de apreciar, no caso concreto, a adequação do meio oferecido para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, abrindo, neste ponto, uma margem de discricionariedade à Administração.
E na falta de uma definição legal de garantia idónea, pode afirmar-se que o conceito de idoneidade depende da capacidade de, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar, assegurar a efectiva cobrança dos créditos garantidos - arts. 169°, 199° e 217° do CPPT, ex vi n° 2 do art. 52° da LGT (acórdão do STA, de 21/9/2011, rec. nº 0786/11 e Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao art. 199°).
Ora, no caso vertente, o objecto do penhor consubstancia um direito de crédito futuro (ainda não vencido), a sociedade devedora deste crédito é uma SGPS e o seu activo é constituído por participações sociais e créditos sobre participadas, sendo que o património destas sociedades é constituído por um tipo de activos com grande oscilação em termos de valor de mercado, além da sua possibilidade de liquidação quase instantânea.
E tendo o a AT sido alheia ao contrato celebrado entre os reclamantes e a SGPS, S.A., então, em caso de incumprimento desse contrato, no caso de transmissão das acções ou outras situações, o credor fica sem possibilidades de assegurar a realização do seu crédito, situações que não são passíveis de controlo pela AT, o que determinou um juízo de inidoneidade do penhor por parte da mesma AT.
Porém, sendo certo que a lei não densifica o conceito de idoneidade da garantia, na sentença recorrida a idoneidade do penhor de créditos vem reportado apenas à suficiência abstracta em termos de valor, mas sem que esteja cumprido o requisito da segurança bastante para se ter por acautelada a dívida tributária, o que pode comprometer a eficaz e regular cobrança da dívida tributária.

6.2. A recorrente carece, todavia, de razão legal.
A substituição da garantia encontrava-se (na redacção à data) prevista e regulada no art. 52º da LGT, cujo nº 5 dispunha: «A garantia pode, uma vez prestada, ser excepcionalmente substituída, em caso de o executado provar interesse legítimo na substituição e daí não resulte prejuízo para o credor tributário
Refira-se desde já, que, como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, (Cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, 4ª edição, 2012, anotação 4 ao art. 52º, pp. 424 e 425.) embora numa interpretação literal a referência a «garantia prestada» pareça deixar de fora do âmbito da norma as garantias constituídas nos termos do art. 195º do CPPT, comparando o texto dos nºs. 1 e 2 desse mesmo art. 52º (em que também só se faz referência aos casos de prestação de garantia) com o nº 1 do art. 169º do CPPT, «é evidente que neste último se ampliaram os meios de garantir a dívida, pelo que, sendo a segurança da viabilidade da cobrança da dívida exequenda e do acrescido o que verdadeiramente está em causa no art. 52ºm, o seu regime deverá estender-se aos outros meios de garantia admitidos pelo CPPT, inclusivamente as garantias constituídas e a penhora
De acordo, pois, com o art. 52º da LGT, admite-se, embora com carácter excepcional, a substituição da garantia prestada, fazendo depender essa substituição da verificação de dois requisitos: a) o executado faça prova de interesse legítimo nessa substituição; b) e daí não resulte prejuízo para o credor tributário.

6.3. Por outro lado, no art. 199º do CPPT (Garantias) dispõe-se:
«1 - Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
2 - A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195º, com as necessárias adaptações.
(…)
5 - No caso de a garantia apresentada se tornar insuficiente, a mesma deve ser reforçada nos termos das normas previstas neste artigo.
(…)
10 - Em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia, o órgão da execução fiscal ordena ao executado que a reforce ou preste nova garantia idónea no prazo de 15 dias, com a cominação prevista no n° 8 deste artigo.
(…)»

6.4. No caso vertente, o que o OEF considerou para indeferir o pedido de substituição da garantia constituída foi (cfr. nº 12 do Probatório) que o tipo de garantia oferecida pelos reclamantes [constituição de penhor sobre parte de um crédito que detinham sobre a “C………, S.A.”, no montante de Euros 182.250,00 (posteriormente rectificado para Euros 365.000,00 – cfr. nºs. 8 a 10 do Probatório)] em substituição da hipoteca legal, «faz emergir, de forma evidente, o maior grau de risco que lhe está associado, não só pelo facto de estarmos a lidar com fluxos financeiros futuros, como pela própria incerteza que envolve o contexto empresarial actual», sendo «esses factores que em termos de idoneidade, colocam o penhor do crédito oferecido num patamar substancialmente inferior em relação à garantia já constituída e faz com que, da substituição pretendida, resulte num prejuízo para o credor tributário»
Ou seja, no essencial, o indeferimento do pedido assenta, portanto, num eventual prejuízo para o credor, derivado da menor eficácia da garantia oferecida em substituição.
Ora, dado que nº 5 do art. 52º da LGT, ao possibilitar que o devedor requeira a substituição da garantia prestada ou constituída numa determinada execução por outra que ele esteja legitimamente autorizado por lei a prestar, quando tal não afecte os fins da execução, remete, necessariamente, para as garantias indicadas no art. 199º do CPPT é de concluir, como se conclui no ac. deste STA, de 15/2/2012, rec. nº 0126/12 ( Aresto cujo texto passaremos a seguir. ) o seguinte:
«Na execução fiscal confluem dois interesses conflituantes: o da administração fiscal na realização da cobrança célere dos seus créditos e o direito do executado em discutir a legalidade da dívida exequenda. Dando prevalência ao primeiro, a lei faz depender a suspensão da execução da prestação de garantia idónea, que cubra a totalidade da dívida exequenda.
O que significa que a garantia há-de ser adequada a satisfazer o interesse da exequente, mas sem onerar ou afectar de forma grave os interesses legítimos do executado. (…)
Assim se compreende que legislador tenha consagrado no art. 199º do CPPT um conceito amplo de garantia idónea, com vista a acautelar a maior ou menor dificuldade para o executado em conseguir, sem onerar excessivamente a sua situação, apresentar garantia adequada a suspender a execução. E, no mesmo sentido, se deve entender o facto de não se estabelecer nenhuma preferência ou qualquer graduação das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor eficácia resultante da maior ou menor liquidez imediata.
Em conformidade com a melhor doutrina, diz-se que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (Neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.).
No mesmo sentido, estando em causa um pedido de substituição de bens penhorados por garantia bancária, no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7/12/2011, proc. nº 1006/11, ficou consignado que tal substituição seria admissível, ponto é que “a garantia cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, atenta a previsível duração do processo, pois apenas a garantia da totalidade da dívida exequenda controvertida e acrescido garantem a suspensão da execução até à decisão do pleito”.
Considerando o exposto, podemos extrair desde já uma ilação no sentido de que, quando o nº 5 do art. 52º da LGT permite, ainda que a título excepcional, a substituição de uma garantia por outra, essa substituição há-de abranger qualquer das garantias previstas no art. 199º do CPPT, porque todas são consideradas idóneas pela lei.
Por outro lado, do exposto resulta igualmente que o prejuízo para o credor na substituição não pode alicerçar-se na melhor ou menor qualidade ou eficácia das garantias em causa. (…)
… o objectivo do legislador não é dotar a Administração fiscal de garantia absoluta do seu crédito, tanto mais que o mesmo é ainda incerto, mas tão-só de “garantia idónea”, que o mesmo é dizer adequada ao fim em vista».
E quando o legislador se refere ao penhor no art. 199º do CPPT, como um exemplo de garantia idónea, ele não ignora as particularidades desta garantia, valorando-a, ainda assim, como uma garantia idónea idêntica às demais, porque igualmente adequada a cumprir os objectivos subjacentes à prestação de garantia.
Argumentar-se-á que, em relação à hipoteca voluntária e ao penhor, a lei impõe a concordância da administração tributária, o que significa maior liberdade na apreciação do pedido.
«Mas essa maior liberdade implica deveres acrescidos de fundamentação, devendo a recusa alicerçar-se em razões objectivas, que hão-de assentar fundamentalmente na insuficiência dos bens objecto da garantia, pois que aí sim poderá haver prejuízo para o credor (nº 5 do art. 52º da LGT), bem como observar o princípio da proporcionalidade (Referindo-se ao poder discricionário da Administração fiscal, na interpretação e aplicação do nº 2 do art. 199º do CPPT, o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 21/9/2011, proc. nº 786/11, refere que “Para além da correcção da interpretação da norma e da verificação dos pressupostos da sua aplicação, que no caso não está em causa, restará sempre a observância do princípio da proporcionalidade, ou seja, do «iter» lógico seguido pela administração na valoração dos elementos da situação concreta e da correcção interna dos raciocínios lógico-discursivos que presidiram à aplicação da norma ao caso concreto.”).
Por outro lado, conjugando o art. 199º do CPPT e o nº 5 (segunda parte) do art. 52º da LGT, a mera invocação do risco hipotético de mercado ou o menor grau de liquidez da hipoteca» (ou do penhor, no caso que nos ocupa) «não pode consubstanciar por si só prejuízo para o credor na substituição, uma vez que se trata de risco característico … que o legislador já ponderou ao considerá-la “garantia idónea” para suspender a execução. (…)
Em suma, a partir do momento que a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a Administração fiscal não pode recusar a substituição com fundamento em aspectos qualitativos das garantias, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do art. 199º do CPPT conjugado como nº 5 do art. 52º da LGT.
E não se vislumbra que desta interpretação resulte prejuízo para a Administração fiscal e a garantia dos créditos na execução fiscal» até porque a lei lhe permite «em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia, ordenar o reforço da mesma, nos termos do disposto no nº 9 do art. 199º do CPPT e nº 3 do art. 52º da LGT.
A Administração fiscal goza, desta forma, de lata margem de liberdade na aplicação destes mecanismos, que lhe permitem assegurar o crédito exequendo, mas tem de obedecer à lei nos aspectos vinculados, não podendo na interpretação e aplicação da mesma pôr em causa as valorações que são próprias do legislador, subvertendo o sentido e alcance que o mesmo pretendeu dar às normas, em especial aos arts. 199º do CPPT e 52º, nº 5, da LGT.
A proceder a interpretação sufragada pela Administração fiscal, esta passaria a estar legitimada a estabelecer uma hierarquização das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor liquidez imediata, acabando assim por poder recusar não só a hipoteca como o próprio penhor, porque normalmente este também não dá garantias de imediata liquidez, restringindo o quadro legal de garantias que o legislador quis aberto.» (No mesmo sentido cfr. também o ac. deste STA, de 14/3/2012, rec. nº 208/12. )

6.5. Em concordância com tal fundamentação (constante do citado acórdão de 15/2/2012, rec. nº 0126/12 que, aliás subscrevi como adjunto) e perante o exposto, porque os despachos reclamados proferidos em 25/11/2011 e 29/12/2011 (que não aceitarem a garantia oferecida pelos reclamantes com vista à suspensão do processo executivo n° 2550201101009230) incorreram em vício de violação de lei que determina a respectiva anulação, a decisão recorrida também quanto a esta matéria sempre seria de confirmar, improcedendo, portanto, as Conclusões y) a oo) das alegações de recurso.


DECISÃO
Nestes termos acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 11 de Julho de 2012. - Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Fernanda Maçãs (Voto a decisão com a reserva de que tenho dúvidas de que a constituição de hipoteca se possa integrar no conceito de acto para os efeitos do artº 120º do CPA.)