Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01172/04.0BEVIS-A
Data do Acordão:10/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23764
Nº do Documento:SA12018102201172/04
Data de Entrada:09/18/2018
Recorrente:MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DA MADEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………….. instaurou, no TAF de Viseu, contra o Município de São João da Madeira, execução da sentença de anulação de acto administrativo pedindo que o Réu fosse condenado “a dar integral cumprimento ao acórdão/sentença exequenda, constituindo a situação que existiria para o exequente se o acto anulado não tivesse sido praticado e dando cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado ….. .

Aquele Tribunal julgou a execução procedente
Decisão que o TCA Norte manteve.
É desse acórdão que o Município de São João da Madeira vem recorrer (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O Autor, após ter gozado de uma licença sem vencimento de longa duração, solicitou ao Executado o seu regresso ao serviço e ao seu posto de trabalho, pedido que foi indeferido com fundamento em duas distintas razões: por um lado, as funções que se desempenhava já se encontravam asseguradas e, por outro, a Câmara encontrava-se numa fase de contenção financeira;
Inconformado, o Autor intentou a acção administrativa especial com vista à anulação desse indeferimento tendo a mesma sido julgada procedente e o Réu condenado “a reconhecer a existência do lugar disponível vago de Encarregado de Parques Desportivos e Recreativos e, ainda, por via disso, a deferir o regresso do autor ao seu lugar de origem, dado este se manter vago, sem prejuízo de eventualmente outro ou outros requisitos legais não se oponham ao seu efectivo regresso ao lugar.”

Não tendo o Réu cumprido essa sentença, o Autor instaurou execução para o seu cumprimento a qual foi julgada procedente e, em consequência, o Réu condenado a:
a) Pagar ao exequente …. a importância ilíquida de € 139.151,89 … relativa aos prejuízos sofridos por este pela perda da sua retribuição de trabalho ou vencimentos que não lhe foram pagos pela mesma Entidade executada, no período de tempo decorrente entre 17/03/2004 (data da prática do acto anulado) e 17/11/2015 (data do efectivo regresso ao serviço);
b) Pagar ao exequente as diferenças remuneratórias entretanto havidas no mesmo período de tempo mencionado em a) precedente, respeitantes à mudança ou alteração de nível remuneratório na categoria profissional do exequente por opção gestionária do executado Município, ao abrigo do disposto nos artigos 46.º e 47.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, em virtude de essa mudança ou alteração de nível remuneratório feita pelo executado para o universo dos funcionários com a categoria em causa ser aplicável ao exequente por não ter sido submetido a avaliação positiva do seu desempenho referente às suas funções efectivas, sendo que a falta dessa avaliação e o não exercício efectivo das funções do exequente não podem ser imputadas ao mesmo exequente mas exclusivamente ao executado, em virtude da decorrência do acto anulado;
c) A processar os descontos legais sobre as importâncias não pagas pelo mesmo executado ao exequente às respectivas entidades que legalmente deveriam ter sido feitos como se o exequente estivesse ao seu serviço, nomeadamente para a Caixa Geral de Aposentações e para a ADSE, para todos os efeitos legais, nomeadamente para efeitos, respectivamente, de contagem de tempo de serviço do exequente para a sua aposentação e dos benefícios de assistência na doença e das prestações sociais, descontos esses a efectuar ou calculados sobre as remunerações devidas e a pagar ao exequente, respeitantes ao mesmo período de tempo decorrido entre 17/03/2004 e 17/11/2015 e mencionadas em a) e b) precedentes.
d) A pagar as importâncias que se mostrarem devidas à Administração Fiscal decorrentes dos pagamentos dos vencimentos ou retribuições não pagas ao exequente, respeitantes ao mesmo período de tempo decorrido entre 17/03/2004 e 17/11/2015.
e) Pagar ainda ao exequente os juros de mora vencidos sobre as importâncias líquidas que lhe são devidas e mencionadas em a) e b) precedentes e desde a data do vencimento mensal de cada uma delas (dependendo da data do vencimento das retribuições mensais que no decurso do referido período de tempo mensalmente lhe deveriam ter sido pagas e não foram) à taxa legal em vigor para os juros civis, e que na data da instauração da presente execução se cifram na importância de € 33.199,58 … e, ainda, nos juros de mora já vencidos nesta data e que se vierem a vencer até ao seu efectivo pagamento sobre as mesmas importâncias, à mesma taxa legal em vigor, até ao seu integral e efectivo pagamento ao exequente.
f) Todos os pagamentos e/ou actos em que a Entidade executada é condenada e constantes das alíneas a) a e) precedentes, deverão ser efectivamente cumpridos no prazo de 30 dias, incumbindo ao Sr. Presidente do executivo camarário do executado, Município de São João da Madeira, a responsabilidade pelo seu cumprimento ou adopção concreta dos actos necessários ao respectivo cumprimento, sob pena de, não o fazendo, pagar uma sanção pecuniária compulsória que desde já se fixa na importância diária de € 40,00 …. por cada dia de atraso (cfr. artigo 179.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPTA então em vigor).”

Decisão que o TCA confirmou com um discurso de que se destaca:
… a execução do julgado anulatório implica a prática pela Administração dos actos jurídicos e das operações materiais necessárias à reintegração efectiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação actual hipotética, impondo-se, assim, que a mesma realize agora o que deveria ter realizado se a ilegalidade não tivesse inquinado o procedimento … . Estão em causa os vencimentos, subsídios de alimentação, de férias e de Natal que a exequente deixou de auferir por causa de ter estado afastado do serviço por causa do acto anulado ou de indeferimento do seu pedido de regresso ao serviço, em 17/03/2004. Ora, um dos deveres em que a Administração fica constituída por efeito do acórdão proferido no processo principal, reconduz-se efectivamente ao pagamento das retribuições devidas ao exequente vencidas desde a data do referido acto anulado ou de indeferimento do seu pedido de regresso ao serviço, proferido em 17/03/2004, até que foi reintegrado ao serviço do executado, seja em 17/11/2015, tendo em consideração a retribuição mensal que lhe era devida em função da progressão e promoções de que teria beneficiado pelo simples decurso do tempo nesse período e, também, da sua avaliação de desempenho positiva que não lhe foi efectuada por o seu não exercício efectivo de funções ser exclusivamente imputável ao executado como decorrência da prática do acto anulado, e avaliação e subsequente mudança ou alteração de nível remuneratório feita por opção gestionária, nos termos dos artigos 46.º e 47.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, e opção gestionária essa que foi ou terá sido tomada pelo executado para o universo dos funcionários com a categoria do exequente.
Acresce que, a reconstituição da situação deve corrigir não só essa falta de pagamento, mas também a falta da sua tempestividade, o que se alcança através do pagamento de juros moratórios calculados, à taxa legal, sobre as prestações em atraso. Só dessa forma é possível reconstituir a situação hipotética actual, nos termos atrás enunciados.
….
Assim sendo, tendo sido este o entendimento seguido pela decisão recorrida tem de se concluir que não podem proceder as conclusões do recorrente, não merecendo esta a censura que lhe é assacada e, em consequência, nega-se provimento ao recurso jurisdicional interposto..

3. O Recorrente reputa de errada essa decisão por considerar ter cumprido o julgado uma vez que, na sequência da anulação do seu acto de indeferimento, posicionou o Exequente na carreira e remuneração correspondente ao lugar que ocuparia se o acto anulado não tivesse sido praticado. E, porque assim, o julgado anulatório não era título bastante e, por isso, executivo, para a pretensão ou pretensões formuladas pelo exequente contra o executado em sede do requerimento/petição de execução.” “Como não é compaginável com a chamada reconstituição in natura prevista normativamente no art. 173.º do CPTA … condenando o Município, conforme suas alíneas a) a f), mas de impugnação de plena jurisdição, uma vez que a eliminação do ato negativo tem lugar no âmbito dum processo dirigido à prática de outro ato administrativo no lugar daquele que foi praticado.”

4. Como decorre do exposto, a discordância do Recorrente com o Acórdão recorrido radica na circunstância daquele entender que o julgado anulatório fica cumprido com a colocação do Exequente na carreira e categoria que teria se não fosse o acto anulado. E que, tendo procedido a essa operação, a condenação a que foi sujeito era ilegal já que não havia razões que justificassem o disposto nas suas al.ªs a) a f).
Todavia, como as instâncias demonstraram, com acertada invocação dos normativos legais atinentes e com suporte na jurisprudência e na doutrina já consagradas, em princípio, a decisão anulatória não se considera executada na forma minimalista visualizada pelo Recorrente. E, porque assim, por via de regra, a reconstituição da situação actual hipotética exige a prática de mais actos do que aqueles que o mesmo reputa como necessários.
Importa, no entanto, ter em conta que a obrigação de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado (173.º/1 do CPTA) não se destina a colocar o Exequente numa situação mais favorável do que aquela que teria se o julgado anulatório tivesse sido atempada e espontaneamente executado mas, apenas, reparar os prejuízos decorrentes dum cumprimento insuficiente ou irregular do julgado.
Ora, essa situação anómala pode verificar-se in casu.
Com efeito, atento o longo período de tempo decorrido entre a data da prática do acto anulado (17/03/2004) e a data do efectivo regresso ao serviço (17/11/2015) é de supor que, durante esse período, o Exequente tivesse uma fonte de rendimento resultante do seu trabalho uma vez que não é previsível uma inacção por tão longo tempo. E se assim foi tudo leva a crer que a obrigação de pagamento a que o Executado foi condenado colocará o Exequente numa situação bem mais favorável do que aquela que teria se o Acórdão anulatório tivesse sido atempada e espontaneamente executado.
Ora, não parece que tivesse sido a intenção do legislador beneficiar dessa forma o exequente.
Deste modo, e porque esta é uma questão que este Supremo ainda não tratou e que a mesma é de relevante importância jurídica justifica-se a admissão do recurso.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 22 de Outubro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.