Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01316/08.3BEBRG
Data do Acordão:06/30/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P27976
Nº do Documento:SAP2021063001316/08
Data de Entrada:11/03/2020
Recorrente:A........, LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 2 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. RELATÓRIO
1.1. A…………., LDA, identificada nos autos, deduz recurso por oposição de acórdãos, para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, de 25/02/2016, o qual negou provimento ao recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade ora Recorrente da liquidação adicional de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Bens (IMT). A Recorrente invoca oposição do decidido com o que ficou exarado no acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 02/03/2016, no processo 1315/08.5BEBRG (930/13-30) (cf. alegações de pág. 448 do SITAF).

1.2. Foi proferido despacho pela Juíza Desembargadora Relatora a ordenar o prosseguimento do recurso e a notificação das partes com vista à produção das alegações nos termos do artigo 284.º, n.º 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

1.3. A Recorrente termina as alegações do recurso de segundo grau, formulando as seguintes conclusões:
1. A recorrente não se conforma com o sentido e alcance do douto Acórdão recorrido, e por isso interpôs recurso para este Venerando Tribunal, por entender que o mesmo está em contradição com o Acórdão proferido pelo STA de 02/03/2016, proc. 930/13-30, já transitado em julgado, cuja certidão judicial se encontra junta aos autos a fls…;
2. O douto Acórdão recorrido considerou que “vícios de que enferme o ato de avaliação apenas poderão ser arguidos em impugnação do acto de avaliação e não no ato de liquidação que seja praticado com base naquele, já que a atribuição da natureza do ato destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios deste ato para efeitos de impugnação contenciosa.” Concluindo que, “vindo a Recorrente atacar o ato de liquidação do IMI não pode para tal servir-se dos fundamentos que tinha para atacar a avaliação direta.”
3. Com a devida vénia, a questão é mais complexa do que aquilo que o Tribunal a quo quer fazer crer, pois o problema aqui discutido emerge da própria declaração do contribuinte, acto tributário este, que integra a cadeia procedimental de actos que culminou no acto tributário da liquidação objecto de impugnação e extravasa totalmente o restrito âmbito de concórdia ou discórdia com o acto de avaliação em discussão.
4. A causa de pedir é igualmente estribada no disposto no artigo 115.º do CIMI, por a Administração Fiscal não ter procedido à rectificação oficiosa do erro, mesmo depois de esgotado o período em que seria possível uma segunda avaliação;
5. O problema não reside na quantificação da “matéria colectável” em si mesma, mas antes no erro de declaração evidenciado nas plantas do próprio edifício, tendo sido precisamente para fazer face a situações deste género, que o CIMI previu a solução do artigo 115.º, que, nada tem a ver com a mera discordância com a aplicação das fórmulas resultantes da lei no procedimento de avaliação.
6. O douto Acórdão ora recorrido, não analisou esta questão com a profundidade exigida, decidindo apenas com a alegada falta dos pressupostos que podiam fundamentar a impugnação, sustentando que não podia a aqui recorrente socorrer se dos vícios com base no acto de avaliação, mas sim em apenas quaisquer outros vícios;
7. O acórdão recorrido está em oposição com o Ac. do STA de 02/03/2016, na justa medida em que este acórdão (diferentemente do agora recorrido) decidiu que a liquidação de IMI pode ser objecto de impugnação com base em erro declarativo (erro / vício da própria declaração, que serviu de base à declaração para inscrição na matriz) mesmo quando o pedido de 2.ª avaliação foi indeferido por extemporaneidade;
8. É claro que, à primeira vista se poderia objectar que o Ac. do STA de 02/03/2016, se refere ao IMI enquanto que nos presentes autos, está em causa a liquidação de IMT;
9. Porém, esta aparente falta de identidade é apenas isso, aparente, na justa medida em que a fórmula para a fixação do valor tributário dos prédios urbanos resulta do disposto no artigo 14.º do CIMT que remete para as regras do CIMI;
10. Indo-se aferir do eventual erro na inscrição matricial a propósito do IMI terá necessariamente que se aquilatar igual erro em sede de IMT em razão do disposto no referido artigo 14.º, do CIMT;
11. Pelo que, tendo admitido o STA a sindicância do erro sub judice para efeitos de se apurar do eventual erro do cálculo para efeitos de IMI (como decorre do recente acórdão do STA relativo ao facto tributário em presença), inevitável e indissociavelmente estará tal cálculo errado para efeitos de IMT estando, por isso, a decisão agora sindicada em perfeita contradição/oposição com ambos os acórdãos supra referidos.
12. O acórdão fundamento entendeu que “na impugnação do ato final consubstanciado nas liquidações de IMI, não está o contribuinte impedido de pedir a apreciação de qualquer ilegalidade dos actos preparatórios de tais liquidações adicionais pelo facto de não ter impugnado o acto destacável de avaliação.”
13. O acórdão fundamento preconiza que na impugnação deduzida do acto de liquidação do IMI após avaliação para efeitos de valor patrimonial, podem ser alegadas e apreciadas as pretensas ilegalidades resultantes do erro / vício da declaração evidenciado nas plantas do próprio prédio.
14. Foi neste sentido que, o Acórdão do STA de 02/03/2016, revogou a decisão recorrida e mandou baixar os autos ao tribunal “a quo” para ai prosseguirem para conhecimento da impugnação.
15. O acórdão fundamento de 2016, transitado em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, deu razão à impugnante o que implica que, a declarar-se o erro, virá determinar-se a reposição da verdade material tributária, pela qual reclama a contribuinte e que terá sido afectada por erro declarativo que vem apontando desde a petição inicial de impugnação;
16. O acórdão recorrido para além de estar em contradição com o citado Acórdão do STA, viola o disposto no artigo 14.º do CIMT que remete para as regras do CIMI, e viola também o princípio constitucional da confiança e do acesso ao direito;
17. Aliás, a não revogar-se este acórdão irá gerar-se uma nulidade insanável do acto tributário sub judice na justa medida em que, se acordo com esta decisão judicial, se mantém o ato inicial e, se acordo com a decisão do Ac. do STA de 02/03/2016 o mesmo ato inicial será fatalmente alterado por força dos artigos 14.º, do CIMT e do CIMI;
18. À parte disso, um cidadão comum não poderá entender que diferentes tribunais possam fixar judicialmente diferentes valores para o mesmo prédio no mesmo e único negócio;
19. Salvo melhor entendimento, a invocada oposição de julgados preenche os requisitos legais de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
20. Havendo Oposição de Julgados deve este Colendo Tribunal dirimir esta oposição de acórdãos, que, salvo melhor entendimento e face a tudo o que antecede, deve decidir no mesmo sentido que o Acórdão fundamento do STA de 02/03/2016, que revogou a decisão recorrida, baixando os autos ao Tribunal “a quo” para que ai prossigam para conhecimento da impugnação;
TERMOS EM QUE, E NOS QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS SUPERIORMENTE SUPRIRÃO, DEVE REVOGAR-SE O DOUTO ACÓRDÃO ORA RECORRIDO E SUBSTITUIR-SE O MESMO POR OUTRO QUE ORDENE A BAIXA DOS AUTOS AO TRIBUNAL “A QUO” PARA QUE AÍ PROSSIGAM, PARA CONHECIMENTO DA IMPUGNAÇÃO, RESOLVENDO SE POR ESSA VIA A APONTADA CONTRADIÇÃO DE JULGADOS, NOS TERMOS EXPOSTOS E COMO É DE JUSTIÇA!»

1.4. A Administração Tributária e Aduaneira (AT) não contra-alegou.

1.5. O Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu o seguinte parecer:

«…
2.DA ADMISSIBILIDADE/CONTINUAÇÃO DO RECURSO.
São requisitos do prosseguimento do recurso por oposição de acórdãos:
-contradição entre acórdão de TCA e acórdão anterior proferido pelo mesmo Tribunal ou pelo STA ou entre dois acórdãos do STA;
- Identidade de situações fácticas;
- Trânsito em julgado do acórdão fundamento;
- Quadro legislativo substancialmente idêntico;
- Acórdãos proferidos em processo diferentes ou incidentes diferentes do mesmo processo;
- Necessidade de decisões opostas expressas.
- A decisão recorrida não estar em sintonia com a jurisprudência mais recente consolidada do STA.
A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinada solução.
A oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade de factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.
A oposição de soluções exige, ainda, pronúncia expressa sobre a questão, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
Parece que se verificam todos os requisitos para prosseguimento do presente recurso por oposição de acórdãos, nomeadamente, identidade de situação de facto e questão de direito, e, consequentemente, oposição de acórdãos.
Vejamos.
No acórdão fundamento apreciou-se recurso interposto de sentença proferida pelo TAF de Braga que havia julgado improcedente impugnação judicial deduzida contra os atos de LA de IMI de 2004 a 2006, no entendimento de que os pedidos formulados estavam relacionados com o procedimento de fixação de valores patrimoniais, não imputando aos atos de liquidação qualquer vício em concreto, pelo que o ato de fixação do VPT, enquanto ato destacável, para feitos de impugnação nos termos do disposto no artigo 134.º do CPPT, devia ter sido impugnado autonomamente.
O acórdão fundamento deu procedimento ao recurso, no entendimento de que a recorrente invocou, também, na PI, como fundamento da impugnação erro/ vício da própria declaração para inscrição do prédio na matriz, que no entender da recorrente, teria «contaminado» o próprio ato de fixação do VPT e consequentes LA sindicadas.
Assim, de acordo com o princípio da impugnação unitária vigente no contencioso tributário, não está o impugnante impedido de pedir a apreciação de qualquer ilegalidade dos atos preparatórios das sindicadas LA pelo facto de não ter impugnado, atempadamente, o ato destacável de avaliação do imóvel.
Nesta senda, o acórdão fundamento deu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e determinou a baixa dos autos ao tribunal a quo para conhecimento da impugnação, designadamente, no que respeita ao alegado vício declarativo de inscrição na matriz, com eventual ampliação do probatório.
No acórdão recorrido apreciou-se recurso interposto de sentença proferida pelo TAF de Braga, que julgou improcedente impugnação judicial deduzida contra o ato de LA de IMT de 2004, no entendimento de que a recorrente se limitou a atacar o ato de avaliação do imóvel não imputando qual que vício concreto à liquidação sindicada, sendo certo que o ato de avaliação do prédio enquanto ato destacável apenas pode ser impugnado autonomamente, nos termos do estatuído no artigo 134.º do CPPT e não nos autos de impugnação do IMT.
O acórdão recorrido fixou como objeto do recurso: “Sendo a liquidação o terminus de um procedimento tributário pode a mesma ser objeto de impugnação com base em qualquer erro de que padeçam os atos que lhe subjazem, ou, saber se há vício da liquidação decorrente da declaração apresentada para efeitos de inscrição e que deveria ter sido corrigida, oficiosamente pela AT, nos termos do art. 115.º, n.º 1, al. c) do CIMI.
O problema equacionado na impugnação não se esgota unicamente com uma mera discordância do valor patrimonial tributário e do processo de avaliação.”
Nesse trilho, o acórdão recorrido negou provimento ao recurso e manteve a sentença recorrida, no entendimento de que, não obstante a recorrente ter alegado em abstrato a norma do artigo 115.º/c) do CIMI não concretiza o erro destacável e que permitiria uma correção oficiosa e que a alegação da recorrente andou sempre à volta das fórmulas de cálculo do VPT, sendo certo que o ato de fixação da avaliação, enquanto ato destacável, apenas poderia ser impugnado autonomamente, nos termos do artigo 134.º do CPPT e não em sede de impugnação do IMT.
Quer no acórdão fundamento, quer no acórdão recorrido a sociedade recorrente é a mesma, as conclusões dos respetivos recursos são similares e os factos dados como provados são os mesmos.
Parece, pois, verificar-se a apontada oposição de acórdãos, pelo que o recurso deve prosseguir
3.FUNDAMENTAÇÃO.
Embora a recorrente não seja muito clara na exposição dos fundamentos da impugnação, nomeadamente, no que concerne à invocação do erro/vício na declaração de inscrição do prédio da matriz, parece certo que a sua invocação resulta, nomeadamente dos artigos 22.º, 24.º e 45.º a 48.º da PI.
Note-se a discrepância entre a área bruta dependente e a área bruta privativa constante da DM 1 de IMI, constante de fls. 38 do PA e as constantes da notificação da avaliação do mesmo imóvel, entretanto, feita pela AT, a fls. 211 do processo físico.
Nos termos do disposto no artigo 54.º do CPPT, os atos interlocutórios do procedimento não são suscetíveis de impugnação contenciosa, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida, salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos dos contribuintes ou disposição expressa em sentido diferente.
Ao contrário do princípio geral estatuído no artigo 51.º/1 do CPTA, em que se estabelece que são impugnáveis os atos administrativos com eficácia externa, no contencioso tributário vigora o princípio unitário, nos termos do qual, em regra só há impugnação contenciosa do ato final do procedimento, que afeta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte fixando a posição final da AT perante este, definindo os seus direitos e deveres, salvo quando os atos forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente (CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, página 467, Jorge Lopes de Sousa, em comentário ao artigo 54.º).
No caso do IMT/IMI o ato de avaliação patrimonial é um ato destacável para efeitos de impugnação autónoma, nos termos do disposto no artigo 134.º do CPPT.
Na impugnação da liquidação do ato final da liquidação de IMT/IMI, o contribuinte não fica impedido de pedir a apreciação de ilegalidades dos atos preparatórios de tais liquidações pelo simples facto de não ter impugnado o ato destacável de avaliação.
Ora, no caso em análise, como salienta a recorrente, a questão controvertida não se esgota, unicamente, com uma mera discordância do VPT e processo de avaliação.
Na verdade, o problema, segundo a recorrente, está no erro de declaração evidenciado nas plantas do próprio edifício.
Existe, assim, um ato subjacente à avaliação que a recorrente põe em causa.
O alegado erro na declaração de inscrição na matriz, reconduz-se, pois, a questão sobre os pressupostos prévios à liquidação, que pode ser invocado na altura em que o foi, ou seja, após a 1.ª avaliação e sem que tenha sido, atempadamente, requerida 2.ª avaliação.
O recurso merece provimento.
4.CONCLUSÃO.
Julgada verificada a oposição de acórdãos, deve dar-se provimento ao recurso, revogar-se o acórdão recorrido, baixando os autos à 1.ª instância para apreciação da impugnação, nomeadamente no que concerne ao alegado vício por erro na declaração de inscrição na matriz, com eventual ampliação do probatório, se necessário e se a tal nada mais obstar.»

2. Fundamentação de facto
2.1. No acórdão recorrido está provada a seguinte matéria de facto:
«1. A Administração Fiscal procedeu a liquidação adicional de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no valor de 114 855,86, na data limite de pagamento em 12.06.2008 (fls. 38 dos autos);
2. A Impugnante, por escritura pública, de 04.06.2004, comprou prédio art.º ……..° urbano, da freguesia e concelho de Vila Nova de Famalicão, pelo preço de 809 623.78 € (fls. 43 a 48 dos autos);
3. Em 29.07.2004 a Impugnante, apresentou no Serviço de Finanças o modelo 1 do IMI (fls. 2 a 6 do Processo Administrativo apenso);
4. Em 21.02.2008 foi efectuada avaliação do prédio tendo sido atribuído o valor de 2 985 720.00 € (fls. 41 a 42 do PA);
5. A Impugnante foi notificada da ficha de avaliação n. ° 277896, contendo o resultado da 1ª Avaliação efectuada, ao art° ……..° urbano, em 11.03.2008 (fls. 43 do PA);
6. Em 14.04.2008 a Impugnante requereu 2ª Avaliação do prédio (fls.2 do processo de reclamação do IMI);
7. Em 09.05.2008, foi a Impugnante notificada do indeferimento do pedido da 2ª Avaliação por ser apresentado fora de prazo (fls. 18 do processo de reclamação do IMT;»

2.2. No acórdão fundamento está provada a seguinte factualidade:
«1. A Administração Fiscal procedeu às liquidações adicionais de Imposto Municipal de Imóveis (lMl), 2004 464795203, n° 2005 467334003 e 2006 444565303, no valor de 12 838.60 €, 11 942.88 € e 11 942.88 €, sendo posto a cobrança os valores de 7 171.17 €, 6 275.45€ e 6 105.43 €, respectivamente, tendo todos a data limite de pagamento em Junho de 2008 (fls. 36 a 38 dos autos);
2. A Impugnante, por escritura pública, de 04.06.2004, comprou prédio art.º ……….° urbano, da freguesia e concelho de Vila Nova de Famalicão, pelo preço de 809 623.78 € (fls. 39 a 44 dos autos);
3. Em 29.07.2004 a impugnante, apresentou no Serviço de Finanças o modelo 1 do IMI (fls. 2 a 6 do Processo Administrativo apenso);
4. Em 21.02.2008 foi efectuado avaliação do prédio tendo sido atribuído o valor de 2 985 720.00 € (fls. 41 a 42 do PA);
5. A impugnante foi notificada da ficha de avaliação n.º 277898, contendo o resultado da 1ª Avaliação efectuada, ao art.º …….° urbano, em 11.03.2008 (fls. 44 a 46 do PA);
6. Em 14.04.2008 a Impugnante requereu 2ª Avaliação do prédio;
7. Em 09.05.2008, foi a Impugnante notificada do indeferimento do pedido da 2ª Avaliação por ser apresentado fora de prazo.»


3. Fundamentação de direito

3.1. Os requisitos de admissibilidade previstos para o presente recurso, interposto nos termos do artigo 284.º do CPPT – sob a epígrafe “Oposição de acórdãos” – na redação anterior àquela que foi dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, são os seguintes:

- que o Acórdão Recorrido esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de Direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo;

- que a orientação perfilhada no Acórdão Recorrido não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo;

- que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado, nos termos do artigo 688.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo do 140.º, n.º 3 do CPPT.

3.2. Entende-se que é idêntica a questão fundamental de Direito quando:

- as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;

- o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem direta nem indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida;

- quando a divergência entre as decisões (recorrida e fundamento) se verifica ao nível das próprias decisões e não exclusivamente quanto aos respetivos fundamentos.

3.3. No caso em apreço, tais condições de admissibilidade do recurso não estão preenchidas.
No acórdão recorrido estava em causa a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IMT. Nele foi fixado o seguinte objeto do recurso “Sendo a liquidação o terminus de um procedimento tributário pode a mesma ser objeto de impugnação com base em qualquer erro de que padeçam os atos que lhe subjazem, ou, saber se há vício da liquidação decorrente da declaração apresentada para efeitos de inscrição e que deveria ter sido corrigida, oficiosamente pela AT, nos termos do art. 115.º, n.º 1, al. c) do CIMI. O problema equacionado na impugnação não se esgota unicamente com uma mera discordância do valor patrimonial e do processo de avaliação”. Respondeu o Tribunal recorrido que, não obstante a Recorrente invocar o artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, não concretizava o erro destacável que permitisse a correção oficiosa e que a sua alegação andou sempre à volta das fórmulas de cálculo do VPT e que o ato de fixação da avaliação enquanto ato destacável, apenas poderia ser impugnado autonomamente, nos termos do artigo 134.º do CPPT e não em sede de impugnação do IMT. Mais acrescentou que “Como não assacou outros vícios no procedimento de liquidação do tributo [IMI] a pretensão da Recorrente, como sentenciou a 1ª instância, tem de improceder. // Por conseguinte vindo a Recorrente atacar o ato de liquidação do IMI não pode para tal servir-se dos fundamentos que tinha para atacar a avaliação direta” (sublinhado nosso).
No acórdão fundamento estava em causa a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IMI dos anos de 2004 a 2006. Nele foi fixado o seguinte objeto do recurso: “Está em causa o acerto da decisão recorrida, o que passa por saber se a liquidação de IMI pode ser objeto de impugnação com base em erro declarativo (erro / vicio da própria declaração, que serviu de base à declaração para a inscrição na matriz) mesmo quando o pedido de 2.ª avaliação foi indeferido por extemporaneidade.” Respondeu o acórdão fundamento (sustentado em anterior acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08/01/2014, proferido no processo 01685/13) que “na impugnação deduzida do acto de liquidação do IMI após a avaliação para efeitos de fixação do valor patrimonial, podem ser alegadas e apreciadas as pretensas ilegalidades resultantes da inscrição oficiosa na matriz de determinada realidade física como prédio”.
Importa referir que em ambos os processos o sujeito passivo é o mesmo, o prédio a que se reporta o IMI e o IMT impugnados é também o mesmo, havendo também similitude nas alegações e conclusões de recurso. Também não há divergência nos factos provados em ambos os processos: na sequência da avaliação efetuada ao prédio (ocorrida por causa da apresentação do modelo 1 do IMI) foi liquidado o IMT, impugnado no acórdão recorrido, e o IMI, impugnado no acórdão fundamento. O sujeito passivo havia requerido a 2.ª avaliação do prédio, a qual foi indeferida por extemporaneidade.
Ora, apesar de toda esta convergência subjetiva e factual, e de se descortinar a mesma a questão de direito erigida nos dois arestos como questão a decidir, embora com fórmulas diferentes, ou seja, se na impugnação judicial das respetivas liquidações pode ser discutido “qualquer erro de que padeçam os atos que lhe subjazem ou, saber se há vício da liquidação decorrente da declaração apresentada para efeitos de inscrição e que deveria ter sido corrigida, oficiosamente pela AT, nos termos do art. 115.º, n.º 1, al. c) do CIMI” (acórdão recorrido), ou dito de outro modo, pode ser apreciado o “erro declarativo (erro / vício da própria declaração, que serviu de base à declaração para a inscrição na matriz) (acórdão fundamento), a verdade é que, resultante de interpretações por cada um dos Tribunais díspares do alegado pelo Recorrente, o acórdão fundamento respondeu à questão, o mesmo não acontecendo com o acórdão recorrido.
Como refere a Recorrente, o acórdão fundamento preconiza que na impugnação deduzida do ato de liquidação do IMI após avaliação para efeitos de valor patrimonial, podem ser alegadas e apreciadas as pretensas ilegalidades resultantes do erro / vício da declaração evidenciado nas plantas do próprio prédio. E é neste ponto que aponta a oposição com o acórdão recorrido. Porém, sobre esta questão o Tribunal recorrido nada disse, apesar de antes ter enunciado a questão como sendo uma questão a decidir, por ter entendido, à frente, que a matéria alegada pelo Recorrente apenas respeitava à discordância com a avaliação do prédio, que não era naquele momento permitida, e que para além disso não havia invocado qualquer outro vício (designadamente, acrescentamos, o apreciado pelo acórdão fundamento), ou seja, não se pronunciou sobre a mesma questão de direito que o acórdão fundamento, porque não a identificou na alegação de recurso. Estamos, pois, em face de dois acórdãos que perante uma situação semelhante, decidiram de modo diferente, por terem interpretado de modo distinto as alegações da parte, enquadrando-as juridicamente de forma diferente, o que significa que não decidiram a mesma questão direito, não obstante toda a similitude. E daqui resulta, naturalmente, não existir oposição sobre a mesma questão de direito entre os dois arestos em confronto, pelo que, nos termos do disposto no artigo 284.º, n.º 5, do CPPT, na redação aplicável, o recurso deve ser considerado findo.

3.4. E não cumpre apreciar se o acórdão recorrido fez ou não uma correta interpretação das alegações do Recorrente, ou se viola o disposto no artigo 14.º do CIMT que remete para as regras do CIMI, ou se viola também o princípio constitucional da confiança e do acesso ao direito, uma vez que essa apreciação se situa já no âmbito do mérito do recurso, e este, pelos motivos expostos, não passa o limiar da apreciação dos pressupostos processuais da sua admissibilidade.

4. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar findo o recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 30 de junho de 2021

Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (Relatora) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (com voto de vencido que infra segue) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes (vencido, aderindo à declaração de voto do Exº. Sr. Conselheiro Nuno Bastos) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Anabela Ferreira Alves e Russo.


*

Vencido. A meu ver, a questão suscitada no acórdão recorrido e no acórdão fundamento é a mesma: a de saber se o sujeito passivo pode invocar na impugnação do ato de liquidação do imposto sobre o património um vício da própria declaração e inscrição na matriz, mesmo quando o pedido de segunda avaliação do imóvel respetivo é indeferido por extemporaneidade.

É verdade que o acórdão recorrido acabou por dar um enquadramento diverso à questão, por ter entendido – confirmando o juízo formulado em primeira instância – que se tratava de «erro praticado na determinação do valor patrimonial do prédio».

Mas do facto de os dois acórdãos darem um enquadramento diverso à questão a decidir não deriva que a questão a decidir seja realmente diversa e que, por isso, não haja oposição: deriva apenas que a oposição emerge logo no momento do enquadramento jurídico da questão.

No fundo, o que o acórdão recorrido disse foi que a questão de saber se há um «erro de declaração evidenciado nas plantas do próprio edifício» (conclusão 8.ª de ambos os arestos) é uma questão da avaliação; enquanto o acórdão fundamento decidiu que é uma questão de ato anterior ao processo de avaliação e que este não tem a virtualidade de sanar.

E o que está subjacente a este dissenso no enquadramento do vício é uma diferente interpretação das mesmas normas, delas extraindo o acórdão recorrido que os vícios de que padeça a declaração da inscrição na matriz devem ser sindicados na impugnação da avaliação e o acórdão fundamento que podem ser sindicados na impugnação da liquidação, mesmo que não tenha havido impugnação da avaliação ou esta não tenha sido apreciada.

Nuno Bastos