Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0714/09
Data do Acordão:10/07/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
PAGAMENTO DA DÍVIDA EXEQUENDA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
PRESCRIÇÃO
ILEGITIMIDADE
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
Sumário:I - O pagamento da dívida exequenda pelo responsável subsidiário não afecta os seus direitos de impugnação administrativa ou contenciosa previstos na lei (artigo 9.º da LGT), inclusivamente através de oposição à execução fiscal, quando esta for o meio processual adequado para essa impugnação [artigo 204.º, n.º 1, alíneas a), b) e h) do CPPT].
II - A forma processual para reagir contra o acto de reversão da execução fiscal é o processo de oposição à execução.
III - Paga a dívida exequenda, não pode, depois, em sede de oposição à execução fiscal, conhecer-se da prescrição daquela dívida.
Nº Convencional:JSTA00066015
Nº do Documento:SA2200910070714
Data de Entrada:07/06/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART264 N1 ART269 ART151 N1 ART204 N1 B.
LGT98 ART22 N1 N4.
CCIV66 ART304.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC985/08 DE 2009/03/25.; AC STA PROC638/07 DE 2007/12/05.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VII PAG89.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, com os sinais dos autos, não se conformando com a decisão do Mmo. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que declarou extinta a instância nos autos de oposição por si deduzidos à execução fiscal n.º 3271199901018671, instaurada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 13 contra a sociedade B…, SA, por dívidas de IVA, coimas e despesas, e contra si revertida, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
1. O recorrente foi citado, na qualidade de responsável subsidiário, para pagar a quantia de € 11.733,57, de que era devedora a sociedade comercial B…, SA;
2. Na execução, o recorrente deduziu oposição alegando prescrição e ilegitimidade, nos termos do art.º 204.º do CPPT;
3. A oposição é o único meio adequado para impugnar o despacho de reversão;
4. Porém, sem alternativa, o recorrente viu-se compelido a assegurar o crédito da Fazenda Pública sem contudo ter prescindido de manter a sua impugnação;
5. Porém, o tribunal a quo considerou que, tendo o recorrente pago a quantia exequenda e acrescido, a execução só podia ser declarada extinta, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 176.º do CPPT;
6. Ora, o recorrente não se conforma;
7. O recorrente é parte na presente acção por ter sido, contra ele, ordenada a reversão da execução fiscal, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 9.º do CPPT;
8. Acontece que o recorrente alega não estarem verificadas as respectivas circunstâncias;
9. Como revertido e querendo colocar em causa o procedimento adoptado pela Fazenda Pública, ao recorrente apenas lhe é facultado como meio de defesa a oposição;
10. Isto é, como meio exclusivo e adequado para impedir a reversão, o recorrente só podia utilizar a oposição;
11. A lei não lhe faculta outro meio;
12. Ao devedor originário é possível reagir perante qualquer acto ilegal praticado pela Fazenda Pública, nos termos do art.º 99.º e ss. do CPPT;
13. Utilizando esse meio, o impugnante tem sempre a faculdade de suspender o prosseguimento mediante a prestação de garantia adequada, nos termos do n.º 4 do art.º 103.º do CPPT, ou pagamento do imposto e acrescido sem que, com isso, precluda o seu direito de reclamar ou impugnar, segundo o disposto no n.º 3 do art.º 9.º da LGT;
14. Trata-se de uma regra excepcional sem que seja entendido como uma renúncia ao direito a reagir contra um acto da Fazenda Pública;
15. Ora, o sistema tributário consagra a regra da igualdade das armas no processo fiscal subjacente no art.º 98.º da LGT, em consonância com o disposto no n.º 2 do art.º 16.º da CRP;
16. Isto é, cada contribuinte deverá ter direito a um processo justo e equitativo;
17. Se ao contribuinte impugnante é dada a faculdade de pagar o imposto e, mesmo assim, manter o direito a contestar o acto da Fazenda Pública também ao recorrente deverá ser concedido esse direito;
18. É que, na reversão, o recorrente assume a posição de responsável pelo cumprimento da prestação tributária a que está vinculado o contribuinte originário, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 18.º da LGT;
19. O recorrente passa a ser o sujeito passivo por reversão do processo de execução;
20. É verdade que o recorrente podia impugnar ou reclamar;
21. Sucede que os fundamentos são distintos e não existia fundamento para tal;
22. A decisão recorrida não teve em conta o princípio da garantia do acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva de todos os direitos do recorrente, em conformidade com o disposto no art.º 9.º da LGT;
23. Ora, tendo o recorrente apenas assegurado a quantia exequenda e acrescido no âmbito do meio processual adequado para contestar o despacho de reversão, não pode o tribunal a quo considerar o seu acto como uma causa para extinção da instância executiva, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 176.º do CPPT;
24. Isto face ao comportamento do recorrente que manifestou vontade em prosseguir com a sua impugnação;
25. Entendimento que é desse Meritíssimo Tribunal;
26. Em suma, com base no princípio do direito de acesso aos tribunais consagrado no n.º 4 e n.º 5 do art.º 268.º da CRP e dos princípios do procedimento tributário, nomeadamente, da igualdade, da proporcionalidade e da justiça, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários, consagrados no art.º 55.º e art.º 98.º da LGT, o tribunal a quo não podia decidir como o fez;
27. O tribunal a quo decidiu não respeitando, designadamente, o disposto no art.º 9.º, art.º 55.º e art.º 98.º da LGT e art.º 16.º e art.º 268.º da CRP;
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste STA emite parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Vem o presente recurso interposto da decisão do Mmo. Juiz do TT de Lisboa que declarou extinta a instância porquanto, tendo o oponente, ora recorrente, pago a dívida exequenda, se constata a inutilidade superveniente da lide.
A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é, assim, a de saber se, ocorrendo pagamento da dívida exequenda por parte do responsável subsidiário, deve ser admitida a oposição à execução fiscal por este deduzida.
Considerou o Mmo. Juiz “a quo” que extinguindo-se o processo executivo pelo pagamento da quantia exequenda se tornava inútil o prosseguimento da presente oposição, a qual visa precisamente a extinção daquele.
Na verdade, efectuado o pagamento voluntário da execução fiscal, esta extingue-se (arts. 264.º, n.º 1, e 269.º do CPPT), acarretando, em regra, a inutilidade superveniente da oposição, cujo objectivo mais frequente é, sem dúvida, apenas decidir se a execução deve ou não prosseguir contra a pessoa que se vem opor.
Porém, nem sempre será assim, pois, como diz Jorge de Sousa, in CPPT anotado e comentado, II volume, a fls. 89, “em certas situações, a oposição à execução fiscal pode ter por objecto a impugnação do acto de liquidação, designadamente nos casos em que o oponente pretende imputar àquele acto uma ilegalidade abstracta [alínea a) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT] e quando a lei não assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação [art.º 204.º, n.º 1, alínea h) do CPPT]”.
Por outro lado, como refere o mesmo autor, o pagamento efectuado pelo responsável subsidiário para beneficiar da isenção de custas e multa, nos termos do art.º 23.º, n.º 5 da LGT, não implica também a preclusão do seu direito de impugnar o acto de liquidação, nos termos do n.º 3 do artigo 9.º da LGT, que expressamente estabelece que «o pagamento do imposto nos termos da lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei».
O pagamento efectuado pelo responsável subsidiário dentro do prazo da oposição enquadra-se na previsão desta norma, já que a isenção de juros de mora e custas que o artigo 22.º, n.º 1 da LGT inclui no âmbito da responsabilidade subsidiária constitui, como qualquer isenção, um benefício.
Assim, é de concluir, pois, que o pagamento efectuado pelo responsável subsidiário no prazo da oposição não preclude o seu direito de impugnar a liquidação, que lhe garante o n.º 4 do artigo 22.º da LGT, direito esse que pode ser exercido por qualquer dos meios que a lei prevê para esse efeito, incluindo a oposição à execução fiscal, designadamente nos casos em que a lei não assegura qualquer outro meio de impugnação contenciosa ou esse for o meio adequado para o fazer.
Neste mesmo sentido se pronunciou o acórdão deste STA de 25/3/2009, proferido no recurso n.º 985/08.
No caso em apreço, ainda que o pagamento da dívida exequenda não tenha ocorrido no prazo de que o responsável subsidiário tinha para se opor, e por isso não beneficiando de isenção de custas e acrescido, o certo é que, ainda assim, o pagamento efectuado não tem a virtualidade de precludir o seu direito de ver apreciada a oposição já deduzida, tanto mais que um dos fundamentos desta é a ilegitimidade do oponente, que pretende pôr em causa o despacho de reversão.
Ora, sendo a oposição à execução fiscal o meio processual adequado para atacar a decisão relativa à reversão da execução fiscal, com o fundamento de o revertido não ser responsável pelo pagamento da dívida, nos termos da alínea b) do n.° 1 do art. 204.° do CPPT, e determinando o n.º 1 do artigo 151.º do CPPT que todas as questões relacionadas com os pressupostos da responsabilidade subsidiária deverão ser apreciadas em processo de oposição, a oposição deduzida pelo ora recorrente com tal fundamento, entre outros, sempre teria de prosseguir.
Além disso, podendo o revertido prestar garantia por depósito de dinheiro, caso em que, sem dúvida, poderia opor-se, parece não haver razão para distinguir, para o efeito, as duas situações.
Razão por que a decisão recorrida que assim não entendeu se não possa, por isso, manter.
Invoca o oponente, ora recorrente, como fundamentos da oposição apresentada para além da sua ilegitimidade ainda a prescrição das dívidas exequendas.
Quanto a isso se dirá, porém, que, paga a dívida exequenda, não pode, depois, em sede de oposição à execução fiscal, conhecer-se da prescrição daquela dívida.
Não significa isso que o oponente não possa eventualmente reaver a quantia paga, se se verificarem os requisitos de que a lei faz depender a repetição do que foi pago em cumprimento de obrigação prescrita, previstos no artigo 304.º do CC, designadamente o de ter sido efectuado pagamento não espontâneo.
Porém, trata-se de matéria que não cabe no âmbito do processo de oposição à execução fiscal que tem apenas a finalidade de apurar se a execução deve ou não prosseguir contra o oponente e não apreciar se devem ser reconhecidos direitos para o oponente emergentes do processo de execução fiscal (v., neste sentido, acórdão deste STA de 5/12/2007, proferido no recurso n.º 638/07).
Já relativamente à invocada ilegitimidade constata-se que na decisão recorrida se não mostram fixados os factos necessários para o seu conhecimento, impondo-se, por isso, a baixa dos autos à instância para fixação da matéria de facto nesse domínio, após produção da prova necessária, e ulterior apreciação desse fundamento.
III – Termos que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se não constituir fundamento de oposição a invocação da prescrição de dívida já paga, e ordenar a baixa dos autos à instância para, após fixação da matéria de facto pertinente, conhecimento da alegada ilegitimidade do oponente.
Sem custas.
Lisboa, 7 de Outubro de 2009. – António Calhau (relator) – Brandão de Pinho – Miranda de Pacheco.