Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0620/19.0BELLE
Data do Acordão:12/16/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IMPOSTO SOBRE VEÍCULO
INCIDÊNCIA
INTRODUÇÃO NO CONSUMO
Sumário:I - Nos denominados impostos sobre veículos cujo pressuposto objectivo primordial de tributação ocorre quando o “particular” introduzir no consumo, expedir, exportar, utilizar com carácter regular ou mantiver a posse de veículos tributáveis sem o cumprimento das obrigações prescritas por lei.
II - Resultando provada a condução de um veículo de matrícula Holandesa, pelo Impugnante, em território nacional, sem que o mesmo fosse introduzido no consumo através da apresentação da correspondente DAV, é legítima a conclusão de que o particular introduziu o veículo no consumo e, assim, se encontra preenchido o facto gerador de imposto, ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do ISV.
III - É que a apresentação da DAV de veículos tributáveis com matrícula não nacional deverá ser entregue na alfândega logo após a ocorrência do facto gerador do imposto com vista à atribuição de matrícula nacional (art.º 17.º do CISV), sendo irrelevante, nessa óptica, a questão da propriedade do veículo pois o artº 20º, nº1, al. a) do CISV, obriga o particular que introduza o veículo no consumo à apresentação da dita DAV no prazo máximo de 20 dias úteis, após a entrada do veículo tributável em território nacional ou após a ocorrência dos factos geradores previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º.
IV - Não sendo possível o julgamento em substituição, impõe-se determinar a baixa do processo à primeira instância para conhecimento do outro vício invocado pelo impugnante – preterição formalidade essencial conexa com o direito de audição prévia.
Nº Convencional:JSTA00071350
Nº do Documento:SA2202112160620/19
Data de Entrada:09/24/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 23-03-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou procedente a impugnação intentada por A…………, melhor sinalizado nos autos, contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada do acto de liquidação oficiosa de Imposto sobre Veículos (ISV) e juros compensatórios, no valor total de € 30.940,82.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões:

I. O objeto do presente recurso é a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 23 de março de 2021, proferida nos autos em epígrafe, ao julgar procedente a impugnação e, em conformidade, ao retirar da ordem jurídica o ato de liquidação de ISV n.º 2018/02427273, de 19/07/2018, no valor de € 30.397,82, acrescido de juros compensatórios no valor de €543,00, o que perfaz o montante global de € 30 940,82;
II. O imposto sobre veículos obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária;
III. Estão sujeitos ao imposto os automóveis ligeiros de passageiros, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte de pessoas;
IV. São ainda sujeitos passivos do imposto as pessoas que, de modo irregular, introduzam no consumo os veículos tributáveis;
V. Ora, constitui facto gerador de imposto, a permanência/condução na via pública do veículo em causa, em TN (Território Nacional), em violação das obrigações previstas no CISV, de acordo com a alínea d) do nº. 2, do artº. 5°., do CISV
VI. À data em que foi feita a liquidação, o ISV já seria exigível quanto ao veículo em apreço, porque o veículo permanecia no território nacional em violação do disposto no artigo 5.º do CISV (matéria não impugnada);
VII. De facto, a apresentação da DAV de veículos tributáveis com matrícula não nacional deverá ser entregue na alfândega logo após a ocorrência do facto gerador do imposto com vista à atribuição de matrícula nacional (art.º 17.º do CISV);
VIII. Na falta ou atraso de liquidação imputável ao sujeito passivo, que prejudique a cobrança do imposto, a Autoridade Tributária e Aduaneira, liquida-o oficiosamente com base nos elementos de que disponha, notificando o sujeito passivo para, no prazo de 10 dias úteis, proceder ao respetivo pagamento, nos termos do artigo 26.º do CISV;
IX. A questão da propriedade do veículo não é, neste caso, juridicamente relevante nem foi esse facto tido em conta na liquidação;
X. Em resumo: a liquidação, ora impugnada, fez aplicação correta de normas legais imperativas e que vinculam as autoridades aduaneiras;
XI. A liquidação feita não está inquinada de vício da não verificação dos pressupostos de facto, contrariamente ao decidido pela douta sentença recorrida;
XII. A entidade da liquidação subsumiu os pressupostos de facto provados com as normas de incidência subjetiva e objetiva do imposto, cumprindo escrupulosamente a lei;
XIII. A liquidação impugnada fez correta aplicação dos normativos aplicáveis do CISV, nomeadamente dos normativos supra indicados;
XIV. A douta sentença recorrida ao decidir pelo provimento da impugnação violou estes dispositivos legais.
NESTES TERMOS deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e mantendo a liquidação na ordem jurídica. Assim se procederá de acordo com a LEI e se fará JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, com fundamento em que, no essencial, in casu, estamos no âmbito dos chamados impostos sobre veículos, que os tributam quando introduzir no consumo, expedir, exportar, utilizar com carácter regular ou mantiver a posse de veículos tributáveis sem o cumprimento das obrigações prescritas por lei, o que não é o caso dos factos vertidos nos presentes autos pois que o Impugnante, ora Recorrido não é, nem nunca foi o proprietário do veículo por isso não estando obrigado a diligenciar pela sua legalização.
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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:
1. Em 8 de Janeiro de 2018, o Impugnante foi detectado por militares da Guarda Nacional Republicana (GNR) a conduzir o veículo marca Toyota, modelo Land Cruiser, com a matrícula Holandesa ………, em território nacional – cfr. auto de notícia da GNR a fls. 1 a 3 do processo administrativo apenso aos autos, não controvertido;
2. O veículo marca Toyota, modelo Land Cruiser, com a matrícula Holandesa ……… é propriedade de B………, residente na Holanda – cfr. auto de notícia da GNR a fls. 1 a 3 do processo administrativo apenso aos autos, não controvertido;
3. No âmbito do procedimento inspectivo n.º OI201800050 da Alfândega de Faro, foi elaborado projecto de relatório de inspecção aduaneira – cfr. processo administrativo apenso aos autos;
4. Com data de 21 de Junho de 2018, foi enviada notificação ao Impugnante, dando-lhe conhecimento do relatório de inspecção aduaneira acima referido, mais o notificando para querendo, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição prévia – cfr. processo administrativo apenso aos autos;
5. Com data de 12 de Julho de 2018, consta comunicação electrónica do mandatário do Impugnante para o endereço de correio electrónico “afaro@at.gov.pt” – cfr. processo administrativo apenso aos autos;
6. Com data de entrada na Alfândega de Faro de 30 de Julho de 2018, o Impugnante apresentou comunicação escrita para efeitos do exercício do direito de audição – cfr. processo administrativo apenso aos autos;
7. No dia 16 de Julho de 2018 foi elaborado relatório de inspecção aduaneira pelos serviços da Alfândega de Faro, no âmbito do procedimento inspectivo referido e do qual se extrai, designadamente, o seguinte excerto:

[Imagem]

(…)
– cfr. processo administrativo apenso aos autos;
8. Em 19 de Julho de 2018 foi emitida oficiosamente e em nome do Impugnante, a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º ………, referente à introdução no consumo do veículo que tem vindo a ser referido, liquidando-se imposições em dívida no valor de € 30.397,82, acrescido de juros compensatórios no valor de € 543,00, no montante total a pagar de € 30.940,82 – cfr. processo administrativo apenso aos autos;
9. O Impugnante apresentou reclamação graciosa quanto ao acto de liquidação de ISV referido – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial;
10. Em 19 de Junho de 2019, o Director da Alfândega de Faro proferiu despacho a indeferir a reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial.
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º. al. e) do CCPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a impugnação, padece de erro de julgamento, tendo em conta que constitui facto gerador do imposto sobre veículos, a permanência/condução na via pública de veículo em território nacional, sendo sujeitos passivos do imposto as pessoas que, de modo irregular, introduzam no consumo os veículos tributáveis, por violação das obrigações previstas no CISV, de acordo com a alínea d) do nº. 2, do artº. 5°., do CISV.
Atentemos.
A sentença recorrida fundamentou a procedência da presente impugnação judicial no facto de a introdução no consumo, ainda que presumida, não se poder sustentar num momento datado no tempo, isolado e sem qualquer elemento adicional que permita sustentar que o Impugnante, ora Recorrido introduziu o veículo no consumo em território nacional, até porque o veículo não era [nem é], propriedade do Impugnante e a utilização se revelou esporádica do mesmo em território nacional.
Contra este enquadramento se rebela a recorrente AT, assacando à sentença erro de julgamento da matéria de direito derivado de um desacerto na interpretação e aplicação dos artigos 3º, nº 1 e 5º, nº 2, alínea d), ambos do CISV com base nos quais entende que o impugnante é sujeito passivo do imposto por ter introduzido no consumo o veículo em causa, excedendo o limite de permanência em território nacional.
Nesta instância o Ministério Público adere à tese da sentença ao acolher o entendimento de que, in casu, estamos no âmbito dos chamados impostos sobre veículos, que os tributam quando introduzir no consumo, expedir, exportar, utilizar com carácter regular ou mantiver a posse de veículos tributáveis sem o cumprimento das obrigações prescritas por lei, o que não é o caso dos factos vertidos nos presentes autos. E uma vez que o Impugnante, ora Recorrido não é, nem nunca foi o proprietário do veículo, consequentemente, não estava obrigado a diligenciar pela sua legalização.
Quid juris?
Por força do disposto no artº 1º do Código do Imposto Sobre Veículos, publicado em anexo à Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho (doravante, CISV) “…obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.
Em termos de incidência objectiva, e ao que ao caso releva, estão sujeitos ao imposto os automóveis ligeiros de passageiros, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte de pessoas (cfr. artº 2º, nº 1 als. a) e b) do CISV).
No plano da incidência subjectiva estatui o artigo 3.º do CISV que: “São sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares, tal como definidos pelo presente código, que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos ou a declaração complementar de veículos” (nº1) e “São ainda sujeitos passivos do imposto as pessoas que, de modo irregular, introduzam no consumo os veículos tributáveis.”
No artº 5º, nº 2, al. d) do CISV e sempre em vista do caso concreto, estabelece-se que constitui facto gerador de imposto, a permanência/condução na via pública do veículo em causa, em TN (Território Nacional), em violação das obrigações previstas no CISV.
Com relevo para uma conscienciosa decisão há ter em conta o disposto no artigo 6.º, n.ºs 1 e 2, do CISV, segundo o qual o ISV torna-se exigível no momento da introdução no consumo, designadamente:
“a) No momento da apresentação do pedido de introdução no consumo pelos operadores registados e reconhecidos;
b) No momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos ou declaração complementar de veículos pelos particulares.
2 - Nos casos mencionados no n.º 2 do artigo anterior considera-se verificada a introdução no consumo no momento da ocorrência do facto gerador do imposto ou, sendo este indeterminável, no momento da respectiva constatação.”
E a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível” (n.º 3 do mesmo preceito legal).
Ainda importa ao caso o disposto no artigo 16.º do CISV que define particular como “todo o sujeito passivo que proceda à admissão ou importação de veículos tributáveis, em estado novo ou usado, com a finalidade principal de satisfazer as suas necessidades próprias de transporte”.
E, no que tange à introdução no consumo por particulares, importa ainda salientar que, por determinação do artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CISV que “os particulares e os sujeitos passivos que não se encontrem constituídos como operadores registados ou operadores reconhecidos estão obrigados à apresentação da DAV no prazo máximo de 20 dias úteis, após a entrada do veículo tributável em território nacional ou após a ocorrência dos factos geradores previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º”.
Ora, perante este quadro normativo, a AT não teve de que à data em que foi feita a liquidação, o ISV já seria exigível quanto ao veículo em apreço, porque o mesmo permanecia no território nacional em violação do disposto no artigo 5.º do CISV.
Isso porque foi constatada a condução de um veículo de matrícula Holandesa, pelo Impugnante, em território nacional o que se traduz no preenchimento do facto gerador de imposto, ao abrigo da referida alínea d) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do ISV, ou seja, a constatação da permanência em Portugal do veículo sem que o mesmo fosse introduzido no consumo através da apresentação da correspondente DAV.
Cumpre no entanto salientar que o julgador erigiu como determinante para infirmar a antecedente conclusão da AT o facto de o veículo não ser propriedade do Impugnante, e que a sua utilização, que se revelou esporádica do mesmo em território nacional, não tem a virtualidade de consubstanciar a presumida introdução irregular no consumo, à míngua de qualquer outra factualidade que servisse de suporte a tal.
Ou seja, o julgador reputa de manifestamente insuficiente, para efeitos de tributação em ISV, a constatação, pela GNR, da condução do veículo em apreço, pelo Impugnante, e, consequentemente, a presunção de que este introduziu o veículo no consumo em território nacional pois, por apelo ao disposto no artigo 74.º da Lei Geral Tributária, a introdução no consumo, ainda que presumida, não se pode sustentar num momento datado no tempo, isolado e sem qualquer elemento adicional que permita sustentar a legalidade da tributação, sabendo-se que quem está onerada com essa prova é a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Também o Ministério Público, no seu douto Parecer, elege como determinante para afastar a tributação pretendida pela AT o facto, encontrando-nos no âmbito dos chamados impostos sobre veículos, que os tributam quando introduzir no consumo, expedir, exportar, utilizar com carácter regular ou mantiver a posse de veículos tributáveis sem o cumprimento das obrigações prescritas por lei, o ora Recorrido não ser, nem nunca ter sido o proprietário do veículo e por isso não estava obrigado a diligenciar pela sua legalização.
Antecipa-se que a sentença é repreensível na interpretação e aplicação do quadro normativo que coligiu.
Assim, sendo certo que compete ao autor do acto o ónus de demonstração da ocorrência dos seus pressupostos, já não o é, adversamente à tese da sentença, que tal ónus não haja sido cumprido no caso em análise, porquanto dos autos resulta que a introdução da viatura em território nacional foi efectuada por “particular” sujeito do imposto em crise pelo que, a verificação e subsistência do pressuposto da tributação à luz do princípio da tipicidade tributária determina a manutenção da mesma ao invés do pretendido pelo impugnante corroborado pelo julgador e o próprio Ministério Público junto desta instância.
É que, aceitando-se que o caso sub judice se adscreve nos denominados impostos sobre veículos cujo pressuposto objectivo primordial de tributação ocorre quando o particular introduzir no consumo, expedir, exportar, utilizar com carácter regular ou mantiver a posse de veículos tributáveis sem o cumprimento das obrigações prescritas por lei, é liquido que, tendo em conta que (i) o imposto sobre veículos obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária; (II) ficam sujeitos ao imposto os automóveis ligeiros de passageiros, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte de pessoas; (iii) são também sujeitos passivos do imposto as pessoas que, de modo irregular, introduzam no consumo os veículos tributáveis; e (iv) constitui facto gerador de imposto, a permanência/condução na via pública do veículo em causa, em Território Nacional, em violação das obrigações previstas no CISV, de acordo com a alínea d) do nº. 2, do artº. 5°., do CISV, é forçoso concluir que, à data em que foi feita a liquidação, o ISV já seria exigível quanto ao veículo em apreço, porque o veículo permanecia no território nacional em violação do disposto neste último preceito.
É que a apresentação da DAV de veículos tributáveis com matrícula não nacional deverá ser entregue na alfândega logo após a ocorrência do facto gerador do imposto com vista à atribuição de matrícula nacional (art.º 17.º do CISV), pelo que, nessa óptica, é irrelevante para o caso a questão da propriedade do veículo já que, por imposição normativa ínsita no artº 20º, nº 1, al. a) do CISV, o impugnante, como particular que introduziu o veículo no consumo, estava obrigado à apresentação da DAV no prazo máximo de 20 dias úteis, após a entrada do veículo tributável em território nacional ou após a ocorrência dos factos geradores previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º. E, ocorrendo a falta ou atraso de liquidação imputável ao sujeito passivo, que afecte a cobrança do imposto, a Autoridade Tributária e Aduaneira, liquida-o oficiosamente com base nos elementos de que disponha, notificando o sujeito passivo para, no prazo de 10 dias úteis, proceder ao respectivo pagamento, nos termos do artigo 26.º do CISV.
Ora, revelam os autos que a AT seguiu todos os trâmites legalmente impostos e que o particular não apresentou a declaração no prazo consentido pela lei.
Donde se impõe concluir que o acto de liquidação do ISV em causa nos autos deve ser mantido na ordem jurídica, pois se apura que foi satisfeita a comprovação dos pressupostos nos quais se arrimou.
Ao decidir no sentido apontado, a sentença recorrida enferma de erro julgamento que lhe é imputado, pelo que deve ser removida da ordem jurídica.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
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Sucede, porém, que, como bem delineado na própria sentença recorrida, atentas as posições assumidas pelas partes no presente litígio, importaria ainda apreciar e decidir se a liquidação de ISV impugnada e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ela apresentada enfermava do vício formal de preterição de formalidade essencial, ao ter exercido o direito de audição prévia no âmbito de procedimento inspectivo, o qual foi considerado indevidamente como não exercido, causa de pedir invocada na p.i..
Na verdade, ao ter decidido pela procedência o vício do erro sobre os pressupostos, entendeu o julgador que ficava prejudicado o conhecimento das demais questões dos autos – cfr. o artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Mas o acabado de decidir neste acórdão quanto ao vício substantivo implica a impossibilidade de conhecimento em substituição.
No artigo 665.º do CPC, consagra-se a regra da substituição ao tribunal recorrido determinado o seu nº 2 que “Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.”
Assim, atento o provimento do recurso da AT e consequente revogação da sentença recorrida, coloca-se a questão da possibilidade de conhecimento, em substituição, das demais questões cuja apreciação foi julgada prejudicada pela questão do erro sobre os pressupostos.
Acontece que, como nos encontramos no espaço do recurso de revista, por força do disposto no artº 679º do CPC a aplicação do regime da apelação sofre a excepção nele preconizada, a saber, “são aplicáveis ao recurso de revista as disposições relativas ao julgamento da apelação, com exceção do que se estabelece nos artigos 662.º e 665.º e do disposto nos artigos seguintes.”
Por assim ser, não é possível o pretendido julgamento em substituição, impondo-se, por isso, a baixa do processo à primeira instância para conhecimento do outro vício invocado pelo impugnante – preterição formalidade essencial conexa com o direito de audição prévia.
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3.- Decisão

Termos em que, face ao exposto, Acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, devendo o processo baixar ao Tribunal “a quo” para conhecimento da outra ilegalidade invocada na p.i., se a tal nada mais obstar.

Custas pelo recorrido.
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Lisboa, 16 de Dezembro de 2021. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.