Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0828/11.6BELRS
Data do Acordão:05/06/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:AMORTIZAÇÃO DO ACTIVO
DOCUMENTOS
PRAZO
Sumário:A “exposição devidamente fundamentada” prevista no art. 10.º do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 17/1, não pode implicar a apresentação, por parte do contribuinte, de elementos contabilísticos para além do prazo de 10 anos previsto no n.º 5 do artigo 115.º do C.I.R.C.
Nº Convencional:JSTA000P25848
Nº do Documento:SA2202005060828/11
Data de Entrada:07/10/2019
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A....................., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

I.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira interpõe recurso da sentença do Tribunal Tributário (T.T.) de Lisboa, exarada em 24/04/2019, que julgou totalmente procedente a impugnação deduzida por A…………, S.A., melhor identificada nos autos, no âmbito de decisão de indeferimento do recurso hierárquico relativa ao despacho de indeferimento do pedido de aceitação de amortizações extraordinárias como custo fiscal do exercício de 2005, para o Supremo Tribunal Administrativo (S.T.A.).

I.2. Apresentou alegações que concluiu nos termos seguintes:

I – Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a impugnação judicial, intentada por A…………, S.A., NIF ………, já devidamente identificado nos autos e que, em consequência, ordenou a anulação do despacho de indeferimento do pedido de aceitação das desvalorizações extraordinárias no valor de € 4.203.157,68, como custo fiscal do exercício de 2005. Entende a Fazenda Pública que a douta sentença, na subsunção dos factos dados como provados ao direito, promoveu uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos.

II – O Tribunal a quo entendeu que a Impugnante não necessitava instruir o seu pedido de aceitação das desvalorizações extraordinárias com a documentação de suporte aos registos contabilísticos por forma a justificar o valor contabilístico atribuído aos bens destruídos, na medida em que já tivesse decorrido o prazo legal de 10 anos de conservação da documentação de suporte destes registos.

III – Os condicionalismos que balizavam o pedido de aceitação das desvalorizações extraordinárias como custo ou perda do exercício estavam previstos no Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, diploma este que dispunha no seu art.º 10º, n.º1 que as desvalorizações deveriam ser “devidamente comprovadas”, ao passo que no n.º 3 deste mesmo normativo estava previsto que, para a aceitação destas desvalorizações, deverá o contribuinte elaborar “exposição devidamente fundamentada até ao fim do primeiro mês seguinte ao do termo do período de tributação em que tiverem ocorrido as desvalorizações excepcionais”. Está aqui em causa o exercício de um direito do contribuinte perante a Administração Fiscal, o qual carece de prova dos seus elementos constitutivos para que o mesmo tenha reflexo na determinação do lucro tributável em sede de IRC.

IV – E não se afigura que a exigência de prova dos elementos constitutivos deste direito seja mitigada pelo decurso do prazo estabelecido para conservação dos arquivos contabilísticos, tal como estava previsto no art.º 115.º, n.º 5 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC). Como se refere no Acórdão n.º 07437/14 do TCAS, “O art. 115.º, n.º 5 do Código do IRC, (a que corresponde o actual n.º 4 do art. 123.º) estabelece uma obrigação de conservação dos documentos de suporte contabilísticos das sociedades, por 10 anos, findo este prazo, a AT não pode efectuar correcções com fundamento na falta da apresentação desses documentos, cabendo-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito de tributar (art. 74.º, n.º 1 da LGT)”. Daqui se retira que o prazo limite de conservação dos documentos de suporte contabilístico é uma garantia do contribuinte diante da administração fiscal, na medida em que esta, no âmbito dos seus poderes inspetivos, vê-se limitada nas exigências que pode formular ao contribuinte quando analisa o cumprimento dos seus deveres tributários.

V – O âmbito de aplicação do art.º 115.º, n.º 5 do CIRC não parece ter como efeito condicionar o reconhecimento de um direito como aquele que vem plasmado no art.º 10º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro. Aquele preceito visa assim limitar a incursão fiscalizatória da Administração Fiscal sobre a esfera jurídica do contribuinte. Já no citado preceito do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, o que está aqui em causa é a regulamentação de um ónus de prova que cabe ao contribuinte que espera ver reconhecido um direito diante da Administração Fiscal. Com efeito, dispõe o art.º 74º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”; sendo esta regra de repartição do ónus da prova um princípio chave do procedimento tributário, e que em nada abala o princípio do inquisitório a que está vinculada toda a atividade administrativa.

VI – Deste modo, toda e qualquer exposição devidamente fundamentada e comprovada, como exige a letra do art.º 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, não poderia prescindir das faturas de aquisição dos bens destruídos e dos demais documentos que serviram de suporte aos lançamentos contabilísticos por forma a avaliar da existência dos requisitos legais da pretensão do contribuinte diante da administração fiscal. É assim legítima a exigência formulada pela administração fiscal no sentido de o contribuinte anexar ao seu requerimento a documentação de suporte que está na origem da atribuição do valor contabilístico inicial aos bens que compõem o seu ativo imobilizado assim como a documentação que esteve na base da revalorização dos mesmos, viabilizando assim a análise a efetuar pelos serviços da administração tributária no que toca ao preenchimento dos requisitos legais de aceitação das deduções das desvalorizações excecionais ao lucro tributável.

VII – Nestes termos, não se afigura concordante com a lógica do ordenamento jurídico fiscal o entendimento que o Tribunal a quo perfilhou no sentido de o decurso do prazo estabelecido na lei para conservação dos arquivos contabilísticos ser um factor desonerador da atividade probatória do contribuinte, na medida em que a omissão de apresentação da documentação relativa aos factos contabilísticos abrangidos por este prazo não impede o reconhecimento do carácter fundamentado e comprovado ao pedido de aceitação das desvalorizações excecionais formulado nos termos do disposto do art.º 10º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro. Ponderado estes argumentos, é imperioso concluir que mal esteve o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, interpretando erroneamente o preceito ínsito no art. 115.º, n.º 5 do Código do IRC, e violando o disposto nos art.ºs 74º, n.º 1 da Lei Geral Tributária e o art.º 10º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, incorreu em erro de julgamento, motivo pelo qual deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, DEVE A DECISÃO SER REVOGADA COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

PORÉM, V. EX.AS, DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!

I.3. A recorrida formulou contra-alegações que finalizou com as seguintes conclusões:

A. Em 2005 a impugnante constatou que diversos elementos do seu ativo imobilizado já não reuniam as condições necessárias para uma regular utilização, seja pelo estado em que se encontravam, seja pela desvalorização decorrente dos avanços tecnológicos verificados. A impugnante apurou que o conjunto desses ativos havia sofrido uma desvalorização na ordem dos € 4.203.157,68 - cfr. anexo ao doc.1.
B. Assim constatado, procedeu ao abate ou destruição física dos referidos bens e refletiu essa perda patrimonial na sua contabilidade.
C. À data, o artigo 10.°, nº 1 do DR n.º 2/90 previa que "no caso de se verificarem em elementos do ativo imobilizado desvalorizações excecionais, provenientes de causas anormais ou devidamente comprovadas poderá ser aceite como custo ou perda do exercício em que aquelas ocorrem uma quota de reintegração ou amortização superior à que resulta da aplicação dos métodos referidos no artigo 4.º" (sublinhado nosso).
D. Ao abrigo do disposto no n.º 3 daquele artigo 10.0 do DR n.º 2/90, a impugnante apresentou, em 31.01.2006, uma exposição ao Senhor Diretor­geral dos Impostos a dar conta que "alguns elementos do seu ativo imobilizado se encontravam obsoletos e desadaptados das funções a que se encontravam afetos", pelo que, nos termos da al. b) do n.º 5 do artigo 29.º do Código do IRC, as desvalorizações deveriam ser aceites como custo fiscal do exercício de 2005.
E. Ao requerimento identificado no artigo precedente a impugnante juntou um documento contendo uma lista dos ativos depreciados com as datas de aquisição e com o valor das amortizações acumuladas, entre outras informações ("Mapa de Desenvolvimento p/ DGCI - Relatório 31.12.2005 - Lançamentos: 01.01.2005 a 31.12.2005"). Posteriormente, atendeu à solicitação dos serviços tributários e disponibilizou fichas de imobilizado e registos informáticos respeitantes àqueles ativos (cfr. decisão de indeferimento do recurso hierárquico).
F. Todavia, a AT defende que relativamente a 77% daqueles bens, no valor de € 3.224.521,61, a impugnante não comprovou os valores de aquisição nem os valores líquidos contabilísticos, pelo que as desvalorizações não podiam ser aceites como custos.

G. No que concerne aos valores de aquisição, a impugnante deixou sempre claro que, porque esses 77% correspondiam a bens adquiridos antes de 1.01.1999, havia destruído toda a documentação por questões de logística e por causa do disposto no n.º 5 do artigo 115.0 do Código do IRC, no qual se determinava que os registos e livros deviam ser mantidos em boa ordem pelo prazo de dez anos.
H. É fácil de compreender que, numa empresa com a dimensão da impugnante e com a enorme variedade de ativos que compõem o seu acervo patrimonial, é na prática inviável acumular documentos por prazo superior a uma década.
No caso concreto, e conforme se pode constatar da lista anexa ao requerimento apresentado perante o Senhor Diretor-geral dos Impostos, grande parte dos bens em questão foi adquirida até meados da década de 90, pelo que, em 31.01.2006, já havia esgotado o prazo legal de conservação dos respetivos registos contabilísticos.

I. Mesmo que se admita, por mera hipótese, que no que respeita a alguns dos bens ainda não havia decorrido o prazo de dez anos previsto no artigo 115.°, n. ° 5 do CIRC, nada impedia que, se se considerasse essencial, a prova do preço de aquisição fosse efetuada por outro meio.
J. Acontece que não se retira da lei em vigor à data dos factos que o valor da aquisição dos ativos era indispensável à aceitação como custo fiscal das desvalorizações por eles sofridas. Com efeito, os n.ºs 1 e 2 do artigo 10.° do DR n.º 2/90 são claros no sentido de que o que se deve comprovar perante a AT são as causas da desvalorização, seja um evento anormal, um desastre, fenómenos naturais ou o avanço tecnológico. Em nenhum ponto do artigo 10.º do DR n.º 2/90 se refere que a comprovação do valor de aquisição dos ativos depreciados constitui condição sine qua non à aceitação das reintegrações excecionais como custo do exercício.

K. Nem poderia ser assim porque, como o próprio DR n.º 2/90 indica no artigo 2.º, n.º 1, al. b), na base do cálculo da depreciação o custo de produção ou aquisição (custo histórico) pode ser substituído pelo valor resultante de reavaliação para melhor representar o custo realmente suportado, ou seja, o custo histórico - não assume um relevo tal a ponto de ser absoluto.

L. Certo é que a impugnante demonstrou, através da relação junta com o requerimento de 31.01.2006, aquilo que à luz da lei então em vigor era exigido: que os ativos haviam sofrido desvalorizações pelo decurso do tempo e que estas estavam perfeitamente quantificadas. Veja-se que da referida relação constam duas colunas, uma intitulada "Aquisição + Reav. 76" e outra "Valores Reavaliados", sendo que a partir dos valores de aquisição e de reavaliação são calculadas as amortizações e o valor líquido de cada um dos bens. Quer isto dizer que, embora não fossem exigidos, os valores de aquisição eram perfeitamente identificáveis, pelo que a pretensão da impugnante não podia ser indeferida com esse fundamento.
M. O que importa reter é que as exigências de prova feitas da AT exorbitam em larga medida a letra da lei e traduzem um exercício de livre arbítrio. Com efeito, o que se extrai do artigo 10.° do DR n.º 2/90, na redação em vigor em 2005, é que, no limite, o contribuinte deve apenas demonstrar, por qualquer meio, que ocorreram desvalorizações excecionais em elementos do seu ativo - como sucedeu - e não quaisquer outras circunstâncias como o valor de aquisição ou de produção.
N. De resto, é no mínimo abusivo defender que "no presente caso os registos contabilísticos bem como os respetivos documentos de suporte deviam ter sido conservados para além do prazo acima referido [i.e., 10 anos], de modo a que a recorrente pudesse justificar e comprovar o requerido na petição inicial".
O. Se o legislador consagrou no Código do IRC o prazo máximo de dez anos para conservação dos registos e dos livros dos contribuintes, é irrazoável que a AT venha exigir a apresentação de documentos para além desse prazo e, verificada essa impossibilidade, afirme que o contribuinte não fez a prova de um determinado valor.
P. É esse o entendimento da jurisprudência: "a recorrente não era obrigada a guardar os elementos da sua contabilidade pelo período superior a dez anos. E não sendo obrigada a guardá-los não pode ser penalizada por não os possuir para além desse prazo. Ora daqui resulta que da não apresentação de tais elementos solicitados à recorrente depois de decorrido o prazo de dez anos em que era obrigada a guardá-los, não pode a Administração Fiscal concluir que o contribuinte não fez a prova dos elementos que compõem o respetivo valor de aquisição ... " (sublinhado nosso, Acórdão do STA de 08.11.2006, proc. n.º 0244/06, in www.dgsi.pt cfr. ainda o Acórdão do STA de 08.05.2002, proc. n.º 026614 in www.dgsi.pt e acórdão do CAAD, de 24.10.20158, proc. n.º 170/2018-T).
Q. Quer isto dizer que o indeferimento do pedido da impugnante em decorrência da não apresentação desses documentos contraria a lei, estando por isso eivado do vício de violação de lei que conduz à sua anulabilidade, como bem reconheceu o Tribunal a quo.
R. Ainda que se entendesse o contrário, o que só se admite por mera hipótese e sem conceder, atendendo ao facto de a impugnante ter apresentado toda a documentação de que dispunha a AT não podia simplesmente ter indeferido o requerimento, mas sim, em cumprimento ao disposto no artigo 75.°, n.º 1 da LGT, ter demonstrado que aquela documentação não correspondia à realidade, ou, atendendo ao disposto no artigo 58.° da LGT, ter realizado as diligências que considerasse necessárias no sentido de apurar a realidade dos factos - v.g., realizando uma perícia às contas da impugnante, inquirindo testemunhas.
S. Sucede que a AT não fez uma coisa nem outra, escudando-se numa interpretação abusiva da lei para, de forma ilegal e infundada, indeferir o pedido da impugnante. Nessa medida, a decisão de indeferimento é ilegal por violação de lei.
T. Se a legislação aplicável em 2005 não fazia qualquer referência expressa aos elementos que o contribuinte deveria apresentar para beneficiar do disposto no artigo 10.° do DR n.º 2/90, não cabia à AT aproveitar-se de alterações legislativas posteriores - que em todo o caso tiveram um intuito de "simplificação" e "racionalização" - para introduzir exigências normativas a seu bel-prazer. Com efeito, o que se retira da letra da lei aplicável aos factos é apenas a necessidade de comprovar, por qualquer meio as desvalorizações excecionais, e não que essa prova tenha de ser feita de um determinado modo. E isso - a desvalorização excecional - foi demonstrado através de elementos contabilísticos apresentados pela impugnante em sede de procedimento, como a recorrente reconhece.
U. Nem seria expectável que fosse diferente pois a ratio do regime - e portanto aquilo que incumbe ao contribuinte provar - é tão-somente permitir que a perda exceciona! e natural de valor dos bens do ativo, seja qual for a sua origem, seja tratada como um custo fiscal, refletindo assim a verdadeira situação patrimonial do contribuinte.
V. Como bem notou o Tribunal a quo, constitui princípio geral que se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei bem como os dados e apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita dos mesmos (cfr. artigo 75.°, n.º 1 da LGT). Isso significa que impende sobre a AT o ónus de ilidir a presunção de veracidade da declaração e da escrita dos contribuintes. Cumpria, pois, à AT demonstrar cabalmente porque considerou que os "autos de destruição" apresentados não faziam prova do efetivo abate dos bens e não simplesmente tecer considerações em tom de suspeição sobre a idoneidade da impugnante. Em vez de ilidir, com base em elementos objetivos, a veracidade da documentação apresentada pela impugnante, a AT apenas afirmou que era insuscetível de demonstrar a realidade por ter sido elaborada em 2009 quando os factos respeitavam a 2005.
W. Acresce ainda que a ora impugnante deixou claro em sede de procedimento que a totalidade dos bens destruídos foi transformada em sucata, tendo esta sido posteriormente alienada a terceiros. Conforme alegou no recurso hierárquico, a impugnante transmitiu essa informação aos serviços tributários e estes não solicitaram informações adicionais. Mesmo assim, como a AT reconhece, a impugnante apresentou faturas de alienação da sucata respeitantes aos bens fisicamente destruídos em 2005 (o referido "Anexo 4"). Existia, pois, prova bastante do destino dado aos bens em apreço.
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA.

I.4. O Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de se dever negar provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

“Estatuía o n.º 1 do artigo 10.º do DR 2/90 que as desvalorizações deviam ser devidamente comprovadas, sendo certo que o n.º 3 dispunha que a sua aceitação como custo fiscal dependia de exposição devidamente fundamentada.

Sustenta a FP recorrente que qualquer exposição devidamente fundamentada não poderia prescindir das faturas de aquisição dos bens destruídos e dos demais documentos de suporte aos lançamentos contabilísticos, por forma a avaliar da existência dos requisitos legais da pretensão do contribuinte perante a AT.

Para o efeito defende a recorrente que a obrigação de conservação dos documentos de suporte contabilístico das sociedades, por 10 anos, estatuía no, então, artigo 115.º/5 do CIRC é uma garantia do contribuinte perante a AT, na medida em que esta, no âmbito dos seus poderes inspetivos, se vê limitada nas exigências que pode formular ao contribuinte quando analisa o cumprimentos dos seus deveres tributários e não tem como efeito condicionar o reconhecimento de um direito como o que vem referido no artigo 10.º do DR 2/90, de 12/01.

Ou seja, entende a recorrente que a recorrida deveria ter conservado para além do prazo de 10 anos os registos contabilísticos bem como os respetivos documentos de suporte de modo a poder justificar e comprovar o pedido de aceitação das desvalorizações extraordinárias como custo fiscal, sob pena de não os apresentado não poder ver a sua pretensão satisfeita.

Ressalvado o devido respeito por opinião contrária, não podemos sufragar a posição da FP recorrente, que indeferiu a pretensão da recorrida por via da não apresentação dos mencionados documentos.

Na verdade, não estando a recorrida obrigada a guardar os elementos da sua contabilidade por mais de 10 anos não pode ser penalizada por não os apresentar para além desse prazo, para efeitos de apreciação de pedido de aceitação de desvalorizações extraordinárias como custos fiscais, nos termos do artigo 10.º do DR 27/90 (acórdãos do STA, de 08/11/2006-P. 0244/06-PLENO, de 08/05/2002-P. 026614, de 30/01/2019-P. 0217/12.BELLE 01245/17 e acórdão do CAAD, de 24/10/2018-P. 170/2018-T, disponíveis em www.dgsi.pt e www.caad.pt).

Como resulta do probatório e dos autos, a recorrente não põe em causa a contabilidade da recorrida e tendo esta apresentado toda a documentação de que dispunha, cuja idoneidade não foi posta em causa, não podia a AT ter indeferido, pura e simplesmente, a pretensão formulada, ma antes ter demonstrado que aquela documentação não correspondia à realidade, atento o estatuído no artigo 75.º/1 da LGT.

Ora, a recorrente não fez isso, nem, tão pouco, encetou diligências tendo em vista o apuramento da verdade material, podendo fazê-lo, nos termos do disposto no artigo 58.º da LGT, limitando-se a indeferir a pretensão da impugnante/recorrida por não ter apresentado as faturas dos bens destruídos e os demais documentos de suporte da contabilidade, que, como já se referiu a recorrida não era obrigada a ter e a apresentar, por já haver decorrido o prazo legal de 10 anos de conservação desses documentos.

Em nosso entendimento a sentença recorrida não merece censura.

3.CONCLUSÃO.

Ressalvado melhor juízo, deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.”

I.5. Foram colhidos vistos, mas, tendo entretanto o 1.º Conselheiro adjunto cessado funções na Secção, intervém o atual 1.º Conselheiro adjunto do relator, com dispensa de visto.

II. Objeto do recurso.

Sendo de delimitar o objecto do recurso de acordo com as conclusões do recorrente – artigos 653.º n.º 3 e 639.ºn.º 1 do C.P.C. – resulta para apreciação se ocorre erro de julgamento, de direito, no decidido na sentença recorrida que respeita à aplicação efetuada do regime de desvalorizações excecionais previsto nos artigos 29.º do C.I.R.C. e 10.º do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12/1.

Para tal é posto também em causa o entendimento tido a respeito do prazo estabelecido no art. 115.º n.º 5 do C.I.R.C., para conservação dos arquivos contabilísticos ser um fator que desonera a atividade probatória, bem como se este entendimento ocorre também a violação do art. 74.º n.º 1 da L.G.T..

III. Fundamentação

II. 1. De facto.

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

1) Entre 21-01-2005 e 05-01-2006, a Impugnante emitiu em nome de diversas sociedades 54 faturas, no valor total de € 416.344,72, contendo como descrição “Venda de sucata” (cf. fls. 39 a 94 do Anexo I ao PA apenso aos autos);

2) Durante o ano de 2005, a Impugnante dirigiu a vários Serviços de Finanças requerimentos com assunto “Auto de Destruição”, dos quais se extrai, nomeadamente, o seguinte:

«A………… [...] vem pelo presente comunicar a V. Exa. que [...] irá proceder ao abate por destruição, de um conjunto de bens que compõem o seu activo Imobilizado / as suas existências [...] conforme discriminado na lista anexa»

(cf. fls. 167 a 190 dos autos e Anexos II a V ao PA apenso aos autos);

3) Durante o ano de 2005, os serviços da AT elaboraram 2 documentos dos quais se extrai que os signatários estiveram presentes na destruição dos bens da Impugnante (cf. fls. 166 e 174 dos autos e Anexos II a V ao PA apenso aos autos);

4) Durante o ano de 2005, foram outorgados vários documentos intitulados “Autos de destruição”, com o seguinte teor, por extrato:

«Aos [...] de 2005 procedeu a A………… [...] à destruição física de um conjunto de bens que compõem o seu imobilizado corpóreo / as suas existências [...].

Os bens destruídos constam da listagem anexa ao presente AUTO DE DESTRUIÇÃO.

Por ser verdade, este Auto vai ser assinado por todos os que presenciaram a citada destruição. [...]»

(cf. fls. 168 a 186 dos autos e Anexos II a V ao PA apenso aos autos);

5) Durante o ano de 2005, foram outorgados vários documentos intitulados “FICHA de PARECER para APROVAÇÃO em DEFINITIVO de DESINVESTIMENTO”, dos quais se retira, por extrato, o seguinte:

«[...] É pedido o abate das posição patrimoniais referente a [...] € para imobilizado bruto e [...] € para imobilizado líquido [...] conforme anexo. [...]»

(cf. fls. 196 a 318 dos autos e Anexos II a V ao PA apenso aos autos);

6) Durante o ano de 2005, foram outorgadas várias comunicações internas com assunto “Proposta de Abate [...]”, dos quais se retira, por extrato, o seguinte:

«[...] Proponho abate ao Imobilizado dos bens substituídos, conforme anexo. [...]»

(cf. fls. 197 a 326 dos autos e Anexos II a V ao PA apenso aos autos);

7) Durante o ano de 2005, foram outorgados vários documentos intitulados “Proposta de Deliberação da Comissão Executiva”, nos quais consta, designadamente, o seguinte:

«[...] Proposta de Deliberação

Aprovação dos abates detalhados nos anexos de posições Patrimoniais [...]»

(cf. fls. 211 a 322 dos autos e Anexos II a V ao PA apenso aos autos);

8) Em 23-01-2006, a Impugnante elaborou um documento intitulado “Mapa de Desinvestimentos” no qual consta, designadamente, o seguinte:

(cf. Doc. 1 junto à PI a fls. a 21 a 37 dos autos);

9) Em 31-01-2006, deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da Impugnante do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:

«[...]

2.º

No decurso do ano de 2005, a empresa detectou que alguns elementos do seu activo imobilizado se encontravam obsoletos e desadaptados das funções a que se encontravam afectos, nomeadamente:

• por não serem mais passíveis de utilização em boas condições; e,

• devido a inovações tecnológicas ora ocorridas;

não sendo, portanto, os mesmos susceptíveis de se manterem ao serviço da requerente, sob pena de contribuírem para a verificação de quebras na produtividade e rentabilidade da sua actividade.

3.º

Deste modo, e estando subjacente à utilização dos activos em causa efectivas desvalorizações, a requerente procedeu ao abate dos referidos bens.

4.º

Perante o exposto, a requerente vem solicitar a V.Exa., conforme dispõe o artigo 10.º do Decreto-Regulamentar n.° 2/90, de 12 de Janeiro, e a alínea b) do número 5 do artigo 29.º do Código do IRC, a aceitação como custo da quota de reintegração equivalente ao valor líquido dos elementos do activo imobilizado corpóreo objecto de desvalorização excepcional. [...]

Junta: 2 documentos [...]»

(cf. Doc. 1 junto à PI a fls. a 21 a 37 dos autos e Anexo I ao PA apenso aos autos);

10) Em 07-05-2009, os serviços da AT elaboraram a informação n.º 1054/09, em nome da Impugnante, constando na mesma, além do mais, o seguinte:

«[...] II - PARECER DA DSIT- DIRECÇAO DE SERVIÇOS DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA [...]

A fim de verificar a legitimidade do pedido, a DSIT afirma que notificou a requerente para apresentar os seguintes documentos/esclarecimentos:

- Justificar documentalmente, designadamente com a apresentação dos respectivos autos de abate, que as datas de contabilização apresentadas no anexo à supra mencionada exposição, correspondem à data do abate físico;

- Cópias das facturas de aquisição, lançamentos contabilísticos da aquisição, bem como as fichas do imobilizado dos elementos do imobilizado corpóreo, integrantes no referido anexo, com valores líquidos contabilísticos mais relevantes.

A requerente em resposta à notificação, informou que, por procedimento interno apenas efectua os respectivos abates contabilísticos dos bens posteriormente ao seu abate físico, garantindo todavia que ambos ocorrem no mesmo exercício contabilístico e fiscal.

No entanto, o sujeito passivo não apresentou quaisquer autos de abate, justificando que “relativamente aos bens cuja data de abate contabilístico e físico é anterior a 07/12/2005 - entendemos que na aferição da aceitabilidade do custo para efeitos de IRC, será suficiente a comprovação da entrega do pedido de desvalorização excepcional previsto na anterior redacção do art.º 10° do Dec. Reg. n° 2/90”.

Quanto às cópias das facturas de aquisição, aos registos contabilísticos de aquisição e às fichas do imobilizado solicitadas, é referido na supracitada informação que a requerente informou que não as podia disponibilizar por já não as possuir, em virtude da sua data ser anterior ao prazo de conservação determinado no n° 5 do art.º 115° do CIRC, as quais têm um valor líquido contabilístico de € 3 224 521,61, que corresponde aproximadamente a 77% do valor líquido contabilístico total de € 4 203 157,68, não sendo possível analisar as facturas de aquisição, os registos contabilísticos de aquisição e as respectivas fichas do imobilizado, por a empresa já não possuir estes elementos. Relativamente aos bens adquiridos posteriormente a 1999 (os quais totalizam € 292 110,24), a requerente apresentou cópias das facturas de aquisição solicitadas, bem como, os lançamentos contabilísticos de aquisição e as fichas dos bens do imobilizado.

Na sua informação a DSIT conclui que:

... “A sociedade requerente não possui elementos contabilísticos-fiscais referentes aos bens do imobilizado corpóreo, integrantes da listagem anexa ao requerimento, em que as respectivas datas são anteriores ao prazo de conservação determinado no n° 5 do art.º 115° do CIRC.

Da análise efectuada às facturas de aquisição, aos lançamentos contabilísticos de aquisição e às fichas do imobilizado de outros bens do imobilizado entretanto solicitados, foi possível certificar e concluir pela aderência ao n° 3 do art.º 10° do Decreto Regulamentar n° 2/90 e concomitantemente à dedutibilidade fiscal do valor líquido contabilístico total de € 292 110,24”...

III - PARECER DA DIRECÇÃO DE SERVIÇOS DO IRC [...]

4- Assim competia, desde logo à requerente, o que não se verificou, a prova dos factos alegados juntamente com a apresentação do requerimento, em Janeiro de 2006 [...] uma vez que, para a grande maioria dos bens em causa (cerca de 77% do valor líquido contabilístico total) não foi possível analisar as facturas de aquisição, os registos contabilísticos e as respectivas fichas do imobilizado [...]

5- Neste contexto, e por maioria de razão, o auto de abate deveria ter sido devidamente elaborado - sob a forma de documento interno - com uma relação discriminativa de todos os bens objecto de abate e respectivos valores, quantidades e referências, identificação de duas testemunhas, de forma a poder ser comprovado e controlado em eventual fiscalização.

6- Por outro lado, embora não resultasse do Código do IRC a obrigatoriedade de participar previamente à Administração Fiscal o abate dos bens e porque a comprovação desse custo é necessária para efeitos de IRC, nos termos do art.º 23° do Código, haveria todo o interesse por parte da requerente de fazerem a comunicação do facto a fim de ilidirem a presunção do IVA [...]

7- Face ao exposto, verifica-se que não existem documentos no processo que demonstrem que os bens do imobilizado em causa não possuem valor económico, nem qual o destino que lhes foi dado, sendo que relativamente aos bens correspondentes a cerca de 77% do valor líquido contabilístico total nem se demonstra comprovadamente o seu valor líquido contabilístico.

8- Assim, não estando devidamente justificados os abates, afigura-se-nos de não aceitar como custo fiscal do exercício de 2005 as desvalorizações excepcionais requeridas cujo valor líquido contabilístico ascende a €4 203 157,68 [...]»

(cf. fls. 101 a 106 do PA apenso aos autos);

11) Em 03-06-2009, o Diretor de Serviços do IRC da AT proferiu o seguinte despacho:

«Concordo. Notifique-se a requerente para efeitos do exercício do direito de audição prévia.»

(cf. fls. 101 do PA apenso aos autos);

12) Em 24-06-2009, a Impugnante dirigiu aos serviços da AT um requerimento designado “Direito de audição” (cf. Doc. 1 junto à PI a fls. a 21 a 37 dos autos);

13) Em 28-09-2009, os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante o ofício n.º 24023, com assunto “AMORTIZAÇÕES EXTRAORDINÁRIAS – EXERCÍCIO DE 2005”, no qual consta, por extrato, o seguinte:

«Relativamente ao assunto em epígrafe, comunica-se que, por despacho de 2009/09/10, do Substituto Legal do Director-Geral [...] foi indeferido o pedido de aceitação como custo fiscal do exercício de 2005, no montante de € 4 203 157,68, com os seguintes fundamentos:

1- Relativamente à matéria de facto, salienta-se que os Serviços de Inspecção diligenciaram no sentido de obter do requerente os seguintes documentos/esclarecimentos:

a. Justificar documentalmente, designadamente com a apresentação dos respectivos autos de abate, que as datas de contabilização apresentadas em anexo à supramencionada exposição, correspondem às datas do abate físico;

b. Cópias das facturas de aquisição, lançamentos contabilísticos da aquisição, bem como as fichas do imobilizado dos elementos do imobilizado corpóreo, integrantes no referido anexo, com valores líquidos contabilísticos mais relevantes.

2. Quanto ao solicitado na alínea a) do ponto anterior, a requerente apenas referiu que efectua os respectivos abates contabilísticos dos bens posteriormente ao seu abate físico, garantindo todavia que ambos ocorrem no mesmo exercício contabilístico e fiscal, e, quanto ao solicitado na alínea b), a requerente apenas apresentou documentação referente aos bens com datas de aquisição posteriores a 1999. [...]

4. Porém, certo é que o requerente não apresentou qualquer prova quanto ao abate físico dos bens e seu destino.

5. Ainda que se considere a idoneidade desta documentação e os procedimentos internos habituais da empresa para a comprovação do abate físico, persiste a ausência da comprovação do destino dado aos bens. [...]

10. Face ao exposto, é de manter o sentido do indeferimento constante do projecto de decisão:

10.1. Relativamente aos bens a que corresponde cerca de 77% do pedido, no valor de €3 224 521,61, porque, em síntese, a requerente não apresentou quaisquer facturas de aquisição, respectivos registos ou fichas de imobilizado por forma a provar o valor líquido contabilístico dos bens, que os mesmos não possuíam valor económico, bem como não comprovou o seu abate físico e respectivo destino.

10.2. Relativamente aos bens a que corresponde o remanescente do valor do pedido, no valor de €292 110,24, em síntese porque o sujeito passivo não logrou provar por qualquer forma o abate físico/abandono dos bens e respectivo destino tal como está obrigado nos termos, nomeadamente, do artigo 23.º do Código do IRC. [...]»

(cf. fls. 27 a 29 do Anexo I ao PA apenso aos autos);

14) Em 29-10-2009, deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da Impugnante designado “Recurso Hierárquico” (cf. Doc. 2 junto à PI a fls. 38 a 45 dos autos e Anexo I ao PA apenso aos autos);

15) Durante o ano de 2009, foram outorgados diversos documentos intitulados “Autos de destruição”, com o seguinte teor, por extrato:

«Aos [...] de 2005 procedeu a A…………, [...] à destruição física de um conjunto de bens que compõem o seu imobilizado corpóreo / as suas existências, em virtude de os mesmos já não apresentarem as condições necessárias à sua actividade por obsolência ou danos.

Os bens destruídos constam da listagem anexa ao presente AUTO DE DESTRUIÇÃO.

Por ser verdade, este Auto vai ser assinado por todos os que presenciaram a citada destruição. [...]»

(cf. fls. 132 a 321 dos autos e Anexos II a V ao PA apenso aos autos);

16) Em 19-04-2010, os serviços da AT elaboraram a informação n.º 798/10, em nome da Impugnante, constando na mesma, além do mais, o seguinte:

«[...] III - Natureza e fundamento da matéria recorrida

No pedido de desvalorização excepcional de elementos do imobilizado, do exercício de 2005, cujo indeferimento originou o presente recurso hierárquico, é solicitado a aceitação como custo fiscal das desvalorizações excepcionais que sofreu o imobilizado corpóreo, no valor de € 4 203 157,68.

O pedido foi indeferido por os abates não estarem devidamente justificados, não existirem documentos no processo que demonstrem que os bens do imobilizado em causa não possuem valor económico, nem qual o destino que lhes foi dado, sendo que relativamente aos bens correspondentes a cerca de 77% do valor líquido contabilístico total, nem se demonstra comprovadamente o seu valor líquido contabilístico. [...]

2 - Apreciação do recurso [...]

A lei prevê, à data dos factos, para os casos de desvalorização excepcional de um bem motivado por desastres, fenómenos naturais e inovações tecnológicas extremamente rápidas, a possibilidade de aceitação como custo do exercício em que tais factos ocorreram do valor que traduza, tal depreciação, mesmo que superior ao da quota de amortização máxima, que em regra seria possível considerar. Para esse efeito deverá o contribuinte obter a aceitação da DGCI através de exposição devidamente fundamentada [...]

O DL n° 211/2005 de 07.12 que entrou em vigor em 12.12.2005 introduz alterações ao Código do IRC e em legislação fiscal complementar, designadamente ao DR 2/90 de 12.01, aperfeiçoando e simplificando as obrigações acessórias impostas aos sujeitos passivos, nomeadamente, no que respeita às exigências de comprovação de elementos junto da administração tributária. [...]

Efectivamente as alterações ao artº 10° do DR 2/90, designadamente aos n°s. 3 e 4 para além de referir, como antes, que o contribuinte deve obter a aceitação da DGCI mediante exposição devidamente fundamentada dos factos que determinaram as desvalorizações excepcionais, vem mencionar a documentação comprovativa dos mesmos, designadamente:

- Decisão do órgão de gestão competente sobre a matéria em causa.

- Indicação do destino a dar aos bens.

- Comprovação do abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização dos bens, através de auto assinado por duas testemunhas e identificados e comprovados os factos que originaram as desvalorizações excepcionais. O auto seja acompanhado de relação discriminativa dos elementos do imobilizado corpóreo em causa, com indicação do ano e valor de aquisição e o valor líquido fiscal. [...]

Somos de opinião de que os autos de destruição agora apresentados, ao terem sido elaborados no ano de 2009, não poderão transmitir a realidade dos factos ocorridos no ano de 2005. [...]

Assim como as facturas de venda de sucata efectuadas no exercício de 2005 e juntas aos autos não provam que correspondem aos bens corpóreos elencados no pedido de desvalorização excepcional. [...]

De entre as obrigações acessórias dos sujeitos passivos [...] deverão ser conservados em boa ordem durante o prazo de 10 anos todos os livros de contabilidade [...]

Contudo não é razoável a recorrente escusar-se no limite de tempo aí referido, para justificar a não apresentação dos elementos contabilísticos inerentes ao imobilizado adquirido em data anterior a 1999. [...]

Para além disso, integrando a matéria dos presentes autos (amortizações e reintegrações aceleradas) o conceito de benefício fiscal [...] cuja concessão depende do requerimento devidamente fundamentado dos interessados e do reconhecimento da DGCI, e encontrando-se prevista a fiscalização para controlo da verificação das situações alegadas [...] não poderá a recorrente alegar o prazo de conservação dos elementos contabilísticos [...]

Conclui-se assim, que não foram apresentados os elementos indispensáveis à comprovação da alegada desvalorização do imobilizado ocorrida no exercício de 2005. [...]»

(cf. Doc. 3 junto à PI a fls. a 46 a 59 dos autos);

17) Em 08-11-2010, a Diretora de Serviços do IRC da AT proferiu o seguinte despacho:

«Concordo. Notifique-se, todavia, para o exercício do direito de audição.»

(cf. Doc. 3 junto à PI a fls. a 46 a 59 dos autos);

18) Em 06-12-2010, os serviços da AT elaboraram a informação n.º 2603/10, em nome da Impugnante, constando na mesma, designadamente, o seguinte:

«1. A fim de dar cumprimento ao estabelecido na alínea b) do nº 1 do artº. 60° da LGT, foi o sujeito passivo A………… SA, notificado do projecto da decisão relativamente ao procº. n° 3200/09, no sentido de indeferimento do recurso hierárquico do exercício de 2005, através do ofício n° 21392 de 10.11.2010 para, querendo, no prazo de 10 dias, pronunciar-se sobre o teor do acto notificado.

2. A requerente não veio a exercer o direito de audição. [...]»

(cf. Doc. 3 junto à PI a fls. a 46 a 59 dos autos);

19) Em 27-12-2010, a Subdiretora-Geral da AT proferiu o seguinte despacho:

«Indefiro o recurso hierárquico com os fundamentos invocados.»

(cf. Doc. 3 junto à PI a fls. a 46 a 59 dos autos);

20) A maior parte do equipamento fica destruído ou inutilizável quanto está a ser substituído (cf. prova testemunhal);

21) A parte do equipamento referido em 20) que é feita de materiais recicláveis é vendido como sucata (cf. prova testemunhal);

22) O material reciclável referido em 21) é guardado em depósitos, sem que exista catalogação da origem ou proveniência (cf. prova testemunhal);

23) Existem equipamentos que são abandonados porque o custo da remoção é demasiado elevado (cf. prova testemunhal);

24) Existem equipamentos que têm de ser entregues para descontaminação após a substituição (cf. prova testemunhal);

25) Os documentos contabilísticos com mais de 10 anos são destruídos (cf. prova testemunhal);

26) Em 2005, foram destruídos os bens constantes dos autos de destruição referidos em 4) e 15) (cf. prova testemunhal);

27) Em 20-04-2011, deram entrada os presentes autos (cf. carimbo aposto a fls. 1 dos autos).

III. 2. De direito.

No art. 29.º do C.I.R.C., na redação vigente à data dos factos, encontrava-se prevista a possibilidade de reconhecimento, por parte da Direção-Geral de Impostos, de situações de reintegração ou amortização para além do normalmente previsto, ao que corresponde o disposto no art. 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro.

Nesta disposição, sob a epígrafe “Desvalorizações excepcionais de elementos do activo imobilizado”, previa-se, no seu n.º 3, o seguinte: “deverá o contribuinte obter a aceitação da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos através de exposição devidamente fundamentada até ao fim do primeiro mês seguinte ao do termo do período de tributação em que tiverem ocorrido as desvalorizações excepcionais”.

Esta “exposição devidamente fundamentada” não pode implicar a apresentação, por parte do contribuinte, de elementos contabilísticos para além do prazo de 10 anos previsto no n.º 5 do artigo 115.º do C.I.R.C. – assim, foi já decidido nos acórdãos do S.T.A. proferidos a 8-11-2006, no processo n.º 0244/06 (Pleno) e a 30-01-2019 no n.º 0217/12.5BELLE 01245/17, disponíveis em www.dgsi.pt.

Conforme neste se pode ler, “(…) se a lei indica - no número 5 do artigo 115.º do Código do IRC - claramente que os documentos de suporte à contabilidade devem ser conservados por 10 anos, este prazo não pode ser contabilizado a partir da data de emissão desses elementos de suporte da contabilidade, ou da última vez que os valores em causa foram tidos em conta parcelarmente para qualquer efeito contabilístico. Na interpretação da lei não pode prescindir-se de um juízo de razoabilidade ou admitir que as soluções podem ser absurdas, ou inexequíveis- art.º 9.º do Código Civil -. Este prazo visa permitir que quer a Administração Tributária quer o contribuinte possam em momento posterior à inscrição de uma verba na contabilidade fazer prova da sua existência e conteúdo, ou seja da legalidade da sua inscrição na contabilidade. Tal prazo de dez anos conta-se a partir da inscrição da verba na contabilidade seja qual for a data de emissão do documento porque é a justeza dessa inscrição que está em causa e justifica esta conservação do documento. Os bens inscritos por um valor na contabilidade podem, mais tarde vir a carecer de reavaliação, porque se depreciaram ou foram valorizados. Dar-se-á lugar a uma nova inscrição na contabilidade – valor da reavaliação – e serão os documentos da reavaliação que terão que ser conservados por mais dez anos e não também os documentos relativos ao valor inicial do bem que veio a ser reavaliado.

Este prazo de conservação uma vez cumprido, assegura ao contribuinte que não lhe pode ser exigida prova do valor inicial para além desse prazo. A Administração Tributária se dispuser de elementos que permitam demonstrar que o valor em causa é diverso do contabilizado pode, em princípio, socorrer-se dele para efeitos de tributação. O que não pode é funcionar com um valor diverso do contabilizado apenas suportada na circunstância de o contribuinte não ter documentos que justifiquem a justeza do valor inscrito na contabilidade decorridos que sejam mais de dez anos sobre a sua inscrição. O número 7 do artigo usa a expressão – após o exercício a que se reportam – expressiva de que só assim poderá ser.”

O argumento “a contrario” que se extrai de passagem constante do acórdão do T.C.A. Sul proferido no processo n.º 07437/14, em que, aliás, se decidiu não ser possível à A.T. efetuar correções para além do prazo de conservação de documentos de suporte contabilísticos por 10 anos, não é de acolher numa interpretação a efectuar, segundo o referido juízo de razoabilidade.

Assim sendo, não faz sentido que a Administração Tributária possa exigir esses documentos posteriormente ao dito prazo para conservação dos mesmos, para efeitos dos referidos artigos 29.º do CIRC e 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, não ocorrendo a sua violação, nem a do art. 74.º n.º 1 da L.G.T., relativa ao ónus da prova a cargo do contribuinte.

Nestes termos, o recurso não merece provimento.

Reitera-se ainda o decidido quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em valor superior a € 275.000,00, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, com fundamento na simplicidade da questão colocada.

IV. Decisão:

Os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar o decidido na sentença recorrida.

Custas pela recorrente, mas levando-se em conta a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Lisboa, 6 de maio de 2020. - Paulo Antunes (relator) - Aragão Seia - José Gomes Correia.