Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01411/16
Data do Acordão:01/24/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE DE SENTENÇA
Sumário:I - A notificação do parecer do Ministério Público prévio à sentença a proferir em processo tributário só se impõe, sob pena de violação do princípio do contraditório, nos casos em que aí sejam suscitadas questões que obstem ao conhecimento do mérito ou sobre as quais as partes ainda não tenham tido oportunidade de se pronunciar.
II - A nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão só se verifica quando ocorre falta absoluta de fundamentação, a qual se distingue da motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada, sendo que só aquela é considerada pela lei como nulidade, enquanto esta apenas pode afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em sede de recurso.
III - A nulidade da sentença por omissão de pronúncia ocorre quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, mas já não quando o julgador não analisa todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar as respectivas teses.
IV - Porque o açúcar foi importado pela Recorrente para consumo directo na Região Autónoma da Madeira (RAM) e, por isso, ao abrigo do Poseima, no momento em que o importador o vende a uma empresa daquela Região, a compradora surge, à partida, como consumidor final.
V - Se esta última, que incorporou o açúcar em sumos concentrados, expede parte destes para fora da RAM, não se vislumbra fundamento para responsabilizar a Recorrente pela devolução do benefício concedido ao abrigo do Poseima, a menos que se lhe apontasse qualquer situação de conluio com a compradora ou o conhecimento das intenções da mesma.
VI - Na verdade, não se descortina incumprimento algum dos compromissos assumidos pela Recorrente enquanto operador, sendo que a decisão da compradora de utilizar o açúcar na produção de sumos e de reexpedir parte dessa produção para fora da RAM são factos que só podem responsabilizar esta, a quem cabia dar cumprimento ao disposto no art. 9.º, n.º 3, do Reg. (CE) n.º 20/2002, da Comissão, de 28 de Dezembro de 2001, no sentido de, eventualmente, lograr reunir as condições para o efeito previsto no art. 17.º do mesmo Regulamento.
Nº Convencional:JSTA00070504
Nº do Documento:SA22018012401411
Data de Entrada:12/14/2016
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:DIRGER DAS ALFÂNDEGAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:IMPUGN JUDICIAL
Objecto:SENT TAF FUNCHAL
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC.
DIR ADUAN.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART2 E ART123 N1 N2.
CPC ART3 N3 ART201 ART659 N3 ART660 N2
CPPTRIB99 ART125 N1 ART123 N1 N2.
RCPIT ART62 N5 ART60 ART61.
PORT 1007/2004 DE 26/08 ART27 B.
CIVA ART89.
LGT ART35.
PORT 291/03.
Legislação Comunitária:REG 793/2006 CE ART9 C ART20 N1 A ART26 N1 ART16 N6.
REG CE 20/2002 ART17 N2 PAR2 ART3 B I N4 N5 N8.
CADUCOM92 ART239
REG CE 1453/2001.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0802/10 DE 2011/11/16.; AC STA PROC01197/12 DE 2013/03/27.; AC STA PROC0842/12 DE 2013/03/06.; AC STA PROC01492/13 DE 2013/10/30.; AC STA PROC01869/13 DE 2014/04/09.; AC STA PROC01427/16 DE 2017/09/13.; AC STA PROC01109/12 DE 2012/11/07.; AC STA PROC010/15 DE 2015/03/25.; AC STA PROC01340/14 DE 2015/05/06.; AC STA PROC0433/13 DE 2013/06/05.; AC STA PROC0954/16 DE 2016/11/16.; AC STA PROC01113/16 DE 2017/04/19.; AC STA PROC0160/17 DE 2017/10/11.
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS - CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VOLV PÁG140.
JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED VOLI PÁG909.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 274/06.3BEFUN

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A…………., Lda.” (doravante Impugnante ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal julgou improcedente a impugnação judicial por aquela sociedade deduzida contra a liquidação de direitos aduaneiros de importação apurada no processo de cobrança a posteriori por a Administração tributária (AT) ter considerado existirem irregularidades ao regime específico de abastecimento denominado “POSEIMA” (O Conselho das Comunidades Europeias adoptou, pela Decisão n.º 91/315/CE, em 26 de Junho de 1991, um programa de acções específicas para fazer face ao afastamento e à insularidade dos Açores e da Madeira, denominado Poseima, que se integra na política da Comunidade a favor das regiões ultraperiféricas. Entre outras medidas, o POSEIMA instituiu um Regime Específico de Abastecimento (REA) de determinados produtos agrícolas essenciais para o consumo humano e a transformação nas regiões ultraperiféricas. O REA consiste na não aplicação de qualquer direito à importação directa para a Madeira e para os Açores dos produtos por ele abrangidos, quando originários de países terceiros, ou na concessão de uma ajuda, no caso do abastecimento ser feito a partir dos países da Comunidade.), decorrentes da incorporação do açúcar importado em produtos reexpedidos para o Continente.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou a respectiva motivação, que rematou com conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«1. Consta da sentença que o M.P. emitiu parecer a suportar o entendimento da F.P. e a pugnar pela improcedência da impugnação. Esse parecer e a sua fundamentação são completamente desconhecidos da Impugnante, pois nunca lhe foram notificados, impedindo-a assim de se pronunciar sobre os mesmos.

2. Essa omissão constitui violação do princípio do contraditório, bem como do princípio da igualdade processual das partes, bem como do direito a um processo justo e equitativo. Princípios com assento constitucional que, no caso, protegem direitos fundamentais da Impugnante, e cuja violação é geradora de nulidade processual desde a sua verificação.

3. A sentença recorrida em violação n.º 1 do artigo 123.º do CPPT, não fixou as questões que ao tribunal competia solucionar e, em violação do n.º 2 do mesmo artigo, não discriminou a matéria provada da não provada, nem fundamentou a sua decisão, o que tudo constitui nulidade processual com influência na decisão da causa.

4. A sentença recorrida é nula por não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.

5. A sentença é, ainda, nula por omissão de pronúncia, já que deixou de pronunciar-se sobre questões alegadas pela Impugnante, imprescindíveis à boa decisão da causa.

6. A recuperação do Benefício Poseima Abastecimento (isenção de direitos ou ajuda), em caso de incumprimento por parte do operador/registado dos compromissos assumidos nos termos do Artigo 9.º do Regulamento N.º 20/2002, descritos na respectiva alínea c) (Artigo 9.º al. c) do Regulamento N.º 793/2006), recai sobre o próprio operador titular de um dos certificados que lhe permitem aceder àquele beneficio, nos termos do N.º 1 do Artigo 26.º do mesmo Regulamento (Artigo 20.º N.º 1 al. a) do Regulamento (CE) N.º 793/2006 da Comissão), o qual expressamente dispõe que as autoridades competentes «recuperarão do titular do...»

7. A recuperação do Benefício Poseima Abastecimento (isenção de direitos ou ajuda) prevista no Parágrafo 2.º do N.º 2 do Artigo 17.º do Regulamento N.º 20/2002 (Parágrafo 3.º N.º 6 do Artigo 16.º do Regulamento N.º 793/2006) recai sobre o exportador ou expedidor, quer seja ou não operador, ou transformador registado, que, através de falsas declarações, ou através da prática de outra irregularidade ou fraude, obtenha a necessária autorização das autoridades competentes para a exportação ou expedição ou proceda às mesmas sem essa autorização. Aquela previsão legal estipula que a recuperação é do «benefício concedido a título do Regime Específico de Abastecimento», sem qualquer referência ao titular dos certificados, contrariamente ao estipulado no Artigo 26.º.

8. O compromisso assumido pelo operador nos termos do Artigo 9.º N.º 2 alínea c) Parágrafo V é única e exclusivamente aplicável quando o escoamento dos produtos agrícolas se efectua na Região. Se há expedição ou exportação para fora da RAM desses produtos não há «utilizador final» para efeitos de Poseima, mas sim obrigação de devolução do benefício por parte do transformador ou do expedidor, excepto se essa expedição ou exportação for abrangida pelo N.º 1 do Artigo 17.º do Regulamento 20/2002.

9. Se a Impugnante, não tivesse repercutido o benefício no transformador, como repercutiu, ou tivesse sido a expedidora das mercadorias, quando temporalmente isso era proibido, ou após ser permitido, sem autorização das entidades competentes e sem reembolso do benefício, é óbvio que seria a infractora e, então, nesse caso, nada teria a opor às conclusões dos relatórios de inspecção. Mas não é essa a situação, conforme já largamente exposto!

10. Podem ser consideradas situações especiais para efeitos do Artigo 239.º do Código Aduaneiro Comunitário e princípios de Direito Comunitário (que levariam ao afastamento da obrigação da Impugnante pagar a importância em causa que lhe foi exigida, mesmo que fosse considerada responsável pelo seu pagamento, o que não se aceita), as situações que excedam o risco profissional e comercial normal que incumbe ao operador.

11. No caso concreto, essas situações são, pelo menos, as seguintes:
a) Violações do regime legal aplicável à mercadoria praticadas por um outro operador económico, a quem a mercadoria havia sido vendida com repercussão do Benefício POSEIMA.
b) Ausência de negligência e não omissão ou prática de qualquer acto censurável por parte da Impugnante, que desconhecia o destino que a «B…….., SA» dava à mercadoria, tendo sempre actuado de boa-fé.
c) Existência de entendimentos opostos sobre quem recai a responsabilidade de reembolso dos direitos entre a DGAIEC e o Governo Regional da RAM, gestor do regime, sendo que a Impugnante cumpriu com as informações que lhe eram prestadas pelos serviços dependentes destas duas entidades.
d) Violação do regime legal aplicável à mercadoria (que fundamenta a liquidação dos direitos e a devolução da ajuda Poseima) por um outro operador económico, que era o seu proprietário e detentor aquando das respectivas infracções.
e) Prática pelo expedidor da mercadoria, na expedição, de infracções de natureza contra-ordenacional ou mesmo criminal face ao direito nacional.
f) Incumprimento grave e reiterado por parte da Alfândega do Funchal, no que se refere ao controle da aplicação das normas comunitárias e nacionais, que prevêem e regulam o Regime Específico de Abastecimento POSEIMA.
g) O devedor dos direitos aduaneiros, de que a mercadoria beneficiou na importação, neste caso de expedição da mesma para fora da Região Autónoma da Madeira, é o expedidor da mercadoria e não a Impugnante.
h) O benefício (isenção de direitos) de que a mercadoria beneficiou foi repercutido pela Impugnante para o transformador que depois viria a reexpedir a mercadoria.
i) Enriquecimento ilegítimo por parte do expedidor e infractor, que, após ter beneficiado da repercussão do benefício, que incidiu sobre a mercadoria na importação, faz concorrência desleal a outros operadores no mercado único.
j) A exigência do pagamento dos direitos aduaneiros à Impugnante é, nas circunstâncias concretas, gravemente ofensiva dos princípios do Direito Comunitário, da justiça, equidade, proporcionalidade, segurança e certeza jurídicas.

12. A sentença recorrida, ao decidir com os fundamentos nela referidos, fez errada interpretação e aplicação do direito.

13. Estão em causa nos presentes autos, essencialmente, a aplicação de normas de direito comunitário, sobre as quais o Tribunal de Justiça, ao que se saiba, até agora não se pronunciou e cuja pronúncia, atentas as posições em confronto, poderá ser necessária ou útil se esse Venerando Tribunal assim o entender.

Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente com as devidas consequências legais».

1.3 A Fazenda Pública contra-alegou, tendo formulado conclusões do seguinte teor:

«1. Só se o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, é que serão ouvidos o impugnante e o representante da Fazenda Pública, o que não sucedeu nos presentes autos, pois o Ministério Público apenas aderiu aos fundamentos apresentados pela Fazenda Pública.

2. A sentença sintetizou a pretensão da Recorrente e respectivos fundamentos, fixou as questões que ao Tribunal cumpria solucionar, discriminou a matéria provada da não provada, especificando os fundamentos de facto e de direito, respeitando as disposições legais em vigor.

3. Só há omissão de pronúncia quando o Tribunal não se pronuncie sobre as questões que lhe foram postas, o que não sucede na douta sentença.

4. Do Regulamento (CE) n.ºs 1453/2001 do Conselho de 28 de Junho e suas alterações e do Regulamento (CE) n.º 20/2002 da Comissão de 28 de Dezembro e respectivas alterações resulta que os produtos abrangidos pelo regime POSEIMA não podem ser reexportados para países terceiros nem reexpedidos para o resto da comunidade, salvo as excepções neles consagradas (n.º 5 do Art. 3.º do Regulamento n.º 1453/2001 e n.º 2 do Art. 17.º do Regulamento n.º 20/2002).

5. A aplicação do POSEIMA pressupõe que a vantagem económica resultante da isenção de direitos de importação tenha repercussão efectiva até ao utilizador final [n.º 4 do Art. 3.º do Regulamento (CE) n.º 1453/2001 e subalínea v) da alínea c) do n.º 2 do art. 9.º do Regulamento (CE) n.º 20/2002].

6. Quando da casa 20 dos certificados de importação consta menção “produtos destinados ao consumo directo” (al. b) do n.º 3 do Art. 4.º do Regulamento (CE) n.º 20/2002 deverá ser considerado “utilizador final” o consumidor, conforme resulta da conjugação da subalínea ii) da al. b) do n.º 3 do artigo 4.º com a al. a) do n.º 3 do artigo 8.º do Regulamento (CE) n.º 20/2002.

7. Consoante o destino dos produtos declarado no certificado o benefício do regime terá de ser sentido efectivamente por aqueles a quem se destinam de acordo com o que foi declarado no certificado de importação, ajuda ou isenção, nos termos dos Arts. 4.º e 5.º do Regulamento (CE) n.º 20/2002.

8. Ao não assegurar a repercussão efectiva do benefício até ao estádio do “utilizador final” em conformidade com o declarado na casa 20 dos certificados, a Recorrente não cumpriu os compromissos assumidos enquanto operadores previstos no Art. 9.º, n.º 2 do Regulamento n.º 20/2002, designadamente a al. c), subalínea v).

9. Sendo a isenção de direitos concedida ao titular do certificado e os compromissos assumidos por este, é sobre ele que recai a obrigação de restituir o benefício (Arts. 26.º, n.º 1 e 9.º, n.ºs 1 e 2, al. c) e v) do Regulamento (CE) n.º 20/2002).

10. Da legislação aplicável, que foi correctamente interpretada pelo Tribunal, aos factos resulta que a Recorrente é devedora das importâncias liquidadas, não se verificando qualquer violação dos princípios por si invocados: justiça e equidade; proporcionalidade; e segurança e certeza jurídica.

Nestes termos, e nos mais de direito, e com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado improcedente, com as devidas consequências legais».

1.4 A Juíza do Tribunal Administrativo do Funchal, antes de ordenar a subida dos autos ao tribunal ad quem, proferiu despacho ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 617.º do Código de Processo Civil (CPC), pronunciando-se no sentido que deve manter-se a sentença recorrida «inexistindo as alegadas nulidades e violação do princípio do contraditório invocados».

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo (Os autos foram, primeiro e por lapso, remetidos ao Tribunal Central Administrativo Sul, que proferiu acórdão a conhecer do recurso. Ulteriormente, na sequência da arguição da nulidade pela Recorrida, o Tribunal Central Administrativo Sul anulou o acórdão e remeteu os autos a este Supremo Tribunal Administrativo.) e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso e devolvido o processo ao Tribunal a quo, a fim de aí ser proferida nova decisão, com a seguinte fundamentação:

«Invoca a recorrente, antes de mais, nulidade por falta de notificação do parecer emitido pelo M. P. em 1.ª instância e depois nulidade da sentença por não ter fixado as questões que ao tribunal incumbia solucionar, não ter discriminado a matéria provada da não provada, nem fundamentado a sua decisão.
Ora, se a primeira não ocorreu, considerando que o M. P não tomou posição sobre questão nova ainda não apreciada pelas partes, já quanto à segunda é reconhecer a procedência porquanto, embora na sentença recorrida se tenham fixados os factos com suporte documental, não foram fixados os decorrentes da prova testemunhal, susceptível de avaliação subjectiva, nem efectuada a sua apreciação crítica, o que se impõe em sede de fundamentação.
Tal o que foi já decidido pelo S.T.A. no seu acórdão de 15-4-09, no proc. n.º 1115/08, conforme sumário acessível em dgsi.pt:
I- Nos casos em que seja produzida prova susceptível de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal), a fundamentação da sentença não pode deixar de integrar uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros.
II- A completa ausência de exame crítico das provas, quando ela é imprescindível para permitir às partes a impugnação da decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção, implica nulidade da sentença, por falta de fundamentação.
Concluindo:
Na procedência da segunda invocada nulidade é de mandar baixar os autos a fim de que seja proferida nova decisão, suprindo a mesma».

1.6 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.7 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A) A impugnante é uma sociedade que importa produtos alimentares, é operador POSEIMA e o certificado AGRIM foi concedido (inquirição das testemunhas e fls. 127 do Vol. I do PI):



B) Em cumprimento do despacho de 24 de Março de 2006, do Subdirector-geral da DGCAIEC, a Divisão Operacional do Norte, da Direcção de Serviços Antifraude da DGACAIEC, entre 8 de Maio de 2006 a 8 de Junho de 2006 realizou acção inspectiva à sociedade A…………., Lda. (ora impugnante) para verificação da regularidade das operações efectuadas com produtos beneficiários da isenção de direitos de importação, no âmbito do Regime Específico de Abastecimento POSEIMA (Vol. I do PI, a fls. 63);

C) O período considerado foi definido entre 01/01/2003 a 15/03/2006 (Vol. I do PI, a fls. 63);

D) Na sequência da inspecção foi elaborado o respectivo relatório, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, e que, com interesse para a decisão da causa, se extrai o seguinte (Vol. I do PI):
(…)
2. Breve análise da actividade da empresa A………….., Lda., no âmbito do negócio de produtos beneficiários de isenção de direitos no âmbito do Regime de Abastecimento POSEIMA
2.1 Introdução
No período em análise, a empresa A………….., Lda. não efectuou regularmente movimentos com açúcar beneficiário de POSEIMA. No entanto, em Janeiro e Fevereiro de 2004 efectuou, através de 14 DU’s, a introdução em livre prática e consumo de Açúcar com isenção de direitos aduaneiros ao abrigo do Regime Específico de Abastecimento POSEIMA.
Segundo apurado, esta situação, deveu-se ao facto de a C……….., SA (empresa com sócios comuns) ter sido suspensa pela Direcção Regional Comércio Indústria e Energia da Madeira do registo de Operadores, no início de 2004.
Para manter a actividade de comércio de açúcar no período de suspensão a C…………, SA recorreu à A…………, Lda., que apresentou os referidos DU’s de Importação de açúcar com Isenção de Direitos ao abrigo do POSEIMA, de forma a poder manter a competitividade no negócio.
Assim, o procedimento nesses DU’s foi o seguinte:
O açúcar foi numa primeira fase adquirido no mercado internacional pela C…………, SA e por eles introduzido na Zona Franca da Madeira através de uma declaração aduaneira para o regime 78.00 (Introdução em Zona Franca).
Seguidamente a C…………, SA, emitiu uma factura para a A……………, Lda. (empresa que se encontra registada como operador POSEIMA na DRCIE), tendo a A………… efectuado uma declaração aduaneira para o regime 40.78 (Introdução em Livre prática e Consumo, após saída de Zona Franca) com isenção de direitos utilizando essa factura da C……….., SA.
Por fim, a A………… emitia uma factura de venda desse açúcar para o cliente.
Desta forma, foi a A…………., Lda. que, de acordo com os procedimentos determinados pela legislação acerca do POSEIMA, solicitou os certificados na Direcção Regional de Comércio Indústria e Energia da Região Autónoma da Madeira, que eram imputados mediante a junção da guia de saída da Zona Franca, ou do mapa de globalização das saídas da Zona Franca para a Região Autónoma (onde se identifica a quantidade por saída, o destinatário e a correspondente factura de venda).
Desse modo a A………….., Lda. foi a beneficiária da Isenção do pagamento de Direitos Aduaneiros conforme determinado pela legislação POSEIMA.
2.2 Vendas para a B………., SA de açúcar beneficiário de isenção de Direitos Aduaneiros ao abrigo do Regime específico de abastecimento.
Da análise das facturas da A…………, Lda. e das recepções da sua cliente B………., SA, conjugada com a análise dos elementos constantes dos mapas de globalização de saídas da Zona Franca referentes às declarações aduaneiras de introdução em livre prática e consumo de açúcar beneficiário do regime específico de abastecimento POSEIMA, verificou-se que as remessas correspondentes às facturas indicadas no quadro seguinte foram pela A…………., Lda. indicadas como correspondentes a vendas de açúcar, que foi introduzido em livre prática com Isenção de Direitos.



Verifica-se assim, que no período em análise foram vendidos, pela A……………, Lda. à B……….., SA, 58.000 Kg de açúcar que beneficiou de Isenção de direitos ao abrigo do Regime Específico de Abastecimento POSEIMA, através das facturas do quadro acima, correspondentes a remessas que foram pela A……….., Lda. globalizadas nas declarações aduaneiras conforme indicado no quadro supra.
2.3 Actividade da B………., SA relacionada com o açúcar adquirido à A……………, Lda.
Concretamente no que concerne ao produto açúcar adquirido à A…………, Lda., a B……….., SA, utiliza-o para uma de duas situações:
Por outro lado, e desde um período anterior à nossa análise, a B………., SA adquiria açúcar para a produção de refrigerantes, cuja marca é comercializada pelo Grupo ……… (ex ……….) que posteriormente eram destinados ao consumo na Região Autónoma da Madeira. Ou seja, produzia as marcas do Grupo ……….. apenas para a RAM.
Assim, o açúcar é adquirido à A………….., Lda. com benefício POSEIMA, sendo utilizado na produção dos referidos refrigerantes, que posteriormente são vendidos à D………., Lda. (empresa pertencente ao grupo, encarregue da distribuição na Região Autónoma da Madeira), que os distribuía por retalhistas sedeados na Região Autónoma da Madeira, cumprindo desta forma o fim do Regime POSEIMA, isto é, o abastecimento da Região Autónoma da Madeira.
Por outro lado, desde Julho de 2003, a B………., SA, iniciou a produção de concentrados de sumos (em cujas composições se encontram percentagens elevadas de açúcar) para o Grupo ………. Segundo os responsáveis da B……….., SA, a unidade de produção da B……….., SA, na Região Autónoma da Madeira é a única no grupo a produzir estes concentrados Os concentrados de sumos ali produzidos com açúcar que beneficiou do Regime Específico de Abastecimento POSEIMA, destinavam-se a todos os clientes do Grupo ………, pelo que apesar de uma pequena parte ficar para distribuição na RAM, a grande maioria desses concentrados eram enviados para as instalações da ………. Gestão de Marcas, sitas em Carnaxide, para posterior distribuição pelo território de Portugal Continental
3. Metodologia de cálculo do açúcar utilizado na produção dos artigos que saíram da Região Autónoma da Madeira.
3.l. Introdução
Como verificado nos pontos anteriores, o açúcar que beneficiou do Regime específico de Abastecimento POSEIMA, não poderia ser utilizado na produção de produtos destinados à reexpedição, pelo que foi necessário determinar a quantidade de açúcar que foi utilizado na produção de concentrados de sumos que foram reexpedidos para o continente, de forma a ser recuperado o benefício indevidamente obtido.
Assim, optou-se por, numa primeira fase, analisar toda a produção da B……….., SA (que utilizasse açúcar) de forma a ser possível determinar a proveniência (factura de aquisição) do açúcar utilizado na produção de artigos reexpedidos para Carnaxide.
Isto para, numa segunda fase, depois de se saber quanto açúcar correspondente a cada aquisição da B……….., SA saiu da RAM, se poder verificar a quantidade de benefício a recuperar nas declarações aduaneiras efectuadas pela A………….., Lda, onde foram globalizadas as facturas de venda à B…………, SA.
Nesse sentido seguiu-se a seguinte metodologia:
3.2. Contabilidade de existências de açúcar na B…………, SA
Relativamente ao açúcar, a B…………, SA possui fichas de produto onde são registadas as quantidades entradas (pelas aquisições) e as quantidades saídas (para produção de bebidas). No quadro seguinte identificam-se as facturas de compra e fornecedores correspondentes a cada quantidade de açúcar entrada na B……….., SA, para o período compreendido entre Janeiro e Março de 2004.





Seguidamente, para determinar a que factura de compra correspondiam as utilizações de açúcar registadas na ficha de produto da B………., SA e partindo de um critério FIFO (primeiro açúcar a ser utilizado é o que se encontra há mais tempo na empresa - critério que os responsáveis nos indicaram tratar-se do utilizado correntemente na empresa), procurou-se determinar para cada saída de açúcar existente na ficha de produto qual a entrada da factura de compra correspondentes.
Essa análise encontra-se plasmada nas 3 primeiras colunas (Entrada, Saída e Cont. Existências Açúcar) do quadro anexo A, e devem ser lidas da seguinte forma:
Na 3.ª coluna, denominada “Cont, Exist. Açúcar”, encontram-se todos os movimentos registados na ficha de produto de açúcar da B…………, SA entre 01/01/2004 e 31/03/2004. Na coluna denominada “Entrada” encontram-se registadas as facturas de compra que identificamos no ponto anterior, correspondentes às quantidades entradas na coluna “Cont Exist Açúcar”.
Na coluna denominada “Saída” determinou-se a que remessa de entrada/factura de compra corresponde cada saída para produção, utilizando como pressuposto o referido critério FIFO. Note-se que uma saída para produção pode estar associada a dois documentos de entrada, nomeadamente no momento em que se esgota a quantidade entrada através da factura anterior. Vejamos o exemplo do movimento de saída do dia 17/02/2004: Saíram 5.999 Kg de açúcar para produção. Ora o stock de açúcar disponível era de 13.719 Kg, sendo 8.000 Kg da factura de compra 66 e 5.719 Kg da factura de compra anterior (67). Assim, a saída para produção de 5.999 Kg de açúcar do dia 17/02/2004 foi satisfeita com 5.719 Kg do resto da factura 67 e mais 280 Kg da factura 66. Como verificamos pelo exemplo anterior tomou-se necessário efectuar esta distribuição em duas subcolunas, onde para maior controlo, se encontra também, associada a cada documento de entrada, uma soma de controlo.
3.3. Guias da Produção
Cada saída de açúcar da contabilidade de existências encontra-se associada à produção de um artigo, sendo elaborada uma guia de produção Solicitaram-se as guias de produção para o período em análise, tendo-se identificado os produtos obtidos a partir de cada saída de açúcar da contabilidade de existências.
Em complemento solicitaram-se ainda os resumos de produção dos sumos concentrados onde se encontrava agregada toda a produção por artigo para o período em análise.
Desta forma pode-se determinar a que produtos se destinava o açúcar que se encontrava em cada saída registada na contabilidade de existências.
3.4. Guias de transporte
Para verificar qual o destino dado à produção, elaborada pela B…………, SA, solicitou-se à empresa o resumo, por artigo, das guias de transporte.
Os artigos entregues a terceiros com os códigos 6500, 6513 e 6528 destinavam-se ao armazém de redistribuição da ………. Gestão de Marcas, SA, sito na ……….., Carnaxide. Os artigos entregues a terceiros com os códigos 6529 e 20000 destinavam-se a ser distribuídos, na Região Autónoma da Madeira pelas empresas …….., SA e D……….., Lda, respectivamente.
Desta forma identificaram-se os destinos dados à produção dos sumos concentrados produzidos a partir de açúcar POSEIMA adquirido pela B……….., SA, podendo-se assim verificar os que se destinaram para fora da RAM.
Em complemento recolheu-se ainda a informação relativa a todas as remessas enviadas para a ……….. GM.
Toda esta informação encontra-se agregada no quadro anexo A.
3.5. Quantidade, saída da Região Autónoma da Madeira, de açúcar beneficiário de Isenção, por DU.
Em função do exposto anteriormente, verifica-se que saíram da Região Autónoma da Madeira incorporadas em artigos produzidos pela B…………., S.A, elevadas quantidades de açúcar que beneficiou do Regime de abastecimento POSEIMA Para identificar através de que declarações foi importado, e que quantidade de açúcar é que efectivamente saiu da RAM por declaração, efectuou-se a seguinte análise
No quadro inserido no ponto 2.2 (Quadro facturas / globalização), já tínhamos identificado todas as facturas de venda à B…………, SA, que, segundo informações da A……….., Lda. (através dos mapas de Globalização), incluíam açúcar beneficiário de isenção de Direitos ao abrigo do Regime de Abastecimento POSEIMA.
Relativamente a cada DU de Importação, apresentado pela A………… Lda., do qual tivesse sido vendido açúcar à B……….., SA, efectuou-se a análise do destino que foi dado a esse açúcar na produção da B…………, SA como segue
3.5.1 DU 200012.2 de 26/01/2004
Como já se verificou no quadro do ponto 22 dos 60.550 Kg de açúcar introduzidos em livre prática com Isenção de direitos através deste DU, 10.000 Kg destinaram-se à B………., SA, tendo sido entregues em 27/11/2004 e facturados através da Factura n.º 1 de 19/02/2004.
A utilização dada a esse açúcar na B…………, SA pode-se analisar no quadro anexo A, que se resume, relativamente às saídas de açúcar para produção da B…………, SA referentes à entrada através da factura 1 da A…………., na página seguinte;


Como se verifica na página anterior, o açúcar que deu entrada na contabilidade das existências da B…………, SA através da factura n.º 1 da A…………, Lda., teve por destino, utilizando o critério FIFO anteriormente descrito, o consumo na produção dos artigos descritos no quadro (na subcoluna Produto Produzido). Verifica-se então que, do açúcar entrado através da factura 1, as saídas para produção efectuadas entre 27/01/2004 e 6/02/2004 destinaram-se à produção de artigos para distribuição na Região Autónoma da Madeira, logo a percentagem de açúcar saído da RAM é zero. Relativamente aos 4.374 Kg utilizados na produção do dia 10/02/2004 (note-se que a produção utilizou 6.894 Kg, mas apenas 4.374 Kg pertencem a açúcar entrado ao abrigo da factura n.º 1, os restantes 2.520Kg são referentes à factura n.º 2) serviram para produzir 1810 tabuleiros do artigo do código 7409 (Concentrado Vita Vigor Laranja 6 LT 1,1 Kg, conforme se verifica na informação da coluna “Resumo Produção”).
Em seguida, na coluna “Resumos Transporte”, verifica-se que desses 1810 tabuleiros 1378 saíram através da Guia de Transporte 2/4 destinados ao terceiro 6500 (…….. SA - ……… - Carnaxide) e os restantes 432 tabuleiros saíram através da GT 2/7 destinada ao terceiro 20000 (D……… - Edifício B……….)
Conclui-se então que dos 1810 tabuleiros produzidos com o açúcar consumido no dia 10/2/2004, 76,13% (1378/1810) se destinaram à reexpedição para a Comunidade (neste caso para serem distribuídos em Portugal continental).
Como se verifica então no quadro resumo das quantidades saídas para produção por factura, relativamente à factura 1, apenas a saída do dia 10/02/2004 de 4.374 Kg de açúcar teve em 76,13% do total por destino uma entrega fora da RAM. Assim, dos 10.000 Kg incorporados na produção da B……….., SA, adquiridos através da factura 1 da A…………, Lda., 3.329,93 Kg (76,13% x 4.374) foram incorporados em produtos que foram expedidos para fora da RAM.
Assim, conclui-se que dos 60.550 Kg de açúcar introduzido pela A…………, Lda. através do DU 200012.2, 10.000 Kg foram vendidos à B…………, SA, através da factura 1, e desses, 3.330 Kg foram incorporados em produtos que se destinaram a fora da RAM.
3.5.2 DU 200015.7 de 30/01/2004
Como já se verificou no quadro do ponto 22 dos 50.000 Kg de açúcar introduzidos em livre prática com Isenção de direitos através deste DU, 20.000 Kg destinaram-se à B……….. SA, tendo sido entregues em 05102/2004 e 06/02/2004 e facturados através de Facturas n.º 2 e 3 de 19/02/2004.
A utilização dada a esse açúcar na B……….., SA pode-se analisar no quadro anexo A, que se resume na página seguinte (que se dá por reproduzida):
Factura 2
Como se verifica na página anterior, no quadro referente à Factura 2 o açúcar que deu entrada na contabilidade de existências da B……….., SA, através dessa factura, teve por destino duas produções: 2.520 Kg foram utilizados no dia 10/02/2004 na produção de 1810 Tabuleiros de Vita Vigor Laranja (note-se que para essa produção foram utilizados 6.894 Kg de açúcar, mas como se verificou no ponto anterior, 4.374 kg eram referentes à factura 1) e 7.480 foram utilizados na produção de 1.965 tabuleiros de Vita Vigor Ananás.
Analisando, na coluna “Resumos Transporte”, o destino dado a esses artigos conclui-se que 76,13% dos 1.810 tabuleiros de Vita Vigor Laranja e 92,67% dos 1.965 tabuleiros de Vita Vigor Ananás se destinaram a entrega fora da RAM (terceiro com o código 6500).
Aplicando essas percentagens às quantidades de açúcar da factura 2 incorporados nessas produções (como se verifica no Quadro Resumo das quantidades saídas na factura 2) obtém-se que, referente aos 10.000 kg entrados na B………… através da factura 2 da A……….., 8.850,19 Kg foram incorporados em produtos que foram expedidos para fora da RAM.
Factura 3
Relativamente aos 10.000 Kg de açúcar entrado na B……….., SA através da factura 3 da A…………., verifica-se no quadro da página anterior que teve 4 utilizações na produção. No dia 11/02/2004, 640 Kg foram utilizados na produção de 1.965 tabuleiros de Vita Vigor Ananás, dos quais 92.67% se destinaram a entrega fora da RAM. No dia 12/02/2004 foram utilizados 5.472 Kg para a produção de 1.359 tabuleiros de Vita Vigor Maracujá, que como verificamos na Coluna “Resumos Transporte” 927 Tabuleiros (68.21%) destinaram-se ao terceiro 6500 (isto é, entrega fora da RAM). As duas outras incorporações referentes à factura 3 (3.486 kg e 402 Kg, ambas de 13/02/2004) foram utilizadas na produção do concentrado Citro que é um produto destinado na totalidade ao consumo na RAM (como se verifica pelos destinos 20000 e 6529), pelo que referente a essas incorporações de açúcar as percentagens saídas da RAM são zero.
Aplicando essas percentagens às quantidades de açúcar da factura 3 incorporados nas produções (como se verifica no Quadro Resumo das quantidades saídas na factura 3) obtém-se que referente aos 10.000 Kg entrados na B……….. através da factura 3 da A…………, 4.325,54 Kg foram incorporados em produtos que foram expedidos para fora da RAM.
No quadro resumo das quantidades saídas no DU 200015.7, encontram-se somadas as quantidades saídas por cada factura correspondente a este DU, perfazendo 13.175,73 Kg de açúcar que foram incorporados em produtos que se destinaram a fora da RAM.
Assim conclui-se que dos 50.000 Kg de açúcar introduzido pela A…………, Lda., através do DU 2000157, 20.000 Kg foram vendidos à B…………, SA, através das facturas 2 e 3, e desses, 13.176 Kg foram incorporados em produtos que se destinaram a fora da RAM.
3.5.3 DU 200017.3 de 10/02/2004
Como já se verificou no quadro do ponto 2.2 dos 50.000 Kg do açúcar introduzidos em livre prática com Isenção de direitos através deste DU 18.000 Kg destinaram-se à B…………, SA, tendo sido entregues em 12/02/2004 (10.000 Kg) e 16/02/2004 (8.000 Kg) e facturados, respectivamente, através da Facturas n.ºs 67 e 66 de 23/03/2004.
A utilização dada a esse açúcar na B…………, SA, pode-se analisar no quadro anexo A, que se resume na página seguinte (que se dá por reproduzida).
Factura 66
Como se verifica na página anterior, no quadro referente à Factura 66, o açúcar que deu entrada na contabilidade de existências da B…………, SA, através dessa factura teve por destino 4 produções. Em 17/02/2004, 230 Kg foram incorporados na produção de 517 Tabuleiros de Vita Vigor Laranja 5 Kg, que, como se verifica na coluna “Resumo Transportes” se destinaram em 92,26% a entrega fora da RAM. Em 18/02/2004 a saída de 2.508 Kg destinou-se à produção de 781 tabuleiros de Concentrado Gud Laranja/Maracujá, que saíram através da GT 2/15 referente a 1.375 tabuleiros (note-se que os restantes 594 tabuleiros desta GT referem-se à produção de 16/02/2004 - ver análise da factura 67) que se destinaram na totalidade a entrega fora da RAM (terceiro 6513). As incorporações de açúcar do dia 19/02/2004 (4.491 e 721 Kg, respectivamente) destinaram-se a produções de artigos destinados na totalidade a entrega fora da RAM, logo açúcar incorporado saiu em 100% da RAM.
Aplicando essas percentagens às quantidades de açúcar da factura 66 incorporados nessas produções (como se verifica no Quadro Resumo das quantidades saídas na factura 66) obtém-se que, referente aos 8.000 Kg entrados na B…………, SA, através da factura 66 da A…………, 7.978,33 Kg foram incorporados em produtos que foram expedidos para fora da RAM.
Factura 67
Relativamente aos 10.000 Kg de açúcar entrado na B………., SA, através da factura 67 da A………….. verifica-se no quadro anterior que tiveram 3 utilizações na produção. A incorporação do dia 13/02/2004 (1.773 Kg) foi utilizada na elaboração de 474 tabuleiros de Citro Pêssego, que se destinou na totalidade à distribuição na RAM, logo o açúcar desta incorporação saído da RAM é zero. No que se refere à incorporação de 2.508 kg de açúcar do dia 6/02/2004, o mesmo serviu para a produção de 776 tabuleiros de concentrado Gud Laranja/Maracujá, que como vemos na coluna “Resumos Transportes” saíram através das GT n.º 2/10 (78 tabuleiros para o terceiro 20000), 2/13 (104 tabuleiros para o terceiro 6513) e parte da GT 2/15 (594 tabuleiros 776-78-104 = 594 – para o terceiro 6513) [note-se que dos 1375 tabuleiros saídos através da GT 2/15, 594 referem-se a
Factura 66




Relativamente aos 10.000 Kg de açúcar entrado na B……….., SA, através da factura 65 da A……………, verifica-se no quadro anterior que tiveram 6 utilizações na produção. As Incorporações dos dias 19/02, 01/03 e 02/03/2004 (1.821, 1.191 e 3.250 Kg, respectivamente) foram utilizadas na elaboração de artigos que, como vemos nos “Resumos Transportes”, se destinaram 100% a entrega fora da RAM. Já as restantes incorporações foram para a produção de artigos a serem distribuídos na RAM (logo a percentagem de açúcar saldo da RAM é zero). Note-se que os 24 Kg de açúcar referidos no dia 02/03/2004 referem-se a um acerto da Contabilidade de existências de açúcar.
Aplicando essas percentagens às quantidades de açúcar da factura 65 incorporados nas produções (como se verifica no Quadro Resumo das quantidades saídas na factura 65) obtém-se que, referente aos 10.000 Kg entrados na B…………. através da factura 65 da A…………, 6.262,00 Kg foram incorporados em produtos que foram expedidos para fora da RAM.
Assim, conclui-se que dos 50.000 Kg de açúcar introduzido pela A……….., Lda. através do DU 2000190, 10.000 Kg foram vendidos à B………., SA através da factura 65, e desses. 6.262 Kg foram incorporados em produtos que se destinaram a fora da RAM
3.6. Resumo das saídas.
Resumindo a Informação recolhida nos pontos anteriores temos as quantidades de açúcar incorporadas em produtos destinados ao consumo fora da RAM, por DL, conforme quadro abaixo.









E) Em 28 de Julho de 2006 foi elaborado PARECER da DCAVM (Divisão de controlo Aduaneiro e Venda de Mercadorias (vol. I, do PI):
1 - Introdução
Para efeitos de cobrança a posteriori, foram recebidos nesta Divisão, através da Comunicação Interna n.º 88 de 12.07.2006, Proc. Imp. 02.09/06, da Divisão Operacional do Norte (DON), o Relatório e Anexos relativos à acção de fiscalização levada a efeito por uma equipa daquela divisão à empresa A…………, Lda., com sede nas ………… - ……….. Funchal.
A acção teve como objectivo a verificação do destino do açúcar, vendido à B……….., SA, importado com isenção de direitos, ao abrigo do regime específico de abastecimento Poseima e abrangeu o período de 01.01.2003 a 15.03.2006.
II - Factos apurados e Legislação aplicável
A - No período abrangido pela acção a empresa A…………, Lda., introduziu em livre prática e consumo 306.500 Kgs de açúcar branco, com isenção de direitos aduaneiros ao abrigo do Regime específico de abastecimento Poseima.
B - Desse açúcar, foram vendidos 58.000 Kgs à B……….., S.A., através de facturas identificados no relatório da inspecção;
C - A empresa B……….., S.A., utilizou esse açúcar na sua produção, tendo sido fabricados, nomeadamente, sumos concentrados que se destinaram à reexpedição para fora da Região Autónoma da Madeira (Carnaxide, no Continente);
D - A equipa inspectiva apurou, após análise dos movimentos do açúcar na A……….., Lda. e na B……….., 5 k que 38.279 Kgs de açúcar importados com isenção de direitos, foram incorporadas em produtos reexpedidos para o Continente,
Considerando que até à publicação do Reg (CE) 489/2004 de 16 de Março de 2004, não era permitida a reexpedição de produtos transformados que incorporassem matérias-primas que tivessem beneficiado do Regime específico de abastecimento a recuperação do benefício concedido a título do regime de abastecimento é devida, por força do estipulado no Reg (CE) 1453/2001 de 28 de Junho de 2001 e posteriores alterações e pelo Reg (CE) 20/2002 de 28 de Dezembro de 2001 e posteriores alterações.
III - Conclusões e Propostas
1. As conclusões do relatório da inspecção foram objecto de sancionamento superior, em conformidade com o disposto no n.º 5 do art. 62.º do Regime Complementar Procedimento de Inspecção Tributário (RCPIT), aprovado pelo D.L. n.º 413/98, de 31.12.
2. A empresa foi notificada do projecto de conclusões, conforme dispõe o art. 60.º do RCP relativo à audição prévia.
A empresa pronunciou-se sobre o sobre o projecto de conclusões, discordando fundamentalmente do facto de estar a ser exigido a reposição do benefício à A…………, Lda., e não à B………., SA, não contestando, no entanto, os cálculos efectuados pela equipa inspectiva nem o facto de as quantidades de açúcar apuradas terem por destino o consumo foro da RAM.
3. O conteúdo do relatório final, onde se encontra descrita detalhadamente a acção desenvolvida, o montante da dívida apurada e a respectiva metodologia de cálculo, foi comunicado à empresa, conforme dispõe o art. 61.º do RCPIT.
4. Face ao disposto no n.º 3 do art. 60.º da LGT, aprovado pelo D.L. n.º 398/98, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 16-A/2002, foi dispensada, nesta fase, a audição do contribuinte.
5. As irregularidades detectadas foram objecto de participação em separado.
Tendo presente
- As competências atribuídas à Direcção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto, nomeadamente pela alínea b) do art. 27.º da Portaria 1067/2004 de 26.08 e,
- O disposto no 2.º parágrafo do n.º 2 do artigo 17.º do Reg (CE) 20/2002 de 28 de Dezembro de 2001, com a posterior redacção dada pelo Reg (CE) 489/2004 de 16 de Março de 2004, conjugado com o artigo 26.º do Reg (CE) 20/2002, propõe-se:
1 - A liquidação e cobrança da dívida, calculada nos termos do Reg (CE) 1423/95, no montante de 24.067,24 euros, nas seguintes rubricas:
816 - Dt.ºs ad - Sector agrícola de importação 21.298,44 euros
524 - IVA - Taxa intermédia 2.768,80 euros
2 - Seja notificada a firma devedora para no prazo de 10 dias contados a partir da notificação, proceder ao pagamento da referida quantia nos termos do art. 221.º do Reg (CEE) n.º 2913/92, findo o qual se agirá coercivamente em caso de incumprimento.
São ainda devidos juros compensatórios, no valor 273,98 euros (rubrica 651), em conformidade com o disposto no art. 89.º do CIVA, nos termos do art. 35.º da LGT, aprovada pelo DL. 398/98, de 17/12. Os juros compensatórios são devidos desde a data do retardamento da liquidação, que neste caso é a data da aceitação do DU de importação, até ao momento actual.
Para o cálculo dos juros compensatórios foi aplicada a taxa previsto na Portaria n.º 291/03, de acordo com os elementos constantes do Quadro seguinte:


F) Em 2 de Agosto de 22 06 foi proferido despacho de concordância do Director (Regional do Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto) - ……….., que incidiu sobre o parecer referido no ponto anterior (fls. 98, Vol. I do PI):

G) Em 4 de Agosto de 2006 foi emitida a liquidação n.º 9002444, no valor de € 21.298,44 referente a direitos aduaneiros o valor de € 2.768,80 referente a IVA o valor de € 273,98, referente a juros compensatórios e no valor de € 1,50 de impresso de liquidação (fls. 100 do Vol. I do PI).

H) Em 11 de Agosto de 2006 foi a impugnante notificada da liquidação (fls. 100 a 102, Vol. do PI);

I) Em 19 de Setembro de 2005, a impugnante veio requerer dispensa de pagamento de direitos, com fundamento no art. 236.º do CAC, que foi indeferido (fls. 104 a 119 do vol. I do PI);

J) Em 15 de Maio de 2006 a impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão que indeferiu o pedido de dispensa de pagamento com fundamento no art. 236.º do CAC (vol II, PI);

L) A presente acção deu entrada em 21 de Novembro de 2006 (carimbo aposto no rosto de fls 1, dos autos)

[…]

Factos não provados

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa».

2.1.2 Com interesse para a decisão a proferir há ainda que ter presentes as seguintes ocorrências processuais:

a) após apresentação pela Impugnação e pela Fazenda Pública das alegações pré-sentenciais previstas no art. 120.º do CPPT, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal determinou que os autos fossem em vista ao Ministério Público «para emissão de parecer» (cfr. alegações de fls. 166 a 176 e de fls 178 a 206, respectivamente, e despacho de fls. 208);

b) a Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal emitiu parecer nos seguintes termos: «Compulsados os autos afigura-se-nos que a presente impugnação deve ser julgada improcedente atendendo aos factos e aos fundamentos descritos e documentos juntos pela entidade impugnada bem como à posição consignada pelo MºPº nos autos a fls. 103 e ss com cujas questões de legalidade concordamos na íntegra» (cfr. fls. 211);

c) esse parecer não foi notificado à Impugnante nem ao Representante da Fazenda Pública (cfr. processado ulterior a fls. 211)


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

O presente recurso vem interposto pela sociedade denominada “A…………., Ld.” da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação de direitos aduaneiros, IVA e juros compensatórios que lhe foi efectuada pelo Director Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto, na sequência de uma acção de fiscalização destinada a apurar o destino dado ao açúcar importado pela Impugnação com isenção de direitos, ao abrigo do regime específico de abastecimento Poseima, designadamente aos 58.000 Kgs que foram vendidos à sociedade “B………, S.A.” e na qual concluiu que 38.279 Kgs desse açúcar foram incorporados em produtos reexpedidos para o Continente, o que, à data, não era permitido, motivo por que se impunha a recuperação do benefício concedido a titulo do referido regime de abastecimento.
A Impugnante interpôs recurso dessa sentença. Alega, em síntese,
i) que o processo enferma de nulidade porque não foi notificada do parecer do Ministério Público anterior à prolação da sentença (conclusões 1. e 2.);
ii) que a sentença enferma de nulidades porque
ii.1) não fixou as questões que lhe cumpria apreciar e decidir (conclusão 3.);
ii.2) não discriminou a matéria provada da não provada (conclusão 3.);
ii.3) não fundamentou a sua decisão (conclusão 3.);
ii.4) não especificou os fundamentos de facto e de direito da decisão (conclusão 4.);
ii.5) omitiu pronúncia sobre «questões alegadas pela Impugnante, imprescindíveis à boa decisão da causa» (conclusão 5.);
iii) que a sentença fez errado julgamento, na medida em que não pode ser-lhe imputada a ela Recorrente, como na realidade não foi, responsabilidade pelo incumprimento das obrigações do Poseima e, consequentemente, não pode ser-lhe exigida a ela a devolução do benefício obtido ao abrigo do Poseima, que, ao invés, deverá ser exigida ao operador a quem a mercadoria foi vendida e que foi quem expediu a mercadoria, depois de transformada, para fora da Região Autónoma da Madeira (conclusões 6. a 13.).
Fixadas as questões, passemos a apreciar e decidir, o que faremos, por economia de meios e porque concordamos com a fundamentação aí expendida, fazendo nossa a fundamentação utilizada pelo Tribunal Central Administrativo Sul no acórdão proferido nos presentes autos e que veio a ser anulado pelo mesmo Tribunal (Ver nota anterior.).

2.2.2 DA NULIDADE PROCESSUAL, DAS NULIDADES DA SENTENÇA E DO ERRO DE JULGAMENTO

Passamos a citar:

«Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da realidade que envolve o presente recurso jurisdicional, impondo-se, desde logo, apreciar a matéria relacionada com a suscitada nulidade processual, referindo a Recorrente que consta da sentença que o M.P. emitiu parecer a suportar o entendimento da F.P. e a pugnar pela improcedência da impugnação, matéria desconhecida da Impugnante, pois nunca lhe foi notificado, impedindo-a assim de se pronunciar sobre o mesmo, sendo que essa omissão constitui violação do princípio do contraditório, bem como do princípio da igualdade processual das partes, bem como do direito a um processo justo e equitativo, princípios com assento constitucional que, no caso, protegem direitos fundamentais da Impugnante, e cuja violação é geradora de nulidade processual desde a sua verificação.
Como é sabido, o princípio geral que rege o processo civil, aplicável ao processo judicial tributário por força do disposto no art. 2.º al. e) do CPPT, é o de que «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa» – art. 201.º do CPC. Ou seja, o desvio em relação ao formalismo processual prescrito na lei só configura uma nulidade processual se comprometer o exame e a discussão da causa.
Tal significa, quanto ao parecer emitido pelo Ministério Público nos processos judiciais tributários, que quando são suscitadas questões novas, inéditas, capazes de influenciarem o sentido da decisão final da causa, devem ser levadas ao conhecimento de todos os demais intervenientes processuais (partes), no sentido de se pronunciem sobre a respectiva verificação e potencial relevância, no respeito pelo citado princípio do contraditório – art. 3.º n.º 3 do C. Proc. Civil, sob pena da omissão de uma formalidade, em princípio, causadora de nulidade dos actos, nos termos do art. 201.º n.º 1 do C. Proc. Civil [actualmente, art. 195.º do CPC].
A partir daqui, perante o parecer emitido pelo Ministério Público, tal como resulta de fls. 211, em que remete para o exposto a fls. 103 a 108, é ponto assente que o Ministério Público nada inovou no que concerne às matérias já tratadas pelas partes nos autos, analisando duas questões – «incompetência» e «violação dos princípios da justiça e equidade, da proporcionalidade e da segurança e certeza jurídicas», orientando a sua apreciação em função do desenho da lide por parte da ora Recorrente, o que significa que, neste circunstancialismo, tem de julgar-se totalmente desnecessário facultar à ora Recorrente o exercício do contraditório, com relação ao conteúdo da pronúncia do MP, pelo que, não ocorre a nulidade processual apontada pela Recorrente, ou seja, nesta situação, não se vê em que medida a análise e decisão sobre as questões que a própria Recorrente elencou nos autos possa ter ficado prejudicada pela falta de notificação do parecer do Ministério Público, tendo em conta que foi a Recorrente que as introduziu no processo, tomando depois posição sobre o seu enquadramento e alcance, surgindo o parecer do Ministério Público numa fase em que se mostrava já assegurada a discussão da questão pelas partes envolvidas no litígio [(Neste sentido, entre muitos outros, vide os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 27 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 1197/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/997000f99cfd110d80257b2d00393fda;
- de 6 de Março de 2013, proferido no processo n.º 842/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/32d17237fec253d880257b3a003b1e0e;
- de 30 de Outubro de 2013, proferido no processo n.º 1492/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/729f21495abeae2c80257c1a005a5f34;
- de 9 de Abril de 2014, proferido no processo n.º 1869/13, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/142bb0c6fcc2fe0980257cc30037d936;
- de 13 de Setembro de 2017, proferido no processo n.º 1427/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/51ea9ec4a07c2259802581a00031a6fc.)].
A partir daqui, cabe entrar na análise da matéria da nulidade da sentença, referindo a Recorrente que a sentença recorrida em violação n.º 1 do artigo 123.º do CPPT, não fixou as questões que ao tribunal competia solucionar e, em violação do n.º 2 do mesmo artigo, não discriminou a matéria provada da não provada, nem fundamentou a sua decisão, o que tudo constitui nulidade processual com influência na decisão da causa, além de que a sentença recorrida é nula porque não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, verificando-se que a sentença é, ainda, nula por omissão de pronúncia, já que deixou de pronunciar-se sobre questões alegadas pela Impugnante, imprescindíveis à boa decisão da causa.
Relativamente ao núcleo essencial desta arguição, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação – Ac. do S.T.A. de 16-11-2011, Proc. n.º 0802/10, www.dgsi.pt[(No mesmo sentido, entre muitos outros, também os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 7 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 1109/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8673ffdcf026532480257abb003306da;
- de 25 de Março de 2015, proferido no processo n.º 10/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/67f00266f9eb792e80257e1f00545bcb;
- de 6 de Maio de 2015, proferido no processo n.º 1340/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0181049a3eb43d4280257e4300330141.)], sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Por outro lado, quanto à nulidade decorrente da falta de exame crítico das provas, é sabido que nos termos do disposto nos arts. 123.º n.º 2 do CPPT e 659.º n.º 3 do C. Proc. Civil, na elaboração da decisão final o julgador está vinculado a elencar discriminadamente, a factualidade demonstrada da não provada, fundamentando porque veio a tomar o sentido decisório final, seja no que concerne ao julgamento da matéria de direito, seja, como é axiomático e evidente, no que diz respeito ao julgamento da matéria de facto, na medida em que aquele mais não será do que subsunção desta última ao enquadramento jurídico tido por relevante e aplicável.
Nesta sequência, cumpre notar que o vício em apreço, em qualquer das vertentes apontadas, apenas ocorre quando haja ausência total de fundamentos, sendo que na sentença posta em crise foi considerada a matéria provada, referindo-se depois que: “… Factos não provados - Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa”.
Vem a impugnante invocar a ilegalidade da liquidação com fundamento na incompetência (absoluta) do Director Regional do Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto, que proferiu o despacho datado de 2 de Agosto de 2006 (para proceder à recuperação do beneficio, incompetência (territorial) da Direcção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto, e por não ser legalmente devedora do imposto por nada ter a ver com a transformação e posterior reexpedição dos produtos transformados sendo que a B……….. é no caso concreto o utilizador final. Exigindo à impugnante o pagamento do imposto liquidado é violador dos princípios comunitários da justiça e equidade, da proporcionalidade e da segurança e certeza jurídicas …”.
A partir daqui, resulta claro que o Tribunal tomou posição sobre a matéria não provada, tendo ainda delimitado as questões que ao tribunal competia solucionar, de modo que, considerando os termos da decisão recorrida, é manifesto que a invocada nulidade não pode ser atendida na medida em que foram fixados os factos descritos no probatório relacionados com a problemática em causa, procedendo-se depois à análise das questões apontadas nos autos, o que significa que, nesta matéria, se exteriorizam as razões de facto e de direito que fundamentam a decisão, de modo que, a matéria apontada pela Recorrente terá de ser enquadrada no âmbito do erro na valoração crítica dessas mesmas provas e das questões apontadas, o que nos remete para o eventual erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito.
No mais, quanto à invoca nulidade por omissão de pronúncia, segundo o disposto no artigo 125.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, sendo que esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
A partir daqui, sem prejuízo de se notar que a alegação da Recorrente padece, neste domínio, do mesmo “defeito” que é apontado à sentença recorrida, é manifesto que a Recorrente não tem razão no que diz respeito à invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, dado que, a decisão recorrida identifica as questão decidendas, sendo que os elementos a que a Recorrente agora alude são aspectos, argumentos que interessam à discussão daquelas questões, mas que não podem fundamentar a presente arguição de nulidade, pois que, como se disse, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, situação que se verificou no caso presente, o que significa que não pode proceder a invocada nulidade da sentença também nesta vertente [( Neste sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 5 de Junho de 2013, proferido no processo n.º 433/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f089beb3d14bb6b080257b8e004f7bbb;
- de 16 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 954/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/452030559409c1288025806f0050110d;
- de 19 de Abril de 2017, proferido no processo n.º 1113/16, proferido no processo n.º
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/fd04eac86372a86d8025810e003d023b?OpenDocument;
- de 11 de Outubro de 2017, proferido no processo n.º 160/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a7768846ba90bf1e802581be0056bbfd.)].
Avançando para a matéria substancial do presente recurso, a Recorrente refere que a recuperação do Benefício Poseima Abastecimento (isenção de direitos ou ajuda), em caso de incumprimento por parte do operador/registado dos compromissos assumidos nos termos do Artigo 9.º do Regulamento N.º 20/2002, descritos na respectiva alínea c) [do n.º 2 daquele artigo] (Artigo 9.º al. c) do Regulamento N.º 793/2006), recai sobre o próprio operador titular de um dos certificados que lhe permitem aceder àquele beneficio, nos termos do N.º 1 do Artigo 26.º do mesmo Regulamento (Artigo 20.º N.º 1 al. a) do Regulamento (CE) N.º 793/2006 da Comissão), o qual expressamente dispõe que as autoridades competentes «recuperarão do titular do...», sendo que a recuperação do Benefício Poseima Abastecimento (isenção de direitos ou ajuda) prevista no Parágrafo 2.º do N.º 2 do Artigo 17.º do Regulamento N.º 20/2002 (Parágrafo 3.º do N.º 6 do Artigo 16.º do Regulamento N.º 793/2006) recai sobre o exportador ou expedidor, quer seja ou não operador, ou transformador registado, que, através de falsas declarações, ou através da prática de outra irregularidade ou fraude, obtenha a necessária autorização das autoridades competentes para a exportação ou expedição ou proceda às mesmas sem essa autorização. Aquela previsão legal estipula que a recuperação é do «beneficio concedido a título do Regime Específico de Abastecimento», sem qualquer referência ao titular dos certificados, contrariamente ao estipulado no Artigo 26.º, pois que o compromisso assumido pelo operador nos termos do Artigo 9.º N.º 2 alínea c) Parágrafo v) é única e exclusivamente aplicável quando o escoamento dos produtos agrícolas se efectua na Região. Se há expedição ou exportação para fora da RAM desses produtos não há «utilizador final» para efeitos de Poseima, mas sim obrigação de devolução do benefício por parte do transformador ou do expedidor, excepto se essa expedição ou exportação for abrangida pelo N.º 1 do Artigo 17.º do Regulamento 20/2002, de modo que, se a Impugnante, não tivesse repercutido o benefício no transformador, como repercutiu, ou tivesse sido a expedidora das mercadorias, quando temporalmente isso era proibido, ou após ser permitido, sem autorização das entidades competentes e sem reembolso do beneficio, é óbvio que seria a infractora e, então, nesse caso, nada teria a opor às conclusões dos relatórios de inspecção. Mas não é essa a situação, conforme já largamente exposto!
Além disso, podem ser consideradas situações especiais para efeitos do Artigo 239.º do Código Aduaneiro Comunitário e princípios de Direito Comunitário (que levariam ao afastamento da obrigação da Impugnante pagar a importância em causa que lhe foi exigida, mesmo que fosse considerada responsável pelo seu pagamento, o que não se aceita), as situações que excedam o risco profissional e comercial normal que incumbe ao operador e no caso concreto, essas situações são, pelo menos, as seguintes:
a) Violações do regime legal aplicável à mercadoria praticadas por um outro operador económico, a quem a mercadoria havia sido vendida com repercussão do Benefício POSEIMA.
b) Ausência de negligência e não omissão ou prática de qualquer acto censurável por parte da Impugnante, que desconhecia o destino que a «B………., SA» dava à mercadoria, tendo sempre actuado de boa fé.
c) Existência de entendimentos opostos sobre quem recai a responsabilidade de reembolso dos direitos entre a DGAIEC e o Governo Regional da RAM, gestor do regime, sendo que a Impugnante cumpriu com as informações que lhe eram prestadas pelos serviços dependentes destas duas entidades.
d) Violação do regime legal aplicável à mercadoria (que fundamenta a liquidação dos direitos e a devolução da ajuda Poseima) por um outro operador económico, que era o seu proprietário e detentor aquando das respectivas infracções.
e) Prática pelo expedidor da mercadoria, na expedição, de infracções de natureza contra-ordenacional ou mesmo criminal face ao direito nacional.
f) Incumprimento grave e reiterado por parte da Alfândega do Funchal, no que se refere ao controle da aplicação das normas comunitárias e nacionais, que prevêem e regulam o Regime Especifico de Abastecimento POSEIMA.
g) O devedor dos direitos aduaneiros, de que a mercadoria beneficiou na importação, neste caso de expedição da mesma para fora da Região Autónoma da Madeira, é o expedidor da mercadoria e não a Impugnante.
h) O benefício (isenção de direitos) de que a mercadoria beneficiou foi repercutido pela Impugnante para o transformador que depois viria a reexpedir a mercadoria.
i) Enriquecimento ilegítimo por parte do expedidor e infractor, que, após ter beneficiado da repercussão do beneficio, que incidiu sobre a mercadoria na importação, faz concorrência desleal a outros operadores no mercado único.
j) A exigência do pagamento dos direitos aduaneiros à Impugnante é, nas circunstâncias concretas, gravemente ofensiva dos princípios do Direito Comunitário, da justiça, equidade, proporcionalidade, segurança e certeza jurídicas.
Assim, a sentença recorrida, ao decidir com os fundamentos nela referidos, fez errada interpretação e aplicação do direito.
Pois bem, na sentença recorrida, foi entendido que “em face dos factos levados ao probatório e nos termos das normas comunitárias aqui aplicáveis a liquidação impugnada está conforme com as mesmas, tendo a AF feito uma correcta interpretação dos mesmos. E, em consequência não foi violado qualquer princípio comunitário, designadamente os princípios invocados pela impugnante”.
Para enquadrar a matéria em discussão, importa ter presente o exposto na al. E) do probatório:
«E) Em 28 de Julho de 2006 foi elaborado PARECER da DCAVM (Divisão de controlo Aduaneiro e Venda de Mercadorias (vol I, do PI):
I – Introdução
Para efeitos de cobrança a posteriori, foram recebidos nesta Divisão, através da Comunicação Interna n.º 88 de 12.07.2006, Proc. Imp. 02.09/06, da Divisão Operacional do Norte (DON), o Relatório e Anexos relativos à acção de fiscalização levada a efeito por uma equipa daquela divisão à empresa A…………, Lda. com sede nas ………… – ………… Funchal.
A acção teve como objectivo a verificação do destino do açúcar, vendido à B…………, SA, importado com isenção de direitos, ao abrigo do regime específico de abastecimento Poseima e abrangeu o período de 01.012003 a 15.03.2006.
II – Factos apurados e Legislação aplicável
A – No período abrangido pela acção a empresa A…………, Lda. introduziu em livre prática e consumo 306.500 Kgs de açúcar branco, com isenção de direitos aduaneiros ao abrigo do Regime específico de abastecimento Poseima.
B – Desse açúcar, foram vendidos 58.000 Kgs à B……….., S.A. através de facturas identificados no relatório da inspecção;
C – A empresa B…………, S.A. utilizou esse açúcar na sua produção, tendo sido fabricados, nomeadamente, sumos concentrados que se destinaram à reexpedição para fora da Região Autónoma da Madeira (Carnaxide, no Continente);
D – A equipa inspectiva apurou, após análise dos movimentos do açúcar na A………….., Lda. e na B…………, SA que 38.279 Kgs de açúcar importados com isenção de direitos, foram incorporadas em produtos reexpedidos para o Continente,
Considerando que até à publicação do Reg (CE) 489/2004 de 16 de Março de 2004, não era permitida a reexpedição de produtos transformados que incorporassem matérias-primas que tivessem beneficiado do Regime específico de abastecimento a recuperação do benefício concedido a título do regime de abastecimento é devida, por força do estipulado no Reg (CE) 1453/2001 de 28 de Junho de 2001 e posteriores alterações e pelo Reg (CE) 20/2002 de 28 de Dezembro de 2001 e posteriores alterações.
III – Conclusões e Propostas
1. As conclusões do relatório da inspecção foram objecto de sancionamento superior, em conformidade com o disposto no n.º 5 do art. 62.º do Regime Complementar Procedimento de Inspecção Tributário (RCPIT), aprovado pelo D.L. n.º 413/98, de 31.12.
2. A empresa foi notificada do projecto de conclusões, conforme dispõe o art. 60.º do RCPIT, relativo à audição prévia.
A empresa pronunciou-se sobre o sobre o projecto de conclusões, discordando fundamentalmente do facto de estar a ser exigido a reposição do benefício à A…………, Lda. e não à B……….., SA., não contestando, no entanto, os cálculos efectuados pela equipa inspectiva nem o facto de as quantidades de açúcar apuradas terem por destino o consumo fora da RAM.
3. O conteúdo do relatório final, onde se encontra descrita detalhadamente a acção desenvolvida, o montante da dívida apurada e a respectiva metodologia de cálculo, foi comunicado à empresa, conforme dispõe o art. 61.º do RCPIT.
4. Face ao disposto no n.º 3 do art. 60.º da LGT, aprovado pelo DL. n.º 398/98, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 16-A/2002, foi dispensada, nesta fase, a audição do contribuinte.
5. As irregularidades detectadas foram objecto de participação em separado.
Tendo presente
- As competências atribuídas à Direcção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto, nomeadamente pela alínea b) do art. 27.º da Portaria 1067/2004 de 26.08 e,
- O disposto no 2.º parágrafo do n.º 2 do artigo 17.º do Reg (CE) 20/2002 de 28 de Dezembro de 2001, com a posterior redacção dada pelo Reg (CE) 489/2004 de 16 de Março de 2004, conjugado com o artigo 26.º do Reg (CE) 20/2002, propõe-se:
1 – A liquidação e cobrança da dívida, calculada nos termos do Reg (CE) 1423/95, no montante de 24.067,24 euros, nas seguintes rubricas:
816 – Dtºs ad – Sector agrícola de importação 21.298,44 euros
524 – IVA – Taxa intermédia 2.768,80 euros
2 – Seja notificada a firma devedora para no prazo de 10 dias contados a partir da notificação, proceder ao pagamento da referida quantia nos termos do art. 221 do Reg (CEE) n.º 2913/92, findo o qual se agirá coercivamente em caso de incumprimento
São ainda devidos juros compensatórios, no valor 273,98 euros (rubrica 651), em conformidade com o disposto no art. 89.º do CIVA, nos termos do art. 35º da LGT, aprovada pelo DL. 398/98, de 17/12. Os juros compensatórios são devidos desde a data do retardamento da liquidação, que neste caso é a data da aceitação do DU de importação, até ao momento actual.
Para o cálculo dos juros compensatórios foi aplicada a taxa prevista no Portaria n.º 291/03, de acordo com os elementos constantes do Quadro seguinte:

DAU
Período de Contagem
N.º Dias
Taxa
Montante
N.º
Data
Início
Fim
IVA
Juros Comp.
200012226-01-200426-01-200428-07-20069144%
240,87
24,13
200015730-01-200430-01-200428-07-20069104%
953,05
95,04
200017310-02-200410-02-200428-07-20068994%
1.121,94
110,53
2000190 17-02-200417-02-200428-07-20068924%
452,94
44,28
2.768,80
273,98
»
A partir daqui, a Recorrida sustenta que consoante o destino dos produtos declarado no certificado o benefício do regime terá de ser sentido efectivamente por aqueles a quem se destinam de acordo com o que foi declarado no certificado de importação, ajuda ou isenção, nos termos dos Arts. 4.º e 5.º do Regulamento (CE) n.º 20/2002 e ao não assegurar a repercussão efectiva do benefício até ao estádio do “utilizador final” em conformidade com o declarado na casa 20 dos certificados, a Recorrente não cumpriu os compromissos assumidos enquanto operador previstos no Art. 9.º, n.º 2 do Regulamento n.º 20/2002, designadamente a al. c), subalínea v), de modo que, sendo a isenção de direitos concedida ao titular do certificado e os compromissos assumidos por este, é sobre ele que recai a obrigação de restituir o benefício (Arts. 26.º, n.ºs 1 e 9, n.ºs 1 e 2, al. c) e v) do Regulamento (CE) n.º 20/2002).
Com este pano de fundo, importa desde já dizer que não se pode acompanhar a posição agora expressa, que foi acolhida na sentença recorrida.
Com efeito, a tese descrita impõe um ónus à ora Recorrente que não se vislumbra ter apoio na lei, além de que olvida completamente na análise deste processo a conduta do seu protagonista.
Desde logo, não está em causa o enquadramento da situação da ora Recorrente, a qual assumiu a qualidade de operador com referência à introdução em livre prática e consumo 306.500 Kgs de açúcar branco, com isenção de direitos aduaneiros ao abrigo do Regime especifico de abastecimento Poseima, sendo que está em causa produto destinado ao consumo directo nos termos do art. 4.º do Reg. (CE) n.º 20/2002 (n.º 3 al. b) ii)).
Nesta sequência, é sabido que desse açúcar, foram vendidos 58.000 Kgs à B…………. S.A. através de facturas identificados no relatório da inspecção e que a empresa B…………., S.A. utilizou esse açúcar na sua produção, tendo sido fabricados, nomeadamente, sumos concentrados que se destinaram à reexpedição para fora da Região Autónoma da Madeira (Carnaxide, no Continente), sendo que a equipa inspectiva apurou, após análise dos movimentos do açúcar na A……….., Lda. e na B……….., SA que 38.279 Kgs de açúcar importados com isenção de direitos, foram incorporadas em produtos reexpedidos para o Continente.
Ora, é esta última conduta que fundamenta a posição da Recorrida, ou seja, é a violação da proibição da reexpedição de produtos transformados que incorporassem matérias-primas que tivessem beneficiado do Regime específico de abastecimento que impõe a recuperação do benefício concedido a título do regime de abastecimento e, nesta medida, a liquidação impugnada.
No entanto, a análise da factualidade apurada coloca uma questão decisiva, que se prende com a ligação da Recorrente aos factos nucleares da situação, na medida em que não se vislumbra qualquer ligação entre a ora Recorrente e a utilização por parte da B……….., S.A. do açúcar adquirido, e depois na reexpedição de parte dos sumos concentrados produzidos com esse mesmo açúcar para fora da Região Autónoma da Madeira (Carnaxide, no Continente).
Neste ponto, refere-se que a Recorrente não assegurou a repercussão do benefício concedido até ao estádio do utilizador final.
Neste ponto, diga-se que o art. 8.º do Reg. (CE) n.º 20/2002 (n.º 3 al. a)) aponta que para efeitos da aplicação dos Regulamentos (CE) n.º 1453/2001 …, entende-se por “utilizador final” quando se trate de produtos destinados ao consumo directo: o consumidor”.
Pois bem, na situação em análise, e de acordo com os elementos apurados, tem de entender-se que a Recorrente, estando em causa produtos destinados ao consumo directo, vendeu o açúcar em apreço à B……….., que se assume nesse momento como consumidor final.
Com efeito, repare-se que o Regulamento em causa contempla a venda de produtos destinados às indústrias de transformação e/ou de acondicionamento (art. 4.º do Reg. (CE) n.º 20/2002 (n.º 3 al. b) i)), de modo que, a situação em apreço poderia enquadrar-se neste domínio.
No entanto, a situação presente respeita a produtos destinados ao consumo directo na RAM, situação que não mereceu qualquer reparo de quem analisou a matéria, que apenas se preocupou com os procedimentos da B………..
Isto para dizer que no momento em que a Recorrente efectuou a venda está em causa produto para consumo interno, emergindo a B………., à partida, como consumidor final.
Nesta sequência, é sabido que, de acordo com a Recorrida, não existiria qualquer problema na utilização do açúcar para a produção dos sumos concentrados, desde que o consumo destes ocorresse na RAM, pelo que fica apenas pendente a decisão da B………… de reexpedir parte dos sumos concentrados produzidos com esse mesmo açúcar para fora da Região Autónoma da Madeira (Carnaxide, no Continente).
Assim sendo, não se vislumbra fundamento para responsabilizar a Recorrente neste domínio, dado que, tratando-se de produtos destinados ao consumo directo, a sua aquisição é feita pelo respectivo consumidor, de modo que, não se apontando à Recorrente qualquer situação de conluio com a B………. ou o conhecimento das intenções da B……….., não é possível descortinar o alegado incumprimento dos compromissos assumidos enquanto operador, dado que, a decisão da B……….. de utilizar o açúcar na produção de sumos e de reexpedir parte dessa produção para o Continente são factos que só podem responsabilizar a B…………, a quem cabia dar cumprimento ao disposto no art. 9.º n.º 3 do Reg. (CE) n.º 20/2002 no sentido de, eventualmente, lograr reunir as condições para o efeito nos termos do art. 17.º do mesmo Regulamento.
Deste modo, e em função do que fica exposto, resulta algo inexplicável, analisar a conduta de uma determinada entidade – B………. –, não se estabelecendo qualquer ligação entre essa conduta e a Recorrente e depois, de forma surpreendente, responsabilizar a Recorrente pela referida conduta, quando é sabido que vendeu à B……….. produtos destinados ao consumo interno, não se vislumbrando de que maneira poderia a Recorrente condicionar o destino efectivo a dar ao açúcar, de modo que, não pode responsabilizar-se a Recorrente pela referida reexpedição, e muito menos imputar-lhe a violação dos compromissos assumidos como operador, quando os factos subsequentes estão fora do seu domínio, e o autor dos factos é ignorado no procedimento.
Perante o que fica exposto, cabe concluir no sentido de que a sentença recorrida procedeu a uma incorrecta aplicação do direito à factualidade apurada, pelo que incorreu em erro de julgamento devendo ser revogada por via da procedência do presente recurso».
Ou seja, o recurso merece provimento com fundamento no invocado erro de julgamento, como decidiremos a final.

2.2.4 CONCLUSÕES

Na procedência do recurso e em ordem a preparar a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A notificação do parecer do Ministério Público prévio à sentença a proferir em processo tributário só se impõe, sob pena de violação do princípio do contraditório, nos casos em que aí sejam suscitadas questões que obstem ao conhecimento do mérito ou sobre as quais as partes ainda não tenham tido oportunidade de se pronunciar.
II - A nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão só se verifica quando ocorre falta absoluta de fundamentação, a qual se distingue da motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada, sendo que só aquela é considerada pela lei como nulidade, enquanto esta apenas pode afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em sede de recurso.
III - A nulidade da sentença por omissão de pronúncia ocorre quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, mas já não quando o julgador não analisa todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar as respectivas teses.
IV - Porque o açúcar foi importado pela Recorrente para consumo directo na Região Autónoma da Madeira (RAM) e, por isso, ao abrigo do Poseima, no momento em que o importador o vende a uma empresa daquela Região, a compradora surge, à partida, como consumidor final.
V - Se esta última, que incorporou o açúcar em sumos concentrados, expede parte destes para fora da RAM, não se vislumbra fundamento para responsabilizar a Recorrente pela devolução do benefício concedido ao abrigo do Poseima, a menos que se lhe apontasse qualquer situação de conluio com a compradora ou o conhecimento das intenções da mesma.
VI - Na verdade, não se descortina incumprimento algum dos compromissos assumidos pela Recorrente enquanto operador, sendo que a decisão da compradora de utilizar o açúcar na produção de sumos e de reexpedir parte dessa produção para fora da RAM são factos que só podem responsabilizar esta, a quem cabia dar cumprimento ao disposto no art. 9.º, n.º 3, do Reg. (CE) n.º 20/2002, da Comissão, de 28 de Dezembro de 2001, no sentido de, eventualmente, lograr reunir as condições para o efeito previsto no art. 17.º do mesmo Regulamento.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, julgando procedente a impugnação judicial, anular a liquidação impugnada.

Custas pela Recorrida.


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Lisboa, 24 de Janeiro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – António Pimpão – Casimiro Gonçalves.