Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0965/10
Data do Acordão:01/12/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IVA
JUROS COMPENSATÓRIOS
COMPENSAÇÃO
LIQUIDAÇÃO
ACTO DIVISÍVEL
Sumário:I – Numa situação em que o acto tributário de liquidação impugnado incorpora não só o montante apurado de IVA em falta e dos juros compensatórios, como, também, o acto de compensação que simultaneamente foi efectuada por iniciativa da Administração Tributária, a ilegalidade deste acto de compensação não se comunica ou transmite ao acto de liquidação em si do imposto e dos juros, nem pode determinar a anulação total desse acto tributário de liquidação adicional.
II – O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial, pelo que se o juiz reconhece que o acto tributário impugnado está inquinado de ilegalidade na parte que diz respeito ao acto de compensação de créditos, só nessa parte o deve invalidar e anular.
Nº Convencional:JSTA00067331
Nº do Documento:SA2201201120965
Data de Entrada:12/02/2010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...., SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IVA
DIR FISC - JUROS
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CIVA08 ART89
LGT98 ART35 ART60
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1973/02 DE 2003/03/26; AC STA PROC24101 DE 1999/09/22
Referência a Doutrina:CASALTA NABAIS - DIREITO FISCAL 2ED PAG397.
SALDANHA SANCHES - IN FISCALIDADE N7/8 PAG63.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FAZENDA PÚBLICA interpõe o presente recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no âmbito do processo de impugnação judicial que a sociedade A………., deduziu contra o acto de tributário liquidação n.º 08025374, respeitante a IVA e juros compensatórios referente ao mês de Agosto de 2004, e que incorpora um acto de compensação, pela aplicação de créditos da impugnante em contrapartida do montante do IVA que foi liquidado, restringindo o objecto do recurso ao segmento decisório que determinou a anulação do acto de liquidação do imposto.
1.2. Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
I. O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da procedência da impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios nº 08025374, relativa ao mês de Agosto de 2004, no segmento que anula o acto de liquidação.
II. Fundamentação da sentença recorrida (síntese) […] pretendendo a Administração Fiscal, em simultâneo com o acto de liquidação de imposto devido, proceder à compensação com os reembolsos de IVA, estava obrigada a dar contraditório à Impugnante [...] Demonstrada a violação do direito de audição prévia da impugnante, a consequência da verificação deste vício passará necessariamente pela anulação do acto tributário que vem impugnado.
III. Com os fundamentos vertidos na p.i., que ora damos por integralmente reproduzidos, vem a Impugnante atacar a “ilegalidade da compensação” - § 13° a 33° da p.i.; e a “ilegalidade da liquidação do IVA e dos juros compensatórios” - § 34° e ss.
IV. E este é de resto o pressuposto de análise e decisão na sentença da qual se recorre, pois a certa altura refere-se mesmo que «apesar de aqui se confundirem, o acto de compensação distingue-se do acto de liquidação».
V. Embora sem analisar a legalidade material do acto de compensação - a qual a verificar-se poderia degradar a preterição da audição prévia em formalidade não essencial - conclui-se na douta sentença que «pretendendo a AF, em simultâneo com o acto de liquidação do imposto devido, proceder à compensação com reembolsos de IVA, estava obrigada a dar contraditório à Impugnante», o que se pode conceder, pois efectivamente esse acto tributário de compensação não decorria da correcção vertida no Relatório, ainda que o reembolso de IVA compensado tenha sido apurado pelo S.P. e porque compensado, reconhecido pela AF.
VI. Mas, sobretudo, porque ainda que não se tivesse por verificada a violação do direito de audição prévia, sempre se verificaria outro vicio procedimental, o de terem sido compensados créditos, antes e decorrido o prazo para o contribuinte reagir contra o acto de liquidação.
VII. Deste modo, a decisão com a qual a Fazenda Pública não pode conformar-se reconduz-se a que “não pode manter-se o acto tributário impugnado, impondo-se a respectiva anulação”.
VIII. Ou seja, sendo o acto de compensação distinto do acto de liquidação, relativamente ao qual a Impugnante apresentou uma defesa autónoma, pois efectivamente tem uma fundamentação também autónoma, relativamente à qual nenhum vicio formal é apontado, desconhece-se qualquer fundamento legal, que de resto não é invocado na douta sentença, que determine que embora anulado o acto de compensação, o mesmo seja susceptível de anular também o acto de liquidação de IVA.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, com as devidas consequências legais.

1.2. A sociedade recorrida apresentou contra-alegações, que conclui do seguinte modo:
1. O presente recurso, interposto pela ilustre Representante da Fazenda Pública, visa reagir contra a sentença recorrida no segmento em que a anulação do acto de compensação impõe a anulação do acto de liquidação, pois no seu entender, o acto tributário sub judice consubstancia dois actos autónomos, para os quais a Impugnante, ora Recorrida, apresentou uma defesa autónoma, pelo que, embora anulado o acto de compensação, o mesmo não se afigura susceptível de anular também o acto de liquidação de IVA;
2. Sucede que não assiste razão à ilustre Representante da Fazenda Pública, porquanto na situação sub judice não se está perante dois actos autónomos, mas perante um único acto tributário;
3. Com efeito, como bem se entende na sentença recorrida, os actos em causa confundem-se, pois na situação em causa, distintamente do que habitualmente se verifica, a administração tributária não se limitou a liquidar o imposto em função das correcções operadas em sede de acção inspectiva, mas resolveu concomitantemente proceder à regularização daquele imposto através de compensações com reembolsos de IVA, para além de liquidar os juros compensatórios, devidos pelo retardamento da liquidação do imposto;
4. Saliente-se ainda que, pese embora a ausência de uma definição legal de acto tributário, do conceito desde há muito consagrado pela doutrina e jurisprudência resulta a mesma conclusão, porquanto não pode senão concluir-se que o acto tributário sub judice, decorrente da aplicação da lei fiscal a um único acto tributário, se inscreve num procedimento administrativo complexo, formado por diversas fases e diferentes actos, não sendo possível distinguir o acto de liquidação do acto de compensação, porquanto se integram no mesmo acto tributário impugnado;
5. Assim, atento todo o exposto, importa, pois, concluir que o acto tributário em crise é um acto tributário único, pelo que não pode senão decidir-se como decidiu o Tribunal Recorrido, razão pela qual deve ser julgado improcedente o presente recurso e, consequentemente, manter-se a decisão recorrida;
6. Sem prejuízo do exposto, admitindo-se que possa proceder o recurso interposto pela ilustre Representante da Fazenda Pública, o que apenas se admite por dever de patrocínio, sempre se impõe que o Tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 715.º, n.º 2, aplicável ex vi artigo 726°, ambos do CPC, [cf. artigo 2°, alínea e) do CPPT], relativamente às questões cuja apreciação ficou prejudicada pela solução dada ao litígio, adopte uma de duas posições, consoante o processo disponha, ou não de todos os elementos necessários e as questões a decidir versem exclusivamente questões de direito:

6.1. julgar em substituição, conhecendo da questão/questões de fundo e proferindo decisão sobre as mesmas; ou

6.2. remeter o processo ao Tribunal de 1.ª instância, por forma a que, com novo julgamento da matéria de facto e de direito, seja proferida uma nova decisão relativamente ao pedido / questões anteriormente não apreciadas.

7. Efectivamente, atento o disposto na lei, doutrina e jurisprudência aplicáveis, o Tribunal ad quem pode actuar segundo um dos referidos modelos, ademais, tal actuação é a única que permite assegurar o respeito pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva e pelo princípio “pro actione”, constitucionalmente consagrado no artigo 20.° e no n.° 4 do artigo 268.°, ambos da CRP;
8. Sublinhe-se, neste âmbito, que a obrigação de substituição do Tribunal ad quem ao Tribunal a quo imposta pelo n.º 2 do 715.° do CPC, existe mesmo que o apelado não invoque o disposto no 684.°-A do mesmo código, pois o âmbito da aplicação destes preceitos não se confunde, uma vez que no caso previsto no art. 715.° do CPC o tribunal a quo não chegou sequer a pronunciar-se sobre determinada questão de mérito, já que - em termos de precedência lógica jurídica - a considerou prejudicada pela solução que deu ao litígio (art. 660.°, n.º 2 do CPC), enquanto que na hipótese prevista no art. 684º-A do CPC apreciou efectivamente as várias questões de mérito envolvidas, o que implica que a parte vencida careça de suscitar a reapreciação da matéria em que decaiu, mesmo que a titulo subsidiário;
9. Face à factualidade provada pelo Tribunal a quo e às questões ainda por dirimir, caso o douto Tribunal ad quem entenda conhecer das mesmas (não baixando os autos à primeira instância para prolação de nova decisão) sempre se impõe aqui pugnar que o acto tributário sub judice deverá, como ficou amplamente demonstrado nos presentes autos e se dá por integralmente reproduzido nas presentes alegações e conclusões, ser anulado.
1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que devia ser concedido provimento ao recurso, enunciando, para o efeito, a seguinte motivação:
«1. Acto de compensação

A decisão anulatória do acto de compensação transitou em julgado: a recorrente conforma-se com a sua eliminação da ordem jurídica, apenas se insurgindo contra a anulação da liquidação adicional de IVA e juros compensatórios (conclusões 1 e V-VII)

2. Liquidação adicional de IVA e juros compensatórios (€ 42.850,73 e € 5.899,27).

Sendo a liquidação adicional de IVA acto distinto e não consequente do acto anulado de compensação de créditos, não põe ser abrangida pela eficácia da anulação, subsistindo na ordem jurídica.

A solução da questão da legalidade da liquidação adicional de IVA não ficou prejudicada pela anulação do acto de compensação, impondo-se a sua apreciação.

Se o STA entender dispor dos elementos de prova necessários para conhecimento da questão, em substituição o tribunal recorrido, deverá o relator convidar as partes a pronunciarem-se, no prazo de 10 dias (art.715° nºs 2 e 3 CPC/art.726° CPCI e art.2° al. c) CPPT).

Se o STA entender não dispor desses elementos, o processo deverá ser devolvido ao tribunal recorrido para conhecimento da questão, indevidamente considerada prejudicada.

CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A decisão impugnada (anulação da liquidação adicional de IVA e juros compensatórios) deve ser revogada e substituída por:

- despacho do relator que convide as partes a pronunciarem-se sobe a questão prejudicada;
em alternativa:
- por acórdão que determine a devolução do processo ao tribunal recorrido para conhecimento da questão.».
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência as questões colocadas neste recurso, as quais se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas.
2. A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:

A- Na sequência de acção inspectiva à impugnante realizada pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, com referência ao exercício de 2004, foi elaborado o relatório final constante de fls. 41/75, datado de 11/02/2008, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e efectuada correcção em sede de IVA, no montante de € 48.750,00 relativa à dedução indevida respeitante a uma multa aplicada por um cliente em virtude do incumprimento de um prazo contratualmente estipulado (Doc. 1 da petição inicial);
B- No dia 29/01/2008, a impugnante recebeu notificação do projecto do relatório de inspecção, do qual consta a referida correcção, não tendo exercido o direito de audição (fls. 270/275 do PAT apenso; facto admitido na petição inicial);
C- No dia 11/03/2008, a Administração Fiscal emitiu a nota de liquidação de IVA - juros compensatórios com o n.º 08025374, relativa ao período de Agosto de 2004, com aplicação de créditos da impugnante nos montantes de € 42.850,73 e € 5.899,27, da qual resulta o valor a pagar de € 6.507,12 (seis mil, quinhentos e sete euros e doze cêntimos), com data limite de pagamento no dia 30/04/2008 (Docs. 2 e 3 da PI);
D- No dia 29/04/2008, a impugnante procedeu ao pagamento da liquidação referida no ponto C (fls. 166/167).
3. Em causa no presente recurso está a decisão proferida na impugnação judicial que a sociedade A………., deduziu contra o acto tributário de liquidação adicional n.º 08025374, no montante de 6.507,12 €, respeitante a IVA e juros compensatórios, referente ao período de Agosto de 2004. Esse acto de liquidação teve por base a correcção efectuada, em matéria de IVA, na sequência de procedimento externo de inspecção realizada à escrita da Impugnante, à qual foram acrescidos os juros compensatórios devidos nos termos do artigo 89.º do Código do IVA e do artigo 35.º da LGT por ter sido retardada a liquidação do imposto por facto imputável ao sujeito passivo, mas logo abatida, por iniciativa da Administração Tributária e dentro do próprio acto de liquidação, do valor de créditos da impugnante (por reembolso de IVA) no valor de 48.750,00 €, assim se tendo obtido o referido montante liquidado de 6.507,12 €.

O que significa que o acto tributário de liquidação impugnado incorpora não só o montante apurado de IVA em falta e dos respectivos juros compensatórios, como, também, o acto de compensação que simultaneamente foi efectuada por iniciativa da Administração Tributária, a qual procedeu de imediato, no próprio acto de liquidação, à utilização dos créditos disponíveis incluídos nas declarações periódicas apresentadas pela impugnante, aplicando-os no pagamento do IVA e dos juros compensatórios liquidados.

Na presente impugnação judicial, vem discutida não só a legalidade desse acto de compensação de créditos, por falta de prévia audição da impugnante, como, também, a legalidade da própria liquidação do imposto e dos juros compensatórios referente a esse período de Agosto de 2004, pelos vícios de violação de lei que se encontram desenvolvidamente descritos nos artigos 34 e seguintes da petição inicial.

A sentença recorrida, depois de reconhecer que a Administração Fiscal procedeu, em simultâneo, num único acto tributário de liquidação, com o n.º 08025374, à liquidação do IVA em falta e dos juros compensatórios, bem como à sua regularização através de compensações com reembolsos de IVA, julgou que «(...) pretendendo a Administração Fiscal, em simultâneo com o acto de liquidação do imposto devido, proceder à compensação com os reembolsos de IVA, estava obrigada a dar o contraditório à impugnante, posto que o acto tributário em causa não reproduzia pura e simplesmente a correcção operada em sede de acção inspectiva. Demonstrada a violação do direito de audição prévia da impugnante, a consequência da verificação deste vício passará necessariamente pela anulação do acto tributário que vem impugnado (...)», anulando o acto tributário impugnado com base no vício de violação do direito de audição previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária e, ainda, com base na inadmissibilidade de a Administração «compensar dívidas antes de decorrido o prazo para o contribuinte reagir contra o acto de liquidação, como se vem pronunciando uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo (veja-se, por todos, o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 06/05/2009, proferido no processo n.º 0356/08, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf; na doutrina, pode ver-se Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, Vol. 1, 2006, pág. 635)».
Daí que tenha anulado esse acto de liquidação com o n.º 08025374, na sua totalidade.
É contra essa decisão que se insurge a Fazenda Pública, que restringe o objecto do recurso à anulação do acto de liquidação do imposto e dos juros em si, aceitando a anulação do acto de compensação incorporado no acto impugnado, cuja ilegalidade implicitamente reconhece. Isto é, a Recorrente conforma-se com a eliminação da ordem jurídica do acto de compensação, apenas se rebelando contra a anulação da liquidação de IVA e juros compensatórios.

Na sua perspectiva, o acto de compensação distingue-se do acto de liquidação em si, e embora estes dois actos tenham sido incorporados num único acto tributário, a ilegalidade daquele não se comunica ou transmite a este, nem pode determinar a anulação da liquidação adicional do imposto em falta e dos respectivos juros compensatórios. «Ou seja, sendo o acto de compensação distinto do acto de liquidação, relativamente ao qual a Impugnante apresentou uma defesa autónoma, pois efectivamente tem uma fundamentação também autónoma, relativamente à qual nenhum vicio formal é apontado, desconhece-se qualquer fundamento legal, que de resto não é invocado na douta sentença, que determine que embora anulado o acto de compensação, o mesmo seja susceptível de anular também o acto de liquidação de IVA».

A questão em análise reconduz-se, assim, a saber se o acto tributário impugnado devia ter sido anulado na totalidade ou somente na parte inquinada de ilegalidade, isto é, anulado parcialmente, na parte correspondente à compensação ali operada.

Como se sabe, o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial. É esta, aliás, a posição consensual da doutrina e da jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, a qual, para além de apelar a essa divisibilidade (Cfr., entre outros, os acórdãos proferidos em 9/07/1997, no processo n.º 5874; em 22/09/1999, no processo n.º 24101; em 16/05/2001, no processo n.º 25532; em 26/03/2003, no processo n.º 1973/02; em 27/09/2005, no processo n.º 287/05; e em 12/01/2011, no processo n.º 583/10.), apela, também, à natureza de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto, invocando razões ligadas aos princípios processuais da economia processual (para que da sentença ou acórdão do tribunal saia logo uma definição da situação que não careça de qualquer nova pronúncia da administração tributária) e ligadas ao próprio âmbito do contencioso de mera anulação (no qual os limites à plena jurisdição só serão de aceitar em relação àqueles aspectos da acção administrativa em que a plena jurisdição implique para o juiz tributário, enquanto juiz administrativo, a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa) (Cfr. o Prof. Saldanha Sanches, in Fiscalidade, 7/8, Julho-Outubro de 2001, págs. 63 e segs., e o Prof. Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 2ª ed., pág. 397.).

Deste modo, se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira.

No caso presente, os fundamentos de anulação reconhecidos na sentença recorrida valem apenas em relação a uma parte do acto impugnado, isto é, valem somente em relação ao acto de compensação que ali se encontra incorporado, não afectando a validade do acto de liquidação adicional do imposto em falta e dos juros compensatórios.

Como bem nota o Exm.º Procurador Geral Adjunto no seu douto parecer, sendo a liquidação adicional de IVA acto distinto e não consequente do acto anulado de compensação de créditos, não podia ser abrangida pela eficácia da anulação deste, subsistindo na ordem jurídica. A solução da questão da legalidade da liquidação adicional de IVA não ficou prejudicada pela anulação do acto de compensação, impondo-se a sua apreciação.

Assim, e não obstante não estarmos perante dois actos autónomos, mas perante um único acto tributário, este não devia ter sido anulado na totalidade, mas apenas na parte inquinada de ilegalidade.

Como assim, e tendo em conta que a Impugnante apresentou vícios autónomos, próprios e distintos para esses dois vértices do acto impugnado e que o julgador se limitou a analisar os vícios imputados à compensação – os quais não afectam a legalidade da liquidação do imposto em falta, não ficando, assim, prejudicado o conhecimento dos vícios que a esta foram imputados – e que não se encontram ainda reunidos todos os elementos necessários ao conhecimento destes vícios, impõe-se que os autos baixem à 1.ª instância para que, produzida a prova que se mostrar necessária e fixados os factos relevantes dela apurados, se conheça do mérito desses fundamentos de impugnação de acto de liquidação do imposto em falta e dos respectivos juros compensatórios.

4. Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida na parte em que decidiu anular o acto tributário impugnado na sua totalidade, substituindo-a por decisão de anulação parcial desse acto (na parte correspondente à compensação aí operada) e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para aí prosseguirem os seus ulteriores termos com vista ao conhecimento dos vícios imputados ao acto de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios.

Custas neste Supremo Tribunal a cargo da Recorrida, que contra-alegou, com procuradoria que se fixa em 1/8.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2012. – Dulce Manuel Neto (relatora) – Lino Ribeiro – Casimiro Gonçalves.