Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01944/10.7BELRS 0161/18
Data do Acordão:10/10/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
CITAÇÃO
HORA
FALTA DE CITAÇÃO
Sumário:I - Se o tribunal julga a oposição improcedente por caducidade do direito de acção, não pode conhecer dos fundamentos que o oponente invocou na petição inicial, mesmo que sejam do conhecimento oficioso.
II - Ainda que a citação por hora certa, que respeitou os requisitos para esse modo de citação e as formalidades legais da sua realização, seja considerada citação pessoal (que, no caso, era imposta pelo n.º 3 do art. 191.º do CPPT), pode concluir-se pela falta de citação «quando o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que lhe não foi imputável» (cfr. n.º 6 do art. 190.º do CPPT).
III - Não cumpre esse ónus de alegação (e prova), no que respeita à não imputabilidade, aquele que se limita a invocar que à data estava no estrangeiro, onde «desde há alguns anos […] reside grande parte do ano».
Nº Convencional:JSTA000P23715
Nº do Documento:SA22018101001944/10
Data de Entrada:02/12/2018
Recorrente:A..........
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 1944/10.7BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A acima identificada executada (a seguir Oponente ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, com fundamento em caducidade do direito de acção, julgou improcedente a oposição por ela deduzida à execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade para cobrança de dívidas por coimas, IRC e IVA, reverteu contra ela por ter sido considerada responsável subsidiária por essas dívidas.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A. Por douta sentença proferida nos autos, foi a oposição apresentada pela oponente julgada improcedente, por ter sido considerada verificada a excepção de caducidade do direito de acção e, em consequência, a Fazenda Pública absolvida do pedido.

B. Não se conformando com a referida sentença, vem a oponente recorrer nos termos do art. 629.º do CPC, por entender não estar verificada tal excepção.

C. Com efeito, há vários anos que a aqui recorrente reside grande parte do ano no Brasil, motivo pelo qual não recebeu pessoalmente qualquer notificação ou citação no âmbito do presente processo.

D. A aqui recorrente não foi citada pessoalmente, tendo sido afixado nota de certidão de notificação a hora certa, da qual não teve conhecimento por, à data, se encontrar ausente do território nacional.

E. Motivo pelo qual a recorrente desconhecia a existência dos autos de execução fiscal.

F. Só tendo vindo a tomar conhecimento dos mesmos após penhora da conta bancária de que é titular no B…….., o que ocorreu em 22 de Junho de 2010.

G. A fim de se inteirar do Projecto de Reversão, do Despacho de Reversão e ainda da certidão de citação de reversão, em 1 de Julho de 2010 a recorrente solicitou ao Serviço de Finanças competente certidão do processo, a qual foi concedida em 5 de Julho de 2010.

H. Tendo sido deduzida oposição à execução fiscal em 22 de Julho de 2010.

I. Sendo a mesma tempestiva, nos termos do disposto no art. 203.º n.º 1 alínea a) “in fine”, porque deduzida dentro do prazo legal de 30 dias a contar da primeira penhora.

J. Desconhece ainda a recorrente se o encarregado da diligência de citação a hora certa, que terá deixado a nota de certidão de citação, terá ou não voltado ao local para nova tentativa de citação, no dia e hora aprazados.

K. Sendo certo que, com a nota de citação efectuada nos termos do art. 232.º, n.º 4 do CPC (240.º do anterior CPC), não foram transmitidos à recorrente os elementos de transmissão obrigatória ao citando, violando-se assim o n.º 1 e 2 do art. 227.º do CPC (235.º do anterior CPC).

L. Com efeito, não foram remetidos nem entregues à citanda, ora recorrente, petição inicial e cópia dos documentos bem assim como também não lhe foi comunicado qual o processo e os respectivos fundamentos nem o prazo de que disponha para oferecer a sua defesa!

M. Entendendo-se assim estarem violados os artigos 225.º, 227.º e 232.º, n.º 4, todos do actual CPC.

N. Pelo que, não poderia a citação considerar-se correctamente efectuada.

O. Verificando-se antes a falta de citação, nos termos do artigo 188.º n.º 1 al. e) do CPC.

P. Não tendo o meritíssimo juiz [do Tribunal] a quo dado possibilidade à recorrente de provar a irregularidade da sua citação, nos termos do referido art. 168.º do CPC, impedindo assim que a mesma exercesse o seu direito ao contraditório, nos termos do art. 203.º, n.º 1 al. a) do CPPT, para o que estava em prazo.

Q. Ao que acresce a alegada e não apreciada prescrição da dívida exequenda, nos termos do art. 46.º n.º 1 e n.º 3 da LGT.

R. E ainda a alegada e não apreciada excepção de ilegitimidade, nos termos do art. 24.º da LGT e art. 8.º do RGIT.

S. O que consubstancia uma violação do direito à defesa que assiste à recorrente, consagrado nos artigos 20.º n.º 1 e 205.º da Constituição da República Portuguesa.

Por todo o supra exposto,

Entende-se merecer provimento o presente recurso, devendo assim ser alterada a douta sentença proferida, no sentido de vir a recorrente a ser considerada citada na data em que tomou efectivamente conhecimento dos autos de execução, ou seja, em 22 de Junho de 2010 e, em consequência, vir a ser considerada tempestiva a apresentação da oposição».

1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…] resulta para apreciação as seguintes questões:
- se o prazo de oposição é de contar da penhora efectuada, nos termos do art. 203.º n.º 1 al. a) do C.P.P.T., por não ter tomado conhecimento da citação efectuada com hora certa, residindo grande parte do ano no Brasil, não sendo aquela pessoal;
- se a citação efectuada é nula por incumprimento de várias formalidades legais; e
- se o não conhecimento da prescrição e da ilegitimidade consubstancia violação do direito de defesa consagrado nos artigos 20.º. n.º 1 e 205.º da C.R.P.
Vejamos.
No caso dos autos, a citação teve lugar por mandado cumprido com hora certa, sem que o destinatário tivesse assinado o respectivo auto.
Na omissão do que é de entender por citação pessoal, nos termos do previsto no art. 203.º. n.º 1 al. a) do C.P.P.T., é de admitir que tal possa ser considerado com fundamento no art. 240.º n.º 6 do C.P.C.
Nos termos previstos no art. 190.º n.º 6 do C.P.P.T., não tendo sido assinada pela própria pessoa citada, tal fica dependente de ser ainda alegado e demonstrado que não se chegou a ter conhecimento do acto por motivo que não lhe foi imputável.
Ora, a recorrente não põe propriamente em causa o decidido que afastou a aplicação dessa norma, nem invoca prova ainda de que tal resulte.
Acresce que, na formulação do art. 203.º n.º 1 al. a) do C.P.P.T., “a oposição deva ser deduzida no prazo de 30 dias a contar da citação pessoal ou, não a tendo havido, da primeira penhora”, razão pela qual se tem decidido que o prazo de oposição só se pode considerar da primeira penhora, quando não tiver sido efectuada citação pessoal – neste sentido, o acórdão do S.T.A. de 24-2-2011, proferido no processo n.º 0871/10.
Assim, não resultando que seja de afastar que esta tenha ocorrido, a 1.ª questão não pode proceder.
Quanto à nulidade da citação:
Decorrendo a mesma da inobservância de formalidades legais, devia ter sido logo alegada na petição da oposição para que pudesse ser atendida, conforme decidido no acórdão do S.T.A. de 30-7-08, proc. n.º 0355/08, razão pela qual não é de conhecer da dita questão.
Finalmente, quanto ao não conhecimento da prescrição e da ilegitimidade:
A intempestividade do meio de impugnação implica também o não conhecimento destas questões, conforme decidido foi pelo acórdão do S.T.A. de 18-6-13, proferido no proc. 0790/13, pelo que não é de pôr em causa o decidido, e sem que ocorra violação das ditas disposições constitucionais, podendo a recorrente dirigir ainda requerimento ao O.E.F. no sentido de ser reconhecida a invocada prescrição».

1.5 Colhido os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTOS
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida, em ordem ao conhecimento da excepção da caducidade do direito de acção invocada pela Fazenda Pública na contestação, estabeleceu como assente o seguinte circunstancialismo processual:

«A) Em 21.09.2004 foi instaurado no Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2,contra a sociedade “C…………. – ……….., Lda.”, o processo de execução fiscal n.º 3573200401032038 por dívida de coima no montante de 444,50 € (cfr. fls. 1 e 1-verso do PEF apenso).

B) Posteriormente à data mencionada na alínea antecedente, foram apensos do PEF também ali identificado, outros vinte e cinco processos de execução fiscal por dívidas de coimas, IVA e IRC, passando a dívida exequenda a perfazer o total de 22.245,20 € (cfr. fls. 14 a 17 do PEF apenso).

C) Em 21.10.2009, após notificação para o exercício do direito de audição prévia, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2 despacho de reversão contra a Oponente (cfr. fls. 27 a 29 do PEF apenso).

D) O ofício de citação n.º 17268, enviado à Oponente por carta registada com aviso de recepção, foi devolvido em 05.11.2009 com a indicação de objecto não reclamado (cfr. fls. 33 a 34 do PEF apenso).

E) Em 17.03.2010 foi emitido mandado de citação em nome da Oponente (cfr. fls. 35 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

F) Em 21.04.2010 foi afixado na morada de residência da Oponente indicação de dia e hora certo para notificação, aí se dizendo que, por não ter sido possível proceder à notificação, se indicava o dia 28.04.2010, às 10H45, para ser efectuada a notificação, e caso não fosse novamente possível, que a mesma seria efectuada pela afixação da mesma à sua porta (cfr. fls. 41-verso do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

G) Em 28.04.2010, pelas 10H45, foi realizada a afixação de nota de certidão de notificação a hora certa na morada de residência da Oponente, constando a mesma a assinatura do funcionário responsável pela diligência e de duas testemunhas (cfr. fls. 41 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

H) Em 28.04.2010 foi remetido à Oponente o ofício registado n.º 1669, com o seguinte teor:
“Assunto: ADVERTÊNCIA A QUE SE REFERE O ART. 241.º DO CPC POR A CITAÇÃO NÃO TER SIDO FEITA NA PRÓPRIA PESSOA DO EXECUTADO
Exmo. Sr.
De harmonia com o disposto no artigo 241.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 192.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), comunico a V. Exa. que foi citado(a), em conformidade com o disposto no art. 240.º n.º 3 do CPC, no dia 28 de Abril de 2010, pelas 10 horas e 45 minutos, data em que foi afixada a respectiva nota de citação à porta da sua residência, na presença das testemunhas D…………. e E………., funcionários deste Serviço de Finanças.
Fica também informado de que no prazo de 30 dias a contar da citação, prazo esse que é acrescido da dilação de 5 dias (art. 252.º-A do CPC) deverá efectuar o pagamento da dívida exequenda e acrescido legal, ou no mesmo prazo deduzir oposição, requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento, estando à sua disposição neste Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2, onde podem ser levantados, fotocópia (s) do (s) título (s) executivo (s) e da referida nota de citação.
Decorrido aquele prazo sem que tenha sido exercido qualquer das quatro alternativas acima referidas, proceder-se-á de imediato à penhora de bens suficientes para garantirem o pagamento da dívida exequenda e acrescido com todas as consequências legais aplicáveis. (...)” (cfr. fls. 61 do PEF apenso).

I) O ofício transcrito na alínea antecedente foi recepcionado na morada de residência da Oponente em 01.05.2010 (cfr. fls. 62 do PEF apenso).

J) Em 22.07.2010 veio a Oponente apresentar oposição à execução fiscal mencionada em A), na sequência da comunicação enviada pelo B……….., S.A., de penhora realizada em 22.06.2010 de conta de depósitos à ordem e Títulos (cfr. fls. 6 e 14 dos autos)».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A Recorrente discorda da sentença que julgou caducado o direito de deduzir oposição à execução fiscal. Pretende, agora em sede de recurso como já antes na petição inicial, que o dies a quo do prazo para deduzir oposição se situa, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 203.º do CPPT, na data em que lhe foi entregue pelo órgão da execução fiscal a certidão que aí requereu na sequência da comunicação que lhe foi feita pela instituição bancária, de que a sua conta tinha sido penhorada, momento em que, segundo alega, teve pela primeira vez conhecimento da execução fiscal.
Nos termos da factualidade assente, a citação da ora Recorrente para a execução fiscal foi efectuada por hora certa. A Oponente, na petição inicial, não pôs em causa que estivessem verificados os requisitos para o recurso a esse modo de citação nem que esta tivesse sido efectuada com respeito pelas formalidades legais; invocou apenas, em ordem a demonstrar a tempestividade da oposição, que não teve conhecimento da citação «uma vez que à época estava fora do território nacional» e que «não recebeu pessoalmente qualquer notificação ou citação no âmbito dos presentes autos» porque «[d]esde há alguns anos que a executada reside grande parte do ano no Brasil».
Na sentença recorrida – depois de se realçar que a falta de citação podia ser conhecida em sede de oposição à execução fiscal, não como fundamento da mesma, mas a título prejudicial, designadamente a fim de indagar da tempestividade do direito de acção – considerou-se que a ora Recorrente foi validamente citada para a execução fiscal, na modalidade de citação com hora certa; considerou-se também que a Oponente, apesar de alegar o não conhecimento da citação, não alegou factualidade que permitisse concluir que o mesmo não lhe era imputável, como lho exige a alínea e) do n.º 1 do art. 188.º do Código de Processo Civil e o n.º 6 do art. 190.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Isto porque, para esse efeito, não lhe bastava alegar que reside parte do ano no Brasil, antes se lhe impunha, em face dessa circunstância, alegar também que tinha providenciado no sentido de assegurar, por si ou mediante representante, o recebimento das comunicações efectuadas na sua morada em Portugal, onde manteve o seu domicílio fiscal.
Concluiu a sentença que, «estando em causa a alegação e prova da não imputabilidade da falta de citação por parte da Oponente, e mesmo apelando a um critério de mínima exigência dessa alegação e prova, e sendo de entender a imputabilidade em sentido geral como conduta reprovável do agente, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia agir de outro modo, não pode o Tribunal deixar de concluir que a Oponente não lograria demonstrar que não tomou conhecimento do acto de citação por motivo que não lhe é imputável, pelo que a citação realizada se mostraria válida e correctamente efectivada».
Assim, e porque é inquestionável que quando a petição inicial foi apresentada há muito se tinha esgotado o prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 203.º do CPPT, a oposição à execução fiscal foi julgada improcedente por caducidade do direito de acção.
A Oponente não se conformou com a sentença e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo. Vejamos, resumidamente, quais os fundamentos do recurso e as questões suscitadas pela Recorrente, de acordo com as conclusões que formulou:
i) não teve conhecimento da citação nem da existência da execução fiscal porque desde «há vários anos que […] reside grande parte do ano no Brasil» e só veio a tomar conhecimento das mesmas na sequência da penhora da sua conta bancária e da certidão que então pediu ao órgão da execução fiscal, sendo a partir da data em que lhe foi entregue essa certidão que deve contar-se o prazo da oposição (conclusões A a I), o que, adiantamos, a nosso ver, constitui um modo de imputar à sentença erro de julgamento quanto à questão da caducidade do direito de acção;
ii) desconhece se foram observadas as formalidades da citação com hora certa, «[s]endo certo que, com a nota de citação efectuada nos termos do art. 232.º, n.º 4 do CPC (240.º do anterior CPC), não foram transmitidos à recorrente os elementos de transmissão obrigatória ao citando, violando-se assim o n.º 1 e 2 do art. 227.º do CPC (235.º do anterior CPC)», designadamente «não foram remetidos nem entregues à citanda, ora recorrente, petição inicial e cópia dos documentos bem assim como também não lhe foi comunicado qual o processo e os respectivos fundamentos nem o prazo de que disponha para oferecer a sua defesa» (conclusões J a O), ou seja, como melhor veremos adiante, suscita a Recorrente a questão da nulidade da citação, que qualifica como falta de citação;
iii) foi violado o princípio do contraditório, porque não foi dada «possibilidade à recorrente de provar a irregularidade da sua citação, nos termos do referido art. 168.º do CPC, impedindo assim que a mesma exercesse o seu direito ao contraditório, nos termos do art. 203.º, n.º 1 al. a) do CPPT, para o que estava em prazo» (conclusão P);
iv) não foram conhecidas as questões da legitimidade (substantiva) e da prescrição da obrigação tributária, expressamente invocadas como fundamentos da oposição, o que constitui violação do direito de defesa, que tem consagração nos arts. 20.º, n.º 1 e 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) (conclusões Q a S).
Vejamos:
Quanto à questão a que se refere o fundamento acima identificado sob o n.º i), há que notar, desde logo, que, apesar de discordar do julgamento no sentido da caducidade do direito de deduzir oposição à execução fiscal, a Recorrente se alheia dos fundamentos em que a sentença fez assentar aquele juízo, designadamente quando considerou que não se podia dar como verificada a falta de citação porque, apesar de a Oponente e ora Recorrente ter invocado que não teve conhecimento da citação, não alegou factualidade susceptível de demonstrar que esse não conhecimento lhe não é imputável, como o exigia n.º 6 do art. 190.º, em sintonia com o disposto na alínea e) do n.º 1 do art. 188.º do CPC.
A Recorrente, ao invés de contrariar essa fundamentação, insistiu na alegação que, a esse propósito, tinha aduzido na petição inicial. Ora, este Supremo Tribunal tem vindo a entender que a mera repetição da argumentação da petição inicial, constituindo ainda um modo válido de expressar a discordância com a sentença que não acolheu essa argumentação, não obriga o tribunal ad quem, na ausência de concretização pelo recorrente dos motivos por que discorda da sentença, a mais do que remeter para a fundamentação nela expendida, se com ela concordar.
Seja como for, a questão da caducidade do direito de acção será reapreciada.
Quanto ao fundamento acima identificado sob o n.º ii), o mesmo não pode ser apreciado em sede de recurso por se tratar de questão nova. Na verdade, na petição inicial a ora Recorrente não pôs em causa a citação, quer quanto aos pressupostos da hora certa quer quanto às formalidades da mesma; alegou apenas o desconhecimento do acto.
A questão ora suscitada nas conclusões J a O – que não é de falta de citação, como sustenta a Recorrente, mas de nulidade da citação ( Eventual inobservância das formalidades legais exigíveis à citação apenas é susceptível de configurar uma nulidade do acto de citação, nos termos do art. 191.º, n.º 1 (anterior art. 198.º, n.º 1), do CPC (que dispõe: «1. Sem prejuízo do disposto no artigo 188.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei»), e não já não, como pretende a Recorrente, a falta de citação, tal como a define o art. 188.º (anterior art. 191.º) do CPC.) – não foi suscitada na petição inicial. Admitindo que a mesma possa ser conhecida em sede de oposição à execução fiscal – não como fundamento de oposição (A nulidade da citação não consubstancia fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos do disposto no art. 204.º do CPPT, não sendo subsumível, designadamente, na previsão da alínea i) do n.º 1 daquele artigo e, como nulidade, deverá ser invocada perante o órgão da execução fiscal (cf. n.ºs 1 e 2 do art. 191.º do CPC, que corresponde ao art. 198.º na anterior versão do Código), com possibilidade de reclamação para o tribunal tributário de eventual decisão desfavorável (art. 276.º do CPPT). Neste sentido, vide, por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 30 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 1410/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2f4b4d2ddd4d7102802582ac002e467e;
- de 4 de Julho de 2018, proferido no processo n.º 1644/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6bf437a5e4df8670802582c5003bf2de.
No mesmo sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 13 ao art. 165.º, págs. 144/145.), mas incidentalmente, a fim de apreciar a questão da caducidade do direito de acção –, a verdade é que só foi invocado pela primeira vez em sede de recurso. Ora, como é sabido, o recurso jurisdicional constitui um meio de impugnação da decisão judicial com vista à sua alteração ou anulação pelo tribunal superior após reexame da matéria de facto e/ou de direito nela apreciada, correspondendo, assim, a um pedido de revisão da legalidade da decisão com fundamento nos erros e vícios de que padeça. O recurso jurisdicional visa apenas o reexame da decisão recorrida com vista à sua eventual anulação ou revogação, motivo por que não constitui forma de conhecer de questões novas, isto é, que não tenham sido oportunamente suscitadas perante o tribunal ad quem, salvo sempre o dever de conhecimento oficioso.
Assim, não pode agora este Supremo Tribunal Administrativo dela conhecer.
Em consonância, fica também prejudicado o conhecimento da questão a que se refere o fundamento supra identificado sob o n.º iii). Porque não é possível apreciar no presente recurso a questão da nulidade da citação, também não pode apreciar-se a invocada violação do princípio do contraditório (que se nos afigura antes violação do princípio da instrução) relativamente a essa questão.
Quanto ao fundamento acima referido sob o n.º iv), qual seja a falta de conhecimento das questões das invocadas ilegitimidade substantiva da Oponente e prescrição da dívida exequenda, entendemos que inexiste qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
Como este Supremo Tribunal tem dito inúmeras vezes, verificando-se a caducidade do direito de acção, não pode o tribunal apreciar qualquer outra questão, ainda que do conhecimento oficioso, como o é a prescrição das obrigações tributárias ( Neste sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 22 de Julho de 2017, proferido no processo n.º 706/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7532ab1f15016ec6802580d4003e43bb;
- de 20 de Junho de 2018, proferido no processo n.º 748/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0ff9ac8203ea7acc802582b70047a3c4.). Não pode, pois, considerar-se que haja omissão de pronúncia relativamente às questões da legitimidade substantiva da Oponente e da prescrição da dívida exequenda, uma vez que o Tribunal Tributário de Lisboa não estava obrigado a conhecê-las, uma vez que o seu conhecimento ficou prejudicado pela decisão dada à questão da tempestividade da oposição [cfr. art. 125.º do CPPT e art. 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, ambos conjugados com o n.º 2 do art. 608.º do CPC].
Não significa isto que a ora Recorrente esteja impedida invocar a prescrição no processo de execução fiscal; poderá ainda fazê-lo por requerimento endereçado ao órgão da execução fiscal, cabendo recurso judicial de eventual decisão desfavorável (cfr. art. 276.º do CPPT).
Assim, a única questão que se impõe conhecer no presente recurso é a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao considerar caducado o direito de acção, o que passa por saber se pode considerar-se que houve falta de citação, nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do art. 188.º (anterior 195.º) do CPC, ou seja, se ficou demonstrado «que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável».

2.2.2 DO ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO – DA FALTA DE CITAÇÃO

A sorte do recurso joga-se em torno da resposta que merecer a questão de saber se há falta de citação. Na verdade, só a resposta negativa permitirá concluir, como concluiu a sentença recorrida, que estava já esgotado o prazo para deduzir oposição, uma vez que, em regra, este se conta da data da citação, como resulta da alínea a) do n.º 1 do art. 203.º do CPPT.
A citação do executado é o acto pelo qual lhe é dado conhecimento da instauração da execução (cfr. art. 35.º, n.º 2, do CPPT).
No caso do chamado à execução fiscal na qualidade de responsável subsidiário, a citação destina-se, não só a dar-lhe conhecimento da execução, mas também de que a mesma reverteu contra ele, motivo por que passa a nela ocupar a posição de executado. Por isso, o legislador impôs que a sua citação será pessoal (n.º 3 do art. 191.º do CPPT).
Nos termos do n.º 1 do art. 192.º do CPPT: «As citações pessoais são efectuadas nos termos do Código de Processo Civil, sem prejuízo, no que respeita à citação por transmissão electrónica de dados, do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo anterior».
Assim, porque no caso não houve citação electrónica, aplicam-se à citação pessoal as regras da citação que constam do art. 190.º do CPPT e do CPC.
Nos termos do CPC, a citação pessoal faz-se, em regra, por carta registada com aviso de recepção, considerando-se que a entrega ao citando dessa carta constitui uma modalidade de citação pessoal [cfr. alínea b) do n.º 2 do art. 233.º do CPC].
Para citação do ora Recorrente foi-lhe enviada carta registada com aviso de recepção, endereçada para a sua residência, em sintonia com o prescrito no art. 236.º (actualmente 228.º), n.º 1, do CPC.
Porque esta carta não foi reclamada, foi emitido mandado pelo órgão da execução fiscal para citação por contacto pessoal. Na verdade, nos termos do disposto no art. 239.º (hoje 231.º), n.ºs 1 e 8 do CPC, frustrando-se a via postal, a citação será efectuada mediante contacto pessoal do funcionário do órgão da execução fiscal com o citando.
O funcionário dirigiu-se à residência da citanda e, não tendo conseguido efectuar a citação, aí deixou nota com indicação de dia e hora certa para a diligência, mediante aviso afixado na porta, como prescrito, à data, no n.º 1 do art. 240.º (actualmente art. 232.º) do CPC. No dia e hora designados, o funcionário compareceu no mesmo local e, não lhe sendo possível efectuar a citação por aí não ter encontrado ninguém nem qualquer outra pessoa que a pudesse receber, deixou afixada na porta a nota de citação, tudo na presença de duas testemunhas, nos termos dos n.º 3 do mesmo art. 240.º (actualmente art. 232.º) do CPC.
Ulteriormente, e em obediência ao disposto no art. 241.º (hoje art. 233.º) do CPC, foi remetida para a residência da citanda carta registada, dando conhecimento do modo como tinha sido efectuada a citação e da data em que esta se considera efectuada, bem como do prazo para efectuar o pagamento e deduzir oposição, requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento e da cominação aplicável na falta de exercício de qualquer desses direitos.
Assim, a citação foi efectuada de acordo com os requisitos e com respeito pelas formalidades, considerando-se citação pessoal, como decorre do n.º 6 do art. 240.º (actualmente 232.º) do CPC.
De tudo isso, bem deu conta a sentença recorrida.
Sustentou a ora Recorrente, na petição inicial e nas alegações de recurso, que não teve conhecimento da citação «uma vez que à época estava fora do território nacional» e que o motivo por que «não recebeu pessoalmente qualquer notificação ou citação no âmbito dos presentes autos» foi porque «[d]esde há alguns anos que a executada reside grande parte do ano no Brasil».
No n.º 6 do artigo 190.º do CPPT – que tem paralelo na alínea e) do n.º 1 do art. 188.º do CPC – estabelece-se que só ocorre falta de citação quando o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto, por motivo que lhe não foi imputável. Esta disposição do CPPT supõe que tenha sido praticado um acto de citação, com observância dos requisitos previstos na lei, sendo à AT, naturalmente, que incumbe demonstrar que ele foi efectuado. No caso, não é controvertido que o acto respeitou quer os pressupostos da citação com hora certa quer as formalidades da mesma (vimos já não ser aceitável a alegação que, apenas em sede de recurso, veio questionar o cumprimento dessas formalidades).
A Executada por reversão alegou factualidade no sentido de demonstrar que não teve conhecimento do acto, afirmando que à data estava fora do território nacional. Mas, como resulta do n.º 6 do art. 106.º do CPPT, o ónus de alegação e prova que aí é feito recair sobre o citando, incide não só sobre o não conhecimento do teor do acto, mas também sobre a não imputabilidade. Ora, como bem salientou o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, a Oponente não alegou factualidade «quanto à sua não imputabilidade no não conhecimento da citação».
O recurso não fez qualquer esforço no sentido de refutar essa proposição, que se nos afigura correcta.
Na verdade, a alegação factual aduzida na petição inicial não é susceptível de justificar um juízo de não imputabilidade pelo não conhecimento do acto, quer este se resuma a um nexo de causalidade material entre o comportamento (ausência no estrangeiro) e o resultado (não conhecimento da situação), quer se assuma, como se nos afigura mais curial, como ausência de comportamento susceptível de ser objecto de um juízo de censura. Na verdade, a não imputabilidade a que se refere o n.º 6 do art. 190.º do CPPT não deverá ser dissociada de um juízo de culpa.
Ora, a Oponente não só não ensaiou qualquer alegação que pudesse integrar um juízo de não censurabilidade, como até alegou factualidade que permite imputar o não conhecimento da citação a um seu comportamento que não pode ficar isento de censura. Na verdade, se a ora Recorrente, como alega, desde há vários anos «reside grande parte do ano Brasil», impunha-se-lhe que tomasse providências no sentido de assegurar a possibilidade de tomar conhecimento das comunicações que lhe fossem efectuadas pela AT durante os períodos de ausência da sua residência, tanto mais que estes assumem carácter de regularidade («[d]esde há alguns anos») e de longa duração («grande parte do ano»). Ou seja, assumindo a Recorrente que não estava na sua residência, com carácter de regularidade, por longos períodos, impunha-se-lhe, a fim de demonstrar a não imputabilidade pelo não conhecimento do acto, alegar que tinha diligenciado no sentido de tomar conhecimento de eventuais comunicações que lhe viesse a ser efectuadas pela AT durante esses períodos, designadamente através da nomeação de um representante fiscal, como previsto no art. 19.º da LGT. Tudo como bem salientou o Juiz do Tribunal a quo.
Ou seja, o n.º 6 do art. 190.º do CPPT acautela as situações em que o executado, sem culpa, se mantém no desconhecimento da instauração ou da reversão da execução, por o acto de citação ter consistido na afixação da nota de citação, nos termos do n.º 3 do art. 232.º, concretizando a «necessidade de tutela do direito de defesa, que a garantia constitucional de acesso à justiça postula», necessidade que se tornou «mais premente com a generalização da modalidade da citação postal e o alargamento do emprego da citação com hora certa, na senda da progressiva substituição, imposta pelas realidades da vida hodierna, da certeza do conhecimento da citação pela presunção desse conhecimento», designadamente mediante a concessão ao citando da possibilidade «de provar que dela [citação] não chegou a ter conhecimento antes do termo do prazo da defesa, por facto que não lhe seja imputável», «sem prejuízo de o tribunal dever usar de elevado grau de exigência na verificação da inimputabilidade do desconhecimento ao citando» ( Cfr. LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2008, volume 1.º, pág. 355, anotação 5 ao art. 195.º, norma paralela ao n.º 6 do art. 190.º do CPPT. ).
No caso, como deixámos dito, a Oponente limitou-se a alegar o desconhecimento da citação no processo de execução fiscal e não alegou factualidade que permitisse ao Tribunal concluir que esse desconhecimento não lhe era imputável.
Assim, entendemos que o Tribunal a quo fez correcto julgamento quando, a fim de aferir da caducidade do direito de acção, considerou que não podia dar como verificada a falta de citação. O recurso não pode, pois, ser provido.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Se o tribunal julga a oposição improcedente por caducidade do direito de acção, não pode conhecer dos fundamentos que o oponente invocou na petição inicial, mesmo que sejam do conhecimento oficioso.
II - Ainda que a citação por hora certa, que respeitou os requisitos para esse modo de citação e as formalidades legais da sua realização, seja considerada citação pessoal (que, no caso, era imposta pelo n.º 3 do art. 191.º do CPPT), pode concluir-se pela falta de citação «quando o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que lhe não foi imputável» (cfr. n.º 6 do art. 190.º do CPPT).
III - Não cumpre esse ónus de alegação (e prova), no que respeita à não imputabilidade, aquele que se limita a invocar que à data estava no estrangeiro, onde «desde há alguns anos […] reside grande parte do ano».

* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 10 de Outubro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.