Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0400/14
Data do Acordão:04/23/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
ÂMBITO TEMPORAL
PRESUNÇÃO
Sumário:A determinação do rendimento com base na aquisição de um bem previsto na tabela do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT só pode ser feita uma vez, relativamente ao ano em que se verificou ou em qualquer um dos três anos seguintes em que, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista, e não em todos esses anos.
Nº Convencional:JSTA00068671
Nº do Documento:SA2201404230400
Data de Entrada:03/31/2014
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
Legislação Nacional:LGT98 ART89-A N1 N4
Jurisprudência Nacional:AC TC PROC43/2014 DE 09/01; AC STA PROC0433/13 DE 2013/04/13; AC STA PROC01203/13 DE 2013/07/24
Referência a Doutrina:ANA PAULA DOURADO E ANA GABRIELA ROCHA - MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA PRESSUPOSTOS E LIMITES DE TRIBUTAÇÃO COMENTÁRIO AO AC DO STA DE 24 DE JULHO DE 2013 IN REVISTA DE FINANÇAS PUBLICAS E DIREITO FISCAL ANO VI N3 2013 PAG289-299.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 27 de Fevereiro de 2014, que julgou totalmente procedente o recurso interposto por A………… e B…………, com os sinais dos autos, contra a decisão do Director de Finanças de Braga, notificada em 24 de Abril de 2012, que fixou o seu rendimento tributável para efeitos de IRS do ano de 2009 com recurso a métodos indirectos (artigo 89.º-A n.º 4 da LGT) no valor de €144.000,00, em razão da aquisição, em 2008, de dois prédios rústicos no valor total de € 720.000,00.
A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1.º A douta sentença proferida pelo TAF de Braga está fundamentada na interpretação de que o artigo 89.º-A n.º 4 da LGT não permite a tributação para os três anos seguintes ao exercício no qual é evidenciada a manifestação de fortuna, mas apenas neste. Isto apesar de a norma conter a menção expressa ao vocábulo “e” que, desde logo, indicia cumulação de pressupostos.
2.º Como sustento da decisão tomada, é apontada jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte, nomeadamente a constante do acórdão proferido a 28 de Fevereiro de 2013, no âmbito do processo n.º 00519/12.0BEPNF, no qual se refere que «Apesar da referência do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT aos “três anos seguintes”, a administração tributária não pode determinar o rendimento tributável operando a presunção do artigo 89º da LGT mais do que uma vez com base na mesma manifestação de fortuna”.
3.º No entanto, face à jurisprudência mais recente, emanada do Tribunal Constitucional, mormente através do acórdão 43/2014 de 09 de Janeiro último, esta fundamentação veio a ser considerada destituída de razão.
4.º Com efeito, na situação em apreço nos autos, os SP`s efectuaram aquisições de imóveis, em 2008, no valor total de €720.000,00, e, em 2009, no montante de €1.210.000,00.
5.º Enquanto declararam rendimentos líquidos, entre 2008 e 2010, de verba pouco superior a €120.000,00.
6.º Quando, em sede de procedimento inspectivo, foram instados a fazer prova de ter sido outra a origem dos rendimentos, não o lograram fazer pelo que, nos termos propostos no n.º 4 do art. 89.º-A da LGT, foi inicialmente fixado o rendimento padrão de €144.000,00 para cada um dos anos de 2008, 2009 e 2010.
7.º Ora, é esta fixação para 2009 que vem a ser contestada em sede de recurso jurisdicional, alegando-se que o mesmo facto serve de fundamentação a repetidas tributações.
8.º O que o Acórdão do Tribunal Constitucional vem dizer, e que sufragamos inteiramente, é que não se trata “(…) de extrair consequências plúrimas do mesmo facto, mas de repercutir – relevar – o mesmo facto presumido em vários períodos de incidência de IRS, no que representa um escalonamento da avaliação presuntiva do rendimento.”
9.º Com efeito, os elementos constantes do art. 89.º-A não pretendem eles próprios dar o valor exacto do rendimento auferido, constituindo apenas e só o ponto de partida para aplicação de um método presuntivo de rendimentos, face à inexistência de recursos comprovados apontados pelos contribuintes.
10.º Nessa medida, “(…) o rendimento que se presume auferido e não tributado como devido, encontra-se a partir da aplicação do percentual de 20% a esse valor, sendo o resultado – o rendimento padrão – a expressão do afluxo de proventos numa base anual que se tem como fundadamente indiciado, para efeitos de controlo da sua desconformidade com os rendimentos declarados e eventual liquidação adicional de IRS durante quatro períodos de tributação, caso não justificada.
11.º O que se pretende com as regras ínsitas no art. 89.º-A é concretizar razões de prática comum, de acordo com as quais só em situações muito excepcionais, alguém pode efectuar aquisições daquela natureza com rendimentos auferidos num único ano.
12.º Com efeito, resulta do sendo comum que, na maioria das situações, só a poupança acumulada de muitos anos permite concretizar aquisições cujo montante seja desta grandeza.
13.º O que não indica, no entanto, que o facto de não ocorrerem factos susceptíveis de integrar a tabela daquele artigo, i.e, se não houver aquisições em todos os anos, seja porque os rendimentos já não o permitem, podendo apenas constituir sinal de uma vontade de não aquisição.
14.º Deste modo, e continuando a citar o douto aresto “(…) Nada obsta, então, a partir dos mesmos dados e do mesmo padrão quanto à presumível e subjacente obtenção de um rendimento de 20% do montante aplicado na aquisição de bens imóveis, o legislador confira idêntico grau de probabilidade à constância desse nível de rendimentos nos três anos seguintes, justificando que, também então, tal montante sirva de base de aferição e de medida da verificação de desconformidade com o valor dos rendimentos declarados pelo sujeito passivo.
15.º “E que, quando não justificada tal desconformidade em fase contraditória, em qualquer desses três anos seguintes, opere a fixação da matéria colectável do imposto através de presunção de rendimento, sem que daí decorra qualquer “transposição para anos posteriores de rendimentos obtidos em anos anteriores”.
16.º Ou seja, ao SP é sempre garantida a possibilidade de ilidir a presunção que sobre si impende e, só não o fazendo, é que se criam condições para recorrer àquele método presuntivo o que, por si só, estreita a margem de erro no momento da fixação.
17.º Pelo que, citando novamente o referido acórdão, “Não se encontra, assim, nesse sentido normativo, solução de fixação de rendimento presumido ilógica, desrazoável ou incompatível com o pressuposto económico erigido como objecto do imposto, sendo certo que a capacidade contributiva encontra expressão, para além do rendimento, também na utilização dos bens e no património acumulado.”
18.º Não olvidando nunca que o art. 89.º-A da LGT foi elaborado tendo por principal razão o combate à fraude e à evasão fiscal e, nesse sentido, se instituiu o alargamento do horizonte de controlo por parte da AT por um período de quatro anos (o ano da verificação da aquisição de imóveis e os três anos posteriores), pois, de outra forma a eficácia desta medida ficaria seriamente comprometida ou mesmo inviabilizada.
19.º Por todo o exposto, e tal como é concluído no douto acórdão do Tribunal Constitucional, nada impede que a avaliação presuntiva de rendimentos tributáveis possa ter lugar nos três anos posteriores àquele em que ocorre o facto consubstanciador da manifestação de fortuna.
Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser mantido o acto de fixação da matéria colectável, por métodos indirectos, nos termos do artigo 89.º-A, n.ºs 1 e 4, da LGT, dos rendimentos sujeitos a IRS no ano de aquisição e nos três anos seguintes.

2 – Contra-alegaram os recorridos, concluindo nos termos seguintes:
A. Em sede de recurso jurisdicional, deduzido no Tribunal administrativo e Fiscal de Braga (cfr. art. 89.º-A, n.º 7, da LGT), foi proferida douta sentença onde se conclui pela total procedência do presente recurso e ordenou a anulação da decisão do Director de Finanças de Braga, que fixou o rendimento colectável por métodos indirectos no ano de 2009, a enquadrar na categoria G, em sede de IRS, no valor de €144.000,00.
B. O Tribunal a quo concluiu “que no caso dos autos a decisão de tributar os recorrentes por métodos indirectos no ano de 2009, em consequência da manifestação de fortuna ocorrida em 2008, padece do vício de violação de lei (…)”;
C. Inconformada com a douta sentença, a Fazenda Pública apresentou recurso, invocando a errada interpretação da norma do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT, alicerçando o seu entendimento no Acórdão n.º 43/2014 do Tribunal Constitucional;
D. Na verdade, o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional a norma contida nos n.º 2, al. a), e n.º 4, do art. 89.º-A da Lei Geral Tributária, na redacção da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, na interpretação de que a manifestação de fortuna apresentada pelo contribuinte permite à Administração Tributária a correcção do rendimento, para efeito de IRS, em qualquer dos três anos seguintes ao ano em que se verifica;
E. Com efeito, os Recorridos entendem que não assiste razão à Fazenda pública sobre a questão aqui colocada em crise. Senão vejamos,
F. O Professor João Sérgio Ribeiro afirma que “a presunção só pode ser feita uma vez, e não em vários anos como por vezes a Administração Fiscal pretende, ou como parece resultar da redacção que recentemente foi dada ao artigo 89.º-A, n.º 4, da LGT, a qual se apresenta pouco clara e susceptível de induzir interpretações perigosas do preceito.”
G. Alicerçando douta opinião na jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte (Acórdão de 26/01/2006, proc. n.º 01198/05.7BEVIS e de 25/01/2007, proc. n.º 00636/06BECRB), onde foi afastada a posição da Administração Fiscal no sentido de considerar a manifestação de fortuna relevante para determinar o rendimento de dois períodos fiscais distintos;
H. Afirmando mesmo que a interpretação da norma feita pela Administração Fiscal abala a própria natureza jurídica do mecanismo das manifestações de fortuna que assenta numa presunção e não em várias presunções;
I. Neste sentido, a Jurisprudência tem sufragado tal entendimento. Vejamos,
J. O acórdão de 17.04.2013, da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0433/13;
K. Neste Acórdão os Veneráveis Conselheiros concluíram que “a presunção de rendimentos do art. 89.º-A apenas pode actuar uma vez, ou seja, relativamente ao ano em que se verificou ou em qualquer um dos três anos seguintes em que, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista, e não em todos esses casos.”
L. Recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça voltou a sufragar a posição defendida pelo Professor Doutor João Sérgio Ribeiro e pelo Acórdão do STA de 17.04.2013;
M. Os Veneráveis Conselheiros, no Acórdão do STA de 24.07.2013, afirmaram que a determinação do rendimento com base na aquisição de um bem previsto na tabela do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT só pode ser feita uma vez, relativamente ao ano em que se verificou ou em qualquer um dos três anos seguintes em que, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista, e não em todos esses anos;
N. No caso aqui em apreço, a Administração Tributária fixou o rendimento colectável por métodos indirectos no ano de 2009, com base na manifestação de fortuna do ano de 2008.
O. Assim sendo, os Recorridos sufragam, na íntegra, a Doutrina e a Jurisprudência vertida sobre a interpretação do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT.
P. Com efeito, a interpretação que a Administração Tributária faz da norma citada tem um carácter gravemente sancionatório e confiscatório.
Q. Devendo o recurso apresentado pela Fazenda Pública ser considerado improcedente por não fundamentado;
R. A decisão do Tribunal Constitucional, no caso concreto, não é de aplicação obrigatória, porque a decisão proferida em primeira instância não foi considerada a norma aplicável como inconstitucional;
S. Em Acórdão do TCA Norte de 30.04.2013, processo n.º 1608/12.7BEBRG, com trânsito em julgado, foi decidido anular a fixação do rendimento de 2009, no montante de €378.000,00, na parte que levou em consideração as aquisições de 2008;
T. Nos presentes autos, o rendimento fixado de €144.000,00 foi com base nas aquisições de 2008;
U. Deverá assim ser mantida a douta sentença recorrida no universo jurídico, com todas as consequências legais.
Nestes termos e nos demais em direito permitidos, não merecendo a douta sentença recorrida qualquer censura, não deverá ser concedido provimento ao recurso apresentado pela fazenda pública, pois só assim farão vossas excelências, veneráveis conselheiros, a costumada JUSTIÇA.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 259/260 dos autos, concluindo no sentido de que «(…) parece haver boas razões para rever a jurisprudência, para já, firmada pelo STA nos dois referidos acórdãos, e assim julgar-se o recurso procedente».

Com dispensa de vistos, dado o carácter urgente do processo, vêm os autos à Conferência.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter julgado procedente o recurso interposto pelos ora recorridos relativamente à fixação por métodos indirectos do rendimento tributável em sede de IRS do ano de 2009, com base em “manifestação de fortuna” não justificada verificada em 2008.



5 – Matéria de facto
Na sentença do objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
A) No ano de 2008, o ora Recorrente adquiriu dois Prédios rústicos, inscritos na matriz sob os artigos 332.º e 619.º da freguesia de ………, pelo preço de €540.000,00 e €180.000,00, respectivamente, no total de €720.000,00;
B) Nos anos de 2008, 2009 e 2010, os Recorrentes declararam um rendimento líquido, colectável, respectivamente, de €32.730,80, €41.523,67 e €48.028,16;
C) No âmbito da acção inspectiva efectuada aos Recorrentes, foi elaborado o relatório final que consta do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, constando do mesmo, designadamente, o seguinte:
“(…)
Sendo o rendimento padrão de 144.000,00€ e tendo o sujeito passivo declarado em 2008, rendimentos líquidos no montante de 32.730,80€, portanto em montante inferior a 50% relativamente ao referido rendimento padrão, encontram-se reunidas as condições legais para de acordo com o rendimento colectável nos seguintes montantes:
2008
20% X 720.000,00€=€144.000,00
2009
20% X 720.000,00€=€144.000,00
2010
20% X 720.000,00€=€144.000,00
Os quais de acordo com a alínea d) do n.º 1 do art. 9.º do Código de IRS, serão considerados como rendimento da categoria G.
(…)”.
D) Este Relatório mereceu o seguinte parecer, do Chefe de Equipa: “Concordo com o teor do relatório e com as suas conclusões. O sujeito passivo declarou em 2008, rendimentos de montante inferior a 50% em relação ao rendimento padrão apurado de acordo com o n.º 4 do art. 89.º-A da LGT, não tendo demonstrado, a fonte de rendimentos necessários para assegurar as manifestações de fortuna evidenciadas, concordo com a fixação do rendimento da cat. G, conforme previsto no art. 89.º-A, n.º 4 da LGT para os exercícios de 2008, 2009 e de 2010;
E) Sobre o referido Relatório, o Director de Finanças (em substituição) apôs o seguinte despacho, em 19.04.2012: “Concordo com o teor do presente relatório e com as suas conclusões. Considerando os fundamentos dele constantes, deve o conjunto dos rendimentos líquidos de IRS do ano de 2010 ser determinado por avaliação indirecta, mediante a aplicação do regime previsto no art. 89.º-A da LGT (manifestações de fortuna);
F) Da decisão a que alude o n.º anterior, foram os ora Recorrentes e a respectiva mandatária notificados por cartas registadas com aviso de recepção, recepcionadas em 24.04.2012;
G) É da decisão referida nas alíneas anteriores que os recorrentes apresentam este recurso.

6 – Apreciando.
6.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida
A sentença recorrida, a fls. 204 a 212 dos autos, julgou totalmente procedente o recurso judicial interposto pelos ora recorridos contra a decisão do Director de Finanças de Braga que fixou o seu rendimento tributável para efeitos de IRS do ano de 2009 com recurso a métodos indirectos (artigo 89.º-A n.º 4 da LGT) no valor de €144.000,00, em razão da aquisição, em 2008, de dois prédios rústicos no valor total de € 720.000,00 - decisão esta simultânea com decisões de idêntico teor e fundamentação em relação aos anos de 2008 e 2010 -, fundamentando o decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 28 de Fevereiro de 2013, proc. n.º 00519/12.0BEPNF, cujo sumário e teor parcialmente transcreve (cfr. sentença recorrida, a fls. 210/211 dos autos) e no Acórdão do mesmo Tribunal bem conhecido das partes, proferido nos autos dos mesmos recorrentes com o n.º 1608/12BEBRG.
Discorda do decidido a Fazenda Pública, alegando que a interpretação adoptada na sentença recorrida por adesão à jurisprudência do TCA-Norte nela citada – nos termos da qual Apesar da referência do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT aos “três anos seguintes”, a administração tributária não pode determinar o rendimento tributável operando a presunção do artigo 89º da LGT mais do que uma vez com base na mesma manifestação de fortuna” – deve ser considerada, face à jurisprudência mais recente, emanada do Tribunal Constitucional, mormente através do acórdão 43/2014 de 09 de Janeiro último, (…) destituída de razão, porquanto não se trata “(…) de extrair consequências plúrimas do mesmo facto, mas de repercutir – relevar – o mesmo facto presumido em vários períodos de incidência de IRS, no que representa um escalonamento da avaliação presuntiva do rendimento”, (…) nada impedindo que a avaliação presuntiva de rendimentos tributáveis possa ter lugar nos três anos posteriores àquele em que ocorre o facto consubstanciador da manifestação de fortuna.
O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste STA defende o provimento do recurso, por lhe parecer, em face do citado Acórdão do Tribunal Constitucional, haver boas razões para rever a jurisprudência.
Contra-alegaram os recorridos, pugnando pela manutenção do julgado recorrido.
Vejamos, pois.
A questão de saber se a mesma “manifestação de fortuna” – in casu a aquisição pelos ora recorridos de dois prédios rústicos, em 2008, no valor total de €720.000,00 –, pode dar lugar a tributação indirecta ao abrigo do disposto no artigo 89.º-A n.º 4 da LGT num ano apenas - aquele em que tal “manifestação de fortuna” teve lugar ou em qualquer dos três anos seguintes em que falte a declaração de rendimentos ou se manifeste a desproporção legalmente estabelecida no n.º 1 do artigo 89.º-A da LGT entre o “rendimento padrão” e o rendimento líquido declarado pelo contribuinte -, ou, no limite, em quatro anos – aquele que a “manifestação de fortuna” teve lugar e nos três anos seguintes -, é questão já equacionada e resolvida por este STA nos Acórdãos de 17 de Abril de 2013, rec. n.º 0433/13 e de 24 de Julho de 2013, rec. n.º 1203/13, este último por nós relatado, no sentido de que a determinação do rendimento com base na aquisição de um bem previsto na tabela do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT só pode ser feita uma vez, relativamente ao ano em que se verificou ou em qualquer um dos três anos seguintes em que, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista, e não em todos esses anos.
Este STA também rejeitou, por Acórdão de 8 de Janeiro último (rec. n.º 1281/13) o recurso excepcional de revista interposto pela Fazenda Pública de Acórdão do TCA-Norte que sufragara idêntico entendimento, porquanto, como aí se consignou, a posição assumida no acórdão recorrido enquadra-se no espectro de soluções jurídicas plausíveis para a questão em análise, não se evidenciando que a pronúncia emitida esteja inquinada de erro grosseiro (…) sendo que a questão examinada não envolve a realização de operações de particular complexidade do ponto de vista intelectual ou jurídico, nem reveste uma relevância superior à comum, tendo acolhido, de resto, a jurisprudência constante não só do Tribunal Central Administrativo, como, também, do Supremo Tribunal Administrativo.
É do nosso conhecimento que o Acórdão do STA por nós relatado foi entretanto objecto de uma anotação discordante com o sentido decisório nesse sufragado - cfr. ANA PAULA DOURADO/AGABRIELA ROCHA, «Manifestações de Fortuna: Pressupostos e Limites de Tributação: Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de Julho de 2013 (processo n.º 01203/13), 2.ª Secção (Juíza Relatora Conselheira Isabel Marques da Silva», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VI, n.º 3, 2013, pp. 289/299) -, e bem assim que o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão invocado pela recorrente nas sua alegações de recurso (Acórdão n.º 43/2014, de 9 de Janeiro de 2014, proc. n.º 186/13), não julgou inconstitucional a norma contida nos n.º 2, al. a), e n.º 4, do art. 89.º-A, da Lei Geral Tributária, na redacção da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, na interpretação de que a manifestação de fortuna apresentada pelo contribuinte permite à Administração Tributária a correcção do rendimento, para efeito de IRS, em qualquer dos três anos seguintes ao ano em que se verifica.
Ponderando tais (novos) argumentos, em especial que o juiz máximo das questões de inconstitucionalidade se pronunciou já no sentido de que a interpretação diversa da que é por nós sustentada não ofende os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva – ao menos quando a “manifestação de fortuna” em causa seja a aquisição de imóveis, pois o “rendimento-padrão”, nesse caso, corresponde a 20% do valor de aquisição –, não estamos convictos de que a interpretação que fazemos das pertinentes normas tributárias não deva ser tida como a mais adequada, nem sequer que os objectivos de combate à fraude e evasão fiscais, que estiveram na origem da consagração da tributação por “manifestações de fortuna” e das sucessivas alterações que os preceitos que a consagram têm sofrido, imponham necessariamente solução diversa.
A nosso ver, a melhor interpretação da lei – que é a mesma nos casos em que a “manifestação de fortuna” se consubstancia na aquisição de imóveis, de veículos automóveis ligeiros de passageiros e motociclos e de barcos de recreio e aeronaves de turismo – continua a ser aquela, já por nós sufragada, que considera que o inciso «e no caso das alíneas a) e b) do n.º 2, nos três anos seguintes» resultante da nova redacção dada ao n.º 4 do art. 89.º-A pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), visou unicamente harmonizar essa norma com o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 no que se refere à possibilidade de a presunção de rendimentos operar relativamente ao ano de aquisição do bem e aos três anos seguintes. Ou seja, nas alíneas a) e b) do n.º 2 dizia-se que para efeitos do n.º 1 eram considerados os bens adquiridos nesse ano e nos três anos anteriores. Porém, o n.º 4, que tratava da determinação da matéria colectável, era omisso quanto ao ano em que podia operar a presunção, omissão que a nova redacção veio colmatar, limitando-se a explicitar quais os anos relativamente aos quais podia ocorrer a determinação da matéria tributável, admitindo-a no ano em que teve lugar a aquisição e em qualquer um dos três anos seguintes, mas apenas uma única vez.
É que, para além do mais já consignado nos Acórdãos deste STA de 17 de Abril de 2013, rec. n.º 0433/13 e de 24 de Julho de 2013, rec. n.º 1203/13, sabido que é que a lei fiscal não admite presunções de rendimento inilidíveis – cfr. art. 73.º («As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário».) –, não se vê como lidar com a circunstância de, na tese da AT, o sujeito passivo não poder ilidir, relativamente a cada um dos três anos seguintes àquele em que se verificou a aquisição do bem que a lei releva como manifestação de fortuna, a presunção de rendimentos resultante dessa manifestação de fortuna e de provar que os rendimentos declarados em cada um desses anos correspondem à verdade, não estando nós convencidos de que, conforme entendeu o Tribunal Constitucional e advoga a recorrente, não se estaria já perante novas presunções, mas apenas perante o fracionamento das consequências tributárias de uma única presunção, porquanto, a ser assim, esta deveria, em coerência, ter de ser ilidida na sua origem (embora o Tribunal Constitucional, no juízo de não inconstitucionalidade formulado, pressuponha que o sujeito passivo tenha efetiva possibilidade de elidir a presunção, em toda a sua amplitude temporal e efeito cumulado).
Por estas razões se tem de concluir que, no caso dos autos - em que é sindicada a decisão de fixação da matéria tributável de IRS por métodos indirectos relativa a 2009, com base em “manifestação de fortuna” verificada em 2008, que determinou que nesse ano de 2008 e também em 2009 e 2010 houvesse lugar à fixação da matéria tributável por métodos indirectos (cfr. o probatório fixado) -, nenhuma censura merece a sentença recorrida, que adoptou em relação à questão controvertida o entendimento segundo o qual a mesma manifestação de fortuna traduzida na aquisição pelos recorridos de dois prédios rústicos por €720.000,00 no ano de 2008 apenas poderia fundamentar a tributação por métodos indirectos de 20% daquele valor num único ano, e não, como pretendido, em três anos consecutivos.
No caso dos autos, apenas é controvertida a fixação do rendimento tributável do ano de 2009 em razão da manifestação de fortuna ocorrida em 2008.
Entende este STA que, não fora o facto de tal manifestação de fortuna ter dado origem a decisão de tributação em IRS por métodos indirectos em 2008, nada obstaria a que pudesse servir de fundamento à tributação no ano de 2009 (ou no ano de 2010 ou de 2011, desde que também nestes anos se verificasse a desproporção entre o rendimento declarado e o “rendimento padrão” legalmente exigida pelo n.º 1 do artigo 89-A da LGT), pois que se trata de período de tributação compreendido dentro dos três anos posteriores ao da “manifestação de fortuna”. A razão pela qual a decisão impugnada de fixação do rendimento tributável em IRS de 2009 não pode manter-se é, pois, apenas e só, o facto de ter dado origem a idêntica determinação do rendimento em 2008 e se dever entender que apenas pode ser feita uma vez, com fundamento na mesma “manifestação de fortuna”.
Importa esclarecer que embora haja referência, nos articulados e nos autos, a outras aquisições de imóveis consubstanciadoras de “manifestações de fortuna” verificadas em 2009, estas não são objecto dos presentes autos, porquanto a decisão recorrida sobre elas não se pronunciou e a fixação do rendimento tributável para 2009 aqui questionado as não teve como fundamento, antes se fundamentou apenas nas aquisições de imóveis ocorridas em 2008 (cfr. o probatório fixado).
Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 23 de Abril de 2014. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pedro Delgado - Fonseca Carvalho.