Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0556/17.9BESNT
Data do Acordão:10/23/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
ERRO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário:O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que não é o caso dos autos.
Nº Convencional:JSTA000P25039
Nº do Documento:SA2201910230556/17
Data de Entrada:06/03/2019
Recorrente:A.......
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório –
1 – A………, com os sinais dos autos, vem interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14 de Fevereiro de 2019, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgara improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o acto de liquidação de IRS referente ao exercício de 2012.

Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:

a) É hoje pacífico que o recurso de revista é admissível no contencioso tributário.
b) Qualquer das situações abordadas no Douto acórdão recorrido, designadamente a interpretação feita pelo Tribunal Recorrido de qualquer dos preceitos legais em que se ancora a decisão, é de molde a permitir a admissibilidade recurso de revista pois que se revelam, desde logo, de enorme importância jurídica.
c) As mesmas dizem respeito à correcta interpretação do artigo 2°, nº 3, alínea b), nº 3 do CIRS, preceito este que sendo de leitura complexa importa ver esclarecida a sua correcta interpretação, tanto mais que, para o que in casu interessa, é o mesmo de aplicação a toda uma classe profissional, os pilotos aviadores da TAP Portugal, que se encontram vinculados ao contrato que subjaz aos presente autos, sendo facto público e notório que se está perante profissionais com enormes responsabilidades num sector nevrálgico da economia nacional.
d) Acresce ainda que a relevância das situações em causa não se esgotam no caso concreto pois as mesmas são susceptíveis de ter de vir a ser apreciadas numa grande multiplicidade de situações.
e) A aceitar-se como boa a tributação/retenção na fonte efectuada tal enferma de erro na interpretação e aplicação do vertido no artigo 2º do CIRS ao concluir pela tributação como rendimentos do trabalho os valores em causa, isto atento o consagrado no artigo 2°, nº 3, alínea b), nº 3 do CIRS.
f) Pois que no presente caso não só o segurado era a SPAC na data da constituição do fundo, ou seja, uma entidade distinta da entidade patronal, como nenhum dos demais requisitos constantes daquele normativo se encontram preenchidos para a sujeitar a tributação, conclusão esta que nem pode sair beliscada pelo facto de a TAP se ter, posteriormente, em 1994, assumido como segurada, porque deste mesmo modo o exercício do direito dependeria, ou decorreria, do vínculo laboral.
g) Continuando a não constituir um direito adquirido do trabalhador, ora Recorrente, nem a contemplar a possibilidade de antecipação uma vez que não se verifica a possibilidade de antecipação do resgate antes de preenchidas as condições previstas no contrato.
h) O Recorrente ao atingir os 65 anos resgatou a parte que lhe cabia no aludido fundo, mas se a resgatou nessa altura era aquela em que efectivamente o podia resgatar sem que houvesse uma qualquer antecipação de qualquer recebimento.
i) Com efeito, e como resulta do contrato, o recebimento era para ser colhido quando se encontrassem preenchidos os respectivos pressupostos apenas se devendo considerar antecipação se o Recorrente o tivesse feito antes, o que aquele não fez.
j) E contra tudo isto nem se adverse com o segmento do supra referido preceito do CIRS que assim reza:
«ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado.»
Pois que a norma em causa tem a seguinte redacção:
«3) As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo “Vida”, contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, bem como as que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado.»
k) O preceito, embora de leitura difícil, permite identificar duas situações matriz, a saber:
a. A de direitos adquiridos e individualizados;
b. A de não existência de direitos adquiridos e individualizados mas em que existe resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade.
A acrescer a estes dos segmentos surge, efectivamente, o trecho que refere:
«ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado.»
l) Sucede que este trecho complementa os dois segmentos anteriores sendo tal o que resulta da expressão «em qualquer caso».
m) Quer isto dizer que o mesmo não é autónomo como que valendo de per se só admitindo a seguinte interpretação/leitura:
I. As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, peta entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social , desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários e em que haja recebimento de capital;
II. Não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto dê resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade e em que haja recebimento de capital.
n) Ou seja, o recebimento do capital tem de, cumulativamente, articular-se com qualquer uma das duas situações atrás referidas e assim sendo, como inegavelmente o é, tem SEMPRE de se ver se esse recebimento se reporta ou não a uma situação de direitos adquiridos e individualizados ou a uma situação em que não existem direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários.

o) A situação não é de direitos adquiridos e individualizados do beneficiário pelo que a alínea l) supra referida fica excluída.

p) Mas para se aplicar a hipótese referida em II) supra teria que existir SEMPRE uma antecipação do recebimento pois que o preceito legal refere:
«sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade

q) Sendo assim evidente de concluir que o resgate só seria passível de cair sob a alçada da norma de incidência se houvesse uma antecipação do recebimento em relação à data prevista no contrato e não foi isso que se passou pois o ora Recorrente só recebeu após perfazer 65 anos e na data prevista no contrato pelo que embora tendo ocorrido resgate não foi com antecipação em relação à data prevista.

r) A tudo isto acresce que o Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que o Acórdão aqui sob escrutínio se alberga não é uma situação igual à em causa nos autos pelo que a sua boa Doutrina não logra aplicação in casu.

s) No referido Aresto foi abordada a questão na perspectiva de que o resgate havia sido efectuado antes do aí Recorrente ter perfeito 65 anos, pelo que constando das condições gerais a hipótese de resgate ser efectuada aos 60 ou 65 anos, conforme opção do beneficiário, mas limitando as condições particulares a hipótese de o resgate ser feito aos 65 anos então seria esta última a aplicável.

t) No mesmo escreveu-se como segue:

«Foi o que sucedeu no caso sub judice: sendo certo que o resgate do capital se deu antes de o ora recorrente ter 65 anos - que era a idade estabelecida nas condições particulares do contrato de seguro como data de vencimento do certificado individual de cada pessoa segura -, não releva, para os pretendidos efeitos fiscais, que o resgate tenha ocorrido nas condições permitidas pelo contrato de seguro nem que o tomador do seguro estivesse já reformado. A lei considera que, nessas circunstâncias, porque houve antecipação da sua disponibilidade, o montante recebido pelo resgate do seu certificado individual de seguro fica sujeito a tributação em IRS, categoria A».

73. « Nos termos do ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS (na redacção vigente ao tempo), as importâncias despendidas pela entidade patronal com a constituição a favor dos seus trabalhadores de seguros de vida, se estes forem objecto de resgate antecipado pelos beneficiários são considerados rendimentos do trabalho dependente sujeitos a tributação (categoria A) ainda que os beneficiários, à data do resgate antecipado, reúnam os requisitos legais para passarem à situação de reforma ou se encontrem, efectivamente, nessa situação.»

u) E o manifesto, evidente e palmar erro interpretativo do Douto Acórdão Recorrido é que se alberga naquele Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, e para tal fazendo referências várias ao conceito de antecipação do recebimento mas sem curar de perceber que ali estava em causa uma antecipação de resgate em relação à idade dos 65 anos mas no presente caso tal situação não se coloca pois o referido resgate foi efectuado após o Recorrente ter chegado aos 65 anos.
v) Violou o Douto Acórdão recorrido o Douto Acórdão recorrido os artigos 2°, nº 3, alínea b), nº 3 do CIRS, não se podendo, assim, manter antes devendo ser revogado e substituído por uma decisão que dê provimento à pretensão do Recorrente consistente na anulação total do acto de liquidação questionado.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso:
a) Ser admitido para apreciação de meritis;
b) E, a final, vir a merecer provimento com a consequente revogação do Acórdão recorrido e a substituição do mesmo por uma decisão que determine a anulação da liquidação efectuada ao aqui Recorrente,

Tudo o mais com as consequências legais.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da não admissão da revista, porquanto a questão tal qual foi configurada no acórdão recorrido já foi objecto de pronúncia no acórdão de 11/10/2017, recurso n.º 0195/16, a qual foi reiterada no acórdão de 13/12/2017, recurso n.º 0303/17 e, tal como o recorrente a configura, não entronca na interpretação da norma aplicada – ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS -, mas sim na matéria de facto ou em juízos de facto, uma vez que o seu entendimento de que não houve antecipação dessa disponibilidade assenta no facto por si invocado de que a entrega do valor do seguro ter ocorrido após perfazer os 65 anos de idade e não ter ficado demonstrado que o resgate foi requerido antes dessa data (cfr. ponto 39 das alegações e respectiva nota de rodapé), excluídos do âmbito da revista (artigo 150.º n.º 4 do CPTA).

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.
- Fundamentação -

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão recorrido (fls. 7 a 9 da numeração autónoma constante do acórdão).


5 – Apreciando.
5.1 Da admissibilidade do recurso
O recorrente interpôs o presente recurso de revista excepcional ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), havendo agora que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.
Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

O acórdão do TCA do qual o recorrente solicita revista negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgara improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o acto de liquidação de IRS referente ao exercício de 2012.
Tanto a decisão de 1.ª instância como a do TCA se louvam em jurisprudência deste STA na interpretação do artigo 2.º, n.º 3 alínea b) 3 do Código do IRS e sua aplicação a casos análogos ao dos presentes autos, sendo que o Acórdão deste STA de 11 de Outubro de 2017, a que o Acórdão do TCA ora sindicado aderiu, foi proferido em revista excepcional de acórdão do TCA, admitida por Acórdão do STA de 15 de Junho de 2016.
Ora, se aquela revista foi admitida por então não haver ainda pronúncia deste STA sobre a interpretação da referida norma, indubitavelmente complexa, o facto de hoje haver já pronúncia sobre tal questão afasta a necessidade da admissão da presente revista.
É certo que o recorrente afirma que, no seu caso, contrariamente ao já decidido no outro caso que o STA reapreciou, não houve antecipação do recebimento em relação à data prevista no contrato pois o ora Recorrente só recebeu após perfazer 65 anos e na data prevista no contrato pelo que embora tendo ocorrido resgate não foi com antecipação em relação à data prevista, tendo tal facto sido desconsiderado pelo Tribunal a quo.
Mas a ter sido assim, esse alegado erro de julgamento não respeita à interpretação da norma do artigo 2.º do Código do IRS convocada pela decisão recorrida, antes respeita à apreciação da factualidade relevante para a decisão.
Sucede, porém, que, por expressa disposição legal, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que não é o caso dos autos, daí que o alegado erro que o recorrente imputa ao acórdão recorrido não possa ser sanado por via de recuso de revista.

O recurso não será, pois, admitido.

- Decisão -
Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 23 de Outubro de 2019 - Isabel Marques da Silva (relatora) - Aragão Seia - Francisco Rothes.