Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0251/10.0BELRS
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
Sumário:I – Das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina a incompetência absoluta do tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.
II - A competência do tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial.
III - O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação.
Nº Convencional:JSTA000P25994
Nº do Documento:SA2202006030251/10
Data de Entrada:06/24/2019
Recorrente:A..........
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A…………., com os demais sinais nos autos, vêm recorrer da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls. 188 a 197 verso do processo físico, a qual julgou a improcedente a impugnação judicial por eles deduzida contra a liquidação de IRC nº 2009 8310016972 relativa ao ano de 2005, no montante total de € 135.805,94.
Apresentam as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1.ª) Vem o presente recurso jurisdicional interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 06.02.2019, que decidiu pela total improcedência da presente impugnação judicial que tem por objecto o acto de liquidação referente à correcção do IRC da Impugnante, respeitante ao ano de 2005, no montante total de €135.805,94, por considerar que o acto em causa não se encontra ferido de qualquer ilegalidade, devendo ser mantido na ordem jurídica.
2.ª) Salvo o devido respeito, não se poderá concordar com o entendimento do Tribunal a quo, que considera lícita a correcção em sede de IRC, efectuada com base nas avaliações patrimoniais “definitivas” (nos termos do CIMI), pese embora tenham por base uma realidade distinta da que existia aquando da venda dos imóveis em causa, o que afronta, desde logo, o princípio da tributação do lucro real da Sociedade, existindo claro erro de julgamento da matéria de Direito, com uma valoração errada dos factos dados por provados, e uma grave omissão quanto ao principal fundamento invocado pela Impugnante, ie. a alteração de áreas que ocorreu após a venda dos imóveis e que serviram de base às avaliações patrimoniais dos lotes em causa.
3.ª) Dos factos relevantes para boa decisão da causa e que foram julgados provados pela Sentença recorrida importa salientar os seguintes:
a. Entre 2003 e 2005, a AT efectuou a avaliação patrimonial tributária dos imóveis (lotes 1 a 5), destinados à habitação, com base nos elementos e áreas constantes do Alvará de Loteamento cfr. factos provados B), C) E) e F) da Sentença recorrida, remetendo o Tribunal a quo para o documento junto com a ref.ª 5167185 de 10.02.2010, a fls. 9 a 27 do SITAF, dos quais se extrai precisamente que tais avaliações se basearam nas áreas constantes do Alvará de Loteamento (únicos existentes à data);
b. Em 2005, a ora Impugnante vendeu os referidos lotes, pelo valor de €225.000,00, quanto aos lotes 2, 3 e 5, e de €349.158,53, no que se refere ao lote 4, facto provado G) da Sentença recorrida.
c. A Impugnante apresentou, em 2006, a sua declaração periódica de rendimentos em sede de IRC relativa ao exercício de 2005, com base no valor efectivamente praticado na compra e venda e superiores aos VPT, em cumprimento do art.º 58.º‐A do CIRC, cfr. facto provado H) da Sentença recorrida.
d. Os alvarás de construção para os prédios em causa foram todos eles emitidos nos dias 15.02.2006, 06.06.2005 e 20.03.2006, para os lotes 2, 3 e 5, respectivamente, e em 11.10.2005 para o lote 4, ou seja, depois da realização das respectivas vendas, deles constando com áreas de construção (de 1.611,97 m2 para os lotes 2, 3 e 5, e a área de 2.246,62 m2 para o lote 4), substancialmente superiores às previstas no alvará de loteamento, que previa a área de 1.080,00 m2 para os lotes 2, 3 e 5, e de 1.247,19 m2 para o lote 4, cfr. facto provado I) da Sentença recorrida.
e. Por ter ocorrido a primeira transmissão na vigência do IMI, a AT efectuou novas avaliações patrimoniais tributárias, em 2007, com base nos Alvarás de Construção, entretanto emitidos, cfr. consta do facto provado J) da Sentença recorrida, que remete para o documento com a ref.ª Sitaf 5215056 de 17.06.2010, a fls. 4 a 11 do Sitaf, dos quais se pode averiguar quais as áreas consideradas pela AT para as novas avaliações.
f. Em resultado da diferença de áreas de construção mencionada, os imóveis foram avaliados com VPT muito superiores aos valores que existiam à data da celebração das escrituras públicas de compra e venda, nomeadamente, €355.580,00 para o lote 2, €354.130,00 para o lote 3, €299.850.00 para o lote 5, e €452.470,00 para o lote 4, cfr. facto provado J) da Sentença recorrida.
4.ª) O Tribunal a quo pugna pela legalidade do acto impugnado, entendendo que a determinação dos VPTs definitivos deve ser valorada em sede de IRC, cfr. art.º 58.º-A do CIRC.

5.ª) Salvo o devido respeito, o douto Tribunal a quo não apreciou devidamente as causas de ilegalidade do acto impugnado, uma vez que o principal fundamento alegado pela Impugnante não é a aplicação do art.º 58.º‐A do CIRC, mas sim o facto de a realidade referente aos imóveis ter sido alterada, não se podendo tributar com base em factos diferentes dos que existiam à data da realização em causa, ie. das vendas dos referidos lotes.

6.ª) Aquando das vendas dos referidos Lotes, apenas existia um Alvará de Loteamento, no qual eram previstas, para todos os 4 lotes, áreas de construção de 1.080,00 m2 e para o lote 4 a área de 1.247,19 m2, tendo a AT efectuado a correspondente avaliação patrimonial, entre 2003 e 2005, ainda ao abrigo do anterior CCPIIA – realidade que foi alterada, com o aumento das áreas de construção previstas para os lotes em causa, expresso nos 5 Alvarás de Construção emitidos para cada lote após as vendas (em 2005) pela Impugnante – de 1.611,97 m2 para os lotes 1, 2, 3 e 5 e 2.246,62 m2 para o lote 4, cfr. factos provados I) da Sentença recorrida.
7.ª) Razão pela qual o acto tributário de liquidação, impugnado nos presentes autos, enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto e de violação de lei, em especial do disposto nos art.os 4.º, n.º1, da Lei Geral Tributária (LGT), bem como dos art.ºs 1.º e 3.º do CIRC, do 104.º, n.º2 da CRP, e dos Princípios da Justiça, da Proporcionalidade, e da Capacidade Contributiva e da Tributação pelo Rendimento Real.
8.ª) Assentando a tributação em sede de IRC assenta, nos termos do art.º 4.º da LGT e do art.º 104.º, n.º2 da CRP, e por imperativo constitucional, na capacidade contributiva das empresas que é aferida pelo seu rendimento real e efectivo (art.º 104.º, n.º 2 da CRP), sendo o mesmo determinado, fundamentalmente, pelo seu lucro real (art.º 3.º do CIRC), verificamos que o acto impugnado viola tal princípio ao determinar uma correcção de IRC, por via de um rendimento que não existiu, por partir de uma realidade e áreas em muito diferentes às iniciais, e que foram alteradas por factos completamente alheios à Impugnante.
9.ª) A Impugnante, anterior proprietária dos prédios, não pode ser tributada pela ocorrência de factos supervenientes à venda, para os quais não contribuiu, logo pelos quais não é responsável.
10.ª) É facto provado que os valores apurados na avaliação de 2007 foram calculados com base em elementos que não existiam ou características que os imóveis não tinham no momento da sua venda, em 2005, pois que só surgiram em momento posterior a esta, quando os mesmos já não eram propriedade da Impugnante ‐ os Alvarás de Construção emitidos depois das vendas apresentam áreas superiores às constantes do Alvará de Loteamento.

11.ª) No caso concreto, as novas avaliações (em 2007) foram efectuadas depois de emitidos os Alvarás de Licença de Construção, após as vendas dos 5 lotes (em 2005), constando destes alvarás áreas de construção diferentes e em muito superiores às que constavam do Alvará de Loteamento, sendo que os imóveis que foram efectivamente objecto de venda pela Impugnante, apresentavam as áreas que constavam daquele Alvará de Loteamento e não dos alvarás de construção, que à data nem sequer existiam.
12.ª) Ao que acresce o facto de as novas áreas de construção, em muito superiores às do Alvará de Loteamento, foram declaradas no Modelo 1 de IMI, pelos adquirentes dos 5 lotes, sem qualquer responsabilidade ou intervenção da Impugnante.
13.ª) Deste modo, estamos perante uma situação de inexistência de facto tributário, não podendo haver lugar ao pagamento daquele adicional ao imposto, nem podendo o acto tributário manter‐se na ordem jurídica.

14.ª) Pelo exposto, a douta Sentença recorrida comete diversos erros de julgamento, que fundamentam a sua revogação, anulando‐se o acto tributário impugnado, por ser manifestamente, inválido, por vício de erro sobre os pressupostos de facto e de violação de lei, em especial do disposto nos art.os 4.º, n.º1, da LGT, bem como dos art.os 1.º e 3.º do CIRC, do 104.º, n.º2 da CRP, e dos Princípios da Justiça, da Proporcionalidade, e da Capacidade Contributiva e da Tributação pelo Rendimento Real.


I.2 – Não foram produzidas contra-alegações.

I.3 – Parecer do Ministério Público
1 – A…………. vem interpor recurso da douta sentença proferida nos autos para este STA, o que faz nos termos conclusivos que resulta de fls. 229 vº a 232.
2 – Da leitura e análise das conclusões das presentes alegações de recurso somos levados a concluir que a matéria nelas vertida não é essencialmente de direito já que é posta em causa também matéria de facto e da qual o recorrente pretende retirar apoio para a sua pretensão com consequência jurídica diversa da assente na decisão recorrida, ou seja pretende com este recurso ver discutidos factos, desde logo, tal retira-se, por ex., dos pontos 5º e segs, pois os recorrentes pretendem ver discutidas as áreas dos imóveis vendidos o que terá interferido no valor da venda.
Assim, e citando, a propósito, o teor dos sumários dos acórdãos proferidos neste STA, de 27.09.2017, no processo nº 0803/16 e de 11.03.2015, no proc. nº 01132/14, 2ª sec., respectivamente:
“Suscitando o recorrente questão de facto da qual pretende extrair consequências jurídicas, o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito, sendo, por isso, competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo e não o Supremo Tribunal Administrativo”.
“I – Para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos artigos 26º al. b), 38º al. a) do ETAF e 280º nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, o que é relevante é que o recorrente, nas alegações de recurso e respectivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida”.
Daí, “in casu”, ser competente para conhecer de mérito o TCA/S, nos termos do disposto no artigo 280º nº 1- 1ª parte- do CPPT, já que o douto despacho que admitiu o presente recurso não vincula este STA.
3 – Há, pois, que resolver, desde já, a questão da competência do tribunal – artigo 13º do CPTA, “ex vi” artigo 2º do CPPT.
“In casu”, é hierarquicamente competente para conhecer de mérito a secção do contencioso tributário do TCA/S de acordo com o disposto nos artigos 280º, nº1, 1ª parte, do CPPT e 31º e 38º, al. a) do ETAF, pois o recorrente pretende ver discutida também matéria de facto, além de matéria de direito.
4 – É, pois, este STA incompetente para conhecer de mérito em razão da hierarquia.
Incompetência essa que constitui excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito – artigos 493º, nº2; 494º al. a) e 495º, todos do CPC e, como tal deve ser apreciada e declarada com as consequências legais.

I.4 – Por despacho do relator, foram as partes notificadas do teor do parecer do Ministério Público, sobre exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito do recurso, sobre o mesmo veio a recorrente a fls. 247 do processo, pronunciar no sentido que o recurso versa apenas matéria de direito pelo que é competente este Supremo Tribunal para o conhecer em razão da matéria e da hierarquia.

I.5 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 189 e seguintes do processo físico:
A) Em 2002, a sociedade A…………. era proprietária de um terreno para construção, sito no ………., descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas, com o n.º 3722, fls. 24, do livro B-12, da freguesia de …….. e inscrito na matriz predial urbana com o artigo 136 da secção D da mesma freguesia – cfr. documento 5167185 de 10-02-2010, páginas 9 a 19 do Sitaf;
B) Em resultado da operação de loteamento aprovada e licenciada pela Câmara Municipal de Odivelas, para a qual foi emitido o Alvará de Loteamento n.º 12/2002/DLO, em 03-12-2002, foram criados os lotes 2 a 5 que vieram a corresponder, respetivamente, aos artigos 3944, 3946, 3947 e 3945 da matriz predial urbana da freguesia de ………., concelho de Odivelas – cfr. documento 5167185 de 10-02-2010, páginas 9 a 19 do Sitaf;
C) De acordo com aquele alvará, os 4 prédios tinham as seguintes áreas:





- cfr. documento 5167185 de 10-02-2010, páginas 9 a 19 do Sitaf;
D) Os prédios destinavam-se, na totalidade das suas áreas de construção, ao uso de habitação – cfr. documento 5167185 de 10-02-2010, páginas 9 a 19 do Sitaf;
E) Em 09-12-2002, a Impugnante inscreveu os quatro prédios na matriz mediante a apresentação do correspondente Modelo 129 – cfr. documento 5167185 de 10-02-2010, páginas 20 a 27 do Sitaf;
F) Entre 2003 e 2005, a Administração Fiscal efetuou a avaliação patrimonial tributária dos quatro lotes, tendo atribuído os seguintes valores patrimoniais tributários (VPT):


G) A Impugnante vendeu os seguintes lotes nas datas e pelos preços que se indicam que totalizam € 1 024 158,53:

— cfr. escrituras públicas de compra e venda documento 5167185 de 10-02-2010, páginas 28 a 46 do Sitaf;
H) Em 2006, a Impugnante apresentou declaração de rendimentos de IRC, relativa ao exercício de 2005, com indicação dos valores de venda (que eram superiores ao VPT) no total de € 1 024 158,53 — cfr. anexo A da declaração anual de IRC, do exercício de 2005, quadro 03, linha AlOl, a fis. 175 e anexo O da declaração anual de IVA, quadro 03, a fis. 181 do processo instrutor apenso;
I) Após a realização das vendas foram emitidos para os prédios em causa, os seguintes alvarás de construção:

- cfr. documento 5167185 de 10-02-2010, páginas 47 a 50 e documento 5168284 de 12-02-2010, páginas 4 a 7 ambas do Sitaf;
J) Em 2007, a Administração Tributária efetuou novas avaliações patrimoniais tributárias “por ter ocorrido a primeira transmissão na vigência do IMI”, tendo atribuído os seguintes valores patrimoniais tributários (VPT):

- cfr. documento 5215056 de 17-06-2010, páginas 4 a 11 do Sitaf;
K) Foi enviado à Impugnante, o Ofício n.º 041043 de 20-05-2009 do Chefe de Divisão, por Subdelegação da DFA (in DR II Série n.º 94 de 15-05-2008) com o seguinte teor:
“Assunto: Art.º 58.°-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC)
1. Nos termos do n.º 1 do art.º 58.°-A do CIRC, os sujeitos passivos que alienarem direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2. Dos vários cruzamentos efectuados no sistema informático da DGCI, constatou-se existirem diferenças positivas entre o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis por vós alienados e o valor constante dos respectivos contratos, e ainda que tal diferença não consta da declaração de rendimentos mod. 22 do IRC.
3. Assim, fica V. Exa. notificado para no prazo de 15 dias a partir do dia posterior ao do registo, proceder a entrega da declaração de rendimentos mod. 22 de IRC, de substituição, do ano de 2005, efectuando a correcção do valor correspondente a essas diferenças positivas, prevista na alínea a) do n.º 3 do art. 58.º-A do CIRC, no quadro 07, campo 257 do referido modelo, salvo se tiver sido efectuada a prova a que se referem os n.ºs 1 e 3 do art.º 129.º do CIRC, caso em que deve assinalar aquele valor no campo 416 do quadro 11 da mesma declaração.
4. Mais se informa, que o incumprimento da presente notificação determinará o imediato desencadear dos procedimentos respeitantes à realização de acção inspectiva interna, para correcção do respectivo valor.” — cfr. fls. 117 e 118 do processo administrativo;
L) A Impugnante foi objeto de ação inspetiva interna, tendo sido efetuada correção à matéria tributável de IRC, exercício de 2005, no valor de € 437 971,47, tendo sido elaborado relatório, do qual destaco o seguinte conteúdo:
“II - Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva
A. Credencial e período em que decorreu a acção
Pela Divisão VII dos Serviços de Inspeção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa foi emitida a Ordem de Serviço n.º 01200902154 de 2009/04/08, relativa à sociedade irregular A………… - NIPC ………, com sede na Quinta …………, Sacavém, por factos tributários verificados no exercício de 2005.
B. Motivo, âmbito e incidência temporal
A presente acção de inspecção tem por objecto o controlo da situação tributária da sociedade, relativamente a factos tributários que advêm da transmissão de direitos reais sobre bens imóveis no exercício de 2005, sujeitos a tributação nos termos do artigo 58.0 - A do Código do IRC.
C. Outras situações
C. 1 — Caracterização do Sujeito Passivo
C.1.1 — Descrição da Actividade Exercida
O sujeito passivo exerce a actividade de «Construção de Edifícios (Residenciais e não Residenciais)» - CAE 041200.
C.1.2 — Enquadramento Fiscal
Em sede de IRC, a sociedade está sujeita a IRC, por força da alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do CIRC, encontrando-se enquadrada no regime geral por opção.
Em sede de IVA, a sociedade encontra-se no regime de isenção, nos termos do art. 9.° do CIVA.
III — Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
1. Descrição dos factos e fundamentos
1.1 — Por escrituras públicas lavradas em 01/06/2005 no Cartório Notarial do Seixal, em 02/08/2005 e 16/11/2005 no Cartório Notarial de Lisboa da Lic. ………, o sujeito passivo alienou os prédios urbanos (terrenos para construção) a seguir indicados:


O preço total da venda foi de € 1 024 058,53 (valor que, em última análise concorreu para a formação da determinação do lucro tributável da sociedade A…………, no exercício de 2005).
1.1 Em resultado da avaliação efectuada nos termos dos artigos 37.° e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (1.ª transmissão ocorrida após a entrada em vigor do código, conforme disposto no n.º 1 do artigo 15.º do Dec-Lei 287/2003 de 12 de Novembro) a sociedade A………… foi notificada pelos Serviços de Finanças dos valores patrimoniais tributários dos imóveis (conforme quadro abaixo indicado) e, consequentemente para requerer segunda avaliação nos termos do artigo 76.º do CIMI, no prazo de 30 dias a contar da notificação (caso não concordasse com o valor referido).


a) A indicada é a segunda notificação, tanto a 1.ª como a 2.ª foram devolvidas, no entanto a perfeição das notificações verifica-se quando feita de acordo com as normas legais, nos termos do art. 39.º do CPPT, nomeadamente o envio para a sede do sujeito passivo, pelo que se considera notificado.
b) É o resultado da segunda avaliação pedida pelos alienantes.
2. Correcções meramente aritméticas
2.1 Pelo exposto no ponto anterior, podemos verificar que, após as avaliações, existe uma diferença positiva entre os valores constantes dos contratos e os valores patrimoniais tributários dos imóveis objecto de transmissão, como segue:




2.2 Assim sendo, por força do artigo 58.°-A do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) a diferença positiva de valores no montante de €437971,47 concorre para a determinação do lucro tributável da sociedade no exercício de 2005.
Neste sentido, e depois de ter sido constatado através da base de dados da DGCI, que o sujeito passivo não deu cumprimento ao estipulado no n.º 4 do artigo 58.°-A do CIRC, o mesmo foi notificado pelo ofício n.º 041043 de 20/05/09, para efectuar uma correcção extra- contabilística consubstanciada na diferença positiva entre os valores do contrato e os valores patrimoniais tributários dos imóveis objecto de transmissão, e proceder à entrega da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC de substituição, do exercício de 2005 (cfr. anexo 1). No entanto, não deu cumprimento ao conteúdo da notificação.
2.3 Assim, podemos afirmar que o sujeito passivo não acresceu ao resultado líquido do exercício o valor de € 437 971,47 (Q07 — campo 257 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC), para determinação do lucro tributável nos termos do artigo 17.º do CIRC e n.º 2 e n.º 3, alínea a) do artigo 58.°- A do CIRC, pelo que foi elaborado o quadro demonstrativo da correcção efectuada ao lucro tributável em sede de IRC, do exercício de 2005, como se segue:


IX Direito de Audição — Fundamentação
Na sequência do envio da notificação referida no ponto VIII, o sujeito passivo fazendo-se representar pelos seus advogados exerceu o direito de audição por estrito (Anexo II), que depois de analisado, será de salientar do conteúdo o seguinte que passo de imediato a contra por:
1. Ponto 1) Da aplicabilidade do artigo 58.° - A do CIRC (n.ºs 5 a 14)
S.P — É posta em causa a aplicação do artigo 58.° - A do CIRC ao caso em apreço, fazendo uma descrição das áreas de construção constantes nos alvarás de licenças de construção emitidos antes e depois das vendas, destacando o que se entende por «valores patrimoniais tributários definitivos...”; se: «…os valores patrimoniais constante das cadernetas prediais emitidos pelos Serviços de Finanças em 2005, e que instruíram a outorga das escrituras públicas de compra e venda dos imóveis em questão;
- Os valores patrimoniais que resultaram das avaliações feitas após a transmissão, tidas no projecto de Correcções, como sendo os valores patrimoniais definitivos, que segundo o sujeito passivo foram «...calculados com base em elementos que não existiam ou características que os imóveis não tinham no momento da venda, pois só surgiram em momento posterior».
A.F. — Não está em causa a aplicabilidade do artigo 58.º-A do CIRC ao caso em apreço, em virtude de os Valores Patrimoniais Tributários definitivos dos imóveis (terrenos p/construção) alienados pelo sujeito passivo em 2005, serem os resultantes das avaliações efectuadas, após essas transmissões, nos termos dos artigos 37.° e seguintes do CIMI e terem sido as 1.ªs transmissões ocorridas após a entrada em vigor do CIMI, conforme disposto no n.º 1 do artigo 15.º do Dec.- Lei 287/2003 de 12 de Novembro. Dos resultados destas avaliações foi o sujeito passivo notificado, conforme está mencionado no ponto 1.1 do capítulo III do projecto, podendo o mesmo ter requerido segunda avaliação, nos termos do art. 76.º do CIMI, caso não concordasse com o resultado (direito que o sujeito passivo exerceu em relação a dois dos imóveis — terrenos p/construção arts. 3944 e 3946), sendo esta a sede própria para fazer juntar elementos e pronunciar-se sobre áreas e alvarás incorrectos que o sujeito passivo faz referência na sua exposição.
2- Ponto II) Do preço efectivamente praticado nas transmissões de imóveis realizadas em 2005 — (n.ºs 15 a 20)
S.P. — Nestes pontos é feita a prova de que o preço efectivo de transmissão dos imóveis é o que consta nas escrituras públicas de compra e venda dos imóveis em causa e não os valores que constam no Projecto. Para comprovar isso junta fotocópias das citadas escrituras e também fotocópias de cheques recebidos pelo pagamento de um dos terrenos, baseando-se no disposto no n.º 1 do artigo 129.º do CIRC.
A.F. — Não é este o meio nem o momento próprio para a aplicabilidade do disposto no n.º 1 do artigo 129.º do CIRC — Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis. Esta prova deve ser efectuada nos termos do n.º 3 do artigo 129.º do CIRC que dispõe o seguinte:
«3- A prova referida no n.º 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos».
3- Ponto III) Da avaliação patrimonial — (n.ºs 21 a 29)
S.P. — É novamente descrito nestes pontos, os valores resultantes das avaliações feitas antes e depois da alienação dos imóveis (terrenos p/construção) pelo sujeito passivo em 2005. São mencionados mais uma vez as áreas inscritas nos alvarás de loteamento e de construção dos terrenos, e que as avaliações fritas após as transmissões dos prédios foram baseadas em dados errados, não podendo por isso esses valores serem considerados válidos para aplicação do artigo 58.°- A do CIRC ao sujeito passivo. Conclui referindo que «… Considerando o acima exposto, é evidente a declaração de rendimentos do modelo 22 de IRC de 2005 encontra-se correctamente preenchida, porquanto, o preço efectivamente recebido foi o declarado nas escrituras públicas e na declaração de rendimentos — modelo 22...».
A.F. — No ponto 1 desta exposição foi referido que não é esta a sede própria para reclamar sobre as avaliações. Após as mesmas terem sido notificadas, poderia o sujeito passivo ter requerido 2ªs avaliações, direito esse que exerceu apenas para dois dos imóveis em causa (arts. 3944 e 3946).
Face ao exposto, mantêm-se a proposta de correcção à matéria colectável em sede de IRC para o ano de 2005, no montante de € 437 971,47. (...)” — cfr. relatório de inspeção com data de despacho de 26-08-2009, a f 104 a 115 do processo instrutor apenso;
M) A Impugnante foi notificada da demonstração de liquidação de IRC n.º 2009 8310016972, relativa ao exercício de 2005, com data de liquidação: 2109-2009, com referência n.º de compensação: 2009 00006541864, com valor a pagar de € 135 805,9 incluindo € 15 363,79 de juros compensatórios — cfr. documento 5167185 de 10-02-2010, páginas 6 a 8 do Sitaf;
N) Em 03-02-2010 foi remetida a este Tribunal a petição dos presentes autos de impugnação - cfr. petição inicial.

II.2 – De Direito
I. São quatro as questões a decidir:

a) saber se o Supremo Tribunal Administrativo é competente para conhecer do Recurso;

b) saber se houve erro de julgamento com errada interpretação da matéria de facto e aplicação do Direito;

c) saber se ocorreu violação do princípio da tributação pelo lucro real;

d) saber se se verificou facto tributário.

II. Quanto à competência deste Supremo Tribunal para decidir o presente Recurso, desde logo, julgamos que assiste razão à Recorrente.

Deve, antes de mais, resolver-se a questão da competência em razão da hierarquia, por força do disposto no artigo 13.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c) do CPPT, exceção esta aduzida pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal.

Nos termos do artigo 280.º, n.º 1 do CPPT, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artigo 16.º, n.º 1 do CPPT, a incompetência absoluta do Tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso, sendo ainda certo que, como decorre do artigo 641.º, n.º 5 do CPC, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT), o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Superior, pelo que nada obsta a que se aprecie e decida a exceção suscitada, a qual se consubstancia na incompetência da Secção de Contencioso Tributário do STA em razão da hierarquia.

A competência do Tribunal deve, para tal efeito, aferir-se pelo quid disputatum ou quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum; por outras palavras, a competência do Tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo (cfr. MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 91; JORGE LOPES DE SOUSA, CPPT Anotado e Comentado, I volume, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, pág. 223 e ss.).

Ora, atentando a que, nos termos do artigo 26.º, alínea b) do ETAF, se atribui competência à Secção do Contencioso Tributário do STA para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito e que, por sua vez, o artigo 38.º, alínea a) do mesmo diploma atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artigo 26.º, alínea b), deve concluir-se que, para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância, só é competente o STA quando o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e que, pelo contrário, nos demais casos, é competente a secção de contencioso tributário de um dos Tribunais Centrais Administrativos.

III. Para tal delimitação, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que, nas conclusões das respectivas alegações - as quais fixam o objecto do recurso (artigo 635.º, n.º4, do CPC) -, o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa.

Por outras palavras, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos factos provados e não provados, face às ilações retiradas pelo Tribunal "a quo" (cfr. Acórdãos da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal proferidos no processo n.º 738/09, de 16 de Dezembro de 2009, e no processo n.º 189/10, de 21 de Abril de 2010, disponíveis em www.dgsi.pt).

O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso.


IV. Ora, da leitura das conclusões do presente recurso jurisdicional, resulta que o Recorrente afirma factualidade que não foi dada como assente pela sentença e da qual pretende extrair consequência relevante, como se denota na Conclusões n.ºs 5, 6, 7, 10, 11 e 12 das Alegações, de onde (em suma) resulta que os Recorrentes pretendem extrair as duas seguintes ilações:
1.ª) que os imóveis foram avaliados por valores muito superiores em resultado das diferenças nas áreas de construção;
2.ª) que resulta do alvará de construção que a área dos terrenos foi alterada.

Tal significa que existe efetiva controvérsia factual a dirimir e que a matéria controvertida neste recurso não se resolve mediante uma exclusiva aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados e, nesta perspectiva, o presente recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito, não cumprindo sequer averiguar da relevância dos factos impugnados para a decisão a proferir, tarefa de que só poderá ocupar-se o tribunal declarado competente.

Assim, a competência em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso pertence, não a este Supremo Tribunal Administrativo, mas ao Tribunal Central Administrativo Sul, para o qual os autos devem ser remetidos nos termos do artigo 18.º, n.º 1 do CPPT.

V. Fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

III. CONCLUSÕES

I – Das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina a incompetência absoluta do tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.

II - A competência do tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial.

III - O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação.

IV. DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal, em razão da hierarquia, sendo competente para tanto a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 3 de Junho de 2020. – Gustavo Lopes Courinha (relator) – José Gomes Correia – Nuno Bastos.