Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:075/18.6BCLSB
Data do Acordão:01/25/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24131
Nº do Documento:SA120190125075/18
Data de Entrada:12/17/2018
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:A... - FUTEBOL, SAD
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
A……………… – Futebol, SAD (doravante A……….) recorreu para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) do acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (doravante FPF) que o sancionou com as seguintes multas:
- pena de multa de € 153,00 pela infração prevista e punida pelo art.º 127º n.º 1 do RD (Inobservância de outros deveres), ….;
- pena de € 765,00, pela infração prevista e punida pelo art.º 187.º - 1, a), do RD (Comportamento incorrecto do público);
- pena de multa de € 5.160,00 pela infração prevista e punida pelo art.º 187.º, n.º 1, al. b), do RD (Comportamento incorrecto do público).”

Sem êxito já que o TAD negou provimento ao recurso.

O Autor recorreu para o TCA Sul e este, por decisão singular do Relator, concedeu provimento ao recurso e, revogando o acórdão do TAD, anulou os actos impugnados. Decisão que a Conferência confirmou.

É desse Aresto que a FPF vem recorrer (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. Resulta da M.F. que, no dia 03/02/2018 realizou-se, no Estádio ………, um jogo de futebol entre o A……… e o …………. e que, durante esse jogo e na bancada onde se encontravam os grupos organizados de adeptos do clube visitado, foram deflagrados três petardos, seis potes de fumo e seis flash light e proferidas frases ofensivas para o ………. e para um dos clubes rivais (…………..), daí resultando a instauração de um processo disciplinar contra o A………… e punição deste, pelo Conselho de Disciplina da FPF, nas multas acima referenciadas pela prática das infracções p. e p. nos art.ºs 127.º/1 e 187.º/1 al.ªs a) e b), do Regulamento Disciplinar daquela Federação.

O A………. - SAD recorreu para o TAD mas este manteve a decisão recorrida.

Inconformado, recorreu para o TCA Sul e este, primeiramente por decisão singular do Relator depois confirmada pela Conferência, concedeu provimento ao recurso e, revogando o acórdão do TAD, anulou os actos impugnados. Fê-lo por, no essencial, entender que a "... a mera circunstância de a bancada na qual teve origem a deflagração do petardo estar afecta a adeptos do clube, sem sequer fazer menção à exclusividade dessa afectação, não permite concluir que o autor do lançamento tenha efectivamente sido um sócio ou simpatizante do mesmo. Tratam-se de dois factos autónomos, em que, de forma alguma, o segundo é uma consequência directa do primeiro e único facto conhecido e provado...".
Com efeito, e muito embora fosse certo que não se podia pôr em causa a veracidade do Relatório do Delegado quando nele se afirmava que tinham sido os "adeptos do A……. que deflagraram os petardos em causa e que entoaram os cânticos em questão … porquanto tais factos foram claramente descritos neste exacto sentido pelos Delegados que estiveram presentes no local onde decorreu o jogo e que têm por missão primária registar todas as ocorrências que aí sucedam”, também o era que essa circunstância, por si só, não bastava. E isto porque a “acusação terá que descrever, em primeiro lugar, o que fez, ou deixou de fazer, o clube, por referência a concretos deveres (legais ou regulamentares) que identifica, e, em segundo, por que forma essa actuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado dos sócios ou simpatizantes. E serão esses os factos que o Conselho de Disciplina terá que dar como provados, ou não. Sendo certo que caberá à entidade promotora do procedimento disciplinar a prova de todos os elementos típicos (objectivo e subjectivo) do tipo de infracção, ou seja, de que o clube infringiu, com culpa, os deveres legais ou regulamentares, a que estava adstrito, que esse comportamento permitiu ou facilitou determinada conduta proibida, que esta ocorreu, e que a mesma foi realizada por sócios ou simpatizantes seus."

3. É deste Acórdão que a FPF recorre pelas razões indicadas nas seguintes conclusões:
“2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos por ocasião de jogos de futebol, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, os episódios de violência em recintos desportivos têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno;
3. O Acórdão proferido, salvo o devido respeito, carece de fundamentação pois limita-se a remeter a sua fundamentação para outro Acórdão que por sua vez remete para um parecer do Ministério Público – que se considera inadmissível – e, por sua vez, tal parecer do M.P. remete para os argumentos apresentados pela ora Recorrida, o que equivale a falta de fundamentação;
4. A questão essencial trazida ao crivo deste STA – responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos - revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito;
8. Admitir, como fez o TCA Sul, que os clubes devem ser desresponsabilizados pelos comportamentos dos seus adeptos – ao arrepio do entendimento de toda a comunidade desportiva e das instâncias internacionais do Futebol, onde esta questão, de tão clara e evidente que é, nem sequer oferece discussão – é fomentar este tipo de comportamentos o que se afigura gravíssimo do ponto de vista da repercussão social que este sentimento de impunidade pode originar;”.

4. Como se viu não vem posta em causa a existência dos factos que originaram a instauração do processo disciplinar e a consequente condenação do Recorrido, isto é, que no referido jogo, nas bancadas reservadas aos membros dos grupos organizados de adeptos do A……….., houve rebentamento de petardos, potes de fumo, flash lights e gritos ofensivos contra adversários.
E, se assim é, o que está em causa é, apenas e tão só, a questão é a de saber se a ocorrência de tais factos é, por si só, independentemente do que se vier a provar em sede de culpa, suficiente para sancionar o A……….pela prática das identificadas infracções. Ou seja, e dito de forma diferente, importa saber se o TCA ajuizou correctamente quando afirmou que, não sendo objectiva a responsabilidade pela prática de tais infracções, será indispensável que a FPF prove que o A………., no citado jogo, não vigiou convenientemente a entrada no estádio dos seus adeptos e que os autores dos factos puníveis tinham sido, de facto, seus adeptos.
O que evidencia que a questão que aqui se coloca tem relevante importância jurídica uma vez que é decisivo saber, se nas circunstâncias dos autos, recai sobre a acusação o ónus de provar o que o Acórdão recorrido considerou indispensável sob pena de absolvição do Clube acusado. Se assim for, isto é, se for fundamental fazer a prova exigida por aquele Aresto a conclusão que se retira é que os normativos alegadamente violados terão uma diminuta aplicação visto ser muito difícil fazer essa prova. O que vale por dizer que a aplicação do disposto nos art.º 127.º e 187.º do RD da FPF, que a Recorrente considera importante para assegurar a ordem nos desafios de futebol, será residual. Questão cuja relevância jurídica e social é, por si só, suficiente para justificar a admissão da revista.

Decisão.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Porto, 25 de Janeiro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Carlos Carvalho.