Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01047/07.1BESNT 0923/17
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:MAIS VALIAS
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
IRS
Sumário:O disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, impede que sejam tributados em sede de I.R.S. os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como “terrenos para construção”, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do I.R.S. e que conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor desse Código, ainda que posteriormente possam ter adquirido essa qualidade e venham a ser alienados como tal.
Nº Convencional:JSTA000P26772
Nº do Documento:SA22020111801047/07
Data de Entrada:09/06/2017
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

I.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira interpõe recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proferida em 17/02/2017, que julgou procedente a impugnação intentada por A……………….., identificado nos autos, determinando a anulação da liquidação de IRS e correspondentes juros compensatórios, referentes ao exercício de 2000, no valor de € 12.428,37.

I.2. Formulou alegações que finalizou com o seguinte quadro conclusivo:

I. O art. 1° do antigo Código das Mais-Valias, aprovado pelo DL 46373, de 09 de Junho de 1965 determinava a incidência deste imposto sobre os ganhos realizados pela transmissão onerosa de terrenos para construção.

II. Com a entrada em vigor do CIRS, no dia 01-01-1969, aprovado pelo DL 442-A/88, de 30 de Novembro, o art. 10°, n° 1, alargou a base de tributação das mais-valias, não se cingindo apenas aos terrenos de construção, incluindo também os prédios rústicos e urbanos

III. Porém, se o imposto incide sobre o ganho resultante da venda parece-nos inequívoco que a norma do n° 1 do artigo 5° do Dec-Lei n°442-A/88 não constitui ela própria uma norma de incidência, tão só uma norma destinada a afastar da sujeição a imposto a vendas do imóvel adquirido antes da entrada em vigor do CIRS, tanto mais que, relativamente aos terrenos para construção, em ambos os regimes, antes e após 1969, a mais-valia resultante da sua alienação sempre foi tributada.

IV. Na verdade, para efeitos de incidência o que constitui a regra geral é a tributação dos terrenos para construção. O que se procurou excluir da tributação foi a excepção, ou seja, os ganhos provenientes da alienação de prédios que à data da aquisição não eram tributados (prédios rústicos e urbanos).

V. Com a introdução do regime transitório do DL 442-A/88, ao abrigo da tutela ou do princípio da confiança, excluiu-se da tributação os ganhos obtido pelas contribuintes provenientes da alienação de certos bens imóveis (rústicos e urbanos) que, no momento da aquisição, não eram tributados (facto que sopesou na sua decisão de adquirir) impedindo, pois, com a entrada em vigor do CIRS, a frustração da sua expectativa jurídica.

VI. Sem pretender descurar as situações em que entre o momento da aquisição e alienação do prédio inexiste uma alteração que quebre a sua identidade, simplesmente entendemos que, no caso em apreço a própria intemporalidade foi quebrada por iniciativa do próprio SP, considerando a AT que a parcela alienada não é a mesma daquela que foi adquirida antes da entrada em vigor do CIRS (Art 5° nº 2 do DL. nº 442-A/88, de 30 de Novembro).

VII. Ou seja o seu estatuto jurídico fiscal foi alterado.

VIII. No tocante à incidência real, quer pelo Código das Mais Valias (antes de 1989) quer pelo Código do IRS, sempre se tributaram os ganhos provenientes da alienação de terrenos para construção, consequentemente, e aceitando-se a óptica da AT, sempre será de concluir pela inexistência de qualquer aplicação retroactiva da norma de incidência.

IX. O momento relevante para aferir da natureza do bem transmitido, nestes casos, é o momento da sua alienação, e consequentemente a obtenção do ganho com a sua venda, não havendo que apelar, nesta situação, ao momento da aquisição, porquanto já na vigência do CIRS se operou a alteração do estatuto jurídico fiscal dos prédios de prédios rústicos para terreno para construção, cujo efeito constitutivo nos deverá levar a concluir que já não estamos perante o mesmo prédio que foi alvo de aquisição.

X. A sentença recorrida não fez correcta apreciação da matéria de direito, ao menosprezar a relevância da alteração da natureza dos prédios objecto de alienação, concluindo que os mesmos foram adquiridos em momento anterior à entrada em vigor do CIRS, julgando os rendimentos excluídos de tributação, nos termos do disposto no art. 5°, n° 1, do DL 442-A/88 de 30 de Novembro.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra, cuja orientação, declare o pedido improcedente.

I.3. O recorrido apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:

a) O presente recurso foi interposto, pela Fazenda Pública, da douta Sentença proferida no âmbito do processo de Impugnação Judicial N.° 1047/07.1BESNT, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em que a RECORRIDA impugna o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e Juros Compensatórios, praticado com referência ao ano de 2000, n.° 20045004276490, no valor global de €12.428,37.

b) Por Sentença proferida nos presentes autos de impugnação, em 12 de Fevereiro de 2017, foi julgada a presente “(...) acção procedente, determinando a anulação da liquidação de IRS e correspondente liquidação de juros compensatórios aqui impugnadas”.

c) Contra a douta Sentença recorrida, a RECORRENTE interpôs o presente recurso, sustentando, para o efeito, que a alteração da qualificação jurídica dos prédios alienados após a entrada em vigor do código do IRS inviabilizaria a aplicação da norma de exclusão de tributação prevista no 5.° do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro.

d) Segundo o entendimento perfilhado pela RECORRENTE, para efeitos de aplicação desta norma de exclusão, importa atentar não à natureza jurídica do prédio à data da sua aquisição, mas sim à data em que o mesmo é alienado.

e) Ora, andou bem a sentença recorrida ao decidir que “(...) como os prédios foram adquiridos antes da entrada em vigor do CIRS, a liquidação é ilegal por estar excluída a incidência do imposto pelo artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 442- A/88, de 30 de Novembro” (cf. página 13 da Sentença recorrida).

f) Concluindo acertadamente o Tribunal a quo que: “como consequência de tudo o que ficou dito, conclui-se pela procedência total da presente acção, sendo de determinar a anulação da liquidação adicional de IRS, emitida em nome do Impugnante para o exercício de 2000, bem como a correspondente liquidação de juros compensatórios, por falta dos seus pressupostos legais (cf. artigo 35.º da LGT).” (cf. página 13 da Sentença recorrida).

g) Entende o RECORRIDO que, tendo os terrenos sido adquiridos em 1986, e não estando a sua alienação sujeita a tributação, nem na data de aquisição, nem posteriormente até à entrada em vigor do Código do IRS, não é defensável, por falta de fundamento legal, a tributação dos mesmos aquando da sua alienação em 2000, apenas em virtude da alteração da sua qualificação jurídica.

h) Tal entendimento é unanimemente perfilhado pela jurisprudência dos tribunais superiores, de que são exemplos os arestos indicados pelo RECORRIDO, bem como pelo douto tribunal a quo.

i) Torna-se, assim, inegável a exclusão de tributação dos rendimentos obtidas com a alienação dos prédios adquiridos pelo RECORRIDO por sucessão mortis causa em 1986, e que apenas após a entrada em vigor do Código do IRS em 1989 viram a sua qualificação jurídica alterada.

j) Pois, quer da doutrina administrativa em vigor, quer da jurisprudência dos tribunais superiores, resulta, de forma expressa, que a data de referência para a aplicação do regime de exclusão de tributação é a data da aquisição do prédio e não, como defende a Administração tributária nas suas alegações, a data na qual o prédio é alienado.

k) Aceitar o contrário, o que por mero dever de patrocínio se admite, inverteria, de forma inaceitável, a lógica pretendida pelo legislador tributário de protecção das expectativas dos contribuintes que viram a base de tributação das mais-valias imobiliárias (e imobiliárias) alargada com a entrada em vigor do Código do IRS.

l) É, portanto, inelutável que os valores recebidos pelo RECORRIDO na sequência da transacção dos bens imóveis realizada através da outorga da respectiva escritura em 3 de Março de 2000, não estão sujeitos a tributação em sede da categoria “G” do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, nos termos e com os fundamentos acima expostos, devendo, por isso, ser mantida a decisão proferida.

TERMOS EM QUE DEVERÁ SER CONSIDERADO IMPROCEDENTE O RECURSO APRESENTADO PELA RECORRENTE E, ASSIM, CONFIRMADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, NA SUA INTEGRALIDADE, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

I.4. O exm.º magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, com a seguinte argumentação:

“A recorrente, FAZENDA PÚBLICA, vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, exarada a fis. 309/315, em 17 de Fevereiro de 2017, que julgou procedente impugnação judicial deduzida contra o ato de indeferimento de reclamação graciosa, por sua vez deduzida contra o ato de liquidação adicional de IRS de 2000, no entendimento de que as mais-valias resultantes da venda dos imóveis operada em 2000 estão excluídas de tributação em IRS pelo regime transitório estatuído no artigo 5.° do DL 442-A/88, de 30 de Novembro, uma vez que a aquisição dos prédios em causa ocorreu antes da entrada em vigor do CIRS, em 1986, sendo certo que só adquiriram a natureza de terrenos para construção em 1997, tendo sido vendidos como tal.

A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 338, que, como é sabido, salvo questões de conhecimento oficioso e desde que dos autos constem todos os elementos necessários à sua integração, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 635.°/4 e 639.°/1 do CPC.

Os recorridos, B……………… e OUTROS, contra-alegaram, tendo concluído nos termos de fls. 362/365.

A nosso ver o recurso não merece provimento.

Nos termos do estatuído no artigo 5.°/1 do DL 442-A/88, de 30 de Novembro “Os ganhos que não eram sujeitos a imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.° 46.673, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afetos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afetação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respetivo proprietário, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor deste Código.”

Por força do disposto no artigo 10.°/1/ a) do CIRS “Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis…”

Como resulta do probatório os prédios rústicos, ou melhor as quotas de 1/3 de cada um deles, foram adquiridas, mortis causa, em 1986, data em que queles estavam abrangidos pelo PLANO AUZELLE, não tendo qualquer potencial de construção.

Os referidos imóveis encontram-se registados na CRP competente como terrenos para construção desde 14/08/1997.

Em 03/03/2000 foi outorgada escritura de venda dos mesmos imóveis, que esteve na génese das mais-valias em causa.

Nos termos do CIMV estava sujeita a tributação a transmissão onerosa de terrenos para construção, sendo que eram havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidas em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo.

Do referido regime legal parece poder concluir-se que:

1. Os ganhos já sujeitos ao imposto de mais-valias estão sujeitos a IRS, categoria G.

2. Os ganhos não sujeitos a imposto de mais-valias e decorrentes da alienação de bens ou direitos que tenham sido adquiridos até à entrada em vigor do CIRS (1989.01.01), não se encontram sujeitos a IRS.

3. Os ganhos não sujeitos a impostos de mais-valias e decorrentes da alienação de bens ou direitos adquiridos depois da entrada em vigor do CIRS estão sujeitos a IRS, desde que enquadráveis no artigo 10.°/1/ a) a d) do CIRS.

Ora, os imóveis em causa sempre tiveram a natureza de prédios rústicos durante a vigência do CIMV, natureza rústica que se manteve mesmo após a entrada em vigor do CIRS.

Logo, não estando sujeitos a IMV e tendo sido adquiridos antes da entrada em vigor do CIRS não estão sujeito a tributação em IRS.

O facto de os prédios em causa terem adquirido a natureza de urbanos (terrenos para construção) em 1997 não releva para efeitos de isenção de tributação em sede de IRS, como vem defendendo de forma reiterada o STA. (Acórdãos de 2005.11.09-P.7333/05; 2004.03.29-P.1213/05; 200612.12-P.1100/05; 2007.06.06-P.179/07; 2008.02.13-P.763/07; 2008.10.29-P.539/08; 2009.02.04-P.872/08; 2010.06.02-P.0998/09; 2012.04.19-P.0923/11, 12.02.2015-P.01266/13; 20.05.2015-P.0149/15; 08.07.2015-P.0584/15; 21.10.2015-P.01339/14; 26.04.2016-P.0301/15; todos disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt.)

O afastamento da tributação em sede de IRS dos ganhos obtidos com a transmissão de terrenos que, à data da entrada em vigor do CIRS (1989.01.01), eram qualificados como terrenos agrícolas compreende-se, uma vez que, tendo o legislador optado pelo cálculo dos ganhos tributáveis a título de mais-valias com base na diferença entre o valor de aquisição e o valor da transmissão, a tributação em IRS da valorização de terrenos agrícolas que haviam sido adquiridos antes da sua entrada em vigor incluiria, parcialmente, a aplicação retroativa do novo regime de tributação a ganhos obtidos com a valorização dos prédios rústicos, pois necessariamente se iriam tributar, além dos ganhos correspondentes à valorização gerada na vigência do CIRS, também alguns correspondentes à valorização que, enquanto prédios rústicos, pode ter ocorrido antes da sua entrada em vigor.

Ora, nos termos do estatuído no artigo 103.°/3 da CRP é proibida a aplicação retroativa de normas de incidência.

Assim sendo, como nos parece que é, é aplicável ao caso em análise o regime transitório da categoria G estatuído no artigo 5.° do DL 442-A/88, que aprovou o CIRS.

A sentença recorrida não merece, pois, censura.

Termos em que, deve negar-se provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.”

I.5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir a questão de saber se se a sentença errou na interpretação e aplicação do regime transitório previsto no artigo 5.°, n.° 1, do Decreto Lei n° 442-A/88, de 30 de novembro, relativamente ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares-C.I.R.S..

Tal passa por saber se os ganhos resultantes da venda efetuada pelo impugnante e outros, em 3/3/2000, de prédios rústicos adquiridos “mortis causa” em 22/6/1986, mas que entretanto adquiriram a qualidade de terrenos para construção, conforme declarada na escritura relativa à respectiva compra e venda, estão isentos de tributação a título de mais-valias em sede de IRS, por se encontrarem abrangidos pelo regime transitório previsto no artigo 5.º n.º1 do dito Dec. Lei n.º 442-A/88.

II. Fundamentação

II.1. De facto.

Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto:

A. Por óbito de C………………, ocorrido em 22.06.1982, foram transmitidos aos seus herdeiros, o direito a um terço de cinco prédios rústicos, sitos na freguesia de ………….., concelho do Porto, à data omissos da matriz [cf. fls. 149 a 169 do PAT em apenso].

B. Pela Câmara Municipal do Porto – Repartição de Expediente e Contabilidade foi prestada a seguinte informação: “O terreno sito na ………., identificado pelo requerente na planta junta pelo próprio, tinha à data de 1 de Janeiro de 1989, a capacidade construtiva que lhe era conferida pelo Plano “Auzelle” (…)”, destinados a “zonas de espaços verdes públicos a conservar ou a criar” [cf. fls. 74 a 78 dos autos].

C. Por escritura de compra e venda celebrada em 03.03.2000, no 6.º Cartório Notarial do Porto foi pelo Impugnante, conjuntamente com mais 21 co-proprietários, vendido às sociedades …………, Lda., …………, S.A., ……………, S.A., …………, S.A., pelo preço global de mil e vinte milhões de escudos, as seguintes verbas:

- verba 1: Terreno sito no Lugar do …….., da freguesia de ………, cidade do Porto, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º 35485, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1326, com valor patrimonial de 4.561.920$00, e o valor atribuído de quarenta e cinco milhões de escudos;

- verba 2: Terreno sito no Lugar do ……., da freguesia de …………, cidade do Porto, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º 35459, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1325, com valor patrimonial de 12.117.600$00, e o valor atribuído de cento e vinte milhões de escudos;

- verba 3: Terreno sito no Lugar do ……., da freguesia de …….., cidade do Porto, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º 35486, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1327, com valor patrimonial de 3.659.040$00, e o valor atribuído de trinta e seis milhões de escudos;

- verba 4: Terreno sito no Lugar do …….., da freguesia de …….., cidade do Porto, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º 35487, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1323, com valor patrimonial de 67.401.600$00, e o valor atribuído de seiscentos e setenta milhões de escudos;

- verba 5: Terreno sito no Lugar do ……, da freguesia de …….., cidade do Porto, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º 37790, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1324, com valor patrimonial de 18.849.600$00, e o valor atribuído de cento e quarenta e nove milhões de escudos. [cf. fls. 128 a 146 do PAT em apenso].

D. Os prédios identificados na al. C) supra, encontram-se registados na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto, como terrenos para construção desde 14.08.1997 [cf. fls. 263 a 281 do PAT em apenso].

E. Em cumprimento das ordens de serviço n.ºs 88742, 88743 e 88744, de 16.12.2003, foi despoletada uma acção de inspecção com vista à análise das modelos 3 apresentadas pelo Impugnante, nos exercícios de 2000, 2001 e 2002, em sede de IRS [cf. fls. 115 e 117 do PAT em apenso].

F. A 13.10.2004 foi elaborado o relatório de inspecção onde consta, nomeadamente, o seguinte:

“(…)

III – Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável

3.1- Citação dos factos

A venda dos terrenos em causa, consta de escritura lavrada em 03 de Março de 2000, no 6° Cartório Notarial do Porto.

O contribuinte sujeito desta inspecção A……….., NIF………., consta como um dos 21 co-vendedores de 5 terrenos sitos em ……., freguesia de …….., Porto - artigos matriciais urbanos n.ºs 1323, 1324, 1325, 1326 e 1327, da área do SF Porto 6.

Como compradores figura um grupo de 4 empresas de construção civil:

-……….., Lda. (NIPC ………..); ……………., Lda. (NIPC ………….); ………, SA (NIPC …………); ……………., SA (NIPC …………), sendo o preço global de esc. 1.020.000.000$00.

3.2 - Qualificação dos terrenos - terrenos para construção

A questão central deste processo tem a ver com a qualificação dos terrenos transaccionados como terrenos para construção ou não, facto que no caso faz a transacção incidente ou não em tributação na categoria G do IRS.

O contribuinte na exposição feita pelo procurador Dr. ……… - sustenta a opinião de que os terrenos em causa, mau grado serem terrenos urbanos, não podiam ser classificados como terrenos para construção, em especial por diversos ónus que sobre eles recaíam correlacionados com a problemática portuense do "Parque da Cidade".

Resta-nos avaliar a situação à luz de outros factos, nomeadamente:

B - Comparabilidade de preços (área do Porto) de terrenos para construção.

O valor médio apurado de m2 do terreno -Esc. 32.092$00- aproxima-se dos valores de mercados dos terrenos para construção que vêm publicados no jornal – Confidencial Imobiliário Newsletter Imobiliária Portuguesa - para a zona do Porto naquelas datas.

De facto, naquele jornal de Maio 2000 (V13/N.°5) - anexo 1 - constam os seguintes valores de m2/terrenos construção de habitação:

Folha n° 15:

- Porto-Ramalde / 43.100$00; Porto-Foz / 75.500$00; Porto-SMlnfesta / 31.300$00; Porto-Salgueiros /35.000$00.

Os valores publicados naquele jornal, são valores estatísticos da "oferta", aceitando-se como norma no sector flutuação em baixa até 10%.

Estes valores comparativos aproximam-se daquele valor real da transacção _ esc. 32.092$00/m2 - fazendo crer que as empresas compradoras, todas empresas imobiliárias e de construção civil, só terão negociado na convicção da compra de "terrenos para construção".

A convicção das empresas compradoras de que no acto da compra estavam a comprar "terrenos para construção" parece provada pela frustração sentida pelas vicissitudes do licenciamento por parte da CM Porto correlacionadas com o "Parque da Cidade" e limitações que lhes foram impostas. Veja-se página de jornal (Público) com o título:

…………. pede 50 milhões pelos prejuízos e denuncia "decisão arbitrária" de Rio ... pela não construção no parque da cidade ... "

Afastando a intenção de formulação de "juízos de valor", somos levados a opinar que no caso da transacção em apreço, tanto o preço praticado, como a convicção que se veio a mostrar frustrada dos compradores (………., como exemplo) faz crer que os terrenos transaccionados o eram para construção. Não é crível que outro destino estivesse no espírito dos compradores.

As vicissitudes negociais e camarárias posteriores só afectaram os compradores.

Cabe referir, que à data da escritura de venda os dispositivos legais conferiam aos terrenos capacidades construtivas " ... área mista de densidade 1, a afectar predominantemente a edificações do tipo moradia (n° 2 do artº 14° das N.P.) e equivalente ao índice de construção bruto menor ou igual a 0,84 m2/m2, numa faixa ao longo da Estrada da Circunvalação com a extensão de 550 metros e uma profundidade de 60 metros "0 "- NP/Normas Provisórias da CM Porto de 22.11.1999 e 13.04.2000, aprovadas pela respectiva AM Porto, ratificadas pela Resolução n° 117/2000 de 20 de Julho do Conselho de Ministros, publicada no DR n° 206-I-B série, em 06.09.2000 - alteração ao PDM.

Ainda, como informação relevante, a 2ª Conservatória do registo Predial do Porto descreve os terrenos como sendo "terreno para construção".

Da conjugação de todos estes factos, resulta evidente que à data da escritura, os terrenos em causa foram negociados como "terrenos para construção".

Assim, os terrenos negociados pela escritura de 03 de Março de 2000, no 6.° CN Porto, destinavam-se à construção de habitações - e por isso qualificáveis como "terrenos para construção"

3.3 - Tributação em IRS/categoria G

Assumida a qualificação de "terrenos para construção", a Mais Valia obtida na transacção atrás referida - venda de 5 terrenos para construção - é tributável em IRS, categoria G, conforme determina o art.° 5.º do D.L. 442A/88 de 30/11 e a al. A) do art.° 10° do CIRS, determinada de acordo com os art°s 43° n° 2,44°,45° e 50° do CIRS.

a) Apuramento do valor da "Mais Valia"

O valor da Mais Valia global na venda dos 5 terrenos consiste na diferença entre o valor de realização/venda (art.º 44° do CIRS) e o valor de aquisição a título gratuito corrigido (art°s 45° e 50° do (IRS).

Assim:

MV = VV -V A corrigido

Estes terrenos foram adquiridos, por sucessão, por óbito de sua/seu pai, que detinha 1/3 dos mesmos. Como o quinhão que compete ao contribuinte é de 5% temos:

VV=Esc. 1.020.000.000,00*1/3=Esc.340.000.000,00*5%= Esc.17.000.000,00

O valor de aquisição considerado para efeitos de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações é de Esc.20.655.334,00.

VA= Esc.20.655.334,00 * 5%=Esc.1.032.766,70

Factor de correcção 2,41

VA corrigido = Esc.l.032.766,70 * 2,41 = Esc.2.488.967,75

MV= Esc.14.511.032,25

A tributar em sede de IRS/2000 como categoria G -50% deste valor – n.º 2 do art.º 43.º do CIRS ou seja Esc.7.255.516,13 = €36.190,36.

(…)

VIII - Direito de Audição - Fundamentação

Notificado o contribuinte nos termos dos Art.°s 60.° da LGT e do RCPIT, para o exercício do direito de audição, lindo o prazo legalmente estabelecido (23/09/2004) o mesmo não o exerceu.

Em 2004/10/07, deu entrada nestes Serviços com o n.º 464.430, o supra mencionado direito de audição, o qual ainda que fora de prazo, será analisado. Assim,

Sem conceder,

De acordo com os argumentos que a seguir se transcrevem, apresentados pelo mandatário tributário (Dr…………):

(…)

Analisados os argumentos supra mencionados, cabe-nos referir o seguinte:

A - No âmbito desta acção inspectiva (O. Serviço n.º 88.742, 88.743, e 88.744), não foi efectuada nenhuma notificação para além das previstas nos Art.º 60.º da LGT e do RCPIT, e das referidas pelo mandatário no ponto 4° anterior, (Decl. Mod 3 referentes a 2000, 2001, e 2002).

B - Já no que concerne ao envio de notificação ao signatário para apresentação das declarações mod 3, relativas aos exercícios de 2000, 2001 e 2002, contrariamente ao afirmado, posteriormente foi notificado o sujeito passivo, aliás, conforme descrição a ponto 11 - B, Fls. 1, do projecto

C - Também, e relativamente à notificação nos termos dos Art.ºs 60° da LGT e do RCPJT, se entendem como correctos os procedimentos adoptados, uma vez que foi notificado o mandatário do sujeito passivo nos termos do Art.º 40.º do CPPT, (tendo sido inclusive dado conhecimento dessa notificação ao sujeito passive}

Em conclusão, após as análises efectuadas, considera-se não terem sido trazidos ao processo elementos que nos permitam alterar as correcções anteriormente propostas, pelo que se mantêm as anteriormente propostas.

(…)” [cf. fls. 117 a 124 do PAT em apenso].

G. Por despacho de 18.10.2004, do Chefe de Divisão da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, foram sancionadas as conclusões identificadas no ponto anterior [cf. fls. 115 do PAT em apenso].

H. Por ofício n.º 44385, de 26.10.2004, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi o Impugnante notificado do teor do relatório de inspecção identificado nos dois pontos anteriores, constando do mesmo, nomeadamente, o seguinte: “(…) Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos dos: (….), bem como das fundamentações, as quais tiveram por base factos, motivos e, bem assim, os critérios e cálculos, expressamente desenvolvidos no Relatório/DO(s), que faz(em) parte integrante da presente notificação e que serve(em) de fundamentação para todas as liquidações que vierem a ser efectuadas em resultado da presente acção inspectiva (…)” [cf. fls. 260 do PAT em apenso].

I. A 23.11.2004 foi emitida a liquidação adicional de IRS identificada com o n.º 2004.5004274690, em nome do Impugnante, com valor a pagar de €12.428,57, onde se encontra incluída a quantia de €2.050,06, a título de juros compensatórios [cf. fls. 59 dos autos].

J. A 04.04.2005 foi apresentado junto do Serviço de Finanças de Cascais 1, um pedido de reclamação graciosa contra a liquidação identificada no ponto anterior [cf. fls. 63 dos autos, e processo de reclamação em apenso].

K. A 12.04.2005 foi elaborado documento sob epígrafe “Declaração”, assinado por ………………, Engenheira Civil, onde consta, nomeadamente que: “(…) foi feito levantamento sobre o terreno sito na cidade do Porto, Lugar de ………. da freguesia de ………., que integra as parcelas (…), as quais correspondem aos prédios descritos na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 35485, 35486, 37792, 25487, e 35459 e inscritos na matriz predial rústica sob os artigos matriciais 1325, 1327, 1324, 1323 e 1326 da mesma freguesia de ……… (…) face ao Plano Director do Porto designado por Plano Auzelle, as referidas parcelas não possuem capacidade construtiva, com excepção para um parque de estacionamento coberto” [cf. fls. 63 dos autos].

L. Através do ofício n.º 012652, de 12.02.2007, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi o Impugnante notificado do teor do projecto de decisão de indeferimento da reclamação identificada no ponto anterior para efeitos de direito de audição prévia [cf. fls. 64 dos autos, e processo de reclamação em apenso].

M. Por despacho de 02.10.2007, do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa foi indeferida a reclamação identificada em J) supra [cf. fls. 49 a 57 dos autos, e processo de reclamação em apenso].

N. Através do ofício n.º 81816, de 08.10.2007, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi o Impugnante notificado do teor do despacho identificado no ponto anterior [cf. fls. 48 dos autos, e processo de reclamação em apenso].

O. A petição inicial que deu origem à presente impugnação judicial foi apresentada em 23.10.2007 [cf. fls. 3 dos autos].

II.2. De direito.

De acordo com o disposto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, “os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 09.06. 1965” (doravante identificado pela sigla “CIMV.”), “só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código”, ou seja, após 1-1-1989 – quanto a este prazo rege o artigo 2.º do dito Decreto-Lei n.º 442-A/88.

Resulta dos factos assentes que o Impugnante adquiriu os imóveis controvertidos, por sucessão “mortis causa”, em 22-6-1986, ou seja, em momento anterior à entrada em vigor do C.I.R.S..

Por outro lado, resulta ainda da dita matéria, com especial interesse quanto à data de entrada em vigor do Código do I.R.S., que os prédios em causa estavam abrangidos pelo “Plano Auzelle” como destinados a zonas de espaços, tendo apenas a 14-8-1997 sido inscritos no registo predial como terrenos para construção.

Na sentença proferida, considerou-se que ”(…) a AT não cumpriu o seu ónus de prova quanto à qualificação dos terrenos em questão, como terrenos de construção à data da entrada em vigor do CIRS, apenas fazendo alusão a factos que ocorreram após 01.01.1989, como seja a referência a valores de mercado dos terrenos para construção em 2000, a capacidade construtiva dos imóveis à data da alienação, e ao Plano Director Municipal do Porto em vigor em 2000.”

Assim sendo, e tal como decidido recentemente pelo acórdão do S.T.A. de 14-10-2020, proferido no processo 01152/10.7BELRS, acessível em www.dgsi.pt, na esteira do acórdão de 8-7-2015, no processo n.º 0584/15, acessível também em www.dgsi.pt, consideramos o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, impede que sejam tributados em sede de I.R.S. os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como “terrenos para construção”, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do I.R.S. e que conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor desse Código, ainda que posteriormente possam ter adquirido essa qualidade e venham a ser alienados como tal.

Em consequência de acima exposto, e sem mais considerandos, é de concluir pelo não provimento do recurso interposto.

III – DECISÃO:

Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente – art. 527.º n.º1 do C.P.C., subsidiariamente aplicável.

Lisboa, 18 de novembro de 2020. - Paulo Antunes (relator) - Aragão Seia - Suzana Tavares da Silva.