Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01056/15.7BELRS 0931/17
Data do Acordão:04/07/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:AUDIÇÃO PRÉVIA
RECURSO HIERÁRQUICO
IVA
RECTIFICAÇÃO
PRAZO
ERRO DE FACTO
Sumário:I - A violação do direito de audição prévia em sede de recurso hierárquico não altera a sorte da impugnação judicial deduzida contra a liquidação, a qual dependente exclusivamente da apreciação do vício àquele ato tributário imputado.
II - O prazo para proceder à retificação do imposto dedutível, em caso de erro material ou de cálculo, é o previsto no n.º 6 do artigo 71.º do Código do IVA, na redação da Lei n.º 39-A/2005, de 29/07 (que corresponde ao n.º 6 do artigo 78.º), ou seja, de dois anos.
Nº Convencional:JSTA000P27488
Nº do Documento:SA22021040701056/15
Data de Entrada:09/06/2017
Recorrente:FUNDO DE PENSÕES DO A.......
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
1.1. FUNDO DE PENSÕES DO A……, identificado nos autos, interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), n.º 11153465, referente ao período 03T/10, no montante de €5.134.500,00, na sequência do indeferimento expresso do recurso hierárquico aduzido contra a decisão que indeferiu a reclamação graciosa com o mesmo objeto.

1.2. O Recorrente concluiu do seguinte modo as suas alegações:
«a) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no dia 24 de Março de 2017, que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pelo IMPUGNANTE – ora RECORRENTE – que correu termos na 1ª unidade Orgânica daquele Tribunal, sob o n.º 1056/15.7BELRS;
b) Para decidir no sentido da improcedência do pedido formulado pelo Recorrente alega o Tribunal a quo:- quanto à invocada preterição de formalidade essencial que «a situação em causa se enquadra no n.º3 do art.º 60º, da LGT, uma vez que a factualidade subjacente à emissão das liquidações e alegada pelo impugnante tem sido sempre a mesma e não foi posta em causa, sendo sempre a mesma questão de direito aquela cuja interpretação foi posta em causa em sede graciosa. Como tal, entende-se que não houve preterição de formalidade essencial. No entanto, independentemente dessa questão, a eventual existência de tal vício não implica as consequências extraídas pelo impugnante em termos de invalidade do acto de liquidação, cuja legalidade não é afectada.»- E no que concerne ao invocado vício de violação de lei do n.º2 do artigo 22º do CIVA e à respectiva dedução do imposto no prazo de 4 anos, a que alude o artigo 98º, n.º2, do CIVA, considera, à guisa de súmula, que «tendo presente o critério hermenêutico do legislador razoável, a interpretação a fazer da norma do artigo 22º/2 do CIVA deverá ser no sentido de continuar – como anteriormente – a impor a dedução do imposto suportado na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas ou de recibo de pagamento, licenciando apenas a dedução em período posterior, nas circunstâncias em que o próprio artigo o prevê especificamente».(…) Refere ainda, a propósito da alegação do RECORRENTE de que, no caso vertente, a situação não é de erro material ou de cálculo, mas sim de erro de direito, que «tal como sublinhado na contestação da FP, que o impugnante limita-se a mencionar a existência de um erro de interpretação de direito, que não consubstanciou.
c) Todavia, tal como se evidenciará no corpo alegatório que se produz em seguida, a apreciação judicativa do Tribunal a quo assentou em erro de julgamento e, por conseguinte, a decisão recorrida não pode manter-se na ordem jurídica;
d) Com efeito, e tal como se enfatizou em sede de impugnação judicial, o ora RECORRENTE, foi notificado, em 18 de Dezembro de 2014, do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, sem que lhe tivesse sido conferida a possibilidade de exercer o direito de audição,
e) alicerçando a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA a dispensa de tal formalidade no regime jurídico ínsito no n.º3 do artigo 60º da Lei Geral Tributária («LGT») e na doutrina administrativa veiculada na Circular n.º 13, de 1999.07.08, da Direcção de Serviços de Justiça Tributária;
f) A douta sentença, aderindo à tese subscrita pela AUTORIDADE TRIBUTÁRIA considerou que não houve preterição de formalidade essencial, na medida em que, o acervo factual em apreciação se subsume na disciplina jurídica plasmada no n.º3 do art.º 60º, da LGT;
g) Sustentou, para tanto, que a «factualidade subjacente à emissão das liquidações e alegada pelo impugnante tem sido sempre a mesma e não foi posta em causa, sendo sempre a mesma questão de direito aquela cuja interpretação foi posta em causa em sede graciosa.»
h) Considerou, igualmente, que, «independentemente dessa questão, a eventual existência de tal vício não implica as consequências extraídas pelo impugnante em termos de invalidade do acto de liquidação, cuja legalidade não é afectada.»
i) Não obstante, ao decidir no apontado sentido, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento. Senão vejamos:
j) Dispõe o n.º 3 do artigo 60º da LGT que «tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado. (O sublinhado e o negrito são do RECORRENTE);
k) Ora, procedendo a uma análise do preceito legal em referência, constata-se, desde logo, que a audição do contribuinte só é dispensada, antes da liquidação, se o contribuinte tiver sido ouvido nas fases dos procedimentos a que se reportam as alíneas b) a e) do n.º 1 do sobredito inciso legal - onde se insere o recurso hierárquico;
l) Assim, para que a dispensa de audição do RECORRENTE, antes do despacho que operou o indeferimento expresso do recurso hierárquico, se aportasse no citado dispositivo legal, forçoso seria que a liquidação ainda não tivesse sido emitida, o que, não sucedeu no caso vertente,
m) Isso mesmo se extrai da formulação literal da norma em referência, ao aludir expressamente, que, «tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.»
n) Todavia, no caso sub judice, não se verifica o circunstancialismo de que a lei faz depender a dispensa da audição prévia do contribuinte antes de ser proferida uma decisão que lhe é desfavorável,
o) pelo que, ao decidir em sentido contrário, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, foi preterida uma formalidade essencial consubstanciada na postergação do direito de audição, subsumível no regime jurídico consignado na alínea b) do n.º1 do artigo 60 da LGT;
p) Consequente, ao considerar que o quadro legal aplicável in casu é o constante no n.º 3 do artigo 60º da LGT, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, sendo inelutável que a decisão recorrida vilipendia o princípio da participação com assento no n.º1 b) do citado inciso legal.
q) E a apreciação judicativa do Tribunal a quo a propósito das consequências a extrair da preterição da invocada formalidade, inculca, igualmente, em erro de julgamento, na medida em que, ainda que a mesma não projecte os seus efeitos no acto de liquidação impugnado,
r) o certo é que, não pode deixar de produzir reflexos na decisão proferida no âmbito do procedimento de recurso hierárquico, igualmente impugnada, determinando a sua anulação, tal como o IMPUGNANTE – ora RECORRENTE alegou e peticionou no artigo 34º da impugnação judicial.
s) deste modo, ainda que a validade do acto tributário de liquidação de IVA não seja afectada, a verdade é que, se impõe a anulação da decisão proferida em sede de procedimento de recurso hierárquico, sob pena de a norma que consagra o direito à participação dos contribuintes – artigo 60º da LGT ser desprovida de qualquer sentido útil.
t) Ao decidir em sentido diverso, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação da norma constante do artigo 60º da LGT e, nessa medida, deve ser revogada e substituída por outra que declare a anulação da decisão proferida no âmbito do procedimento de recurso hierárquico.
u) Para além do apontado vício, o Tribunal a quo incorreu, igualmente, em erro de julgamento quanto à fixação e alcance das normas constantes no n.º2 do artigo 22º, do n.º 2 do artigo 98º, e do n.º 6 do artigo 78º, todos do Código do IVA. Senão vejamos:
v) Emerge da motivação inserta no Relatório Final de Inspecção Tributária e no despacho que operou o indeferimento expresso do recurso hierárquico que a questão a dirimir é a de saber qual o prazo de que o RECORRENTE dispõe para exercer o direito à dedução do IVA que suportou na aquisição do imóvel descrito anteriormente.
w) Na verdade, de acordo com o trilho prosseguido pela AUTORIDADE TRIBUTÁRIA, o despacho de indeferimento do pedido de reembolso do IVA e a liquidação adicional de IVA que o corporiza – e que são objecto da presente impugnação judicial, fundamentam-se, em síntese, na pressuposta extemporaneidade do direito à dedução do IVA suportado na aquisição do imóvel.
x) Para legitimar o referido entendimento, aduz a Autoridade Tributária que o sujeito passivo só podia, por imperativo legal, exercer o direito à dedução do imposto que suportou na aquisição do imóvel, na declaração do período em que foi celebrada a escritura pública que titulou a transmissão em causa, i.e., Abril de 2006, nos termos do disposto no n.º2 do artigo 22º do CIVA
y) ou, no limite, tratando-se de um erro material, na acepção do nº 9.3 do Ofício Circulado 30082/2005, o IMPUGNANTE - ora RECORRENTE, dispunha de um prazo de 2 (dois) anos para a sua regularização, conforme dispõe o nº 6 do art.º78 do CIVA, prazo esse, segundo o seu entendimento foi, igualmente, ultrapassado.
z) Todavia, tal como o IMPUGNANTE – ora RECORRENTE, sustentou na sua p.i. da impugnação judicial, o prazo de que dispõe para exercer o direito à dedução do IVA é, conforme resulta do cotejo das normas previstas no n.º 2 do artigo 22º e do n.º 2 do artigo 98º, ambos do Código do IVA, de 4 anos.
aa) Referiu a este propósito que, a formulação do artigo 22º, n.º2, do Código do IVA, ao prever a locução “períodos posteriores” permite inferir que o sujeito passivo pode deduzir o IVA em qualquer momento, desde que esse direito seja exercido no prazo de caducidade a que alude o n.º2 do artigo 98º, do mesmo diploma legal, i.e., 4 anos.
bb) Alegou, por outro lado, que o regime jurídico consignado no citado n.º6 do artigo 78º do Código do IVA não é aplicável ao caso vertente, porquanto só as situações de «correcção de erros materiais ou de cálculo» se inserem no perímetro inclusivo deste preceito legal,
cc) o que não sucede no caso vertente, na medida em que, o facto de o IMPUGNANTE - ora RECORRENTE, não ter efectuado o registo da aquisição do imóvel, evidenciando na conta apropriada o valor do IVA dedutível, de modo a que no final do período fosse transferido para IVA Apuramento e reflectido na respectiva declaração, não legitima o entendimento de que estamos perante um erro material ou de cálculo subsumível no escopo do n.º6 do artigo 78º do Código do IVA.
dd) No sentido de conferir espessura ao entendimento preconizado no apontado sentido, i.e., de que não estamos perante um erro subsumível no artigo 78º, n.º6 do citado diploma legal, que legitime a conclusão de que o prazo para exercer o direito à dedução era de dois anos, o RECORRENTE convocou o regime jurídico ínsito no n.º2 do artigo 95º do CPPT, que densifica o conceito de erro material;
ee) Com efeito, de acordo com a disciplina jurídica ali plasmada integram o conceito de erro material ou de cálculo, os erros que «resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexactidão ou lapso».
ff) Não obstante, o Tribunal a quo não aderiu à tese sustentada pelo Recorrente no que concerne à interpretação a conferir ao n.º2 do artigo 22º, do CIVA, considerando que a menção que ali consta, «visa salvaguardar as situações que o próprio artigo prevê, caso contrário ficaria desprovida de efeito útil».
gg) Convocou, neste concreto segmento, a decisão arbitral proferida a 24.10.2014(processo 185/2014-T), a qual, em síntese, sufraga o entendimento de que, a norma do n.º2 do artigo 22º do Código do IVA, na sua actual redacção, «apenas faz sentido existir, como, justamente proscrevendo a existência de uma discricionariedade do sujeito passivo na escolha do período para proceder à dedução.
(…)
Assim, e deste modo, tendo presente o critério hermenêutico do legislador, a interpretação afazer da norma do artigo 22º/2 do CIVA deverá ser no sentido de continuar – como anteriormente – a impor a dedução do imposto suportado na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas (…), licenciando apenas a dedução em período posterior, nas circunstâncias em que o próprio artigo o prevê especificadamente”.
hh) Posto isto, procede à análise da situação em apreço à subsunção no disposto no artigo 78º, n.º6 do CIVA ou do 98º, n.º2 do CIVA, tendo concluído, que «não havendo nos autos qualquer evidenciação de existência de erro de direito (…), e atendendo à factualidade provada, decorre que tendo sido celebrada escritura e suportado IVA (operação objeto de registo), mas não tendo sido tal imposto deduzido na declaração periódica respetiva, estamos perante um erro material, subsumível ao disposto no art.º 78º, n.º6, do CIVA,
ii) «uma vez que se trata de uma discrepância entre o que (não) se declarou e o que resultava dos elementos de que o impugnante dispunha, de um lapso (v. a este respeito a decisão arbitral de 30.10.2013, tirada no processo n.º91/2013 – T, para a circunstanciação do conceito de erro material, v. o art.º95ºA, n.º2, do CPPT),Nessa conformidade, considerou que, sendo a situação subsumível ao disposto no n.º6 do art.º78º, do CIVA, a dedução foi efectuada extemporaneamente, pelo que, indeferiu o pedido de anulação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico e, consequentemente, do despacho de indeferimento do pedido de reembolso do IVA e da Liquidação Adicional de IVA
kk) Consequentemente, considerou prejudicada a apreciação dos demais pedidos, dependentes da procedência da questão de fundo;
ll) Não obstante, e tal como já se aludiu anteriormente, afigura-se que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação das normas contidas no artigo 22º, n.º2, do n.º2 do artigo 98º e do n.º6 do artigo 78º, todos do CIVA. Senão vejamos:
mm) Conforme se evidenciou em sede de impugnação judicial, o prazo para exercer o direito à dedução do IVA, no caso vertente, é o de 4 (quatro) anos, tal como prevê o n.º2 do art.º 98º do CIVA;
nn) Com efeito, dispõe o citado normativo, no segmento que aqui releva que, «sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente».
oo) Ora, uma das disposições especiais a que alude o n.º2 do artigo 98º - em que não é aplicável o prazo máximo de 4 (quatro) anos, mas sim de 2 (dois) anos, é justamente o n.º6 do art.º 78º do mesmo diploma legal.
pp) Todavia, o regime jurídico consignado no citado n.º6 do artigo 78º do Código do IVA é aplicável apenas à «correcção de erros materiais ou de cálculo», o que não se verifica no caso em apreço;
qq) pois, tal como resulta do n.º2, do art.º95º-A do Código de Procedimento e Processo Tributário («CPPT»), integram-se naquele conceito os erros que «resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexactidão ou lapso»;
rr) Assim, conclui-se que o erro de cálculo ou erro material a que alude o n.º 6 do art.º 78.º do Código do IVA, consubstanciam erros aritméticos nas operações de cálculo do montante a deduzir, o que significa que se trata de erros que se reconduzem às situações em que o sujeito passivo, por lapso, efectua uma operação aritmética;
ss) É, de resto, também nesse sentido, que depõe a decisão Arbitral proferida no processo n.º117/2013T;
tt) Não obstante, compulsada a factualidade subjacente ao caso sub judice, constata-se que a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA não demonstrou que o IMPUGNANTE inscreveu incorrectamente o montante de IVA na declaração periódica,
uu) ou, sequer, se se verifica qualquer erro no preenchimento da declaração que resulte de um erro anterior do mesmo tipo que figurasse na contabilidade ou em algum documento que sirva de base ao exercício do direito à dedução,
vv) como não demonstrou que tratou de um erro de cálculo, que legitimasse a subsunção do acervo factual em apreço no n.º6 do artigo 78º do Código do IVA.
ww) Ora, tendo o Tribunal a quo considerado que no caso vertente estamos perante um erro material, subsumível ao disposto no n.º6 do artigo 78º, «uma vez que se trata de uma discrepância entre o que (não) se declarou e o que resultava dos elementos que o impugnante dispunha, de um lapso» conclui-se que a decisão recorrida inculca em erro de julgamento, porquanto o citado preceito legal não é aplicável no caso sub judice;
xx) Assim, e tal como se concretizou em sede de impugnação judicial, forçoso será concluir que se trata de um erro de direito, consubstanciado em errónea interpretação da legislação aplicável,
yy) O qual, por seu lado, é enquadrável na norma geral de caducidade do n.º2 do art.º98º do CIVA, que estabelece um prazo de quatro anos.
zz) É também nesse sentido que depõe a decisão arbitral proferida, em 17/05/2013,no âmbito do processo nº117/2013-T, que sufraga o entendimento segundo o qual «O erro quanto à aplicação de determinados regimes jurídicos não constitui nem erro material nem erro de cálculo, pelo que é manifesto que não pode ser-lhe aplicado o regime do referido n.º 6 do artigo 78.º do CIVA. (…).Assim, não sendo aplicável o regime do referido artigo 78.º, n.º 6, nem existindo qualquer regime limite temporal especial para exercício do direito à dedução com fundamento em erro de direito, será aplicável o regime geral sobre esta matéria que consta do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA .»;
aaa) Face ao que antecede, é legitima a conclusão de que a sentença recorrida inculca em flagrante erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do artigo 78.º, n.º 6, do CIVA, ao caso sub judice ;
bbb) Com efeito, e ao contrário do entendimento preconizado pelo Tribunal a quo, a norma de caducidade aplicável ao caso concreto é a constante no n.º2 do artigo 98º do CIVA e não a prevista no n.º6 do artigo 78º do mesmo diploma legal, pelo que, a decisão recorrida é passível de censura, na medida em que, o Recorrente dispõe de 4 anos para deduzir o imposto. Senão vejamos;
ccc) Conforme se enfatizou em sede de impugnação judicial, a formulação da norma geral em matéria de exercício do direito à dedução – n.º2 do art.º22º do CIVA, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro (em vigor à data dos factos), permite inferir que o exercício do direito à dedução pode ser efectuado na declaração do período ou de período subsequente àquele em que se tiver recepcionado a factura ou documento equivalente;
ddd) Ora, ao dispor que a dedução deve ser efectuada na declaração do período da recepção das facturas ou de período posterior àquele, a norma confere ao sujeito passivo a possibilidade de proceder à dedução do imposto na declaração do período da recepção da factura ou de outro posterior, desde que tal direito seja exercido até ao limite de quatro anos, conforme determina o n.º2 do artigo 98º (anterior n.º2 do art.º91º), que, tal como se evidenciou em sede de impugnação é a norma que se aplica ao caso concreto.
eee) De resto, e no que concerne ao sentido e alcance a conferir à norma constante no n.º2 do artigo 22º do CIVA, importa sublinhar que o Tribunal a quo incorreu igualmente, em erro de julgamento por errada interpretação dos seus pressupostos. Senão vejamos:
fff) Dispõe o citado normativo, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro (em vigor à data dos factos), no segmento que aqui releva, o seguinte: “Sem prejuízo do disposto no artigo 71.º, a dedução deverá ser efectuada na declaração do período ou de período posterior aquele em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação “(Sublinhado e negrito nossos).
ggg) Ora, a questão de saber se a norma, na redacção actualmente em vigor, pretende conferir ao sujeito passivo a possibilidade de exercer o direito à dedução no período em que recepcionou as facturas ou documentos equivalentes ou em período subsequente, há-se ser resolvida mediante a aplicação dos princípios da hermenêutica jurídica, o que, implica, necessariamente, uma abordagem interpretativa dominada pelos elementos literal e sistemático. Vejamos:
hhh) Quanto ao elemento literal, não se suscitam quaisquer reservas de interpretação, pois, tendo o legislador utilizado a preposição “de” e não a preposição contraída “do” pretendeu dizer que a dedução deve ser efectuada em período subsequente ao da verificação da recepção das facturas, documentos equivalentes (…) e não, necessariamente, no período imediatamente subsequente.
iii) É que, se o legislador pretendesse que o direito à dedução fosse exercido apenas na declaração do período da recepção das facturas ou na declaração imediatamente posterior a essa recepção teria utilizado a preposição contraída “do”, pois só essa concretiza o período em causa. Porém, não o fez;
jjj) Quanto ao elemento sistemático, dir-se-á, igualmente, que o legislador pretendeu que o direito à dedução fosse exercido no período da recepção da factura ou de documento equivalente, ou de qualquer outro período subsequente, conquanto fosse exercido no prazo de quatro anos a que alude o n.º2 do artigo 98º do CIVA, sendo que, essa solução está em consonância com o direito de o Estado liquidar o imposto – 4 anos (cfr. art.º 45º da LGT);
kkk) É que, se o Estado pode determinar o imposto a pagar pelo contribuinte no prazo de quatro anos, podendo mesmo exigi-lo - em seguida, coercivamente, deve aplicar-se, de acordo com as regras de hermenêutica, o mesmo raciocínio, inferindo-se do cotejo do n.º2 do artigo 22º do CIVA e do artigo 98º, n.º2, do mesmo diploma legal, que o sujeito passivo pode exigir a dedução do imposto suportado no mesmo limite temporal – 4 anos;
lll) Note-se que, é também esse o entendimento de Patrícia Noiret Cunha, ao sustentar, que o n.º2 do artigo 98º « fixa em quatro anos, após o nascimento do direito à dedução, o prazo de exercício deste direito. Tendo em conta que só pode ser exigido imposto liquidado nos quatro anos civis seguintes àqueles em que se verificou essa exigibilidade, devido à previsão legal de um prazo de caducidade do direito à liquidação, por igualdade de razão só se poderá verificar a dedução do imposto suportado nas aquisições no mesmo prazo». (v. Patrícia Noiret Cunha in Imposto sobre o Valor Acrescentado, Instituto Superior de Gestão, 2004, pag. 515);
mmm) Na verdade, só a interpretação perfilhada pelo Recorrente, possibilita a igualdade tendencial entre o direito à liquidação e o direito à dedução;
nnn) Dito de outro modo, temos que, só a consagração de um prazo similar entre o direito à liquidação e o direito à dedução reflecte a necessidade da existência de um equilíbrio na relação entre o Estado (liquidação) e o sujeito passivo (dedução);
ooo) Face aos considerandos que antecedem, não se vislumbra como poderá o Tribunal a quo sustentar que o alcance que o Recorrente reserva ao artigo 22º,n.º2 do CIVA não é de acolher, porquanto esta deverá continuar – como anteriormente – a impor a dedução do imposto na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas ou de recibo de pagamento.
ppp) É que, o labor interpretativo subscrito pelo Tribunal a quo bule com a norma contida no n.º2 do artigo 22º, do CIVA, na actual redacção, ficando as alterações introduzidas pela Lei 107-B/2003, de 31 de Dezembro, desprovidas de qualquer sentido útil,
qqq) pois, se o legislador não pretendesse que o recorte a conferir à citada norma fosse o que lhe reserva o Recorrente, não tinha procedido à alteração operada pela citada Lei 107-B/2003, de 31 de Dezembro;
rrr) Deste modo, ao considerar que o sentido da referida norma é o de que o sujeito passivo apenas pode deduzir o imposto na declaração do período da recepção das facturas ou de documento equivalente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do mencionado preceito legal;
sss) De resto, só a interpretação subscrita pelo Recorrente, no sentido de que o prazo para o exercício do direito à dedução é de 4 anos, é consentânea com os princípios estruturantes do IVA e da hermenêutica jurídica;
ttt) Anote-se, igualmente, que a tese erigida pelo Recorrente é amparada pela jurisprudência do TJUE.
uuu) A título exemplificativo chamamos à colação o Acórdão proferido no processo C-284/11, EMS-Bulgária Transport OOD, no qual o TJUE se pronunciou no sentido de que «(…) no contexto da autoliquidação, um prazo de caducidade cujo prazo conduz a que se puna o contribuinte não suficientemente diligente, que não reclamou a dedução do IVA a montante, fazendo-lhe perder o direito à dedução, não pode considerar-se incompatível com o regime fixado pela Directiva IVA, desde que, por um lado, esse prazo se aplique de igual modo aos direitos análogos em matéria fiscal que se baseiam no direito interno (…) e, por outro, não torne impossível na prática excessivamente difícil o exercício do direito à dedução(princípio da efectividade)». (O sublinhado e o negrito são do Recorrente);
vvv) Deste modo, de acordo com o entendimento preconizado pelo TJUE para que a fixação de um prazo de caducidade do exercício do direito à dedução não se mostre incompatível com o regime fixado na Directiva IVA, forçoso é que «esse prazo se aplique de igual modo aos direitos análogos em matéria tributária que se baseiam no direito interno»;
www) Face ao que antecede, não é aceitável, face aos princípios da hermenêutica jurídica e de acordo com a jurisprudência do TJUE que o legislador fixe prazos de caducidade distintos, consoante se trate do direito à dedução ou do direito à liquidação.
xxx) Posto isto, e tendo o Tribunal a quo considerado que o direito à dedução foi extemporâneo, não pode deixar de se concluir que incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação dos artigos 22º, n.º2 e 98º, n.º2 do CIVA,
yyy) Sendo certo, igualmente, que também incorreu em erro de julgamento ao aplicar ao caso vertente o regime jurídico consignado no n.º6 do artigo 78º, na medida em que, não se vislumbra qualquer erro material ou de cálculo que legitime o sentido de decisão proferida;
zzz) Ao decidir em sentido diverso, a sentença recorrida é passível de censura, por violação do disposto no n.º2 do art.º22º, do n.º2 do art.º98, e por errada aplicação do n.º6 do art.º78º ao caso em concreto, pelo que, se impõe, a sua revogação.
TERMOS EM QUE, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, ANULADA A DECISÃO RECORRIDA. CONSEQUENTEMENTE, DEVE SER ANULADO O DESPACHO DE INDEFERIMENTO DO RECURSO, E, EM CONCOMITÂNCIA, O DESPACHO DE INDEFERIMENTO DO REEMBOLSO DO IVA E A LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IVA SINDICADOS.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer junto a página 297.

2. Fundamentação de facto
Nos termos do disposto nos artigos 663.º, n.º 6, e 679.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remete-se para a matéria de facto constante da decisão recorrida.

3. Fundamentação de direito
3.1. As questões a decidir
Tal como o recorrente estruturou as suas conclusões, o presente recurso, que tem por objeto a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida na sequência do indeferimento expresso do recurso hierárquico aduzido contra a decisão que indeferiu a reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IVA referente ao período 03T/10, no montante de €5.134.500,00, assenta em dois fundamentos. O primeiro, o erro de julgamento, por errada interpretação do disposto no artigo 60.º, n.º 1 da LGT, na medida em que o Tribunal a quo entendeu não ter sido preterido o direito de audição no procedimento administrativo antes da prolação da decisão do recurso hierárquico (conclusões “d” a “t”). O segundo, o erro de julgamento quanto à fixação e alcance das normas constantes do n.º 2 do artigo 22.º, do n.º 2 do artigo 98.º e do n.º 6 do artigo 78.º, todos do Código do IVA, na medida em que o Tribunal a quo considerou ser extemporânea a dedução do imposto, efetuada dentro do prazo de quatro anos (conclusões “u” a “yyy”).

3.2. Preterição da audiência prévia no procedimento administrativo – o seu conhecimento em sede de impugnação judicial da liquidação
O ora Recorrente recorreu hierarquicamente do indeferimento da reclamação graciosa que deduziu contra a liquidação adicional de IVA referente ao período 03T/10. O recurso hierárquico foi indeferido sem que lhe tivesse sido conferida a possibilidade de exercer o direito de audição. Com base nisso, na petição inicial da impugnação judicial, invocou a preterição no procedimento administrativo de uma formalidade essencial. O Tribunal a quo não lhe deu razão enquadrando a situação alegada no n.º 3 do artigo 60.º da LGT, uma vez que, lê-se na sentença, a «factualidade subjacente à emissão das liquidações e alegada pelo impugnante tem sido sempre a mesma e não foi posta em causa, sendo sempre a mesma questão de direito aquela cuja interpretação foi posta em causa em sede graciosa». Mas acrescentou que, de qualquer modo, ainda que se concluísse pela preterição da audiência prévia, tal vício não teria como consequência a invalidade da liquidação.
O Recorrente não se conforma com este entendimento, diz que não se aplica ao caso a norma legal invocada na sentença recorrida, e que, se a preterição daquela formalidade não tem efeitos invalidantes da liquidação como diz o Tribunal recorrido, tem sobre a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, devendo determinar a sua anulação.
Apreciando.
E importa começar exatamente por este último ponto, o dos efeitos invalidantes sobre a liquidação impugnada que possam resultar da preterição do direito de audição prévia, uma vez que o conhecimento do erro de julgamento sobre a matéria fica, como se verá, prejudicado.
Está assente nos autos que o Recorrente não foi ouvido antes de ser proferida a decisão no recurso hierárquico. O Tribunal a quo, com a argumentação que agora aqui não releva (porque não se está a conhecer do erro de julgamento neste ponto), entendeu que não tinha sido preterida qualquer formalidade legal, mas, ainda assim, acrescentou que a existência de tal vício não teria implicações na validade da liquidação. Embora o não tivesse dito expressamente, tal asserção tem como consequência que a impugnação judicial improcederia, ainda que o Tribunal tivesse concluído pela violação do direito de audição e desse nesta parte razão à parte, e não o desse no que toca ao vício restante imputado à liquidação.
E é assim porque o fim da impugnação judicial é a anulação (total ou parcial) da liquidação, e como o Tribunal a quo afirmou e o Recorrente reconheceu, a preterição de uma formalidade legal posterior ao ato de liquidação não tem sobre este ato efeitos invalidantes. O que significa que tal vício, naquele contexto, não é um fundamento válido para o fim visado na impugnação judicial, e sobre ele o Tribunal a quo deveria ter limitado a sua pronúncia ao que afirmou em último, sem antes apreciar da violação do direito de audição no recurso hierárquico.
Acontece que conheceu e que tal julgamento é posto em causa no presente recurso, o que imporia que este Tribunal dele conhecesse.
Mas como a procedência deste fundamento de recurso não altera a sorte da impugnação judicial, nem concomitantemente a situação jurídica tributária do recorrente, uma e outra dependente exclusivamente da apreciação do vício imputado à liquidação, decidido pelo Tribunal a quo e também neste recurso sindicado, o seu conhecimento fica prejudicado.

De notar que o Supremo Tribunal Administrativo já decidiu, em casos em que o Tribunal recorrido julgou procedente o vício de violação do direito de audição prévia em recurso hierárquico e improcedente o vício imputado à liquidação, que a impugnação judicial tinha de ser julgada totalmente improcedente (e não parcialmente improcedente/procedente), centrando o objeto da impugnação judicial no ato de liquidação, afastando também o efeito invalidante daquele vício relativamente à liquidação ocorrida em momento anterior e afirmando a preferência absoluta do processo judicial sobre o processo administrativo de impugnação de um mesmo ato, resultante do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 111.º do CPPT - cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11/09/2013, proferido no processo 01138/12 e acórdãos nele citados.

Assim, e como é referido no acórdão citado, constituindo embora o ato administrativo de indeferimento do recurso hierárquico o objeto imediato da impugnação judicial, é, contudo, o ato de liquidação – seu objeto mediato - que verdadeiramente se controverte na impugnação, pelo que importa conhecer da sua legalidade, tendo em conta os contornos com que o recurso nos é presente.

3.3. O prazo para exercer o direito à dedução do IVA suportado na aquisição de um imóvel
A questão que se coloca no presente recurso é saber se a dedução do IVA pelo ora Recorrente, no período 03T/10, suportado na aquisição do imóvel mediante escritura datada de 26/04/2006, e registada contabilisticamente a 02/05/2006, foi extemporânea, tal como o entendeu a Administração Tributária e o Tribunal recorrido, ou antes, como pugna o Recorrente, dentro do prazo legal.

O Tribunal recorrido, dando razão à Administração Tributária, entendeu que o prazo para a dedução do imposto, no pressuposto que em causa estava um erro material, era de dois anos, de acordo com o disposto no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA. E, portanto, concluiu que quando o direito foi exercido, já o prazo se havia esgotado.
Por seu turno, o Recorrente defende que a situação em causa não traduz nenhum erro material ou de cálculo, mas antes um erro de direito, consubstanciado em errónea interpretação da legislação aplicável, e que o prazo para deduzir o imposto é de quatro anos a contar do momento em que nasce o direito à dedução do imposto, cotejando para tanto as normas previstas no n.º 2 do artigo 22.º e do n.º 2 do artigo 98.º, ambos do Código do IVA.

Vejamos.
O n.º 2 do artigo 22.º do Código do IVA, dispunha (antes da redação dada pelo Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de agosto, com entrada em vigor em 01 de janeiro de 2013):
«2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.».

Por seu turno, o artigo 71.º, n.º 6 do Código do IVA, na redação da Lei n.º 39-A/2005, de 29/07, em vigor no ano de 2006 (que corresponde ao atual artigo 78.º, n.º 6 após a republicação efetuada pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20/06), dispõe:
«6 - A correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.».

Por fim, dispõe o artigo 98.º do Código do IVA (que corresponde ao artigo 91.º, na redação anterior à revisão do articulado, efetuada pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20/06):
«1 - Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária.

2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente.

(….)».

O artigo 22.º, n.º 2 do Código do IVA, ao estabelecer que o imposto deve ser deduzido na “declaração do período” ou “de período posterior” àquele em que se tiver verificado a receção das faturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação, define o momento em que o direito à dedução deve ser exercido. Já os artigos 78.º, n.º 6 e 98.º, n.º 2 do Código do IVA regulam as retificações ao imposto dedutível.

O artigo 78.º, n.º 6 prevê um prazo, especial, de dois anos, para os erros materiais ou de cálculo. O artigo 98.º, n.º 2 prevê um prazo, geral, de quatro anos, após o nascimento do direito à dedução, para os erros que a jurisprudência e doutrina apelidam, por contraposição àqueles, de erros de direito. O artigo 78.º, n.º 6 ao prever um prazo de dois anos para as retificações nele mencionadas, é uma das “disposições especiais” a que se reporta a parte inicial do artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA.
Como é referido na sentença recorrida, não obstante o direito à dedução ser um direito essencial, para efeitos de respeito pelo princípio da neutralidade, que carateriza o IVA, o mesmo tem de ser adequado a necessidades de segurança jurídica, que motivam estas limitações temporais.

A possibilidade de correção dos erros na dedução do imposto, regulada no nosso ordenamento interno nas normas referidas, está em harmonia com o que a Diretiva IVA (Diretiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11/2006) que determina de forma imperativa nos artigos 184.º a 186.º que “A dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização quando superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito” (artigo 184.º), e que “A regularização é efetuada nomeadamente, quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções …” (artigo 185.º, n.º 5), cabendo aos Estados-Membros determinar as normas e aplicação correspondentes.
O que tem vindo a ser afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente no acórdão de 08/05/2008 (Processos C-95/07 e C-96/07 – Caso Ecotrade), também citado na sentença recorrida:
“39. (…) De acordo com jurisprudência firmada, o direito à dedução (…) faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado (v. acórdãos de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o., C 110/98 a C 147/98, Colect., p. I 1577, n.° 43, e Bockemühl, já referido, n.° 38).40. Também é de jurisprudência constante que o direito à dedução é exercido imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante (v., designadamente, acórdãos de 21 de Setembro de 1988, Comissão/França, 50/87, Colect., p. 4797, n.os 15 a 17; de 15 de Janeiro de 1998, Ghent Coal Terminal, C 37/95, Colect., p. I 1, n.° 15; Gabalfrisa e o., já referido, n.° 43; e Bockemühl, já referido, n.° 38).
(…) 42. Todavia, um sujeito passivo pode ser autorizado a proceder à dedução, (…) mesmo que não tenha exercido o seu direito durante o período em que esse direito surgiu. Contudo, nesse caso, o seu direito à dedução fica dependente de determinadas condições e modalidades fixadas pelos Estados Membros.
43. Daqui se conclui que os Estados Membros podem exigir que o direito à dedução seja exercido durante o período em que surgiu ou durante um período mais lato, sem prejuízo de determinadas condições e modalidades definidas pelas respectivas regulamentações nacionais.
44. Além disso, a possibilidade de exercer o direito à dedução sem limites temporais contraria o princípio da segurança jurídica, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, atentos os seus direitos e obrigações face à Administração Fiscal, não seja indefinidamente susceptível de ser posta em causa”.

Assente que não sendo cumprido o momento da dedução do imposto previsto no n.º 2 do artigo 22.º do Código do IVA, as retificações ao imposto dedutível podem ocorrer nos termos daquelas duas disposições legais, a sorte do presente recurso depende de como classificarmos o erro que determinou a entrega do imposto em excesso, se, como entendeu a sentença recorrida, de erro material ou de cálculo, se de direito, como pugna o Recorrente.

Não dizendo a lei, naquele contexto, o que se deva entender por erro material ou de cálculo, podemos socorrer-nos, como indica o Recorrente, do disposto no n.º 2 do artigo 95.º-A do CPPT, que prevê o procedimento de correção de erros da administração tributária: “2 - Consideram-se erros materiais ou manifestos, designadamente os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso.”.

Também na doutrina existem contributos a atender:

Trata a presente disposição dos erros materiais ou de cálculo no registo contabilístico previsto nos arts.44º a 51º e 65º, no preenchimento das declarações periódicas do art.40º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do art.67º.O art. 95º-A do CPPT estabelece que são erros materiais ou manifestos «designadamente os que resultam do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso».

Trata-se de um erro material quando, por lapso, se escreve um valor diferente do devido na declaração ou quando se lançou erradamente o valor do documento na contabilidade; falamos de erro de cálculo quando está apenas em causa as operações aritméticas de cálculo dedutível.
Em qualquer dos casos, o âmbito de aplicação desta disposição é limitado a estas circunstâncias, afastando-se, claramente, das situações em que um erro de direito origina consequentemente um imposto diferente (Código do IVA e RITI Notas e Comentários 2014, pp.446/447 Coordenação e Organização: Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos).

Incluem-se neste procedimento todo o tipo de lapsos materiais, que são situações em que o autor do ato deixou nele escrito algo que não correspondia à sua vontade, como por exemplo, errada indicação do nome do contribuinte ou do tributo em causa ou erro aritmético no cálculo do tributo. Neste conceito de lapsos materiais incluem-se ainda os derivados de deficiente funcionamento do sistema informático da administração tributária.
Mas, também, se incluem as situações de lapso não material, em que se abrangem os erros ou inexatidões intelectuais que ocorrem no processo de formação da vontade expressa no acto tributário. Se o autor do ato disse o que queria dizer, mas decidiu mal e for evidente que o erro deriva de deficiente perceção dos pressupostos em que assentou a decisão estar-se-á perante uma situação de lapso manifesto. Será do contexto em que o ato é praticado que se poderá inferir se há lapso.” (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª edição 2011, Volume I art.95º-A CPPT, anotação 3, p.757).

Afonso Arnaldo e Tiago Albuquerque Dias (“Afinal qual o prazo para deduzir IVA? Regras de Caducidade e (In)segurança Jurídica”, in AA. VV., Sérgio Vasques (coord.), Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, p. 44), defendem que “os erros a que se refere o número 6 do artigo 78.º do Código do IVA se reconduzem às situações em que o sujeito passivo se equivoca na materialização do acto de dedução ou liquidação, nomeadamente, por lapso na transcrição de valores ou por razões aritméticas, i.e., em ambas as situações erros menores e evidentes”, ou seja, “estarão abrangidos por estes conceitos de erro (tipicamente) as situações em que o sujeito passivo se engana a efectuar uma operação aritmética, nomeadamente, quando pretende apurar o imposto dedutível contido numa factura (com IVA incluído) de serviços de um fornecedor (erro de cálculo), ou, ainda que efectuando correctamente o cálculo, comete lapso na inscrição do montante do imposto a deduzir na declaração periódica (erro material)”, o que significa que estão, pois, abrangidas pelo erro de facto “as situações em que o sujeito passivo efectua uma incorrecta representação da realidade factual (a qual determina a sua subsunção a uma norma incorrecta)”. Por contraposição, o erro de direito verifica-se nas “situações em que, não obstante a correta representação da realidade factual, o sujeito passivo se equivoca na determinação da norma aplicável”, ou seja, em que se verifica um erro de enquadramento, por o sujeito passivo ter feito uma incorreta interpretação da situação fática ou uma errada aplicação do direito e, consequentemente, liquida ou deduz imposto a mais ou a menos.

De notar que o erro material ou de cálculo tanto pode ocorrer no registo contabilístico, a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º para que remete o n.º 2 o artigo 22.º, o que não é o caso dos autos, como nas declarações periódicas de IVA a que se refere o artigo 41.ºdo Código do IVA.

A questão não é nova no Supremo Tribunal Administrativo, que sobre a distinção entre um e outro erro já se pronunciou nos seguintes arestos mais recentes:
- no acórdão de 28/06/2017, proferido no processo 01427/14, considerou que “A aplicação dos métodos de dedução relativos a bens de utilização mista é juridicamente complexa pelo que o erro decorrente da aplicação deste regime jurídico não constituí nem erro material nem erro de cálculo”, mas sim de direito.
- no acórdão de 17/06/2020, proferido no processo 0443/13.0BEPRT, foi entendido que não constitui erro material ou de cálculo, antes erro na interpretação e aplicação do regime jurídico, a desconsideração pelo sujeito passivo de operações relativas a instrumentos financeiros derivados realizadas com contrapartes estabelecidas ou domiciliadas fora da União Europeia que conferiam direito a dedução, dela resultando alteração da percentagem de dedução (pro rata) de 12% para 19%.
- no acórdão de 03/06/2020, proferido no processo 0498/15.2BEMDL, foi entendido ser erro de direito “o lapso relativo ao enquadramento jurídico, em sede de IVA, das transferências efectuadas ao abrigo do contrato programa celebrado com a EDEAF”.
- nos acórdãos de 18/11/2020 e de 02/12/2020 proferidos nos processos 01783/13.3BEBRG e 0136/14.0BEALM, respetivamente, foi considerado que “a questão da inclusão do valor do desconto na matéria tributável do IVA contende com a interpretação de normas jurídicas e o quadro jurídico aplicável”, pelo que em causa estava um erro de direito e não um erro material.

Ora, todos estes casos em que este Tribunal concluiu que em causa estava um erro de direito, e não um erro material ou de cálculo, o erro passava pela interpretação de normas jurídicas, por quadros jurídicos complexos. O que, tal como é referido na sentença recorrida, não acontece no caso sub judice. Na verdade, lida a petição inicial, o ora Recorrente não invoca qualquer complexidade no quadro legal do direito à dedução do imposto e não adianta qualquer razão para apenas na declaração do período 03T/10 ter procedido à dedução do imposto suportado na aquisição do imóvel em 2006. E, também nas suas conclusões de recurso o não faz. Assim, temos apenas como assente, no que para aqui releva, que “Foi registado, a 02.05.2006, na contabilidade do impugnante o custo da aquisição do imóvel mencionado em 4) (conta 01011111) e o IVA suportado (conta 01012213)” [IVA suportado na aquisição do imóvel] (facto “6” do probatório), e que “O impugnante deduziu, no período correspondente ao primeiro trimestre de 2010, o IVA mencionado em 4)” (facto “8” do probatório”). Isto sem mais, ou seja, sem qualquer justificação para o não cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 22.º do Código do IVA no que respeita ao momento em que o IVA deve ser deduzido, consubstancia, quando muito, um erro no preenchimento da declaração periódica de abril de 2006, por omissão daquele valor que constava na sua contabilidade, um lapso, como refere a sentença recorrida, e portanto, um erro material, e não, como pretende o Recorrente, um erro de direito, quando, além do mais, é evidente que o direito aplicável no que respeita ao exercício do direito à dedução não suscitava qualquer dúvida, nem ela foi aventada, como se disse, pelo Recorrente. E o ónus de tal alegação e prova a ele incumbia (artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária), ao contrário do que perpassa nas suas conclusões.

Daqui resulta que o prazo para proceder à retificação do imposto dedutível era, nas circunstâncias do caso, o previsto no n.º 6 do artigo 71.º do Código do IVA, na redação da Lei n.º 39-A/2005, de 29/07 (que corresponde ao n.º 6 do artigo 78.º), ou seja, de dois anos, e que o mesmo se encontrava ultrapassado quando a dedução do imposto foi efetuada.
Não merece, pois, qualquer censura a sentença recorrida, que assim decidiu.

4. Decisão
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acorda-se em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 7 de abril de 2021. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso.