Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0514/12.0BESNT 0909/16
Data do Acordão:12/11/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
FACTO TRIBUTÁRIO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:I - O Código do IRS estabelece, de forma clara e expressa, que constituem mais-valias os ganhos obtidos com a alienação onerosa de partes sociais, e que tais ganhos se consideram obtidos no momento da alienação - artigo 10º, nº 1, al. b), e nsº 3 e 4. E sendo o ganho apurado nesse preciso momento – pela diferença entre o valor de realização e o de aquisição do bem transmitido – as mais-valias não podem deixar de reportar-se a cada ganho de per si.
II - Razão por que o facto tributário nasce e esgota-se no momento autónomo e completo da alienação e da realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano, pese embora o valor a considerar para a determinação da base tributável para efeitos de IRS seja o correspondente ao saldo anual apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano.
III - A Lei nº 15/2010, de 26 de Julho, é omissa no que toca ao estabelecimento de regras específicas quanto à sua aplicação no tempo, pois não contém qualquer norma que deponha sobre a sua aplicação temporal, limitando-se a prescrever que “A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”. Razão por que se impõe aplicar a regra geral que rege a aplicação da lei fiscal substantiva no tempo, plasmada no artigo 12º da LGT.
IV - As mais-valias produzidas antes de 27/07/2010 com a alienação de acções detidas há mais de 12 meses continuam a seguir o regime de não sujeição que vinha determinado no nº 2 do CIRS anteriormente às alterações introduzidas pela Lei nº 15/2010 de 26 de Julho, e, como tal, não concorrem para a formação do saldo anual tributável de mais-valias a que se refere o artigo 43º do CIRS.
Nº Convencional:JSTA000P25282
Nº do Documento:SA2201912110514/12
Data de Entrada:07/13/2016
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem a Fazenda Pública interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra de fls. 125 e seguintes, a qual julgou procedente a ação de impugnação judicial intentada contra a liquidação adicional de IRS, no valor de € 5.236,77 euros, e determinou a sua anulação.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I. A Lei 15/2010 de 26/07 entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, introduzindo um novo regime de tributação das mais-valias mobiliárias, agravando, por um lado, a taxa prevista no art. 72º, nº 4, CIRS em dez pontos percentuais, cifrando-se em 20%, e, por outro lado, revogando o art. 10°, nº 2 e 4, CIRS, extinguindo assim a exclusão tributária vigente, relativa a mais-valias decorrentes da alienação de participações sociais detidas pelos seus titulares há mais de 12 meses.
II. Até 1997, uma lei fiscal seria inconstitucional apenas quando fosse imposto um grau de retroatividade tal que ousasse chocar a consciência jurídica e frustrando as expectativas fundadas dos contribuintes. Através deste critério subjetivo, enunciou o Tribunal Constitucional por diversas vezes que, a retroatividade das leis fiscais seria constitucionalmente legítima sempre que não ferisse "de forma inadmissível ou intolerável, a certeza e a confiança na ordem jurídica dos cidadãos por ela afectados; ou que não traí[sse], de forma arbitrária e injustificada, as expectativas juridicamente tuteladas e criadas na esfera jurídica dos cidadãos ao abrigo das disposições vigentes à data da ocorrência dos factos que as geraram''.
III. A partir de 1997, e formalizado que ficou na Constituição o princípio da não retroatividade em matéria fiscal, a jurisprudência do Tribunal Constitucional (de ora em diante TC) tem vindo a entender, num processo contínuo de sedimentação que, o escopo da norma extraída do nº 3, do art. 103°, CRP revela, não uma dimensão subjetiva, mas, tão só, objetiva
IV. Porém, mesmo após introdução expressa deste princípio no texto constitucional, a sua concretização prestou-se (e presta-se) a sérias dificuldades de apreensão do seu alcance.
V. Como sustenta o prof. Alberto Xavier, "não basta afirmar que a lei fiscal não pode ser retroactiva, pois a concretização deste princípio envolve sérias dificuldades, atendendo a que se podem descortinar dentro dele diversos graus, sendo que, do ponto de vista constitucional, alguns são mais gravemente desvalorados do que outros″ (Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Lisboa 1974, p. 196 e segs; idem, 'O problema da retroactividade das leis sobre imposto de renda', in Textos Seleccionados de Direito Tributário, coord. de Sampaio Dória, São Paulo, 1983, p. 77 e segs. Mais recentemente, cfr. Américo Fernando Brás Carlos, Impostos - Teoria Geral, 3a ed., Coimbra, 2010, p. 142 e segs).
VI. Na esteira da jurisprudência do Tribunal Constitucional vazada dos acórdãos nº 18/2011 de 12 de janeiro e 0399/2010, não se produziram todos os efeitos relativos ao quantum tributário, designadamente, o apuramento do saldo, e outros, relativos à liquidação e pagamento dos impostos
VII. O IRS caracteriza-se por ser um imposto direto e periódico que tributa os rendimentos das pessoas singulares. Este imposto, apesar de compartimentado por categorias ou tipos de rendimentos, assenta em factos tributários de formação sucessiva, sendo que, o facto tributário complexo sujeito a imposto, só se estabiliza no fim do ano fiscal, em 31 de dezembro de cada ano.
VIII. É certo que o rendimento objeto da presente impugnação tem a sua incidência prevista no art. 10°, nº 1, alínea b), CIRS. Estamos, efetivamente, na presença de uma eventual mais-valia proveniente da alienação de valores mobiliários.
IX. Todavia, é decisivo que se vinque: que o que é tributado nesta categoria, não é a mais-valia potencial, mas o saldo apurado entre as mais e as menos valias realizadas no respetivo ano, nos termos do art. 43°, n° 1, do CIRS. Labor que, invariavelmente, só poderá ser realizado no fim do ano fiscal.
X. No caso sub judice estamos na presença de um rendimento sujeito à taxa especial do art. 72º, nº 4, CIRS, pelo que a parcela de imposto só vem a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com os restantes rendimentos tributáveis em sede de IRS
XI. Não é uma eventual opção realizada pelo Impugnante na declaração modelo 3 que altera a natureza do imposto. Sob pena de, a partir desse momento, um imposto supostamente de aplicação geral e abstrata, ver as suas características próprias alteradas em função das opções realizadas pelos sujeitos da relação jurídica tributária, e depois do término do ano fiscal.
XII. Cumpre ainda referir que as normas relativas à caducidade do direito à liquidação e à prescrição se moldam de um modo coerente ao caráter anual do imposto. Estipula o artigo 45.º, n.º 4, da LGT que nos impostos periódicos o prazo de caducidade se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, e o artigo 48.º, n.º 1, LGT, determina que as dívidas tributárias prescrevem nos impostos periódicos, no prazo de oito anos, contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário
XIII. Ora, se o facto tributário complexo só se forma no final de cada ano, e se, no caso concreto, a Lei 15/2010 já vigorava desde o dia 27/07/2010, de modo algum se mostra violado o disposto no art. 12°, LGT.
XIV. A Administração Fiscal entende, à luz do douto acórdão prolatado pelo Tribunal Constitucional em 12 de janeiro, no recurso 18/2011, que o momento relevante é o do facto tributário complexo. Aquele que se forma não na data da alienação das participações sociais mas no momento em que o seu quantum se estabiliza com o apuramento do saldo. Até lá o que há é um juízo de mera potencialidade.
XV. Sendo inolvidável que face à natureza dos impostos sobre o rendimento vigentes na nossa Ordem Jurídica Tributária, nem o IRS nem o IRC tributam mais-valias potenciais ou latentes.
XVI. Quem defende que o facto tributário relevante é o da alienação da participação suporta-se não numa certeza, mas na pressuposição que vai haver ganho. Isto, só por si, é revelador da falta de autonomia que o facto tributário simples tem face ao facto tributário complexo, e, da prevalência que este assume perante o primeiro. Idiossincrasias difíceis de eliminar da lei fiscal, ou da interpretação que se faça dela.
XVII. A Fazenda Pública conclui, pois, contrariamente ao que foi entendido pelo douto tribunal a quo que a liquidação emitida nestes termos, situou-se não no plano da retroatividade autêntica, mas, no plano tipológico da paradigmática retrospetividade ou retroatividade impura
XVIII. Pelo que, se à data do apuramento da mais-valia já vigorava a Lei 15/2010 de 27 de julho de 2010, então forçoso é concluir que a taxa aplicável é a que resulta da lei vigente e que foi aplicada na liquidação impugnada.
XIX. A Sentença recorrida ao assim não entender não fez correta apreciação da matéria de direito, impondo-se a sua revogação e substituição por decisão que, suportada na interpretação ora expendida julgue procedente o presente recurso e, consequentemente, improcedente os presentes autos de Impugnação Judicial.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.»

2 – O recorrido apresentou contra-alegações que rematou com as seguintes conclusões:
«A. A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, visando reagir contra a douta decisão que julgou procedente a impugnação judicial, melhor acima identificada, contudo tal recurso deve ser considerado improcedente.
B. A matéria em causa nestes autos é essencialmente matéria de direito, mormente, a aplicação da Lei nº 15/2010 de 26/7 a factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor, entendimento que é sustentado pela Administração Tributária,
C. Para além de tudo quanto o Recorrido já referiu na sua petição de impugnação judicial, o que se deseja vincar nas presentes contra-alegações é que o Impugnante não efectuou qualquer outra alienação onerosa de partes sociais após o dia 2 de Julho de 2010, pelo que esse saldo é o que resulta de operações exclusivamente praticadas antes da entrada em vigor da Lei nº 15/2010 de 26/7.
D. Assim, a aplicação da nova taxa de 20% ao caso vertente, é ilegal por violação do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal consagrado no artigo 12º da LGT, sendo que interpretação contrária será inconstitucional por violação directa do artigo 103º, nº 3 da CRP, inconstitucionalidade essa que desde já se invoca para todos os devidos efeitos legais.
E. O Recorrido apresentou a sua declaração de rendimentos para efeitos de IRS, relativo aos rendimentos que auferiu no ano de 2010, na qual incluía o Anexo G, relativo à declaração de Mais-Valias e Outros Incrementos Patrimoniais e no quadro 8 do referido Anexo G à Declaração de Rendimentos foram declaradas várias alienações onerosas de partes sociais, tal como descritas no artigo 10º, nº 1, alínea b] do Código do IRS (CIRS).
F. Concretamente, foram declaradas duas operações de alienação onerosa de partes sociais cujo valor de realização não foi superior ao valor da sua aquisição e que, de acordo com o artigo 10º, nº 4 do CIRS, não produziram qualquer ganho sujeito a IRS.
G. Foi declarada uma terceira alienação onerosa de partes sociais adquiridas em Julho de 2010 por € 7,801,64 e vendidas em 2 de Julho de 2010 por € 39.720,00, tendo o impugnante despendido € 3,932,26 com despesas e encargos tidos com a respetiva alienação.
H. Esta alienação deu origem a uma mais-valia sujeita a imposto de € 27.986,10, sendo esta a mais-valia que é agora objecto de análise nos presentes autos.
I. A alienação onerosa dessas acções ocorreu em 2 de Julho de 2010, conforme declaração e contrato de compra e venda de acções, como anteriormente referido, trata-se da alienação de ações detidas pelo Impugnante no capital social da sociedade B…………, SA.
J. O Recorrido foi notificado da liquidação de IRS com o nº 2011 5004709758, a qual liquida imposto relativo a tributações autónomas no valor de € 5.597,22.
K. A tributação resultou da aplicação da taxa autónoma de IRS tal como prevista no artigo 72º, nº 4 do CIRS.
L. No entanto verificou-se que existiu uma ilegalidade na referida liquidação, porquanto o resultado dessa tributação corresponde à aplicação da taxa de 20%, introduzida com a entrada em vigor da Lei nº 15/2010, de 26 de Julho, ao valor da mais-valia declarada, ou seja, 20% X € 27,986,10 = € 5597,22.
M. O artigo 72º, nº 4 do CIRS previa, até 27 de Julho de 2010, data em que entrou em vigor a Lei nº 15/2010 de 26/7, que "O saldo positivo entre as mais-valias e menos valias, resultante das operações previstas nas alíneas b], e), f) e g) do nº 1 do artigo 10º, é tributado à taxa de 10%".
N. Após o dia 27 de Julho de 2010, com a entrada em vigor da Lei nº 15/2010 de 26/7, o artigo 72º, nº 4 do CIRS passou a ter a seguinte redação - "O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do nº 1 do artigo 10º, é tributado à taxa de 20%”
O. Assim, apenas de pode concluir que a liquidação é ilegal na medida em que tributa a supra referida mais-valia, decorrente da alienação onerosa de ações, à taxa de 20%;
P. Mais uma vez se refere que, a alienação das ações ocorreu no dia 2 de Julho de 2010, sendo que, nessa data, ainda não havia entrado em vigor a Lei nº 15/2011, de 26/7, pelo que a taxa que deveria ter sido aplicada para a tributação da mais-valia deveria ter sido a taxa de 10% prevista na redação anterior do artigo 72º, nº 4 do CIRS e não a taxa de 20% resultante da nova redacção.
Q. Assim, à mais-valia declarada de € 27.986,10, deveria ter sido aplicada a taxa de 10%, resultando assim numa tributação, à taxa autónoma, no valor de € 2.798,61.
R. Sobre tal questão pronunciou-se e bem o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no sentido da procedência da impugnação deduzida por A…………, a qual se deve manter na íntegra.
S. O Tribunal a quo considerou em súmula que:
A Lei nº 15/2010, de 26 de Julho, é omissa no que toca ao estabelecimento de regras específicas quanto à sua aplicação no tempo, pois não contém qualquer norma que deponha sobre a sua aplicação temporal, limitando-se a prescrever: a presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Ora, tendo o legislador optado por não disciplinar essa matéria, limitando-se a determinar a data da entrada em vigor do diploma no dia seguinte ao do sua publicação, sem estabelecer qualquer norma que permitisse a sua aplicação a um período tributário anterior, impõe-se, necessariamente, aplicar a regra geral que rege a aplicação da lei fiscal substantiva no tempo, plasmada no artigo 12º da LGT, sendo insustentável afastar tal regra ou princípio geral com o argumento de que existirão elementos históricos e genéticos que permitem inferir que o legislador terá pretendido que a lei nova se aplicasse a todas as transmissões realizadas no ano de 2010. É que ainda que fosse essa a vontade inicial do legislador, o certo é que acabou por não o expressar e conformar no texto legislativo, e tal conduz, necessariamente, à aplicação do princípio geral sobre a aplicação da lei tributária no tempo, segundo o qual as normas tributárias se aplicam apenas aos factos posteriores à sua entrada em vigor.
Razão por que consideramos que a lei aplicável é a vigente na data da ocorrência do facto tributário instantâneo gerador. E não há, no caso vertente, qualquer dificuldade em situar esse facto no tempo, dado que a alienação é datada (2010.07.02) nem há qualquer questão que se coloque quanto ao princípio da progressividade do imposto, já que a consequência da aplicação do artigo 12/1 da LGT é a aplicação do regime anterior para efeitos de liquidação do imposto.
Ora, a liquidação em crise não respeitou as regras de aplicação da lei tributária no tempo consignadas no artigo 12º da LGT.
E por lodo o exposto julgamos ser claro que, no caso, ocorreu a aplicação de lei nova a factos tributários de natureza instantânea já completamente formados em momento anterior à data da sua entrada em vigor, o que envolve uma retroatividade autêntica, porquanto o que para esse efeito releva não é o momento da liquidação ou do apuramento do imposto, mas o momento em que ocorre o facto tributário que determina uma eventual liquidação e pagamento de imposto, pois é nessa altura que se exige que se encontre em vigor a lei que prevê a criação ou o agravamento do tributo (em obediência ao princípio da legalidade, na vertente fundamentada pelo princípio da proteção da confiança), de modo a que o cidadão possa equacionar as consequências fiscais do seu comportamento.
Em conclusão, as mais-valias em discussão nestes autos estão sujeitas ao regime legal vigente à data da venda, sendo, por isso ilegal a liquidação adicional que sobre elas incidiu.
Tem pois que ser dada razão ao Impugnante."
T. Propugnando o entendimento do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, pronunciou-se o Digno Procurador da República, que emitiu parecer:
"A questão objeto do presente meio processual prende-se com o regime de tributação em sede de IRS do rendimento de mais-valias obtidas pelo Impugnante com a alienação de ações detidas pelo mesmo em período inferior a um ano, as quais eram sujeitas a tributação reduzida à taxa autónoma de 10% e que pela Lei nº 15/2010, de 26 de Julho, passaram a ser tributadas com uma taxa de 10%.
No caso presente a alienação das ações ocorreu na data de 02.07.2010, entendendo por isso, o impugnante, ser de aplicar a taxa de 10%, então em vigor, sob pena de aplicação retroactiva do novo regime decorrente da Lei nº 15/2010, que não estava em vigor à data do facto tributário, enquanto a Administração Fiscal sustenta ser de aplicar a taxa de 20%, a que estava em vigor no último dia do período da tributação, por entender ser tal o momento que releva.
Pela nossa parte entendemos que a razão está do lado do impugnante, por não ser possível a interpretação sustentada pela Administração Fiscal, sob pena de aplicação retroativa do regime tributário instituído pela Lei nº 15/2010, uma vez que o facto tributário traduzido no rendimento das mais-valias ocorre no momento da sua realização, e nesse momento a taxa de tributação autónoma era de 10%;
Neste sentido se vem pronunciando a nossa jurisprudência. Neste particular é de conferir o Acórdão do STA de 04.12.2013 (relatado pela Conselheira Isabel Marques do Silva, no processo nº 01582/13) em cujo sumário assentou (...).
Assim sendo, em nosso parecer e sem necessidade de outra e melhor fundamentação, deve ser julgada procedente a impugnação."
U. A sentença ora recorrida fez uma correcta apreciação da matéria de Direito, pelo que se deve manter a mesma na íntegra, julgando improcedente o presente recurso.
Termos em que, com o mui suprimento de V. Exas., deverá ser considerado improcedente o presente recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida que não merece pois qualquer censura, fazendo-se assim a COSTUMADA JUSTIÇA.


3 – O Exmº Magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer, a fls. 168, que, na parte relevante se transcreve:
(….) «A secção de contencioso tributário do STA tem-se pronunciado de forma reiterada e pacífica sobre esta questão no sentido de que o facto tributário ocorre no momento da alienação das partes sociais e realização das mais-valias, constituindo um facto tributário instantâneo – cfr. acórdão do Pleno do STA de 16/09/2015, proc. 01292/14, e da secção de 04/12/2013, 08/01/2014, 20/05/2015, 02/12/2015 e 17/02/2016, processos nºs 01582/13, 01078/12, 013/15, 0734/15 e 0668/15, respetivamente.
E no que respeita à aplicação no tempo da Lei nº 15/2010, de 26 de Julho, uma vez que esta é omissa no estabelecimento de regime transitório, tem a mesma jurisprudência invocado a aplicação do disposto no artigo 12º, nº 2, da LGT, ou seja, que a mesma só é aplicável aos factos tributários ocorridos após a sua entrada em vigor.
Jurisprudência que se apoia na doutrina de José Guilherme Xavier de Basto ("Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos", Coimbra Editora, p. 385), segundo o qual, fazendo apelo ao "princípio da realização" e ao disposto no nº 3 do artigo 10º do CIRS, conclui que "só há tributação quando a mais-valia é realizada, quando o activo é transaccionado ...", sendo esta alienação onerosa o facto gerador.
Como refere André Salgado de Matos, "a tributação das mais-valias surge na medida em que a alienação de um determinado bem por um valor superior àquele por que foi adquirido tem por resultado um acréscimo patrimonial na esfera do sujeito alienante, em relação ao qual o princípio da capacidade contributiva reclama a exigência de normas de incidência objetiva" - Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Anotado, ISG, Lisboa 1999, pág. 163.
Atualmente as mais-valias estão integradas nos chamados "rendimentos da categoria G", também apelidados de "incrementos patrimoniais", que a par de outros rendimentos estão sujeitos a tributação em sede de IRS - artigo 9º do CIRS.
No caso concreto, à data da alienação - Julho de 2010 - o facto tributário estava sujeito a tributação à taxa de 10%, pelo que é esta a taxa a considerar.
Por outro lado, o facto de o ganho sujeito a IRS, a título de mais-valia, corresponder ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 43º do CIRS, tem a ver com o carácter de periodicidade do imposto (IRS), reportado a um ano civil, e com a determinação da matéria coletável, como resulta da inserção de tal norma no capitulo II do Código, de modo a relevar não só os ganhos obtidos como as perdas sofridas, atento o princípio da capacidade contributiva, aferida em função do acréscimo patrimonial efetivo.
Daí que o facto de só no final do período anual se saber se há lugar ou não a pagamento do imposto, em função de ser apurado ou não aquele saldo positivo, não permite concluir que é nesse momento que se verifica o facto tributário.
Com efeito, em resultado de o IRS ser um imposto periódico anual com referência ao ano civil- art. 143º do CIRS - e para além de abranger diversas categorias de rendimentos, a matéria tributável de cada uma dessas categorias tem origem em diversos pressupostos de facto previstos nas normas de incidência e que despoletam o nascimento da relação jurídica tributária."
No caso concreto, são os ganhos resultantes do ato de venda das participações sociais que consubstanciam o aspeto material do facto tributário, por ser este facto que está discriminado na alínea b) do nº 1 do artigo 10º do CIRS e que a lei sujeita a tributação. A partir do momento da sua ocorrência constitui-se a relação jurídica tributária, da qual podem decorrer desde logo obrigações acessórias.
E essa asserção não é posta em causa pelo facto de só no final do período do imposto, que corresponde ao ano civil, se mostrarem reunidos todos os elementos que contribuem para a determinação da matéria coletável.
Com efeito, embora só no final do ano estejam reunidos todos os elementos que permitem quantificar a obrigação tributária, os diversos factos tributários que se verificam ao longo desse período não deixam de produzir os seus efeitos constitutivos que se refletem posteriormente na determinação desse "quantum" da obrigação tributária.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida não padece do vício de ilegalidade que lhe é assacado pela Recorrente, antes fez uma correta apreciação e aplicação da lei, motivo pelo qual deve ser confirmada.
Em face do exposto, afigura-se-nos que o recurso deve ser julgado improcedente.»

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra considerou como provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
«A) Por contrato outorgado em 2010.07.02, constante de fls. 28 a 60 do processo (numeração do suporte físico) e que aqui se dá como integralmente reproduzido, o Impugnante, e outros acionistas da B…………, SA transmitiu partes sociais à sociedade C………… – SGPS, SA;
B) No contrato identificado na alínea anterior o Impugnante alienou partes sociais adquiridas em Julho de 2010 por € 7 801,64 e transmitidas em 2 de Julho de 2010 por € 39 720,00 (cf. artigo 5º da impugnação e informação do Serviço de Finanças de fls. 42 do PA);
C) Em 2011.06.02, o Impugnante preencheu e entregou a declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2010, acompanhada dos anexos A, G e H, constante de fls. 28 a 33 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida; do anexo G transcreve-se:
a. (…);
b. Quadro 8 – Alienação de onerosa de partes sociais e outros valores imobiliários;
c. (…);
d. Linha 803: Realização - Ano: 2010; mês 07; valor: 39 720,00; Aquisição – Ano: 2010; mês 07; valor: € 7 801,64; Despesas e encargos: € 3 932,26;
e. (…);
D) Em 2011.07.02, foi emitida a liquidação adicional de IRS do ano de 2010, nº 20115004709758, com data de compensação de 2011.07.14, constante de fls. 11 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida; da nota demonstrativa de liquidação do imposto transcreve-se:

a. (…);16 – Imposto relativo a tributação autónoma: € 5.597,22;
b. (…);

B) Em 2011.09.30, na Tesouraria da Fazenda Pública o Impugnante satisfez € 5 236,77 (cf. fls. 23 do processo – numeração do suporte físico);

C) Em 2012.01.30, no Serviço de Finanças de Amadora-1, deu entrada reclamação graciosa, constante de fls. 4 a 10 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzida, contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2010, nº 20115004709758;

D) Por despacho de 2012.04.10, do Adjunto do Chefe de Finanças, em substituição (DR II Série nº 103, de 2011.05.27), constante de fls. 44 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a reclamação foi indeferida; deste despacho transcreve-se:

a. Concordo, pelo que de acordo com os fundamentos constantes da informação prestada, indefiro o pedido do reclamante nos termos propostos;

b. Notifique-se;

c. (…);

E) Da informação elaborada pelo Serviço de Finanças de Amadora-1, em 2012.03.14, constante de fls. 41 a 42 do PA, transcreve-se:

a. (…);

b. II – Análise da reclamação graciosa

i. (…);
ii. O ora Reclamante apresentou a declaração modelo 3 de IRS em 2011.06.02 e da qual fazem parte os anexos A, G e H;
iii. No anexo G foi declarada alienação onerosa de partes sociais, de acordo com artigo 10/1.b) do CIRS;
iv. Tendo declarado os seguintes valores:
v. (…);
vi. Questiona o Reclamante a tributação autónoma destes rendimentos, de acordo com aplicação da taxa prevista no artigo 72/4 do CIRS, de 20%, alegando que a alteração da Lei nº 15/2010, de 26 de Julho é posterior à data de aquisição e da realização;
vii. Conforme determina o nº 5 da referida Lei, a mesma entra em vigor a partir do dia seguinte ao da sua publicação, sendo aplicada aos rendimentos do exercício de 2010, vigorando a 31 de Dezembro a taxa de 20%, a tributação da alienação onerosa de partes sociais, é tributado o saldo apurado em 31/12, considerando-se que a liquidação foi bem efetuada;
viii. Assim, constatando-se que a situação tributária do contribuinte não carece de correção pelo que se propõe que a reclamação graciosa seja indeferida, pelos motivos antes expostos;
ix. Do mesmo modo e uma vez que não houve erro imputável aos serviços, é de indeferir também o pedido de direito a juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43º da LGT (…);
x. (…);»

6. Do objecto do recurso

A questão objecto do presente recurso reconduz-se a saber se incorreu em erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra ao ter considerado que, para efeitos da tributação das mais-valias mobiliárias resultantes da alienação de participações sociais, o facto tributário ocorre no momento da alienação e que, por isso, as alterações introduzidas pela Lei nº 15/2010 não eram aplicáveis ao facto tributário em causa nos autos.

Resulta do probatório que, por contrato outorgado em 02/07/2010 o impugnante e aqui recorrido alienou pelo valor de € 39.720,00 euros, participações sociais que havia adquirido em Julho de 2010 pelo valor de € 7.801,64 euros, transmissão esta que fez constar do anexo "G" da sua declaração de rendimentos relativa ao ano de 2010.
Mais se deu como assente que em 02/07/2011 a Administração Tributária emitiu liquidação adicional de IRS, na qual considerou as mais-valias auferidas com a referida transmissão sujeitas a tributação à taxa de 20%, ao abrigo do artigo 72º, nº 4, do CIRS, na redacção introduzida pela Lei nº 15/2010, de 26 de Julho.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou procedente a impugnação, por considerar, à luz da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, designadamente do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 16/09/2015, proferido no recurso nº 01504/14, que «o facto tributário ocorre no momento da alienação das ações e sendo este anterior à data da entrada em vigor da dita lei, não lhe é aplicável esse novo regime jurídico».
Considerou, assim, a decisão recorrida que as alterações introduzidas pela Lei nº 15/2010 não eram aplicáveis ao facto tributário em causa nos autos, motivo pelo qual concluiu pela ilegalidade da liquidação de IRS.

Não conformada sustenta a Fazenda Pública que a sentença padece do vício de violação de lei, por violação do disposto no artigo 72º, nº 4, do CIRS, na redacção introduzida pela Lei nº 15/2010, de 27 de Julho.
Entende a Recorrente que o IRS, apesar de compartimentado por categorias ou tipos de rendimentos assenta em factos tributários de formação sucessiva, sendo que o facto tributário complexo sujeito a imposto só se estabiliza no fim do ano fiscal, ou seja, em 31 de Dezembro de cada ano. E uma vez que o facto sujeito a tributação é o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no respectivo ano, nos termos do artigo 43º, nº 1, do CIRS, é por referência a 31 de Dezembro que se deve aferir da aplicação da lei em vigor, sendo que nessa altura já se encontravam em vigor as alterações introduzidas pela Lei nº 15/2010, de 27 de Julho.

A questão a decidir é pois a de saber, se é ou não legalmente admissível submeter a tributação das mais-valias decorrentes da venda de partes sociais (acções) no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2010 e 26 de Julho de 2010 ao regime legal instituído pela Lei n.º 15/2010, que entrou em vigor no dia 27 de Julho do mesmo ano.

Trata-se de questão que já foi apreciada e decidida neste Supremo Tribunal Administrativo por várias vezes, e no sentido de que o facto tributário ocorre no momento da alienação das partes sociais e realização das mais-valias, constituindo um facto tributário instantâneo – cfr. os Acórdãos Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo citados pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, de 16/09/2015, recurso 1292/14, de 02.12.2015, recurso 734/15, de 17.02.2016, recurso 668/15, e da Secção de 04/12/2013, 08/01/2014, 20/05/2015, processos nºs 1582/13, 1078/12, 13/15, respectivamente, e, para além destes, os Acórdãos de 13.04.2016, recurso 376/15, de 11.01.2017, recurso 666/15, de 07.06.2017, recurso 1471/14 (do Pleno) e de 22.11.2017, recurso 1100/16, todos in www.dgsi.pt.
Assim no Acórdão do Pleno de 2.12.2015, recurso 734/15, ficou dito que o Código do IRS estabelece, de forma clara e expressa, que constituem mais-valias os ganhos obtidos com a alienação onerosa de partes sociais, e que tais ganhos se consideram obtidos no momento da alienação - artigo 10º, nº 1, al. b), e nsº 3 e 4. E sendo o ganho apurado nesse preciso momento – pela diferença entre o valor de realização e o de aquisição do bem transmitido – as mais-valias não podem deixar de reportar-se a cada ganho de per si.
Razão por que o facto tributário nasce e se esgota no momento autónomo e completo da alienação e da realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano, pese embora o valor a considerar para a determinação da base tributável para efeitos de IRS seja o correspondente ao saldo anual apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano
Também no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 17.02.2016, recurso 668/15, se esclareceu que as mais-valias produzidas antes de 27/07/2010 com a alienação de acções detidas há mais de 12 meses continuam a seguir o regime de não sujeição que vinha determinado no nº 2 do CIRS anteriormente às alterações introduzidas pela Lei nº 15/2010 de 26 de Julho, e, como tal, não concorrem para a formação do saldo anual tributável de mais-valias a que se refere o artigo 43º do CIRS.

Porque com a respectiva fundamentação concordarmos, e também tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC), julgamos pertinente referir o que sobre tal matéria se decidiu no supra citado Acórdão 1292/14:
«Como se sabe, os acréscimos patrimoniais que o Código do IRS considera como mais-valias tributáveis na Categoria G correspondem, essencialmente, a ganhos resultantes de uma valorização de bens (os denominados “ganhos trazidos pelo vento” ou windfall gains no dizer anglo-saxónico), cujo tratamento fiscal na legislação portuguesa contém muitas especificidades, desde logo face à opção, por parte do legislador, de apenas tributar as mais-valias no momento da realização (o que contradiz a teoria do rendimento-acréscimo, que caso fosse adoptada implicaria que fossem sujeitas a tributação todas as valorizações patrimoniais ocorridas, quer fossem ou não realizadas).
Com efeito, em matéria de incidência de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, o Código do IRS estabelece que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que (…) resultem da alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários” e determina que “os ganhos consideram-se obtidos no momento da alienação” - artigo 10º, nº 1, al. b), e nsº 3 e 4. Isto é, estabelece, de forma clara e inequívoca, que os incrementos patrimoniais ou ganhos derivados da alienação onerosa de partes sociais, que se consubstanciam na diferença entre o valor da aquisição e o valor de realização desses bens, constituem mais-valias que se consideram obtidas no momento da alienação.
Por conseguinte, as mais-valias surgem logo que o valor arrecadado pelo respectivo titular/transmitente é superior ao valor pelo qual adquirira o bem, isto é, logo que ocorre a alienação e é alcançado o inerente ganho. O que quer dizer que é neste ganho, obtido no momento da alienação, que reside o facto tributário gerador das mais-valias. E sendo o ganho medido pela diferença entre o valor de realização e o da aquisição do próprio bem, e, por conseguinte, avaliado em cada concreto acto de alienação, torna-se claro que a mais-valia se reporta a cada ganho de per si.
Razão por que … consideramos que o facto tributário se reporta ao momento em que se realizam as mais-valias, ou, por outras palavras, o facto tributário que as origina e conforma nasce e esgota-se no preciso momento (autónomo e completo) da alienação e coetânea realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo, e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano.
É certo que as mais-valias, tal como os demais rendimentos sujeitos a IRS, são declaradas anualmente (art. 57º do CIRS) e que o rendimento colectável anual do sujeito passivo corresponde ao saldo positivo apurado entre as mais-valias e as menos-valias que se tenham concretizado no mesmo ano (art. 43º nº 1 do CIRS). Mas essa operação de agregação entre as mais-valias e as menos-valias não tem a virtualidade de alterar ou transmutar a natureza dos factos tributários subjacentes. O que daí pode concluir-se é, apenas, que as mais-valias e as menos-valias alcançadas durante o mesmo ano são declaradas num único momento - na declaração anual de IRS - e que ambas concorrem para o apuramento do saldo final que vai servir para determinar e quantificar o rendimento anual sujeito a tributação em IRS.
Por outras palavras, a norma que prevê a agregação necessária ao apuro do saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias em face de todos os actos de alienação ocorridos no ano, constitui uma norma sobre a determinação da base tributável para efeitos de IRS, isto é, uma norma sobre a determinação do rendimento colectável, e não uma norma sobre a incidência, como, de resto, ressalta da organização sistemática do Código do IRS, onde a referência a esse saldo se encontra inserida no capítulo que trata da determinação do rendimento colectável e não no capítulo que trata da incidência do imposto. E, como é óbvio, o facto tributário tem de ser localizado no tempo em face da respectiva norma de incidência, e não em face da norma de determinação do rendimento colectável.
Em suma, o saldo positivo que será tributado não se confunde com o facto tributário em si. Tal saldo tem relevo apenas para o acerto do rendimento colectável e determinação da obrigação de pagamento de imposto que emerge (ou não) para o sujeito passivo em sede de IRS, carecendo de relevo para a formação do facto tributário em si, já que este, como se viu, surge isolado no tempo, ocorrendo por mero efeito da obtenção do ganho no momento de cada acto de alienação dos bens mobiliários em questão.
E o facto de o IRS ser um imposto de natureza periódica não inviabiliza que seja composto por rendimentos de formação instantânea e por rendimentos de formação sucessiva. Com efeito, enquanto alguns rendimentos são, pela natureza do seu facto gerador, de formação sucessiva no tempo, já outros, como os acréscimos patrimoniais que a lei fiscal considera como mais-valias tributáveis na Categoria G, provêm de operações isoladamente realizadas ou instantâneas, em que cada facto gerador se apresenta como autónomo e completo, isto é, sem exigência de qualquer facto ou ocorrência posterior.
Por tudo isto, somos levados a sufragar a posição acolhida no acórdão fundamento, cuja argumentação jurídica, dado o seu grau de convincência, consideramos ser essencial reproduzir.
«No que se reporta às mais-valias estas constituem aumentos inesperados do valor dos ativos patrimoniais, não sendo por definição um rendimento-produto, por não constituírem a contrapartida da participação na atividade produtiva (cf. neste sentido, José Guilherme Xavier de Basto, IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, p. 379).
Um dos princípios gerais da sua tributação é, desde logo, o princípio da realização, isto é, só há tributação quando a mais-valia é realizada, quando o ativo é transacionado, excluindo-se de tributação os aumentos de valor dos activos que não tenham sido objeto de alienação onerosa. (…).
Em sede de IRS, o art. 10º, nº 1, al. b) do Código insere no campo de incidência da tributação as mais-valias de partes sociais e valores mobiliários, sendo que esta incidência supõe a realização da mais-valia, ou seja, a sua alienação onerosa. E é esta alienação onerosa o facto gerador (vd. José Guilherme Xavier de Basto, IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, p. 397).
Como escreve José Guilherme Xavier de Basto (in IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, p. 397 e 427) “No que respeita ao momento em que o imposto é exigível […] rege o n.º 3 do artigo 10.º, que estabelece, como regra geral, que os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1”. Quer dizer, o facto gerador reporta-se ao momento do ato que “realiza” a mais-valia. Dir-se-á, em termos gerais, que o momento relevante é, pois, o da alienação do activo em que se apuraram mais-valias tributáveis, ou operação a ela equiparada.”. Daqui resulta que, em geral (opostamente ao que sucede na alínea b) deste normativo), a exigibilidade do imposto coincide com o momento em que se verifica o seu facto gerador.
Quanto ao seu regime fiscal, no caso das mais-valias mobiliárias, ele passa pela não obrigatoriedade do englobamento das mais-valias tributáveis (72.º, n.º 7 do CIRS) e pela tributação a uma taxa especial (art. 72.º, n.º 4 do CIRS). E nos termos do art. 43.º, n.º 1 do CIRS o que se tributa nas mais-valias é “o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano”.
Assim, optando pelo englobamento os rendimentos de mais-valias (ou melhor o saldo entre mais-valias e menos-valias) serão adicionados aos demais rendimentos para que sejam tributados pela globalidade às taxas gerais aplicáveis à situação particular, em função da totalidade dos rendimentos englobados. Não optando pelo englobamento, a mais-valia apurada é sujeita a tributação a uma taxa especial.
Ora, é bom de ver que no caso das mais-valias de participações sociais sendo o facto gerador do imposto a sua alienação onerosa, não estamos perante um facto tributário complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas sim perante um facto tributário instantâneo.
O facto tributário que dá origem ao imposto esgota-se na realização da mais-valia (Atente-se que já o imposto de mais-valias era tido como de obrigação única - cf. Ac. do STA de 18.1.1995, P. 18287).
E a este entendimento não obsta a circunstância de ser tributado “o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano”, pois que o que está em causa no art. 43.º, n.º 1 do CIRS é, ao lado das normas que regem a determinação do ganho sujeito a imposto, a determinação da matéria coletável no que se reporta aos rendimentos resultantes de mais-valias.
Trata-se, a nosso ver, de uma situação semelhante às tributações autónomas em sede de IRC, onde se concluiu que “o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação [...]” [cf. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 310/2012].
Com efeito, também nas mais-valias resultantes da alienação de participações sociais o tributo incide sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, surgindo o facto gerador do tributo isolado no tempo. Simplesmente há uma consolidação anual das mais-valias e menos-valias para efeito de apuramento da matéria coletável, sobre a qual vai incidir a taxa especial ou que vai ser englobada aos rendimentos das demais categorias.
A similitude com as situações de tributação autónoma é ainda maior quando, como in casu, o contribuinte não opta pelo englobamento, já que aqui ocorre verdadeiramente uma tributação separada, por aplicação de uma taxa fixa (vd. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS; Almedina, 2.ª edição, p. 171). Ou seja, a taxa vai ser aplicada ao saldo anual, não havendo qualquer influência da grandeza desse saldo na determinação da taxa.
Tendo em conta que a “(…) a linha demarcadora do âmbito da retroatividade fiscal constitucionalmente admissível passará, desde logo, pela distinção entre situações tributárias «permanentes» e «periódicas» e «factos» cuja eficácia fiscal se esgota ou se firma «instantaneamente», para cada um deles «de per si» (maxime, pela distinção entre «impostos periódicos» e «impostos de obrigação única»), e passará provavelmente, depois, no que concerne àquele primeiro tipo de situações, pela distância temporal que já tiver mediado entre o período de produção dos rendimentos e a criação (ou modificação) do correspondente imposto. Isto, de todo o modo, sem prejuízo do relevo de outras circunstâncias, cujo possível peso não poderá ignorar-se.” (Cfr. Cardoso da Costa, "O Enquadramento Constitucional do Direito dos Impostos em Portugal", in Perspetivas Constitucionais nos 20 anos da Constituição, Vol. II, Coimbra, 1997, p. 418).
Entendemos que no caso da tributação das mais-valias estamos perante um tributo de obrigação única, incidindo sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, sem prejuízo de a matéria coletável ser apurada anualmente.».
Por conseguinte, e em suma, os ganhos qualificados como mais-valias resultantes da alienação onerosa de acções consideram-se, por força de expressa determinação legal, obtidos no momento da alienação; e daí que a alienação em causa na decisão arbitral recorrida, realizada em 30/03/2010, se configure como um facto gerador instantâneo e autónomo, que não carece de qualquer evento posterior para se completar. Ademais, tendo existido essa única operação de alienação durante o ano de 2010, o facto tributário sempre se teria esgotado nessa transacção, não fazendo sentido invocar a necessidade de realização de uma operação de apuro de um saldo com outros (inexistentes) incrementos patrimoniais.
Posto isto, a questão que importa passar a conhecer é a da aplicação da lei no tempo, isto é, a de saber qual a lei aplicável aos ganhos obtidos com a alienação de acções ocorrida em 30/03/2010 e detidas pelo seu titular por mais de 12 meses, tendo em conta que nesse momento estava em vigor o artigo 10º, nº 2, al. a), do CIRS, segundo o qual “excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes da alienação de: acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses», mas que essa norma foi revogada pelo artigo 2º da Lei nº 15/2010, de 26 de julho.
Esta Lei nº 15/2010 é omissa no que toca ao estabelecimento de regras específicas quanto à sua aplicação no tempo, pois não contém qualquer norma que deponha sobre a sua aplicação temporal, limitando-se a prescrever que “A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”. O que não pode deixar de representar uma opção silente do legislador no que toca a essa matéria, até porque essa problemática, da aplicação no tempo das alterações legislativas que o diploma veio introduzir na tributação das mais-valias, foi colocada e discutida no quadro do debate parlamentar que precedeu a aprovação desta Lei.
Ora, tendo o legislador optado por não disciplinar essa matéria, limitando-se a determinar a data da entrada em vigor do diploma no dia seguinte ao da sua publicação, sem estabelecer qualquer norma que permitisse a sua aplicação a um período tributário anterior, impõe-se, necessariamente, aplicar a regra geral que rege a aplicação da lei fiscal substantiva no tempo, plasmada no artigo 12º da LGT, sendo insustentável afastar tal regra ou princípio geral com o argumento de que existirão elementos históricos e genéticos que permitem inferir que o legislador terá pretendido que a lei nova se aplicasse a todas as transmissões realizadas no ano de 2010. É que ainda que fosse essa a vontade inicial do legislador, o certo é que acabou por não a expressar e conformar no texto legislativo, e tal conduz, necessariamente, à aplicação do princípio geral sobre a aplicação da lei tributária no tempo, segundo o qual as normas tributárias se aplicam apenas aos factos posteriores à sua entrada em vigor.
Razão por que consideramos que a lei aplicável é a vigente na data da ocorrência do facto tributário instantâneo gerador». (fim de citação).

Improcede assim, de acordo com a fundamentação do convocado aresto desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, que aqui expressamente se acolhe, a argumentação da Fazenda Pública no sentido da legalidade da liquidação impugnada e no sentido de que se trata de facto tributário complexo que só se estabiliza em 31 de Dezembro de cada ano, estando sujeito às alterações introduzidas pela Lei nº 15/2010, de 27 de Julho.
De facto, também no caso sub judice, como bem assinalou o Tribunal a quo, não há qualquer dificuldade em situar o facto tributário no tempo, dado que a alienação é datada (2010.07.02), nem há qualquer questão que se coloque quanto ao princípio da progressividade do imposto, já que a consequência da aplicação do artigo 12/1 da LGT é a aplicação do regime anterior para efeitos de liquidação do imposto.
A sentença recorrida, que decidiu neste pendor, e que concluiu que as mais-valias em discussão nestes autos estão sujeitas ao regime legal vigente à data da venda, sendo, por isso, ilegal a liquidação adicional que sobre elas incidiu, não merece censura.

7. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo negar provimento ao recurso.
Custas pela Fazenda Pública

Lisboa, 11 de Dezembro de 2019. – Pedro Delgado (relator) – Francisco Rothes – Ascensão Lopes.