Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0190/14.5BELRS
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IRC
CADUCIDADE DE LIQUIDAÇÃO
LIQUIDAÇÃO CORRECTIVA
NOVA LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - O ato de liquidação que seja praticado antes de estar definitivamente decidido o pedido de revisão da matéria coletável fixada por métodos indiretos é ilegal – artigo 91.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária;
II - Pelo que a anulação da decisão de indeferimento liminar do pedido de revisão da matéria tributável por métodos indiretos implica a anulação da liquidação subsequente;
III - Se, na sequência da anulação da decisão do indeferimento liminar do pedido de revisão vier a ser proferido despacho de fixação da matéria tributável por métodos indiretos, a liquidação adicional que lhe suceda deve ser efetuada no prazo de caducidade da liquidação anteriormente anulada.
Nº Convencional:JSTA000P28470
Nº do Documento:SA2202111100190/14
Data de Entrada:08/03/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ LIMITED
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. O Representante da Fazenda Pública interpôs recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição à execução fiscal n.º 3107201301203819 – que no Serviço de Finanças de Lisboa 8 foi instaurada contra A………… limited, com o número de identificação fiscal ………, para cobrança coerciva de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas do exercício de 2001, no montante de € 276.543,40 – e determinou a sua extinção.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…)

I. Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 28-04-2020, a qual julgou procedente a oposição à execução fiscal n.º 3107201301203819, que corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa 8 e foi instaurada para a cobrança de dívidas fiscais relativas a IRC do ano de 2001, já devidamente identificadas nos autos, no valor de € 276.543,40 (duzentos e setenta e seis mil, quinhentos e quarenta e três euros e quarenta cêntimos) e acrescido.

II. A Sentença recorrida, tendo-se socorrido da matéria factual dada como assente no seu segmento III. Fundamentação, a qual aqui damos por plenamente reproduzida para todos os efeitos legais, postulou que a Oponente não foi validamente notificada da liquidação do tributo ora em cobrança no respectivo prazo de caducidade, não sendo de relevar, nos presentes autos, o facto suspensivo ditado pelo procedimento de inspecção externa, nem a suspensão imposta pela interposição do pedido de revisão da matéria tributável a que alude o artigo 91.º da LGT, de forma que, à data em que a Oponente deduziu a acção administrativa com vista à apreciação da legalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão a matéria tributável, o respectivo prazo de caducidade já tinha decorrido.

III. Na verdade, o presente recurso tem como desígnio demonstrar o desacerto a que, na perspectiva da Fazenda Pública e com o devido respeito, chegou a Sentença recorrida, ao ter consignado que a Oponente não foi validamente notificada do tributo dentro do prazo de caducidade, em face do que resulta provado nas alíneas F) e I) do probatório fixado na Sentença e ao não ter considerado que a liquidação identificada na alínea R) do mesmo probatório não é mais do que uma mera repristinação da liquidação anteriormente notificada à Oponente.

IV. Com efeito, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 45.º da LGT, [o] direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”, e atento o disposto no n.º 4 da mesma disposição legal, estando aqui em apreciação uma dívida proveniente de IRC e juros compensatórios do ano de 2001, o respectivo prazo de caducidade iniciou-se em 01-01-2002, pelo que, decorrendo o prazo por quatro anos, sem que houvesse qualquer facto suspensivo de tal prazo, o mesmo conheceria o seu término em 31-12-2005, cfr. alíneas b) e c) do artigo 279.º do Código Civil, ex vi da alínea d) do artigo 2.º do CPPT.

V. É certo que a Oponente foi sujeita a um procedimento de inspecção externo, no âmbito do qual foram efectivadas correcções que estiveram na base da emanação do acto tributário de liquidação que constitui a dívida exequenda, cfr. alíneas A), a C) da factualidade dada como assente na Sentença recorrida, sendo que, conforme facilmente se vislumbra, tal procedimento de inspecção teve uma duração acumulada posterior a 6 meses.

VI. De onde se retira que, para efeitos da contagem do prazo de caducidade, o mesmo contar-se-á desde o seu início, o que equivale a dizer que tudo se passa como se não tivesse havido a suspensão prevista no n.º 1 do artigo 46.º da LGT.

VII. Porém, o que nunca se pode olvidar é que a Oponente foi notificada, em 30-12-2015, da liquidação de IRC de IRC nº 2005.8310123701 no montante de 237.022,37€ e 39.521,03€ de juros compensatórios referentes ao exercício de 2001. cfr. na alínea I) do probatório fixado na Sentença recorrida.

VIII. Ou seja, independentemente de não se verificar qualquer suspensão do prazo de caducidade ditada pelo procedimento de inspecção, a verdade é que, dentro de tal prazo, mais concretamente em 30-12-2005 e nos termos do disposto no artigo 240.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, foi a Oponente notificada da liquidação de IRC relativa ao exercício de 2001, pelo que foi integralmente cumprido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT.

IX. E aqui, diga-se, a liquidação constante da alínea R) do probatório fixado na Sentença recorrida mais não consubstancia senão uma mera repristinação da liquidação anteriormente notificada à Oponente constante da alínea F) e I) dos factos provados.

X. Por outras palavras, porque a liquidação constante da alínea R) do probatório fixado na Sentença recorrida não se configura como um novo acto tributário strictu sensu, mas apenas e tão só como uma liquidação replicada ou correctiva, à mesma não se lhe será aplicável o regime da caducidade do direito à liquidação; pelo contrário, tal regime apenas deve ser aferido relativamente à primeira liquidação

XI. Na verdade, a liquidação de IRC ora em apreço já se encontrava estabelecida na ordem jurídica e validamente notificada à Oponente (cfr. alíneas F) e I) dos factos provados) e a liquidação constante da alínea R) dos factos provados tratou-se apenas de uma correcção por força da apresentação do pedido de revisão da matéria tributável e de acção administrativa deduzida contra o seu indeferimento.

XII. Centrando as nossas atenções no caso concreto, o que sucedeu e decorre dos elementos coligidos para os autos e levados ao probatório da Sentença recorrida, foi que, após procedimento de inspecção externa, no qual foram efectivadas correcções à matéria tributável declarada pela Oponente, veio a ser emanada uma liquidação adicional de IRC para o exercício de 2001, apurando-se um imposto superior ao declarado pelo sujeito passivo. Trata-se, aqui, indubitavelmente, de um verdadeiro e próprio acto de liquidação adicional.

XIII. Contudo, posteriormente, veio a ser emitida uma nova e sucessiva liquidação, cfr. alínea R) dos factos provados, na qual a administração tributária simplesmente actuou em resultado de pedido de revisão a que alude o artigo 91.º da LGT e de acção administrativa deduzida contra o seu indeferimento, a qual, contudo, não veio acarretar qualquer lesão na esfera jurídica da Oponente.

XIV. Assim, no caso em apreço, em que a liquidação constante da alínea R) dos factos provados não configura um novo acto tributário mas apenas uma replicação ou correcção de acto tributário anterior (e validamente notificado à Oponente dentro do prazo de caducidade), não se lhe será de aplicar as regras do prazo de caducidade do direito à liquidação, cfr. Acórdão do TCA Sul de 27-11-2012, proc. n.º 05908/12.

XV. Em idêntico sentido se postulou no Acórdão do STA de 15-06-2016, proc. n.º 01471/15, de acordo com o qual a existência de uma liquidação replicada ou corrigida, sem que acarrete qualquer lesividade na esfera jurídica do sujeito passivo, ou seja, de uma liquidação em que a administração fiscal procede à replicação ou correcção de anterior acto da mesma natureza, por efeitos de interposição de pedido de revisão da matéria tributável, não possui relevância a nível do prazo de caducidade de tal liquidação, porquanto o momento a atender para este efeito deve ser o da emissão da liquidação inicial.

XVI. E, como já vimos, a liquidação inicial foi validamente notificada à Oponente dentro do competente prazo de caducidade, cfr. alíneas F) e I) do probatório fixado na Sentença recorrida.

XVII. Da mesma forma, a sentença proferida em sede da acção administrativa a que alude a alínea M) dos factos provados não ordenou qualquer anulação da liquidação constante da alínea F) do probatório, mas apenas e tão só procedeu à anulação do despacho de indeferimento liminar do pedido de revisão, bem como os subsequentes actos praticados que dele dependem, cfr. alínea M) da factualidade dada como assente.

XVIII. O mesmo é dizer que os efeitos da sentença proferida em sede da acção administrativa a que alude as alíneas L) e M) do probatório não se repercutem na legalidade do acto de liquidação constante de alínea F) dos factos provados, não lhe retirando qualquer validade jurídica. Até porque, como sabemos, o meio judicial próprio para se obter o reconhecimento da ilegalidade e posterior anulação de um acto tributário strictu sensu (acto de liquidação) não é a acção administrativa mas a impugnação judicial prevista na alínea a) do artigo 101.º da LGT e alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º e artigo 99.º e seguintes, ambos do CPPT.

XIX. Portanto, independentemente do entendimento que se possa ter quanto aos efeitos suspensivos do prazo de caducidade que a dedução do pedido de revisão da matéria tributável a que alude o artigo 91.º da LGT produz e da subsequente acção administrativa que recai sobre o seu indeferimento, a verdade é que o regime da caducidade deve ser aferido relativamente à liquidação notificada à ora Oponente em 30-12-2005, cfr. alínea F) e dos factos provados.

XX. Em face do referido, deve considerar-se que, no momento em que a Oponente foi notificada da liquidação adicional, ainda não havia decorrido o respectivo prazo de caducidade.

XXI. Destarte, com o devido e muito respeito, a Sentença sob recurso, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.».

Pediu fosse concedido provimento ao recurso e fosse revogada a sentença recorrida, com as consequência legais.

A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida.

Juntou cópia da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa proferida nos autos de impugnação judicial que ali correram termos com o n.º 1085/08.7BELRS.

O recurso foi admitido e foi-lhe atribuída subida imediata nos autos e fixado efeito meramente devolutivo.

Remetidos os autos a este tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer, onde pugnou pela confirmação da sentença recorrida e pela improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir.


◇◇◇

2. Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: «(...)

A) Em cumprimento da ordem de serviço nº 19045, de 06.07.2004, a Oponente foi sujeita a uma acção inspectiva externa, de âmbito geral, que incidiu sobre os exercícios de 2001 e 2002 (cfr. Docs. 7 e 26 junto à p.i.);

B) Em 06.09.2004, foi assinado pelo sujeito passivo a ordem de serviço a que se refere a alínea precedente (cfr. Doc. 26 junto à p.i.);

C) Em 16.03.2005, foi assinada a nota de diligência nos termos do artigo 61º do RCPIT, em nome da Oponente (cfr. Doc. 27 junto à p.i);

D) Em 25.11.2005, os serviços da AT emitiram em nome da Oponente o ofício nº 079247, subordinada ao assunto "Notificação de Correcções Resultantes de Análise Interna", do qual se extrai, designadamente:

"Fica V. Exª., por este meio notificado [...] das correcções resultantes da acção de inspecção, cujo Relatório/Conclusões se anexa como parte integrante da presente notificação, relativamente ao seguinte:

Foi fixada a matéria tributável de IRC, por métodos indirectos, [...]

Ano/Exercício: 2001 | Matéria Tributária Fixada: 690.353,51 [...]" (cfr. Doc. 7 junto à p.i.);

E) Em 28.11.2005, foi emitida "CERTIDÃO DE NOTIFICAÇÃO", nos termos da qual:

"Em cumprimento do mandato que antecede, certifico que notifiquei hoje o sujeito passivo A………… [...] do ofício notificação nº 079247 [...] relativo a correcções resultantes de análise interna [...]" (cfr. Doc. 7 junto à p.i.);

F) Em 21.12.2005, foi emitida a liquidação de IRC nº 2005.8310123701, e juros compensatórios, referente ao exercício de 2001, no valor de € 276.543,40 (cfr. Doc. 9 junto à p.i.);

G) Em 28.12.2005, deu entrada, junto da Direcção de Finanças de Lisboa, um requerimento da Oponente que refere, designadamente, o seguinte:

"A………… LIMITED [...] notificada da fixação da matéria tributável de IRC [...] por métodos indirectos relativamente aos exercícios de 2001 e 2002 vem, nos termos do artigo 91º da Lei Geral Tributária REQUERER A REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL [...]" (cf. Doc. 8 junto à PI a fls. 63 a 76 dos autos);

H) O pedido de revisão da matéria tributável, a que se refere a alínea antecedente, foi liminarmente indeferido pelo Director Distrital de Finanças, em 29.12.2005, por, em síntese, o pedido ter sido subscrito por apenas uma das mandatárias constituídas, não obstante a procuração outorgada determinar o exercício conjunto do patrocínio pelas duas mandatárias constituídas (cfr. Doc. 20 junto com a p.i.);

I) Foi remetida por correio registado à Oponente, através do ofício nº 087551, de 30.12.2005, a seguinte comunicação:

“Comunica-se a V. Exa. que se procedeu à notificação nos termos do nº 2 do artigo 240º do Código Processo Civil, no dia 30 de Dezembro de 2005, da liquidação de IRC nº 2005.8310123701 no montante de 237.022,37€ e 39.521,03€ de juros compensatórios referentes ao exercício de 2001, *…+ na pessoa de B…………, NIF ………, na qualidade de Prestador de Serviços da empresa” (cfr. Doc. 9 junto à p.i. – fls. 80 dos autos);

J) Em 02.01.2006, foi emitida nova liquidação adicional de IRC nº 2006.8310000048, de e respectivos juros, pelo mesmo valor de € 276.543,40 (cfr. Doc. 10 junto com a p.i.);

K) Em 20.03.2006, a Oponente foi citada no processo de execução fiscal nº 3187200601009567, para cobrança coerciva da liquidação identificada na alínea antecedente (cfr. Doc. 13 junto com a p.i.);

L) Em 05.04.2006, a Oponente apresentou junto deste Tribunal uma acção administrativa especial, que correu termos sob o nº 908/06.0BELSB, na qual peticiona:

“(…): a) deve ser anulado o despacho de 29 de Dezembro de 2005 do Director de Finanças de Lisboa que indeferiu o pedido de revisão da matéria tributável apresentado pela A., por violação do disposto nos artºs 91 LGT, artº 62º, 1 a) da lei 15/2005, art. 52º do CPA, arts. 36º a 40º do CPC aplicáveis ex vi artº 2º e) CPPT;

b) O R. deve ser condenado a, num prazo não inferior a 20 dias, praticar o acto administrativo que admita o pedido de revisão de matéria tributável apresentado pela A., procedendo à nomeação do seu perito e seguindo-se os demais trâmites legais; ou quando assim se não entenda:

c) Deve o R. ser condenado a notificar A. e as mandatárias constituídas nos termos e para os efeitos do disposto no artº 40º, 2 CPC, com fixação de prazo não inferior a 15 dias." (facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções, por consulta ao SITAF);

M) Em 07.03.2013, foi proferida sentença no processo nº 908/06.0BELSB, na qual se julgou:

"Em face do exposto, considero procedente a Acção e, em consequência:

- anula-se o despacho de indeferimento liminar do pedido de revisão, por ilegal, bem como os subsequentes actos praticados que dele dependem; e

- condena-se a Direcção Distrital de Finanças de Lisboa a notificar a Autora e as advogadas [...], para que, no prazo que lhes for fixado, não inferior a 10 dias, a Autora e a Advogada [...] procedam à ratificação do processado (isto é do pedido de revisão)." (cfr. Doc. 20 junto à p.i.);

N) Através do ofício nº 42412, de 19.06.2013, foi a Oponente notificada para indicar se ratifica a petição apresentada nos termos do artigo 91º da LGT, em 28.12.2005, o que fez por requerimento apresentado em 28.06.2013 (cfr. Docs. 21 e 22 juntos à p.i.);

O) Em 22 e 25 de Julho de 2013, foram elaboradas, respectivamente, as actas nºs 30/13 e 31/13 das reuniões referentes ao pedido de revisão da matéria tributável do IRC, contendo os laudos dos peritos (cfr. Doc. 23 junto à p.i.);

P) Em 30.07.2013, a substituta legal da Directora de Finanças Adjunta da DF de Lisboa proferiu despacho de fixação da matéria tributável de IRC, referente ao exercício de 2001, no valor de € 690.363,51 (cfr. Doc. 23 junto à p.i.);

Q) Através do ofício nº 53371, foram notificadas à Oponente, via correio registado com aviso de recepção, as actas elaboradas e a decisão a que se referem as alíneas O) e P) antecedentes (cfr. Doc. 23 junto à p.i.);

R) Em 08.08.2013, foi emitida, em nome da Oponente, em enviada através de caixa postal electrónica, nova liquidação de IRC nº 2013.8310012235, referente ao exercício de 2001, no valor de € 276.543,40 [com código FFCC 201300008306804], contendo liquidação dos respectivos juros compensatórios, no valor de € 39.521,03 (cfr. Doc. 4 junto à p.i.);

S) Em 05.09.2013, a Oponente acedeu à caixa postal electrónica e procedeu à leitura das liquidações descritas na alínea anterior e demonstração de acerto de contas (cfr. Docs. 3 a 6 juntos à p.i.);

T) Em 20.11.2013, foi instaurado, no Serviço de Finanças de Lisboa 8, contra a Oponente, o processo de execução fiscal nº 3107201301203819, para cobrança coerciva de dívida de IRC, identificada em R) supra (cfr. fls. 1 a 3 do PEF apenso);

U) A presente oposição deu entrada junto do serviço de finanças em 27.12.2013 e foi remetida a este Tribunal em 23.01.2014 (cf. fls. 2 e 4 dos autos)».


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3. A única questão a decidir é a de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao qualificar a liquidação a que alude a alínea “R)” dos factos provados como um novo ato tributário e ao considerar-lhe aplicável o regime da caducidade do direito à liquidação.

No entendimento da Recorrente, a liquidação constante da alínea “R)” dos factos provados não é mais do que uma «liquidação replicada ou corretiva» (conclusão “X”), não consubstancia senão uma «mera repristinação da liquidação» constante das alíneas “F)” e “I)” dos factos provados (conclusão “IX”). E, por isso, o momento a atender para efeito é o da emissão da liquidação inicial (conclusão “XV”, parte final).

A Recorrente apela, assim, ao entendimento jurisprudencial segundo o qual o regime de caducidade do direito a liquidação a que alude a alínea “R)” dos factos provados liquidação não se aplica às denominadas liquidações corretivas.

Vejamos então.

O legislador do Código do IRC considera corretivas todas as liquidações que sucedem a anteriores liquidações de imposto referentes ao mesmo período e que determinem a alteração administrativa dos montantes apurados anteriormente (qualquer que seja o sentido dessa alteração). E manda aplicar o regime da caducidade do direito à liquidação a todas elas – ver os artigos 99.º e seguintes.

Mas este conceito de liquidação corretiva não pode estender-se às correções que derivam de procedimentos administrativos de segundo grau e operam em sentido favorável ao sujeito passivo.

Porque o regime da caducidade do direito à liquidação (que é, ele próprio uma garantia do contribuinte contra o poder de determinação administrativa do montante do imposto) não pode colidir com a garantia de acesso aos meios de impugnação administrativa e à execução das decisões que ali sejam proferidas em sentido favorável aos administrados – cfr. artigo 100.º da Lei Geral Tributária.

Assim, o prazo de caducidade do direito a liquidar não pode contender com o direito do contribuinte à correção das ilegalidades de liquidação anterior.

É por isso que se entende que o prazo de caducidade do direito à liquidação não obsta a emissão de uma liquidação que derive de decisão de deferimento de reclamação graciosa ou do pedido de revisão de ato de liquidação anterior.

É que, nestes casos, não está sequer em causa o poder de liquidar administrativamente o imposto devido, mas o dever de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse incorrido na ilegalidade.

Só que a situação dos autos não tem nada a ver com aquela que é considerada nessa jurisprudência.

Em primeiro lugar, porque a liquidação dos autos não derivou de nenhum procedimento administrativo de segundo grau. Derivou da decisão de um procedimento administrativo que opera numa fase do próprio procedimento de liquidação e precede a liquidação propriamente dita: o procedimento de revisão da matéria tributável por métodos indiretos.

Em segundo lugar, porque a liquidação dos autos não teve por objetivo a execução de decisão de anulação de liquidação anterior: teve em vista a decisão de fixação da matéria tributável por métodos indiretos e executou o poder primário de tributação que deriva dessa decisão.

Em terceiro lugar, porque a liquidação dos autos não é favorável ao sujeito passivo: é uma liquidação adicional de conteúdo equivalente a liquidação anteriormente anulada. Não destrói (total ou parcialmente) os efeitos de ato anterior: renova-os. E é, nesse sentido, um ato inovador.

Diz a Recorrente, a este propósito, que a liquidação em apreço [a que alude a alínea “R)” dos factos provados] «já se encontrava estabelecida na ordem jurídica» por liquidação anterior [a que alude a alínea “F)” dos factos provados].

Não é assim, claro. Como deriva da alínea “L)” dos factos provados, a referida liquidação [e aquela que a substituiu – ver a alínea “J)”] tinha sido removida da ordem jurídica pela decisão da ação administrativa especial n.º 908/06.0BELSB, que anulou o despacho de indeferimento liminar do pedido de revisão da matéria tributável e os subsequentes aos que dele dependem [ver a alínea “M)”].

Sendo que, ao contrário do que alega e conclui a Recorrente, a anulação do despacho de indeferimento liminar do pedido de revisão da matéria tributável implica a anulação das liquidações que lhe sucederam, já que o pedido de revisão suspende o procedimento de liquidação – artigo 91.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.

Ora, a decisão da ação administrativa especial n.º 908/06.0BELSB, para ser executada, não necessitava da elaboração de nenhuma liquidação corretiva, visto que do que se tratava ali não era de refazer a liquidação anulada, mas de praticar certos atos no procedimento de revisão da matéria tributável, qualquer que fosse o sentido da decisão que ali fosse proferida e dessem ou não lugar a uma liquidação subsequente.

Pelo que a decisão recorrida não padece do vício que lhe é imputado e deve ser confirmada.


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4. Preparando a decisão e em cumprimento do disposto nos artigos 679.º e 663.º, n.º 7, ambos do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:

4.1. O ato de liquidação que seja praticado antes de estar definitivamente decidido o pedido de revisão da matéria coletável fixada por métodos indiretos é ilegal – artigo 91.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária;

4.2. Pelo que a anulação da decisão de indeferimento liminar do pedido de revisão da matéria tributável por métodos indiretos implica a anulação da liquidação subsequente;

4.3. Se, na sequência da anulação da decisão do indeferimento liminar do pedido de revisão vier a ser proferido despacho de fixação da matéria tributável por métodos indiretos, a liquidação adicional que lhe suceda deve ser efetuada no prazo de caducidade da liquidação anteriormente anulada;


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 10 de novembro de 2021. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.