Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0935/13
Data do Acordão:07/02/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TEMPESTIVIDADE
NULIDADE
NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - Não é nula, nos termos do actual n.º 12 do artigo 39.º do CPPT, a notificação de acto de indeferimento no qual se identifica o seu autor e em que não há menção de ter sido praticado no uso de (então inexistente) delegação ou subdelegação de competências, ainda que a competência para a sua prática coubesse ao Ministro das Finanças e tenha sido praticado pelo Director-Geral dos impostos.
II - A falta de competências para a prática do acto fere-o de anulabilidade, encontrando-se tal vício sanado, ab initio mercê da retroacção de efeitos da ratificação praticada pelo órgão competente, e daí que a impugnação judicial que o tenha como objecto não pudesse ser deduzida a todo o tempo (artigo 102.º n.º 3 do CPPT).
Nº Convencional:JSTA00068829
Nº do Documento:SA2201407020935
Data de Entrada:05/24/2013
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
DIR FISC.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART39 N12 ART102 N1 N3.
CPA91 ART123 N1 ART133 ART135 ART137 N3 N4.
CIMT ART47.
L 64-B/11 DE 2011/12/30.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A………, SA, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 7 de Fevereiro de 2013, que, na impugnação judicial por si deduzida do despacho de indeferimento do seu pedido de restituição de IMT, no valor de €97 890,00, julgou verificada a excepção de caducidade do direito de deduzir impugnação judicial.
A recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. A recorrente requereu, ao abrigo do disposto no art.º 47º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, a restituição de IMT no valor de €97.890,00, que considerou ter-lhe sido cobrado indevidamente.
B. Tal pedido foi dirigido à entidade competente para a sua decisão, ou seja, ao Ministro das Finanças.
C. O mesmo veio a ser decidido pelo Director Geral dos Impostos, sem que, na decisão que lhe foi comunicada, haja sido indicado a que título o mesmo decidiu.
D. A recorrente invocou, logo no n.º 1 dos articulados, a nulidade da notificação que lhe foi efectuada, com base no disposto no n.º 9 do art. 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, actual n.º 12 do mesmo artigo.
E. Tal norma prescreve que “o acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data”.
F. Conforme anotação n.º 4 à 4.ª Edição – 2012 da Lei Geral Tributária, anotada e comentada de Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao art. 62.º, “as notificações dos actos praticados no uso de delegação ou subdelegação de poderes deverão conter a indicação de que se fez tal uso – art. 36.º n.º 2 do CPPT”.
G. “A razão de ser primacial da obrigatoriedade da menção da delegação ou subdelegação de poderes no acto praticado no seu uso, reside na necessidade de alertar o destinatário para o carácter definitivo do acto e para a consequente susceptibilidade de interposição imediata da respectiva impugnação contenciosa”, segundo os mesmos autores.
H. No caso dos membros do Governo, tal menção tem sido considerada desnecessária, pois, desde o DL 3/80, de 7 de Fevereiro, as sucessivas leis orgânicas do Governo não estabelecem quaisquer relações de hierarquia entre Ministros, Secretários de estado e Subsecretários de Estado e por isso, os actos praticados pelos Secretários e Subsecretários de Estado são sempre actos verticalmente definitivos, não sendo necessária, consequentemente, a menção de delegação de poderes, para o destinatário se poder aperceber dessa definitividade.
I. O art. 39.º, n.º 11 (na redacção da Lei n.º 3-B/2010, de 18 de Abril, a que corresponde o n.º 8 da redacção inicial e o n.º 9 na redacção do DL 160/2003, de 19 de Julho, actual n.º 12), do CPPT vem declarar, sem restrições, que “o acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação da qualidade em que se decidiu, no caso de o acto ser praticado no uso de delegação ou subdelegação de poderes”…
J. Não obstante o acto praticado de posterior delegação de poderes, do Ministro das finanças no SEAF e deste, de subdelegação no Director Geral dos Impostos, com a ratificação dos actos entretanto praticados, não sanou a nulidade praticada na data em que lhe foi comunicado o despacho do Director Geral dos Impostos,
L. Uma vez que, não poderiam ser atribuídos efeitos jurídicos decorrentes de tal acto nulo, por força do decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito, conforme n.º 3 do art. 134 do CPA.
M. Daí que ainda não tenha caducado o direito de impugnar a decisão de indeferimento do pedido de restituição do IMT.
TERMOS EM QUE,
Deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, declarar-se que se verificou uma nulidade invocável a todo o tempo, donde não haver caducado o direito de impugnar a decisão da autoridade administrativa, decisão que, ainda por cima, contraria, em absoluto, a jurisprudência desse tribunal, conforme Acórdão de 30/5/2012 no Proc. n.º 949/11.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: decisão de procedência da excepção de caducidade do direito de acção na impugnação judicial deduzida contra decisão de indeferimento de pedido de restituição de IMT no montante de €97 890,00
FUNDAMENTAÇÃO
1. Independentemente da anulação da liquidação, o Ministro das Finanças pode ordenar o reembolso do IMT pago nos últimos quatro anos, quando o considere indevidamente cobrado (art. 47.º nº 1 CIMT revogado pelo art. 143º Lei nº 64-B/2011, 30 dezembro)
O acto de notificação é nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data (art. 39.º n.º 11 CPPT numeração actual)
A menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista, é requisito da validade do acto administrativo e não apenas da sua notificação (arts. 38.º e 123.º nº 1 al. a) CPA).
Em caso de incompetência do autor do acto o poder de ratificar cabe ao órgão competente para a sua prática; os efeitos da ratificação retroagem à data dos actos ratificados (art. 137.º n.ºs 3 e 4 CPA)
Sendo a notificação condição de eficácia do acto em matéria tributária, a eventual nulidade do acto de notificação não contamina a legalidade do acto notificado, apenas determinando nova notificação, expurgada do precedente vício inquinante (art. 36º nº 1 CPPT)
2.Da aplicação das considerações precedentes ao caso concreto, no conspecto dos factos provados, resulta a validade do acto de notificação e a caducidade da impugnação judicial deduzida, em consequência da conjugação das seguintes premissas:
- indicação na notificação do autor do acto notificado;
- inexistência de despacho de delegação/subdelegação de poderes na data do proferimento da decisão de indeferimento pelo Director-Geral dos Impostos, impeditiva da sua menção na notificação;
- ratificação por despacho proferido pelo Ministro de Estado e das Finanças em 29 dezembro 2009 dos actos praticados pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais;
- ratificação por despacho proferido pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais em 17 de Fevereiro de 2010 de todos os actos praticados pelo Director Geral dos Impostos desde 31 outubro 2009, período onde se inscreve o acto de indeferimento do pedido de reembolso do imposto praticado pelo Director-Geral dos Impostos;
- notificação da decisão de indeferimento em 18 dezembro 2009;
- apresentação da petição de impugnação judicial em 22 março 2011
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A decisão impugnada deve ser confirmada.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É apenas a de saber se, como decidido, é intempestiva a impugnação judicial deduzida pelo ora recorrente contra o despacho do Director Geral dos Impostos que lhe indeferiu o seu pedido de restituição do IMT.

5 – Matéria de facto:
É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:
1. Em 06.03.2007, no âmbito do processo de insolvência 2427/03.7TBBCL, do 4.º Juízo Cível do tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, a Impugnante, A…………, S.A., adquiriu um prédio urbano sito no ………, Lugar de ………, inscrito na matriz predial da freguesia de ……… sob o artigo 1272 – cfr. informação constante do Processo Administrativo.
2. Em 12.12.2005 a Impugnante efectuou o pagamento do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas referente à aquisição identificada em 1., no valor de €97 890 – cfr. Informação constante do Processo Administrativo apenso aos autos;
3. Em 06.03.2007 a Impugnante apresentou, junto do Sr. Director-geral dos Impostos uma Reclamação Graciosa, solicitando a restituição do valor pago a título de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas, fundamentando-se no facto de estar isenta - cfr. Informação constante do Processo Administrativo apenso aos autos;
4. Em 03.03.2009 o Impugnante manifestou-se dizendo prescindir do direito de recurso hierárquico da decisão proferida em sede de reclamação graciosa – cfr. Informação constante do Processo Administrativo;
5. Por despacho datado de 20.11.2009, da autoria do Director-geral de Impostos, …………, foi indeferido o pedido de restituição do valor pago a título de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas - cfr. Informação constante do Processo Administrativo apenso aos autos;
6. Em 18.12.2009 o Impugnante foi notificado da decisão de indeferimento identificada em 5 – cfr. Informação constante do Processo Administrativo bem como na Petição Inicial.
7. Em DR, II Série, n.º 4 de 07.01.2010 foi publicado o despacho 382/2010, do Ministro do Estado e das Finanças, datado de 29.12.2009, delegando no Secretário de Estado dos assuntos Fiscais, as suas “competências relativas a todos os assuntos e à prática de todos os actos respeitantes (…) DGCI” autorizando ainda “a subdelegação das competências ora delegadas nos dirigentes das entidades referidas” e ratificando “todos os actos, que no âmbito das competências ora delegadas tenham sido praticados pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais” – cfr. Parecer elaborado no âmbito do Recurso Hierárquico de fls. 42 e seguintes dos autos;
8. Por sua vez o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, pelo despacho 3673/2010 de 17 de Fevereiro, veio ratificar todos os actos praticados pelo Director-geral dos Impostos, Professor Doutor …………, o que veio publicado no DR, II Série de 01.03 - cfr. Parecer elaborado no âmbito do Recurso Hierárquico de fls. 42 e seguintes dos autos;
9. Em 22.03.2011 deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a Petição inicial de Impugnação Judicial que deu origem à instauração destes autos – cfr. fls. 2 e seguintes dos autos.

6 – Apreciando.
6.1 Da julgada extemporaneidade da impugnação judicial
A decisão recorrida, a fls. 91 a 95 dos autos, julgou verificada a caducidade do direito de acção, na impugnação judicial deduzida pela ora recorrente – em 22 de Março de 2011 –, do despacho do Director Geral dos Impostos que lhe indeferiu pedido de restituição de IMT (que alega indevidamente) pago, despacho este que lhe fora notificado em 18 de Dezembro de 2009.
Para tal, considerou a decisão recorrida, depois de reproduzir o teor dos números 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT (Prazos de impugnação judicial), que: ”Conforme o próprio Impugnante menciona na Petição Inicial, a decisão de indeferimento do pedido de restituição de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas, foi-lhe notificada em Dezembro de 2009 sendo certo que essa mesma peça processual apenas deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal em 22.03.2011, logo, muito depois de expirado o prazo legalmente fixado para o efeito» e que, a alegada nulidade da notificação, com fundamento na falta de delegação de competências do Ministro da Justiça (sic), não conduz a que a, contrariamente ao defendido pela impugnante, a acção pudesse ser instaurada a todo o tempo, nos termos do n.º 3 do art. 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, porquanto todos os actos praticados pelo Director-geral foram devidamente ratificados pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no âmbito da competência delegada do Ministro das Finanças – cfr. Factos provados n.º 7 e 8 (cfr. decisão recorrida, a fls. 94 dos autos).
Discorda do decidido a recorrente, alegando em síntese que a impugnação é tempestiva em razão da nulidade da notificação, nos termos o disposto no então n.º 9 (actual n.º 12) do artigo 39.º do CPPT – pois que a competência para a decisão de pedido não competia ao Director Geral dos Impostos, sem que na notificação do despacho conste se o mesmo foi praticado no uso de delegação ou subdelegação -, não tendo tal nulidade sido sanada com a ratificação dos actos entretanto praticados, uma vez que, não poderiam ser atribuídos efeitos jurídicos decorrentes de tal acto nulo.
O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto no seu parecer junto aos autos e supra transcrito pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso.
Vejamos.
Dispunha o n.º 9 (actual n.º 12) do artigo 39.º do CPPT, sob a epígrafe “Perfeição das notificações” que: O acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.
No caso dos autos, contrariamente ao alegado, o acto de notificação não é nulo, porquanto o seu autor surge identificado – o Director-Geral dos Impostos, ………… -, e nele não há qualquer referência ao facto de ter sido praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, que ao tempo ainda não existia, como não lhe falta o seu sentido ou a respectiva data.
Tais elementos, se em falta, por se tratarem de elementos essenciais ou menções obrigatórias (cfr. o n.º 1 do artigo 123.º do Código de Procedimento Administrativo – CPA), feririam de nulidade não apenas o acto de notificação, mas o próprio acto notificado, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto no seu parecer junto aos autos.
Sucede que tais elementos não faltam, nem consta da notificação referência a qualquer (então inexistente) delegação ou subdelegação de competências no Director-Geral dos Impostos para o praticar.
Ao invés, o vício de que sofria, à data em que foi proferido e notificado, o acto impugnado, era o da falta de competência do seu autor para o praticar, pois que foi proferido pelo Director-Geral dos Impostos e a competência para o praticar, nos termos do então artigo 47.º do CIMT (revogado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12) cabia ao Ministro das Finanças, vício este, porém, gerador da mera anulabilidade, e não da nulidade, do acto (cfr. os artigos 135.º e 133.º do – CPA), por ser a anulabilidade o regime-regra da invalidade dos actos administrativos e não se estar perante a falta de elementos essenciais do acto nem a lei cominar expressamente a sanção da nulidade.
E mesmo o vício de incompetência por falta de competências se encontrava já sanado à data em que foi intentada a impugnação pela ora recorrente, em razão da ratificação por despacho proferido pelo Ministro de Estado e das Finanças em 29 dezembro 2009 dos actos praticados pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e da ratificação por despacho proferido pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais em 17 de Fevereiro de 2010 de todos os actos praticados pelo Director Geral dos Impostos desde 31 outubro 2009, período onde se inscreve o acto de indeferimento do pedido de reembolso do imposto praticado pelo Director-Geral dos Impostos, sabido que em caso de incompetência, o poder de ratificar o acto cabe ao órgão competente para a sua prática (cfr. o n.º 3 do artigo 137.º do CPA) e esta, em princípio, retroage os seus efeitos à data dos actos a que respeitam (cfr. o n.º 4 do artigo 137.º do CPA).
Não merece, pois, censura, a decisão recorrida que julgou extemporânea a impugnação judicial deduzida pela recorrente em 22 de Março de 2011 (cfr. o n.º 9 do probatório fixado) contra acto que lhe foi notificado em 18 de Dezembro de 2009 (cfr. o n.º 6 do probatório fixado), pois que tal acto, porque não era nulo, não podia ser impugnado a todo o tempo.

Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento.

- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 2 de Julho de 2014. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pedro Delgado - Fonseca Carvalho.