Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:083/14.6BEPDL 0190/18
Data do Acordão:03/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:Se as questões versadas em ambas as decisões, recorrida e fundamento, não se aproximam de tal forma para que se possa concluir existir uma contradição ou oposição evidente entre ambas, não é admissível o recurso deduzido ao abrigo do disposto no artigo 280º, n.º 5 do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P24335
Nº do Documento:SA220190320083/14
Data de Entrada:02/28/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A………….., inconformado, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada (TAF de Ponta Delgada) datada de 24 de Novembro de 2017, que julgou procedente a excepção de litispendência, invocada pelo Ministério Público naquele tribunal, nos autos de oposição à execução fiscal nº 2917201401010085, instaurada pelo Serviço de Finanças da Horta, com vista à cobrança coerciva do valor de € 52,59 relativo a Imposto Único de Circulação do ano de 2010, juros de mora e custas, por alegada contradição com o decidido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 24 de Outubro de 2012, proferido no processo nº 399/12.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
a) Por sentença proferida em 24 de Novembro de 2017, o Tribunal a quo julgou procedente a excepção de litispendência e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância.
b) Salvo o devido respeito, não tem razão o Meritíssimo Tribunal ao ter julgado procedente a excepção de litispendência, não se conformando o Recorrente com tal decisão, pelos motivos que se passam a explicitar.
c) Veio o Tribunal a quo afirmar na decisão recorrida que entre a Oposição apresentada pelo Recorrente e o processo de impugnação judicial nº 42/14.9BEPDL, a correr termos neste Tribunal, há identidade de sujeitos, uma vez que em ambos os processos o Recorrente assume a posição de Oponente/Impugnante e a Autoridade Tributária a posição de Oponida/Impugnada.
d) No presente processo executivo, instaurado pela Administração Tributária contra o recorrente, este defendeu-se apresentando Oposição à Execução fiscal quanto à cobrança do IUC de 2010, referente ao veículo com a matrícula …………., peticionando o mesmo que seja considerada a sua ilegitimidade no referido processo executivo, na medida em que não era proprietário nem possuidor do veículo no período referido no título executivo, como demonstrou, nos termos do artigo 204º nº 1, al. h e i) do C.P.P.T.
e) No processo de impugnação nº 42/14.9BEPDL, a correr termos neste mesmo Tribunal, A………….. assume a posição de Impugnante, peticionando a anulação, por ilegalidade, dos actos de liquidação do IUC referentes aos períodos de 2009, 2010, 2011 e 2012.
f) Os sujeitos nas acções em causa não assumem a mesma qualidade jurídica, porquanto na acção de impugnação o contribuinte é Autor e vem pedir a anulação dos IUC’s que lhe foram liquidados ilegalmente pela Administração Tributária, enquanto que na execução fiscal o mesmo é sujeito passivo de um processo iniciado pela Administração Tributária contra si e o seu património, encontrando-se numa posição de defesa, quando apresenta a oposição à execução fiscal, requerendo que seja apreciada a sua ilegitimidade no processo.
g) No primeiro caso é Autor contra a Administração Tributária e, no segundo caso, está a defender-se de um ataque realizado contra si próprio e o seu património, sendo esta a Autora/Exequente desse processo.
h) Resulta claro que não poderá ocorrer a excepção de litispendência no presente caso, uma vez que as partes não são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica, conforme exige o artigo 581º nº 2 do C.P.C.
i) Não poderia o Tribunal a quo considerar que entre o presente processo e o processo de impugnação judicial nº 42/14.9BEPDL há identidade de sujeitos, pelos motivos supra explanados, razão pela qual, não se encontrando preenchidos os requisitos legalmente exigidos, não deveria ter sido julgada procedente a excepção de litispendência.
j) Veio ainda o Tribunal a quo defender que existe identidade do pedido entre o presente processo e o processo de impugnação judicial nº 42/14.9BEPDL, afirmando que o “efeito prático” que o Recorrente pretende obter em ambas as acções é o mesmo, ou seja, “evitar o pagamento do I.U.C.”.
k) Salvo o devido respeito, não assiste razão ao Tribunal a quo, não existindo entre o presente processo e o processo de impugnação judicial nº 42/14.9BEPDL qualquer identidade de pedido, sendo certo também que o fundamento da situação de litispendência não é determinada pelo efeito prático que se obtém na acção, mas pelos efeitos jurídicos que se pretendem obter com os processos, nos termos do Artº 581º nº 3 do C.P.C..
l) No presente processo, o que o Recorrente vem peticionar é que seja considerada a sua ilegitimidade no título e no processo executivo, nos termos do artigo 204º nº 1, al. h e i) do C.P.P.T.; Situação diferente é o peticionado no processo de impugnação judicial, na qual o Recorrente peticiona a anulação, por falta de fundamentação, dos actos de liquidação do IUC referentes aos períodos de 2009, 2010, 2011 e 2012.
m) O efeito jurídico que o Recorrente pretende obter na acção de impugnação judicial e o efeito jurídico que pretende na Oposição à Execução são clara e manifestamente diferentes.
n) Exigindo o artigo 581º nº 3 do C.P.C. que, para ocorrer a litispendência, é necessário que entre as duas acções se pretenda obter o mesmo efeito jurídico e sejam idênticas, na sua qualidade jurídica, as posições dos sujeitos em ambas as acções, é patente que, no caso vertente, não se encontram preenchidos os requisitos legais da excepção de litispendência, que não ocorre, pelo que deverá ser revogada a sentença recorrida.
o) A interpretação distinta que o Tribunal a quo fez dos Artºs 581º nºs 1 a 3 do CPC, é claramente atentatória do direito de defesa com a maior amplitude do executado, e aqui recorrente, e do princípio do processo equitativo, que implica uma decisão de acordo com a justiça material em cada processo judicial, entre outros corolários, e fez uma interpretação daqueles preceitos do C.P.C.. desrespeitadora do disposto nos artºs 20º nºs 1 e 4 da C.R.P., apresentando-se como materialmente inconstitucional e que portanto não pode ser recebida por este Tribunal Superior.
p) Por todo o exposto, deverá este Supremo Tribunal considerar procedente o presente recurso e em consequência revogar a sentença recorrida que julgou procedente a excepção de litispendência, por não se encontrarem preenchidos os requisitos legalmente exigidos para caracterizar esta excepção no artigo 581º nºs 1 a 3 do C.P.C..
Nestes termos e nos demais de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência ser revogada a sentença do Tribunal a quo que julgou verificada a excepção de litispendência, julgando-se substancialmente o pedido e considerando o executado parte ilegítima na execução.

Contra-alegou a recorrida tendo concluído:
Ao pretender que o Tribunal a quo decida de maneira diferente do decidido, está o Recorrente a olvidar que existe identidade de partes, de causas de pedir e de pedidos, sendo completado o fundamento formal para o reconhecimento de litispendência do artigo 581.º CPC.
Também o critério material está amplamente cumprido, pois as decisões a proferir num e noutro processo colocarão o Tribunal a quo na situação ou de se contradizer ou de se repetir.
Pelos fundamentos dimanados desse Supremo Tribunal Administrativo, prolatados no Acórdão n.° 0154/14, de 17 de Junho de 2015, é o caso sub judice subsumível na exceção de litispendência com as razões aí explanadas, pela qual se pugna.
Não existe contradição entre Acórdãos desse Supremo Tribunal Administrativo, pois as situações abrangidas pelos Acórdãos invocados são inteiramente díspares entre si, caindo a decisão colocada em crise na situação de litispendência entre oposição e impugnação.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se no sentido da não admissão do recurso por entender não estarem verificados os requisitos exigidos nos artigos 280º nº 5 e 284º, ambos do CPPT.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Em 9 de novembro de 2013, A………… foi notificado do ato de liquidação do IUC, do ano de 2010, relativo à viatura com a matrícula n.° ………….
B) Em 10 de março de 2014, A………….. apresentou a petição inicial que deu origem ao processo de impugnação judicial n.° 42/14.9BEPDL, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, que instaurou contra o ato de liquidação referenciado em A), pedindo o seguinte:
Nestes termos, nos mais de direito, e com Apelo ao Douto suprimento de V. Ex. Mm°. Juiz, deve a presente impugnação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, anulados por falta de fundamento os actos de liquidação do IUC ora notificados”.
C) Em 21 de março de 2014, o Serviço de Finanças da Horta notificou A……………. do ato de instauração do processo de execução fiscal n.° 2917201401010085, com vista à cobrança coerciva do valor resultante da liquidação referenciada em A).
D) Em 23 de abril de 2014, A…………… apresentou, no Serviço de Finanças da Horta, uma petição inicial contra o ato de instauração do processo de execução fiscal, referenciado em C).
E) Ainda não foi proferida sentença no processo de impugnação judicial n.° 42/14.9BEPDL, referenciado em B).
Nada mais se deu como provado.

Há agora que saber, e em primeiro lugar, se se mostram preenchidos os requisitos legalmente previstos para que o recurso seja admitido nos termos do disposto no artigo 280º, n.º 5 do CPPT.
Inconformado, veio o Recorrente interpor recurso por oposição de julgados da sentença proferida em 24/11/2017, no âmbito dos autos de oposição em epígrafe, que declarou verificada a exceção de litispendência e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância (cfr. a sentença recorrida, constante de fls. 185 a 189 e, ainda, as alegações, juntas de fls. 211 a 216 do processo em suporte físico, de ora em diante designado como p. f.)
Ataca a sentença ora em crise, por, alegadamente, se mostrar em confronto com o Acórdão tirado por este STA - Secção do CT, em 24/10/2012, no Processo n.º 0399/12 (cfr. o requerimento de interposição do recurso, ínsito de fls. 194 a 196 do p. f.).
Como melhor se alcança da análise da motivação sub judice, o ora Recorrente veio pugnar, em primeira linha, i) pela verificação in casu dos pressupostos de admissão do presente recurso e, bem assim, ii) pela sua procedência, com a revogação da sentença recorrida e a prolação, a final, de decisão que consagre o entendimento plasmado no mencionado acórdão fundamento (v. as respetivas conclusões, ínsitas de fls. 215 e 216 do p. f.).
Importa primeiro esclarecer, se, relativamente à mesma questão fundamental de direito ocorre - ou não - a alegada contradição entre a sentença recorrida e o douto aresto deste Colendo STA, de 24/10/2012, prolatado no âmbito do Processo n.º 0399/12, invocado como acórdão fundamento e, sendo caso disso, apurar se a decisão impugnada estará em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste Colendo Supremo Tribunal Administrativo.
Na verdade, de harmonia com o preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 284.º do CPPT, 27.º, n.s 1, alínea b), do ETAF e 152.º, n.º 1, alínea a) e 3 do CPTA, a existência de oposição de julgados depende i) da ocorrência de contradição quanto a idêntica questão fundamental de direito, no quadro de idêntica situação fáctica e de igual regulamentação jurídica, e, outrossim, ii) da decisão proferida não se mostrar de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada.
Com efeito, os requisitos estabelecidos pelo já citado n.º 5 do artigo 280.º do CPPT reconduzem-se aos que têm guarida no mencionado artigo 284.º do mesmo diploma, como enfatiza o acórdão deste Supremo Tribunal de 07/02/2018, no âmbito do Processo n.s 01479/17.
Sucede que o regime legal aqui aplicável tem sido objeto de inúmeros e exaustivos acórdãos deste STA, tendo sido firmado o entendimento segundo o qual, para que ocorra oposição de julgados, a lei não impõe uma total similitude das situações de facto em antagonismo, mas exige que a decisão judicial recorrida e o aresto fundamento se movam dentro do mesmo quadro jurídico e, daí, tenham efetuado a interpretação e a aplicação das mesmas disposições legais.
Aplicando agora estas regras às decisões em confronto podemos surpreender com facilidade que as mesmas não são similares, desde logo porque enquanto na decisão recorrida se concluiu ocorrer semelhança ou similitude entre os sujeitos, causa de pedir e pedido formulado em ambos os processos para efeitos de apreciação da questão da litispendência já no acórdão fundamento entendeu-se não ocorrer tal repetição de causas mas, pelo contrário, entendeu-se ocorrer erro na forma de processo demandando o indeferimento liminar da petição de impugnação judicial uma vez que os fundamentos invocados eram próprios do processo de execução. Ou seja, no caso dos autos admitiu-se a validade de ambos os processos (de oposição à execução fiscal e de impugnação judicial), no acórdão fundamento concluiu-se pela nulidade do processo de impugnação judicial.
Conclui-se, assim, que as questões versadas em ambas as decisões, recorrida e fundamento, não se aproximam de tal forma para que se possa concluir existir uma contradição ou oposição evidente entre ambas que permita a dedução do presente recurso.

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir o presente recurso, por inverificação dos requisitos, legal e jurisprudencialmente exigidos, contemplados nos artigos 280º nº 5 e 284º n.º2 ambos do CPPT.
Custas pelo recorrente.
D.n.
Lisboa, 20 de Março de 2019. – Aragão Seia (relator) – Dulce Neto – Pedro Delgado.