Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0534/20.0BEBRG
Data do Acordão:07/15/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO
INTERRUPÇÃO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I - As contribuições para a segurança social podem definir-se, actualmente, como prestações pecuniárias de carácter obrigatório e definitivo, afectas ao financiamento de uma ampla categoria de despesas do sistema previdencial de segurança social e de outras (designadamente das políticas activas de emprego e de formação profissional), pagas a favor de uma entidade de natureza pública e tendo em vista a realização de um fim público de protecção social. O montante das contribuições (da entidade empregadora em relação aos trabalhadores por conta de outrem) e quotizações (dos trabalhadores por conta de outrem) é determinado de acordo com a incidência da taxa contributiva na remuneração auferida pelo trabalhador, pertencendo a responsabilidade do seu pagamento à entidade empregadora, enquanto substituto tributário.
II - No que diz respeito às dívidas à Segurança Social (contribuições ou quotizações), e respectivos juros de mora, o prazo de prescrição era de dez anos (cfr.artº.14, do dec.lei 103/80, de 9/3; artº.53, nº.2, da Lei 28/84, de 14/8), sendo actualmente de cinco anos e computando-se o decurso do prazo prescricional a partir da data em que a mesma obrigação deveria ser cumprida, sendo que a prescrição se interrompe com a prática de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida, nomeadamente, a instauração de processo de execução fiscal (cfr.artº.63, nºs.2 e 3, da Lei 17/2000, de 8/8; artº.49, nºs.1 e 2, da Lei 32/2002, de 20/12; artº.60, da Lei 4/2007, de 16/1; artº.187, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social).
III - À prescrição das dívidas à Segurança Social aplica-se, subsidiariamente, o regime previsto na L.G.T., atento o disposto no artº.3, al.a), do actual Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
IV - Como se retira do preceituado nos artºs.318 a 320, do C.Civil, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo. Por sua vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de toda o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr.artº.326, nº.1, do C.Civil). Porém, em certos casos, designadamente, quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr.artº.327, nº.1, do C.Civil).
V - Recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99, da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário, com maior significado em matérias de conhecimento oficioso, como seja a prescrição (cfr.artº.175, do C.P.P.T.).
VI - Nos presentes autos, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos dos artºs.682, nº.3, e 683, nº.1, ambos do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, devendo ordenar-se a baixa dos autos, com vista a que seja produzida a ampliação da matéria de facto pelo Tribunal de 1ª. Instância de acordo com os trâmites identificados neste acórdão e visando uma cabal apreciação da excepção de prescrição.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P26225
Nº do Documento:SA2202007150534/20
Data de Entrada:07/07/2020
Recorrente:INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL IP
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O "INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, IP", deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Braga, exarada a fls.80 a 90 dos presentes autos, a qual julgou procedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal, deduzida pela ora recorrida, A…………, no âmbito dos processos de execução fiscal nº.301-2004/1014374 e 301-2005/1003224, os quais correm seus termos na Secção de Processo Executivo de Braga, em consequência do que declarou prescritas as dívidas exequendas objecto dos identificados processos executivos, relativas a "Contribuições" e "Quotizações" devidas à Segurança Social, de períodos mensais que medeiam entre Dezembro de 2000 e Junho de 2003.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.96 a 97-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A- Salvo douta opinião, a sentença proferida enferma de erro de julgamento na medida em conheceu do disposto no n.º 2 do artigo 49.º da LGT na redação anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 sem que no acto reclamado, objeto de sindicância, se tenha debruçado sobre tal questão;
B - Em 26/04/2011, a Reclamante apresentou requerimento arguindo que as dívidas referentes aos processos executivos nº 0301200401014374 e 03012005010003224 estavam prescritas;
C- Em 13/02/2020, foi proferido despacho pela Coordenadora da SPE de Braga que indeferiu o pedido de declaração de prescrição das dívidas, não se tendo pronunciado sobre o n.º 2 do artigo 49.º da LGT na redação anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29/19;
D- O Tribunal a quo deu como provado que o prazo de prescrição de 5 anos iniciou-se, em 16/01/2001, para a dívida mais antiga, e em 16/07/2003, para a dívida mais recente, tendo, pois, completando-se o prazo de prescrição, respetivamente, em 15/01/2006 e 15/07/2008, tendo, contudo, a Reclamante sido citada nos processos executivos em 7/11/2005 o que implicou a interrupção do prazo de prescrição;
E- Sem embargo, o Tribunal a quo entendeu dar como procedente a reclamação apresentada e anular o despacho proferido pelo órgão de execução fiscal, com base na ocorrência de prescrição apenas pelo facto de entender que o processo esteve parado por mais de um ano por facto não imputável à Reclamante;
F- O Tribunal a quo aplicou o disposto no n.º 2 do artigo 49.º da LGT na redação anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, não obstante tal argumento não ter sido objecto de pronúncia ou análise no despacho da Coordenadora da SPE de Braga;
G- A interpretação normativa perfilhada pelo douto Tribunal a quo foi no sentido de conhecer novos factos, factos estes que o órgão de execução fiscal não conheceu no despacho objecto de sindicância;
H- A decisão proferida pelo douto Tribunal a quo padece assim de erro de julgamento, devendo ser anulada pelo douto Tribunal ad quem com consequente não conhecimento do disposto no n.º 2 do artigo 49.º da LGT na redação anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 uma vez que não foi objecto de análise por parte do órgão de execução fiscal;
I- Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se a esse douto Tribunal ad quem que julgue totalmente procedente o presente recurso, revogando, nos termos e com os fundamentos acima expostos, a sentença recorrida e substituindo-a por uma pronúncia jurisdicional que julgue totalmente improcedente a reclamação apresentada.
X
O recorrido produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.102 a 103-verso do processo físico), pugnando pelo não provimento do recurso, embora sem formular conclusões.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo provimento do recurso (cfr.fls.110 e seg. do processo físico).
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.81 a 84 do processo físico):
1- Em 27/12/2004, foi instaurado pela Secção de Processo Executivo de Braga, do “Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.”, o processo de execução fiscal (PEF) n.º 0301200401014374, tendo por base a Certidão de Dívida n.º 1930/2003, por dívidas da ora Reclamante referentes a “Contribuições” para a Segurança Social e respeitantes aos períodos de 2000/12 a 2003/06, cuja quantia exequenda ascende a € 8.199,90 (cfr. fls. 28 a 30 da paginação eletrónica do SITAF e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
2- Em 24/02/2005, foi instaurado pela Secção de Processo Executivo de Braga, do “Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.”, o processo de execução fiscal (PEF) n.º 03012005010003224, tendo por base a Certidão de Dívida n.º 1931/2003, por dívidas da ora Reclamante referentes a “Quotizações” para a Segurança Social e respeitantes aos períodos de 2000/12 a 2003/06, cuja quantia exequenda ascende a € 3.797,90 (cfr. fls. 52 a 55 da paginação eletrónica do SITAF e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
3- A ora Reclamante foi citada nos PEFs referidos nos pontos anteriores, em 7/11/2005, conforme assinatura nos respetivos avisos de receção (cfr. fls. 46 e 70 da paginação eletrónica do SITAF e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
4- Em 13/02/2020, foi proferido despacho pela Coordenadora da SPE de Braga de 21/02/2020, que indeferiu o pedido de declaração de prescrição das dívidas referidas nos pontos 1) e 2) deste probatório apresentado pela Reclamante, cujo teor consta do seguinte:
“(…)





5-A decisão referida no ponto anterior, foi notificada à Reclamante em 26/02/2020, conforme assinatura no aviso de receção (cfr. fls. 99 da paginação eletrónica do SITAF e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
6-A presente reclamação foi remetida ao órgão de execução fiscal por correio registado datado de 9/03/2020 (cfr. fls. 105 da paginação eletrónica do SITAF).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “… Inexistem factos não provados, com relevância para a decisão a proferir…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A matéria de facto dada como provada nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, e resultou da análise dos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados (cf. artigos 76.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 362.º e seguintes do Código Civil), conforme discriminado nos vários pontos do probatório.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados por não terem relevância para a decisão da causa ou por não serem suscetíveis de prova, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou procedente a presente reclamação de acto do órgão de execução fiscal, em consequência do que anulou o despacho reclamado (cfr.nº.4 do probatório), mais tendo declarado prescritas as dívidas exequendas de Contribuições e Quotizações (cfr.nºs.1 e 2 do probatório), tudo em virtude dos processos executivos terem estado parados por período superior a um ano, por facto não imputável ao reclamante.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que a sentença recorrida utilizou o regime consagrado no artº.49, nº.2, da L.G.T., na redacção anterior à Lei 53-A/2006, de 29/12, sem que o acto reclamado, objecto de sindicância, se tenha debruçado sobre tal questão. Que o Tribunal "a quo" julgou procedente a reclamação apresentada e anulou o despacho proferido pelo órgão de execução fiscal, com base na ocorrência de prescrição, apenas pelo facto de entender que o processo esteve parado por mais de um ano, paralisação essa não imputável à reclamante/recorrida. Que a interpretação normativa perfilhada pelo Tribunal "a quo" foi no sentido de conhecer novos factos, factos estes de que o órgão de execução fiscal não conheceu. Que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento (cfr.conclusões A) a I) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Antes de mais, deve referir-se que o conhecimento/aplicação, por parte da sentença recorrida, do regime previsto no artº.49, nº.2, da L.G.T., na redacção anterior à Lei 53-A/2006, de 29/12, não consubstancia a existência de qualquer questão nova, não passível de conhecimento por parte do Tribunal "a quo", por duas ordens de razões:
1- Tal argumento jurídico foi exposto no articulado inicial deste processo (cfr.artºs.15, 26 e 30 da petição inicial junta a fls.3 a 13 do processo físico);
2- Encontramo-nos face a uma questão de direito, sendo que o Tribunal é livre de conhecer dos aspectos jurídicos da causa (indagação, interpretação e aplicação das regras de direito), com independência das razões invocadas pelas partes (cfr.artº.5, nº.3, do C.P.Civil).
Avancemos.
As contribuições para a segurança social podem definir-se, actualmente, como prestações pecuniárias de carácter obrigatório e definitivo, afectas ao financiamento de uma ampla categoria de despesas do sistema previdencial de segurança social e de outras (designadamente das políticas activas de emprego e de formação profissional), pagas a favor de uma entidade de natureza pública e tendo em vista a realização de um fim público de protecção social. O montante das contribuições (da entidade empregadora em relação aos trabalhadores por conta de outrem) e quotizações (dos trabalhadores por conta de outrem) é determinado de acordo com a incidência da taxa contributiva na remuneração auferida pelo trabalhador, pertencendo a responsabilidade do seu pagamento à entidade empregadora, enquanto substituto tributário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/12/2019, rec.1555/08.5BEBRG; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/09/2016, proc.9930/16; Nazaré da Costa Cabral, Contribuições para a Segurança Social, Natureza, Aspectos de Regime e de Técnica e Perspectivas de Evolução num Contexto de Incerteza, Cadernos do IDEFF, nº.12, 2010, pág.81 e seg.; Apelles J. B. Conceição, Segurança Social, Manual Prático, 10ª. Edição, Almedina, 2017, pág.107 e seg.).
Mais se dirá que o prazo de pagamento voluntário das contribuições, ou quotizações, para a segurança social terminava no dia quinze do mês seguinte àquele a que diziam respeito (cfr.artº.18, do dec.lei 140-D/86, de 14/6; artº.10, nº.2, do dec.lei 199/99, de 8/6). Actualmente, esse prazo decorre entre o dia dez e o dia vinte do mês seguinte àquele a que dizem respeito (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/12/2019, rec.1555/08.5BEBRG; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/03/2017, proc.240/13.2BEFUN; artº.43, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16/9, e que entrou em vigor no pretérito dia 1/01/2011).
No que diz respeito às dívidas à Segurança Social (contribuições ou quotizações), e respectivos juros de mora, o prazo de prescrição era de dez anos (cfr.artº.14, do dec.lei 103/80, de 9/3; artº.53, nº.2, da Lei 28/84, de 14/8), sendo actualmente de cinco anos e computando-se (termo inicial) o decurso do prazo prescricional a partir da data em que a mesma obrigação deveria ser cumprida, sendo que a prescrição se interrompe com a prática de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida, nomeadamente, a instauração de processo de execução fiscal (cfr.artº.63, nºs.2 e 3, da Lei 17/2000, de 8/8; artº.49, nºs.1 e 2, da Lei 32/2002, de 20/12; artº.60, da Lei 4/2007, de 16/1; artº.187, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social; ac. S.T.A.-2ª.Secção, 4/12/2019, rec.1555/08.5BEBRG; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/09/2016, proc.9930/16; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.127 e seg.).
A mencionada Lei 17/2000, de 8/8, entrou em vigor no pretérito dia 4/2/2001 (cfr.artº.119, da Lei 17/2000, de 8/8), sendo o prazo de cinco anos de prescrição o aplicável ao caso "sub judice".
Por último, à prescrição das dívidas à Segurança Social aplica-se, subsidiariamente, o regime previsto na L.G.T., atento o disposto no artº.3, al.a), do actual Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
Concretamente, estando em causa dívidas à Segurança Social relativas a períodos mensais que vão de Dezembro de 2000 a Junho de 2003, o termo final do prazo de prescrição da primeira das dívidas exequendas (Dezembro 2000) ocorreria em 16/01/2006 (cfr.nºs.1 e 2 do probatório; artº.10, nº.2, do dec.lei 199/99, de 8/6; artº.279, al.b), do C.Civil), acaso não sobreviesse qualquer facto interruptivo ou suspensivo do mesmo prazo.
Analisemos, então, os factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição.
Como se retira do preceituado nos artºs.318 a 320, do C.Civil, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo. Os factos suspensivos são de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, como se infere dos citados artºs. 318, 319 e 320, do C.Civil. Nas leis tributárias prevêem-se factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas as regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária (cfr.v.g.artº.49, nº.4, da L.G.Tributária, na redacção resultante da Lei 53-A/2006, de 29/12 - O.E. de 2007). Concluindo, para além da especificidade dos factos a que é atribuído efeito suspensivo, o regime da suspensão da prescrição da obrigação tributária não tem especialidades no domínio do direito tributário, pelo que, face a qualquer facto com natureza suspensiva, enquanto este surtir efeitos, a prescrição não começa nem corre.
Por sua vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de toda o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr.artº.326, nº.1, do C.Civil). Porém, em certos casos, designadamente, quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr.artº.327, nº.1, do C.Civil). Resultam, assim, destes artºs.326 e 327, do C. Civil, dois conceitos de interrupção da prescrição: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição). Nas leis tributárias prevêem-se factos a que é atribuído efeito interruptivo da obrigação tributária, pelo que não há que fazer apelo às normas do C.Civil, no que concerne a determinar os factos interruptivos. Porém, os efeitos da interrupção da prescrição não estão completamente regulados, assim devendo aplicar-se, quanto a estes e subsidiariamente, o regime do Código Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.52 e seg.).
Mais se dirá, que a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais, em resultado da previsão normativa do artº.297, nº.1, do C.Civil, não impõe a aplicação de um ou outro regime em bloco, pois só se refere tal normativo à lei que altere o prazo e não aos termos em que se conta, nem a tudo o que releva para o seu curso. O texto do artigo e a respectiva epígrafe revelam que se tem em vista apenas as leis que alteram prazos e não as que alteram os efeitos das causas interruptivas ou suspensivas da prescrição. Por isso, as leis que alteram causas de suspensão ou interrupção não sendo leis sobre "alteração de prazos", não estão abrangidas na previsão do referido artº.297, do C.Civil. Estas leis seguem a regra de aplicação no tempo do artº.12, nº.2, do mesmo diploma (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/02/2017, rec.248/14; ac. S.T.A.-2ª.Secção, 4/12/2019, rec.1555/08.5BEBRG; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/09/2016, proc.9930/16; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.92).
Face ao disposto no artº.12, nº.2, do C.Civil, a lei aplicável aos factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição será a vigente no momento em que os mesmos ocorreram. Assim sendo, nos termos da lei e conforme mencionado supra, a prescrição interrompe-se com a prática de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida (cfr.artº.63, nº.3, da Lei 17/2000, de 8/8; artº.49, nº.2, da Lei 32/2002, de 20/12; artº.60, nº.4, da Lei 4/2007, de 16/1; artº.187, nº.2, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social).
Revertendo ao caso dos autos, tendo o reclamante/recorrido sido citado, em ambos os processos executivos, no pretérito dia 7/11/2005 (cfr.nº.3 do probatório), conclui-se que a sua citação foi efectuada antes do termo final do quinto ano posterior à dívida mais antiga, a relativa a Dezembro de 2000 (16/01/2006), vector que gera a interrupção do prazo de prescrição atento o disposto no artº.49, nº.1, da L.G.T. (a partir da redacção introduzida pela Lei 100/99, de 26/07).
Apesar deste elemento factual interruptivo do prazo de prescrição dos processos executivos identificados no probatório, a sentença recorrida conclui pela ocorrência do termo final do prazo de prescrição de todas as dívidas exequendas supra identificadas, devido à paragem dos mesmos processos por período superior a um ano e por facto não imputável ao reclamante, tudo conforme consta do enquadramento jurídico de tal peça processual, mais chamando à colação o citado regime previsto no artº.49, nº.2, da L.G.T., na redacção anterior à Lei 53-A/2006, de 29/12.
Ora, tal conclusão da decisão objecto do recurso carece de fundamento factual, visto que da matéria de facto provada nada consta sobre tal paragem dos processos executivos.
Releve-se que a falta de apuramento de tais factos resulta da omissão de diligências que se impunha realizar por parte do Tribunal "a quo", pelo que a sentença sindicada padece de défice instrutório, sendo que o S.T.A. é um Tribunal de revista (cfr.artº.12, nº.5, do E.T.A.F.), com exclusiva competência em matéria de direito, em regra (cfr.artº.26, al.b), do E.T.A.F.).
Por outro lado, mencione-se que, recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99, da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário, com maior significado em matérias de conhecimento oficioso, como seja a prescrição (cfr.artº.175, do C.P.P.T.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.859; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.173 e seg.).
Arrematando, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos dos artºs.682, nº.3, e 683, nº.1, ambos do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, aplicáveis "ex vi" do artº.281, do C.P.P.T. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/12/2014, rec.118/14; ac.S.T.A-2ª.Secção, 20/06/2018, rec.483/18; ac.S.T.A-2ª.Secção, 21/11/2019, rec.670/15.5BEAVR; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/12/2019, rec.1555/08.5BEBRG; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Novo Regime, 4ª. Edição, 2017, Almedina, pág.430 e seg.), devendo ordenar-se a baixa dos autos, com vista a que seja produzida a ampliação da matéria de facto pelo Tribunal de 1ª. Instância de acordo com os trâmites identificados supra, visando uma cabal apreciação da excepção de prescrição, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, ANULAR A SENTENÇA RECORRIDA E ORDENAR A BAIXA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE 1ª. INSTÂNCIA, cumprindo-se em conformidade com as diligências de instrução que se reputem úteis e necessárias à ampliação da matéria de facto para os fins acima precisados, após o que se deverá proferir nova sentença que leve em consideração a factualidade entretanto apurada.
X
Condena-se o recorrido em custas, na presente instância de recurso (cfr.artº.527, do C.P.Civil).
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 15 de Julho de 2020. – Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) – Paulo José Rodrigues Antunes – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.