Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01174/11
Data do Acordão:05/02/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - A prescrição da dívida resultante do acto tributário de liquidação não constitui vício invalidante desse acto e por isso não serve de fundamento à respectiva impugnação, nem é nela de conhecimento oficioso.
II - A circunstância da prescrição ser de conhecimento oficioso no processo de execução fiscal, não legitima que no processo de impugnação possa ter a mesma natureza.
III - Não há, porém, obstáculo a que incidentalmente possa ser apreciada, para efeito de se determinar se existe utilidade em se conhecer da invalidade de um acto que titula uma obrigação tributária que está extinta por prescrição.
IV - Se já foi proferida sentença, com trânsito em julgado quanto à questão da validade do acto impugnado, a única que cumpria ao juiz resolver, desaparece a possibilidade de extinguir a instância por outro modo.
V - Tendo sido instaurada execução fiscal para cobrança coerciva da obrigação tributária é ela a sede própria para se conhecer da prescrição, sobretudo quando já foi proferida sentença que julgou improcedentes os fundamentos invocados, sem que tenha sido solicitado o respectivo reexame.
Nº Convencional:JSTA00067573
Nº do Documento:SA22012050201174
Data de Entrada:12/23/2011
Recorrente:A......, LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Área Temática 2:DIR PROC CIV
Legislação Nacional:CPC96 ART287 A ART660 N2 ART668 D
CPPTRIB99 ART125 ART175 ART92 ART126
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC939/04 DE 2005/02/09; AC STA PROC732/02 DE 2002/07/03; AC STA PROC1577/02 DE 2002/12/18
Referência a Doutrina:VIEIRA DE ANDRADE - A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 6ED PAG438.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.1. A………, Lda, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial que efectuou contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios do ano de 1996, no montante de €37.207,09.
Nas respectivas alegações, conclui o seguinte:
a) A ora Recorrente (R.), com a Impugnação Judicial em causa, visou a anulação de um conjunto de liquidações adicionais de IVA e Juros Compensatórios do ano de 1996, no montante total de €37.207,09 (Esc. 7.459.351$00);
b) Mais tarde, já no decurso dos autos em causa e conforme decorre da documentação junta fls. 120, a dívida de IVA imputada à R. foi fixada no montante final de €7.408,00, incluindo os correspondentes Juros Compensatórios;
c) Não obstante as ilegalidades invocadas, consubstanciadas em duplicação de colecta e errónea qualificação dos factos tributários em apreciação, o facto é que, através da Douta Sentença datada de 5 de Maio de 2011, as pretensões da ora R. foram julgadas improcedentes;
d) Como consta dos autos, trata a presente Impugnação Judicial, de IVA e Juros Compensatórios do ano de 1996, reportados a factos tributários ocorridos entre Maio e Dezembro de 1996;
e) De cujas liquidações foi a ora Recorrente notificada em Novembro de 1997, tendo-lhe sido fixado em 31 de Janeiro de 1998, o prazo para o respectivo pagamento voluntário;
f) Em 4 de Maio de 1998, a ora Recorrente deduziu Reclamação Graciosa, solicitando a anulação das liquidações oficiosas em causa, por as considerar feridas de ilegalidade, dirigida à Direcção de Finanças de Santarém, a qual indeferiu a pretensão através de Despacho notificado à ora R. em 25 de Setembro de 1998;
g) Inconformada, a ora R., em 6 de Outubro de 1998, intentou a presente Impugnação Judicial, entregue na, então, Repartição de Finanças do Concelho de Rio Maior;
h) Só em 20 de Fevereiro de 2001, dois anos e quatro meses depois e sem que qualquer diligência processual, que se conheça, tenha sido praticada, foi notificado à ora R., pelo o Tribunal Tributário de lª Instância da Santarém, o recebimento do processo;
i) Emitida uma carta precatória, a inquirição das testemunhas é realizada em 30 de Outubro de 2001, no Tribunal Tributário de lª Instância de Leiria, sendo a R. notificada em 12 de Dezembro de 2001, já pelo Tribunal Tributário de Instância de Santarém, para produzir alegações escritas, as quais entrega em 11 de Janeiro de 2002;
j) Em 18 de Fevereiro de 2003 a ora R. é interpelada sobre documentação junta aos autos pela AT, pronunciando-se através de requerimento entregue em 28 de Fevereiro de 2003;
l) Subsequentemente e face a mais documentação junta aos autos pela AT, em 28 de Novembro de 2003 a R., como já se assinalou, toma conhecimento de que o valor da dívida em causa nos autos é actualizado e fixado no montante global de €7.408,89, incluindo IVA e Juros Compensatórios;
m) Depois disto, 7 anos e 6 meses depois, o acto processual seguinte consistiu na Douta Sentença, de que ora se recorre, exarada em 5 de Maio de 2011;
n) Ora, como estabelece o Artº 175º do CPPT, a prescrição, entendida à luz das regras estabelecidas no Artº 48º e ss. da LGT, é do conhecimento oficioso do Juiz, perfilhando a R. a tese de que este princípio deve aplicar-se no âmbito do processo de Impugnação Judicial quando, designadamente, se trate de uma situação que assume a clara natureza de pressuposto em matéria de utilidade, ou não, do prosseguimento da lide;
o) É este o caso dos presentes autos porque, determinada que seja, na data da Douta Sentença preferida pelo Ex.mo Juiz a quo, a prescrição das prestações tributárias em causa, cessa por completo a utilidade dos presentes autos, cujo único objectivo era, precisamente, a anulação dos referidos tributos;
p) Ora, atentando na supracitada cronologia processual e relevando o facto do IVA dever ser considerado como um imposto de obrigação única, através aplicação das regras legais atinentes à matéria de prescrição das prestações tributárias, resulta evidente para a ora R. que, pelo menos, na data da Douta Sentença ora recorrida, já há muito que se encontravam prescritas as obrigações tributárias remanescentes, em causa nos presentes autos de Impugnação Judicial;
q) Nestes termos, a referida prescrição, constituindo um pressuposto essencial sobre a utilidade do prosseguimento da lide, deveria ter suscitado ao Ex.mo Juiz a quo a necessária e correspondente apreciação oficiosa, de acordo com a obrigação decorrente do citado Artº 175º do CPPT;
r) Por isso, entende a ora R. que se está perante uma situação que não pode deixar de ser considerada como omissão de pronúncia a qual, nos termos do Art.° 668º, nº 1, alínea d), do CPC, tem como consequência a nulidade da Douta Sentença recorrida.
1.2. Não houve contra-alegações.
1.3. O Ministério Público no sentido da improcedência do recurso, dado não haver omissão de pronúncia, porque a questão da prescrição não foi suscitada no processo.

2. A sentença deu como provado os seguintes factos:

a) A Impugnante, com o NIF ……… e com sede em ………, Lote ……… encontrava-se, à data dos factos a exercer a actividade de Fabricação de Artigos de Pasta de Papel - cfr. consta do relatório de inspecção junto ao processo de reclamação graciosa aqui em anexo.
b) No âmbito de procedimento de Inspecção relativamente ao pedido de reembolso do IVA do período de 9610 da impugnante, ocorrida em 12/11/1997, os SF verificaram a existência de dedução de IVA que consideraram indevida no montante de 6.639.074$00, liquidado nas facturas do ano de 1996 e pelos motivos constantes do relatório de inspecção junto ao processo de reclamação graciosa em anexo, e que aqui se dá por reproduzido.
c) Por decisão da Subdirectora Geral da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado proferida em 05/03/2002, em sede de Recurso Hierárquico foi determinada a revogação parcial da liquidação aqui em conflito na parte referente a juros compensatórios no montante de 412.040$00 (820.277-408.237) - cfr. fls. 76 a 88 dos autos.
d) A decisão supra referida foi levada ao conhecimento da Impugnante por através do oficio n.º 6164 de 21/12/2002 da repartição de Finanças de Rio Maior - cfr. fls. 120 dos autos, não contestado.

3. A recorrente impugnou a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios do ano de 1996 com fundamento (i) em duplicação de colecta, já que se referem a factos tributários que deram origem a liquidação e pagamento de IVA por parte da impugnante; (ii) errónea qualificação dos factos tributários, na medida em que a insuficiência formal detectada em alguns documentos apenas podia determinar a recusa de reembolso.
A sentença recorrida conheceu dessas ilegalidades, e constatando que não têm virtualidade para afectar o acto impugnado, julgou a impugnação improcedente.
Sem pôr em causa o juízo quanto à questão da validade do acto impugnado, que assim transitou em julgado, vem o recorrente invocar omissão de pronúncia quanto à questão da prescrição da obrigação tributária.
É sabido que a actividade de conhecimento do juiz está limitada pelas duas regras ditadas pelo nº 2 do artigo 660º do CPC: «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras»; e também é manifesto o paralelismo existente entre essas regras e as duas nulidades da sentença estabelecidas no artigo 125º do CPPT ou na alínea d) do artigo 668º do CPC: é a nula a sentença «quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
A recorrente entende que foi violada a primeira regra, porque, apesar da prescrição da obrigação tributária não ter sido submetida à apreciação do tribunal, não podia deixar de ser conhecida, uma vez que o artigo 175º do CPPT diz que se trata de uma questão de conhecimento oficioso.
Efectivamente, o artigo 175º prescreve que nos processos de execução fiscal a prescrição é uma questão de conhecimento oficioso pelo juiz, se o órgão de execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito. Significa isto que: (i) quem tem competência para conhecer, em primeiro lugar, da prescrição é o órgão de execução fiscal; (ii) que a prescrição pode ser invocada no processo executivo, sem sujeição a qualquer prazo; (iii) e que o tribunal pode conhecer da prescrição, mesmo que não tenha sido invocada pelo oponente.
Mas a imposição de se conhecer ex officio da prescrição no processo de impugnação judicial já é um problema mais complexo, na medida em que a questão central nessa forma processual é a validade do acto impugnado e não a exigibilidade da obrigação nele contida. Como o objecto do processo de impugnação se define, em primeira linha, pela pretensão anulatória do impugnante, e portanto, por referência a um acto tributário ilegal, é fácil de ver que a prescrição não é uma questão que respeite à validade desse acto. Com efeito, se pela via da impugnação judicial, segundo o modelo definido nos artigos 99º a 126º do CPPT, faz-se valer uma pretensão anulatória, dirigida à eliminação de um acto tributário ilegal e, com ela, à cessação dos efeitos por ele produzidos, pela via da prescrição pretende-se extinguir a obrigação tributária, pelo facto de não ser exigido o seu cumprimento nas condições e lapso de tempo determinado na lei. Na primeira situação, procura-se indagar quais os elementos do acto tributário que estão em discordância com a ordem jurídica; na segunda, independentemente do acto tributário, procura-se determinar se obrigação do imposto pode ser exigível.
Portanto, no âmbito do processo de anulação do acto tributário, a prescrição não é uma questão que incida sobre a própria substância da relação controvertida, definida por referência a um acto de liquidação ilegal. Em juízo discute-se apenas se estão ou não reunidos os elementos constitutivos (pressupostos) do poder que foi exercido com a prática do acto impugnado e não as condições do exercício do direito à prestação tributária (exigibilidade). Não há, pois, que confundir as condições de validade do acto, representadas pelas exigências que a lei faz relativamente a cada um dos seus elementos, com as condições de exercício dos direitos que nele se integra, representados pelo decurso dos prazos legais.
É por isso que, a circunstância da prescrição ser de conhecimento oficioso no processo de execução fiscal, não legitima que no processo de impugnação possa ter a mesma natureza. Nem todas as questões submetidas por lei ao conhecimento oficioso do tribunal podem ser questões atendíveis para se decidir a pretensão deduzida em juízo. O conhecimento oficioso, a que se refere a segunda regra do nº 2 do artigo 660º, deve respeitar apenas às questões que constituem premissas indispensáveis para a solução a dar ao litígio. Só nessa medida é que se poderá falar em omissão de pronúncia por falta de apreciação de uma questão que a lei impõe o conhecimento oficioso.
Ora, para se decidir se o acto tributário padece de ilegalidades que afectam a sua produtividade, considerando os fundamentos de facto e de direito em que ele se baseou, não é necessário conhecer se a obrigação tributária titulada pelo acto está ou não prescrita. Tratando-se de um processo de impugnação, que incide sobre a questão da validade do acto impugnado, o tribunal deve apreciar e resolver essa questão por referência aos factos existentes e às normas vigentes no momento em que o acto foi praticado. Por isso, de acordo com este princípio de direito substantivo, o tribunal não atende às superveniências que surjam na pendência do processo, por não influírem sobre a questão da validade do acto impugnado, especialmente nos actos de execução instantânea (cfr. Vieira de Andrade, A justiça Administrativa, 6 ed. pág. 438).
E a jurisprudência deste Tribunal assim tem entendido, considerando que a prescrição da dívida resultante do acto tributário de liquidação não constitui vício invalidante desse acto e que, por isso, não serve de fundamento à respectiva impugnação, nem, consequentemente, é, nela, de conhecimento oficioso. No acórdão de 9/2/05, rec. nº 0939/04 diz-se que «não constitui, a prescrição, um vício do acto de liquidação, que a torne ilegal, pois só prejudica a sua eficácia, não servindo, por isso, de fundamento à impugnação judicial do acto de liquidação. Nesta linha de pensamento, a prescrição não só não pode ser invocada como fundamento da impugnação da liquidação, como não é, nesta forma processual, oficiosamente cognoscível» (cfr. entre outros, acs. de 15/06/2000, rec. nº 024688, de 20/3/2002, rec. nº, 144/02, 30/4/2002, rec. nº 145/02, de 15/5/02, rec. nº 365/02, de 3/7/02, rec. nº 732/02, de 18/12/02, rec. nº 1577/02).
Por conseguinte, não se pode concluir que tenha havido omissão de pronúncia.
Mas, se a prescrição não se presta a servir de fundamento à pretensão anulatória de um acto tributário, parece que não há obstáculo a que incidentalmente possa ser apreciada, para efeito de se determinar se existe utilidade em se conhecer da invalidade de um acto que titula uma obrigação tributária que está extinta por prescrição.
Na verdade, se a relação jurídica tributária que emerge do facto tributário pode estar extinta por prescrição, o impugnante deixa de ter qualquer interesse em ver reconhecida a ilegalidade do acto impugnado. Nesta situação, como refere na jurisprudência citada, decorrido o prazo de prescrição, o impugnante deixa de ter qualquer interesse na anulação ou declaração de nulidade ou inexistência do acto impugnado, pois, mesmo sem esta anulação ou declaração, não poderá ser obrigado a pagar coercivamente a quantia que é objecto do acto impugnado. Se a posição de fundo em defesa da qual actuou contra o acto ilegal foi satisfeita, não se vê que utilidade existe em se prosseguir com a impugnação.
Acontece que, no caso dos autos, já foi proferida sentença que não reconheceu a invalidade do acto impugnado e por esse facto, o efeito que se poderia obstar com o reconhecimento da prescrição já se consumou. Só era possível apreciar a prescrição, para efeitos de se julgar extinta a acção por inutilidade superveniente da lide, se a causa ainda estiver pendente. Ora, se já foi proferida sentença, com trânsito em julgado quanto à questão fundamental a decidir, a única que cumpria ao juiz resolver, desaparece a possibilidade de extinguir a instância por outro modo. O modo normal de extinguir a instância foi o julgamento, que decorreu de sentença de mérito (al. a) do art. 287º do CPC), pelo que já não faz sentido declarar extinta por inutilidade da lide uma instância que se mostra já extinta por sentença.
E não se diga que o recurso jurisdicional impediu o trânsito em julgado da sentença, pois quanto à questão da validade do acto impugnado o recurso afasta-se totalmente da fundamentação que determinou a decisão de improcedência da impugnação. Não se pode conhecer a questão da prescrição, tendo em vista impedir a continuação do processo de impugnação, quando já foi proferida uma sentença de anulação que não sofreu contestação por parte do impugnante. O processo deve cessar porque já cessou a matéria da contenda, que era a questão da validade do acto impugnado, e não porque é inútil prosseguir com ele por efeito da prescrição.
É evidente que o recorrente tem o direito ou interesse juridicamente protegido em que seja declarada judicialmente a prescrição, caso se verifiquem os respectivos pressupostos. Mas essa posição subjectiva terá que ser feita valer no processo de execução que, como consta do ofício de fls. 139 dos autos, se encontra suspenso a aguardar o desfecho desta impugnação. Tendo sido instaurada execução fiscal para cobrança coerciva da obrigação tributária é ela a sede própria para se conhecer da prescrição, sobretudo quando já foi proferida sentença que julgou improcedentes os fundamentos invocados, sem que tenha sido solicitado o respectivo reexame.

4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 2 de Maio de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.