Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0461/10
Data do Acordão:09/08/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
RESIDÊNCIA NO ESTRANGEIRO
IRS
Sumário:A remissão para a legislação fiscal interna dos Estados contratantes constante do artigo 4.º, n.º 1, da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre o capital obriga a que a análise da questão da residência seja feita individualmente, pessoa a pessoa, exigindo-se uma ligação efectiva do sujeito contribuinte ao território do Estado que arrecada o tributo (como, por exemplo, o continuado e efectivo cumprimento de um contrato de trabalho nesse território, por via do qual o contribuinte percebe o seu único rendimento).
Nº Convencional:JSTA00066564
Nº do Documento:SA2201009080461
Data de Entrada:05/31/2010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF COIMBRA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Área Temática 2:DIR INT PUBL - DIR TRAT.
Legislação Nacional:CIRS01 ART16 N2.
Referências Internacionais:CONV ENTRE PORTUGAL E A REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA APROVADA PELA L 12/82 DE 1982/06/03 ART4 N1.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 A Fazenda Pública vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou «procedente a impugnação judicial, determinando-se a anulação das liquidações», e deferiu «o pedido de restituição da quantia indevidamente paga, a apurar pela Administração Fiscal, bem como os juros legais decorrentes desse pagamento indevidamente efectuado».
1.2 Em alegação, a recorrente Fazenda Pública formula as seguintes conclusões.
1. Discute-se nos autos as liquidações do IRS dos anos 1997 e 1998, na parte em que se encontram afectadas pelos rendimentos (da categoria A) obtidos pelo Impugnante como trabalhador emigrante na Alemanha.
2. Nesse período, o impugnante esteve ausente de Portugal durante mais de 183 dias mas manteve em território português a habitação sua, do seu cônjuge e restante agregado familiar;
3. Os rendimentos obtidos na Alemanha não foram espontaneamente declarados na 1ª declaração familiar, onde consta expressamente que os sujeitos passivos não eram residente no estrangeiro;
4. O art. 4º da Convenção para evitar a dupla tributação Internacional entre Portugal e a Alemanha remete a definição de “residente” para a lei interna dos Estados contratantes;
5. A lei portuguesa, nomeadamente o art. 84° CC e os artigos 14°, 15° e 16° CIRS, com a redacção então em vigor, consideravam que os contribuintes, mesmo os emigrantes, eram “residentes em território português” se aqui mantivessem habitação em condições que fizessem supor a intenção de a habitar ou aqui mantivesse a residência do outro cônjuge;
6. Ao optar por não comunicar a sua ausência do território português impugnante manteve o seu domicílio electivo e fiscal em Portugal, que é o primeiro dos critérios referidos no n° 1 do art. 4° da Convenção;
7. Além disso, o nº 2 do mesmo art. 4° da CDT configura diversas conexões decisivas em caso de competência cumulativa de ambos os Estados contratantes, entre as quais a localização de habitações permanentes à disposição do trabalhador, a localização do centro de interesses pessoais e económicos, a nacionalidade, todos favoráveis à competência tributária de Portugal;
8. Muito respeitosamente, parece que esta norma nega apoio à interpretação que serve de base à recente jurisprudência que, por sua vez, fundamenta a decisão recorrida;
9. Por tudo isso, a AT, através do seu ofício-circulado n.° 20.032, de 31/1/2001, a jurisprudência, nomeadamente, no Ac. STA 01211/05, de 15-3-2006, e a doutrina têm entendido que “basta a residência em Portugal, de um dos chefes do agregado familiar, aferido aos critérios do art. 16º do CIRS, para que esta arraste, por um princípio da atracção da unidade familiar, a residência dos demais (residência por dependência). Assim, por exemplo, o emigrante português que reside efectivamente na Alemanha, mas cuja mulher permanece em Portugal, é aqui sujeito a tributação numa base universal, incluindo portanto os rendimentos obtidos na Alemanha”, Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, Tributação das Operações Internacionais, p. 245 e ss;
10. A conexão ao direito português, resultante do impugnante fazer parte do agregado familiar que tem residência em Portugal, é perfeitamente legítima e compreensível já que, de acordo com o CIRS o verdadeiro sujeito passivo do imposto é o agregado familiar, representado, em comum e sem distinção de quotas, pelas pessoas a quem incumbe a sua direcção e, objectivamente, pelo conjunto dos seus rendimentos.
11. Na normalidade das situações de emigração, os rendimentos obtidos no estrangeiro justificam-se, como é presumível no presente caso, pelas necessidades do agregado familiar sedeado no território português, a que o impugnante os destina maioritariamente. Isto é, o sacrifício da deslocação para o estrangeiro, mais ou menos prolongada, visa obter lá os meios que permitam ter uma vida melhor cá. Só não seria exactamente assim se todo o agregado, ou pelo menos as pessoas a quem incumbe a sua direcção, tivesse emigrado.
12. Donde resulta a respeitosa discordância com o doutamente decidido na sentença recorrida, nomeadamente no que se refere à interpretação a fazer do artigo 15° da CDT e à decisão de anulação das liquidações, mesmo na parte impugnada;
Nestes termos e com o douto suprimento de Vªs Exªs, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente a presente impugnação.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o parecer de não merecer provimento o recurso - apresentando a seguinte fundamentação.
A Recorrente alega que, remetendo o artigo 4.° da Convenção a definição de “residente” para a lei interna dos Estados contratantes e tendo em conta o disposto no artigo 84.° do Código Civil e os artigos 14.°, 15.° e 16.° do CIRS, mesmo os emigrantes devem ser considerados “residentes em território português” se aqui mantiverem habitação em condições que façam supor o interesse de a habitar ou aqui mantenham a residência do outro cônjuge.
Entendemos não assistir razão à Recorrente.
Sobre esta questão sufragamos, inteiramente, a mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal, constante dos Acórdãos de 25/03/2009 e de 08/07/2009, proferidos nos processos 68/09 e 382/09, respectivamente. Nestes doutos arestos considera-se que apesar do disposto no n.° 1 do artigo 4.° da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para evitar a Dupla tributação, remeter a definição do conceito de residência para a legislação interna dos Estados contratantes, não consagra uma remissão incondicional, pressupondo antes que “a análise da questão da residência seja feita individualmente, pessoa a pessoa, abstraindo da situação familiar do sujeito em causa.”
Por sua vez, o conceito de residência por dependência, invocado pela Recorrente e acolhido no n.° 2 do artigo 16.° do CIRS, não pode sobrepor-se ao conceito convencional de residência, pelo que a residência em Portugal do cônjuge do sujeito passivo é indiferente para a determinação da residência fiscal deste.
A qualidade de residente para efeitos da Convenção tem de ser aferida por critérios que “exprimam uma ligação efectiva ao território do Estado, não sendo atendíveis para efeitos convencionais um mero critério de «residência por dependência» como o constante do artigo 16.º, n.° 2 do CIRS, por não exprimir por si mesmo qualquer conexão efectiva e real da maior parte das suas actividades económicas ao território português.”
Atendendo ao explanado e a toda a argumentação constante dos acórdãos deste STA antes referidos, no caso sub judicio o sujeito passivo deve ser considerado residente na Alemanha.
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, bem como da posição do Ministério Público, a questão essencial que aqui se coloca é a de saber se, parafraseando o Ministério Público, «o sujeito passivo deve considerar-se residente em território português ou em território alemão, para efeitos da aplicação da Convenção para evitar a Dupla Tributação, que foi celebrada entre Portugal e a República Federal da Alemanha, em matéria de impostos sobre o rendimento, aprovada para ratificação pela Lei n.° 12/82, de 3 de Junho».
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
1. O impugnante trabalhou, durante 196 dias do ano de 1997 e durante 365 do ano de 1998, para a empresa B…, com sede em Berlim;
2. Ao abrigo do contrato de trabalho celerado com a empresa, id, em 4.2.1., o impugnante recebeu, em 1997, 30.206 marcos a que correspondem Esc. 3.096.417$00 e, em 1998, 57.513 marcos a que correspondem Esc. 5.895.658$00.
3. O ora impugnante preencheu e entregou nos serviços fiscais da República da Alemanha (Repartição de Finanças de Reinichendorf) as declarações de rendimentos relativas aos anos fiscais de 1997 e 1998, donde constam as respectivas retenções e recebeu as respectivas notas de liquidação (bescheid).
4. Nas declarações modelo 3 referentes aos anos de 1997 e 1998 apresentadas em Portugal pelo casal constituído pelo ora impugnante e sua mulher, não foram declarados os rendimentos auferidos na Alemanha, pelo ora impugnante, constantes do ponto 4.2.2.
5. A mulher do impugnante permaneceu, nos períodos referidos em 4.2.4. em Portugal.
6. Na sequência das declarações, referidas em 4.2.4., veio o impugnante a ser notificado para, proceder ao pagamento voluntário de imposto sobre o IRS, relativos aos anos de 1997 e 1998, respectivamente nos montantes de € 4.091,17 e € 4.527,29 cuja data terminava no dia 01/04/2002.
7. Não se conformando com tais liquidações, foi deduzida a presente impugnação, que deu entrada em tribunal em 01/07/2002.
2.2 A sentença recorrida - para julgar procedente a impugnação e deferir o pedido de restituição da quantia paga, bem como os juros legais decorrentes desse pagamento indevidamente efectuado -, considerou essencialmente o seguinte.
A questão a decidir consiste, desde logo, em saber se o impugnante se deve considerar residente em território português ou em território alemão, para efeitos da aplicação da Convenção para evitar a dupla tributação, que foi celebrada entre Portugal e a República da Alemanha, em matéria de impostos sobre o rendimento, aprovada para ratificação pela Lei n.° 12/82, de 03/06.
As Convenções sobre Dupla Tributação têm na sua génese o facto dos vários Estados soberanos terem considerado que, a aplicação unilateral das suas normas fiscais consubstanciam uma potencial fonte de conflitos. Deste modo, ao lado das fontes tradicionais da lei fiscal têm surgido instrumentos jurídicos destinados a evitar a dupla tributação e a evasão fiscal internacional e que se integram no Direito Internacional Fiscal (vide Margarida Mesquita, As Convenções sobre Dupla Tributação, Lisboa, 1998)".
Estes acordos de dupla tributação, em que dois Estados soberanos negoceiam formas destinadas a evitar que, um mesmo facto tributário pertencente ao mesmo sujeito passivo e no mesmo período de tempo, seja tributado em duas ou mais jurisdições, implicam uma derrogação bilateral de soberania, norteada pela regra da reciprocidade.
Parafraseando José Casalta Nabais (em Estudos de Direito Fiscal, Vol. 1, Almedina), “os acordos de dupla tributação são uma limitação do poder tributário de cada Estado, que mantém o essencial das suas competências em matéria fiscal. Tudo se baseia em cedências mútuas de dois Estados em matérias que dizem respeito principalmente à soberania quanto à legislação fiscal (...) os ADT têm uma eficácia negativa, uma vez que prevalecem sobre a lei interna, e operam uma derrogação parcial desta em certas zonas. Assim, as normas dos ADT remetem para as normas do Direito Fiscal interno, resolvendo os conflitos entre ordenamentos (como pode suceder, por exemplo, quando cada um dos dois ordenamentos considera o mesmo sujeito passivo nele residente...)”.
Para tanto e, desde logo, cumpre interpretar a noção de residente, à luz da Convenção supra referida, a qual não se identifica com a noção de residente que nos é dada pelo nosso direito interno (artigo 16.° do CIRS).
Sobre esta questão, debruçou-se o STA (vide os acórdãos de 08/07/2009 (Proc. n.° 382/09) e de 25/03/2009 (Proc. 68/09)) para cuja fundamentação brilhante e exaustiva se remete, transcrevendo-se por elucidativas as seguintes passagens:
O conceito de residência (fiscal) para efeitos de direito interno será plenamente aplicável nas situações que apenas apresentem conexão com a ordem jurídica nacional ou nas situações em que, havendo embora conexão com outra ordem Jurídica, não há vinculação por via convencional do Estado Português com o Estado com o qual essa conexão se verifica. Não é esse o caso da Alemanha, como se sabe, que celebrou com Portugal Convenção contra a Dupla Tributação. Assim, nas relações entre Portugal e a Alemanha em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre o capital é o conceito convencional de residência que deve prevalecer, por via da supremacia do direito internacional sobre o direito interno ordinário (artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa; Cfr. JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, p. 104).
Embora os conceitos de residência (fiscal) para efeitos convencionais e para efeitos fiscais internos não se confundam, a CDT Portugal/Alemanha, seguindo o Modelo de Convenção da OCDE (art. 4.º, n.° 1 do MCOCDE), remete a definição do conceito convencional de residência para a legislação interna dos Estados contratantes. Esta remissão, não significa contudo, como esclarece a melhor doutrina (cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, 2.ª ed, Coimbra, Almedina, 2007, p. 291), uma remissão incondicional.
Desde logo, pressupõe que a análise da questão da residência seja feita individualmente, pessoa a pessoa, abstraindo da situação familiar do sujeito em causa. Escreve a propósito ALBERTO XAVIER, op. cit., nota 61 a pp. 291, que «A análise da residência deve ser feita pessoa por pessoa, ainda que casadas, pelo que é frequente a existência de «casais mistos», sendo um dos membros considerado residente num país e o outro, noutro. (...). As Convenções sobrepõem-se portanto aos regimes internos que eventualmente consagrem, por ficção, a «residência» por «dependência» de uma pessoa no país de residência de qualquer dos outros membros do agregado familiar».
No mesmo sentido, Maria Margarida Cordeiro Mesquita, “As Convenções sobre Dupla Tributação”, Lisboa, 1998, p. 85, onde se lê: «Relativamente às pessoas singulares, o teste da residência é efectuado contribuinte a contribuinte, independentemente da sua situação conjugal. O conceito convencional de residência sobrepõe-se aos regimes internos que, como o português, consagram a “residência por dependência” de uma pessoa no país da residência de outro membro do seu agregado familiar - cfr. Código do IRS, artigo 16.°, n.° 2».”
Nos presentes autos […] ficou demonstrado que o impugnante residiu necessariamente na Alemanha, mais de 193 dias nos anos respeitantes às liquidações impugnadas, país onde exercia diariamente a sua actividade como trabalhador por conta de outrem.
Por outro lado, a qualidade de residente em Portugal que a Fazenda Pública imputa ao ora impugnante assenta apenas no facto da mulher deste aqui residir.
Contudo, considerando-se, de acordo com o conceito de residência estabelecido pela Convenção, que a análise da qualidade de residente tem de ser feita individualmente, a residência em Portugal da mulher do impugnante é indiferente para efeitos de determinação da residência fiscal convencional deste.
A este respeito, consta ainda da fundamentação dos acórdãos do Supremo (supra ids.), o seguinte: “os critérios atendíveis para efeitos da CDT Portugal - Alemanha para determinar a qualidade de residente convencional do impugnante têm de ser similares aos elencados no n.° 1 do artigo 4.° da CDT Portugal-Alemanha (domicílio, residência, local de direcção), ou seja, têm de ser critérios que exprimam uma ligação efectiva ao território do Estado, não sendo atendível, para efeitos convencionais, um mero critério de “residência por dependência” como o constante do artigo 16.º n.° 2 do CIRS, por não exprimir por si mesmo qualquer conexão efectiva e real da maior parte das suas actividades económicas ao território português”.
Ora, da análise do probatório dos presentes autos, resulta que, o ora impugnante é tributado na Alemanha pelos seus rendimentos do trabalho, não apenas porque na Alemanha obtém rendimentos do trabalho dependente (competência do Estado da fonte), mas porque aí tem residência habitual (competência do Estado da residência), sendo essa informação confirmada no relatório de inspecção, pelas informações recolhidas no âmbito do processo de assistência mútua administrativa entre a Administração Fiscal portuguesa e as autoridades fiscais alemãs.
2.3 No caso sub judicio, diz a recorrente Fazenda Pública, além do mais, e de forma impressionista, que «o sacrifício da deslocação para o estrangeiro, mais ou menos prolongada, visa obter lá os meios que permitam ter uma vida melhor cá. Só não seria exactamente assim se todo o agregado, ou pelo menos as pessoas a quem incumbe a sua direcção, tivesse emigrado» [cf. sua conclusão 11.].
Mas, ao que julgamos, a razão está com o Ministério Público e a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, que cita, ao advogar mormente que:
- «o conceito de residência por dependência, invocado pela Recorrente e acolhido no n.° 2 do artigo 16.° do CIRS, não pode sobrepor-se ao conceito convencional de residência, pelo que a residência em Portugal do cônjuge do sujeito passivo é indiferente para a determinação da residência fiscal deste. A qualidade de residente para efeitos da Convenção tem de ser aferida por critérios que “exprimam uma ligação efectiva ao território do Estado, não sendo atendíveis para efeitos convencionais um mero critério de «residência por dependência» como o constante do artigo 16., n.° 2 do CIRS, por não exprimir por si mesmo qualquer conexão efectiva e real da maior parte das suas actividades económicas ao território português.”».
Na verdade, o impugnante, ora recorrido, trabalhou, durante 196 dias do ano de 1997 e durante 365 do ano de 1998, ao abrigo de um contrato de trabalho celebrado com uma empresa com sede em Berlim; e, pela sua prestação de trabalho, recebeu, em 1997, 30.206 marcos, a que correspondem Esc. 3.096.417$00, e, em 1998, 57.513 marcos, a que correspondem Esc. 5.895.658$00, tendo preenchido e entregue nos Serviços Fiscais da República da Alemanha (Repartição de Finanças de Reinichendorf) as declarações de rendimentos relativas aos anos fiscais de 1997 e 1998, donde constam as respectivas retenções e recebeu as respectivas notas de liquidação (bescheid); e, em Portugal, pelo casal constituído pelo impugnante e sua mulher, não foram declarados esses rendimentos auferidos na Alemanha - cf. o probatório.
E, assim, o contribuinte marido residiu, com carácter de permanência, na Alemanha pelo tempo correspondente aos períodos a que respeitam os rendimentos em causa, percebidos por virtude do trabalho prestado nesse país.
Podendo, embora, considerar-se como residente em ambos os Estados (Portugal, e Alemanha), o impugnante, ora recorrido, por esse tempo a que corresponde o rendimento em causa, teve residência efectiva na Alemanha, necessariamente por força da realização ou o cumprimento efectivo do contrato de trabalho que nesse país satisfez.
Como assim, e aderindo por inteiro à tese da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo apontada pelo Ministério Público neste Tribunal, estamos por este modo a concluir que, conformemente ao que considerou a sentença recorrida, e bem neste caso, «o sujeito passivo deve considerar-se residente […] em território alemão, para efeitos da aplicação da Convenção para evitar a Dupla Tributação, que foi celebrada entre Portugal e a República Federal da Alemanha, em matéria de impostos sobre o rendimento, aprovada para ratificação pela Lei n.° 12/82, de 3 de Junho».
E, então, de todo o exposto, podemos extrair, entre outras, as seguintes conclusões (as quais, de resto, foram já expressas nos supracitados arestos desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo).
A remissão para a legislação fiscal interna dos Estados contratantes constante do artigo 4.º, n.º 1, da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre o capital obriga a que a análise da questão da residência seja feita individualmente, pessoa a pessoa, exigindo-se uma ligação efectiva do sujeito contribuinte ao território do Estado que arrecada o tributo (como, por exemplo, o continuado e efectivo cumprimento de um contrato de trabalho nesse território, por via do qual o contribuinte percebe o seu único rendimento).
3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Sem custas (por delas no caso haver isenção da Fazenda Pública).
Lisboa, 8 de Setembro de 2010. – Jorge Lino (relator) – Valente Torrão – Isabel Marques da Silva.