Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0268/20.6BEFUN
Data do Acordão:04/28/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO
FUNDAMENTAÇÃO POR REMISSÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - Quanto à decisão prevista no art. 63.º-B da L.G.T. não há aplicar o direito de audiência prévia tal como previsto no art. 60.º da L.G.T. e a jurisprudência do S.T.A. tem considerado.
II - Se o visado pela mesma prestou declarações em processo de averiguações não se viola o direito de participação previsto nos arts. 267.º n.º 5 da C.R.P. e 12.º do C.P.A., nem o Estado de direito democrático a que se refere o art. 3.º da C.R.P..
III - E se a dita decisão vem a ser proferida por “concordo” e “autorizo”, relativamente a proposta, com pareceres concordantes, das quais constam os motivos concretos da falta de veracidade no declarado ao fisco, nos termos do art. 63.º, n.ºs 1 b) – disposição que é expressamente referida – e 4, da L.G.T., e em que se circunscreveu o período temporal a que se refere, anos de 2017 a 2019, foi respeitada a fundamentação, nos termos do art. 77.º n.º 1 da L.G.T., e o princípio da legalidade por que se rege genericamente a atividade administrativa (art. 266.º n.º 2 da C.R.P.).
Nº Convencional:JSTA000P27588
Nº do Documento:SA2202104280268/20
Data de Entrada:03/30/2021
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT-RAM
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I. Relatório

I.1. A…………, com os sinais dos autos, vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, exarada em 06/02/2021, que julgou totalmente improcedente a decisão de derrogação do sigilo bancário, mantendo na ordem jurídica a decisão da Diretora Regional da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (AT-RAM), datada de 12 de novembro de 2020, que autorizou o acesso às suas informações e documentos bancários, com referência aos exercícios de 2017 a 2019.

I.2. Formulou alegações que rematou com as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida que, julgou improcedente o recurso apresentado pelo recorrente sobre a decisão proferida pela Senhora Directora Regional da AT-RAM, que autorizou a derrogação do seu sigilo bancário.

2. Apesar ser considerado pela maioria da jurisprudência inexigível que o contribuinte seja ouvido nos termos definidos no art. 60º da LGT previamente à decisão de derrogação do sigilo fiscal, não deixa de ser necessário assegurar de alguma forma ou conceder ao mesmo uma oportunidade de participação antes da decisão, pressupondo-se que lhe seja permitida a sua pronúncia esclarecida sobre as questões em causa e quanto às consequências;

3. O recorrente apenas foi notificado para: “(…) comparecer na Autoridade Tributária da RAM (…) a fim de prestar esclarecimentos”, tendo como assunto “Pedido de esclarecimentos - Artigos 59.º e 63.º da LGT e artigos 28.º e 48.º do RCPITA”;

4. A notificação não fez qualquer referência a que assunto é que se pretendiam os esclarecimentos em causa, nem faz qualquer menção ao mecanismo que veio posteriormente a desencadear;

5. As questões colocadas pela AT-RAM nessa diligência, para além de vagas e genéricas, não permitiam o esclarecimento das demais questões que posteriormente levantaram na informação que precedeu a autorização de derrogação do sigilo fiscal, consubstanciando-se essa decisão a uma verdadeira decisão surpresa;

6. Ainda que se se entenda não ser exigível a audição prévia do recorrente nos moldes previstos no artigo 60º da LGT, nem por isso deixa de ser exigível, nos termos do art. 267º da CRP, que seja assegurado ao contribuinte uma participação efectiva na formação das decisões que lhe respeitem, que deve ser minimamente informada e esclarecida, o que in casu não ocorreu;

7. Impondo-se, deste modo concluir, que a decisão de derrogação do sigilo bancário violou o disposto no art. 267º da CRP, e bem assim a douta sentença, por entender neste segmento, não ser assacável qualquer vício quanto à mesma;

8. E não resulta da informação em causa que antecedeu a decisão de derrogação, qualquer documentação alusiva à alienação das 21 viaturas referidas que comprove o concluído pela AT-RAM, as respectivas matrículas, ou tão pouco as datas em que as mesmas teriam sido alienadas;

9. Nem tão pouco resulta do auto de declarações do recorrente ter sido, em momento algum, confrontado com essa questão;

10. A informação em causa nem cuidou de validar ou confirmar a informação veiculada à Senhora Directora da AT-RAM, pelo que não poderia comprovar ou concordar com uma informação prestada pelos serviços, à míngua de um único elemento probatório;

11. A falta de fundamentação da informação em causa, torna-se clara quando se se verifica que a mesma não incluiu nenhum de todo o acervo documental apenas junto pela AT-RAM aquando da apresentação do articulado de oposição;

12. Não fazendo constar da informação as matrículas das viaturas em causa e as respectivas datas em que as mesmas foram alienadas;

13. Ou tão pouco todas as demais informações quanto aos rendimentos do recorrente e às relações inter-contribuintes e que foram objecto de invocação na oposição, mas já não na informação elaborada;

14. Ou sequer resulta da mesma a individualização e/ou a concretização, ainda que sintética, das declarações prestadas pelo recorrente no âmbito do processo de embargos de executado com o n.º 6331/17.3T8FNC-A, do Juízo de Execução do Funchal – J1, do Tribunal da Comarca da Madeira e que a AT-RAM entendia revelar uma fuga ao fisco, e que apenas o veio a fazer posteriormente em sede judicial no âmbito do articulado de oposição;

15. O requerente não foi confrontado com nenhuma dessas questões, nem resulta sequer que as mesmas foram objecto de qualquer ponderação, referência ou concretização na aludida informação, apenas tendo tido conhecimento aquando a notificação do mencionado articulado;

16. E não se pode considerar que a decisão de derrogação do sigilo bancário foi devidamente fundamentada, quando a AT-RAM estava na posse de todos estes elementos que em sede judicial invocou para a sua defesa, mas é totalmente omissa quanto aos mesmos na informação que precedeu a decisão da Senhora Directora de autorizar a impugnada derrogação do sigilo;

17. Ou que a Senhora Directora tomou uma decisão ponderada e informada, quando nenhum dos referidos elementos apenas em sede judicial é que foram colocadas ao crivo do tribunal, não tendo as mesmas sido objecto de consideração pela emissora da autorização;

18. Sendo que também aqui, e por coincidência de argumentos, também não se pode concluir que foi assegurado ao recorrente uma efectiva participação no procedimento, quando apenas teve conhecimento de vários desses elementos apenas em sede judicial, não sendo admissíveis quaisquer novos articulados;

19. Bem como pelo facto de até na informação elaborada pelos Senhores Inspectores da AT-RAM, resultarem considerações e conclusões quanto a factos pelos quais não foi confrontado ou questionado;

20. Do que resulta, uma vez mais, a violação do art. 267º da CRP, que estabelece a obrigatoriedade de assegurar ao contribuinte uma participação efectiva na formação das decisões que lhe respeitem;

21. O que o articulado de oposição acaba por revelar, é que a decisão de derrogação do sigilo bancário do recorrente não foi devidamente fundamentada, porquanto foram omitidos diversos elementos sobre os quais a Senhora Directora não poderia considerar, apreciar, ou secundar, por omissos;

22. Corolário dessa conclusão é o facto do tribunal a quo ter-se escudado nesses elementos que apenas em sede judicial foram invocados e/ou juntos, para fundamentar a sentença proferida;

23. Devendo, como tal, a decisão em causa ser revogada, e substituída por outra que determine a anulação do acto;

24. O tribunal a quo considerou igualmente improcedente o vício invocado pelo recorrente na decisão impugnada, no que tange à violação do n.º 4 do art. 63º-B, que determina a obrigatoriedade de fundamentação da decisão de derrogação do sigilo com expressa menção dos motivos concretos que a justificam, no sentido de que a fundamentação adoptada pelo decisor não pode consistir na mera declaração de concordância com os fundamentos dos anteriores pareceres;

25. Entendendo que, a par da maioria da jurisprudência, essa fundamentação pode ser remissiva;

26. O despacho proferido pela Senhora Directora da AT-RAM que autorizou a derrogação do sigilo limitou-se a referir o seguinte: “Concordo. Autorizado.”;

27. O despacho em causa não refere quais os fundamentos em concreto é que manifesta a sua concordância, nem opera qualquer remissão para os mesmos, limitando-se a referir que concorda;

28. Não refere qual é a informação, parecer ou projecto de decisão que concorda ou em concreto, em que termos das mesmas;

29. Nada diz quais os condicionalismos verificados e que legitimam a derrogação do direito constitucionalmente protegido do recorrente;

30. Nada refere quanto à forma, modo ou por quem é que os actos a praticar no âmbito da derrogação podem ser praticados;

31. Apesar de a jurisprudência validar a possibilidade de remissão para os fundamentos expressos em relatórios ou pareceres, é entendimento do recorrente que a decisão de autorização não pode bastar-se com um mero “Concordo”;

32. A interpretação conferida pelo tribunal a quo, no sentido em que a expressão “Concordo. Autorizado.”, é bastante e suficiente para considerar-se como fundamentada a decisão de derrogação do sigilo fiscal do recorrente, é inconstitucional por violação do disposto no n.º 3 da CRP;

33. E não pode a mesma ter-se por cumprir os requisitos mínimos preconizados e reputados por suficientes pela jurisprudência, até porque abstém-se de fazer qualquer referência aos termos concretos da concordância;

34. Devendo, como tal, ser anulada a decisão que a autorizou.
Nestes termos, e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência, anulada a decisão proferida pela AT-RAM, que autorizou a derrogação do sigilo bancário do recorrente, face à verificação dos vícios invocados que afectam a validade e eficácia do acto impugnado.
Fazendo-se assim sã e serena justiça.”

I.3. A recorrida Representante da Fazenda Pública apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:
“A. Nos presentes autos o Recorrente veio, ao abrigo do disposto no art.º 146.º-B do CPPT, interpor recurso do despacho proferido em 12/11/2020 pela Senhora Diretora da AT-RAM, exarado na informação dos Serviços de Inspeção Tributária n.º 3/20 SS de 11/11/2020, no âmbito do procedimento aberto por despacho n.º DI201900174, que autorizou o acesso às informações e documentos bancários do Recorrente, com referência aos anos de 2017 a 2019, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 63.º-B da LGT, por se terem verificado indícios de falta de veracidade do declarado.
B. O presente recurso vem interposto pelo Recorrente da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou o seu recurso judicial totalmente improcedente e, em consequência, determinou a manutenção do ato recorrido na ordem jurídica.
C. Sucede que o Recorrente veio agora suscitar questões novas que não foram submetidas ao Tribunal recorrido, as quais não podem ser apreciadas e conhecidas no âmbito do presente recurso (cf. O recentíssimo acórdão do STA de 17/02/2021, proc. n.º 0597/09.0BECBR, e acórdão TCAS de 20/02/2020, proc. n.º 726/19.5BELRA, disponíveis em www.dgsi.pt). Com efeito:
ii) Dos artigos 6.º a 10.º petição inicial (P.I.) resulta apenas a arguição da falta de notificação para o exercício do direito de audição prévia antes da decisão final, não tendo sido sindicada a violação do princípio da participação em todo o procedimento de derrogação do sigilo bancário (agora invocada nas conclusões 2. a 7. e 18. a 20. do recurso).
iii) Nos artigos 11.º a 18.º da sua P.I. o Recorrente apenas arguiu o vício de falta de fundamentação por violação do n.º 4 do art.º 63.º-B da LGT, defendendo a impossibilidade de fundamentação da decisão de afastamento do sigilo bancário por mera remissão, sem nunca ter invocado a omissão dos elementos referidos nos pontos 8 a 34 das suas conclusões de recurso.
D. Mas ainda que pudessem ser conhecidas as questões suscitadas pelo Recorrente no presente recurso, o que não se concede, as mesmas sempre estariam votadas ao insucesso, devendo ser julgadas totalmente improcedentes.
E. Ao contrário do alegado pelo Recorrente, este participou efetivamente no procedimento antes de ser proferida a decisão de derrogação de sigilo bancário, em cumprimento do art.º 267.º, n.º 5 da CRP, conforme resulta dos pontos 10. a 13. do probatório, estando o Recorrente bem ciente do assunto pelo qual foi convocado pela AT-RAM para prestar esclarecimentos (no seguimento de ter reconhecido em Tribunal que fugia ao fisco – cfr. os pontos 5. a 9. do probatório), tendo sido confrontado com todas as questões relevantes para a decisão (as quais não logrou esclarecer), devendo, por isso, improceder as conclusões 2. a 7. e 18. a 20. do seu recurso.
F. A Diretora Regional da AT-RAM decidiu levantar sigilo bancário nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT, mediante uma declaração de concordância com os fundamentos constantes da informação dos Serviços de Inspeção Tributária n.º 3/20 SS de 11/11/2020 e dos pareceres do Chefe de Equipa e do Diretor de Serviços de Inspeção Tributária na mesma exarados (cf. Doc. 5 da Oposição), cujo teor consta do ponto 14. do probatório e aqui se dá por integralmente reproduzido.
G. Ora, ao ter sido lavrado na própria Informação dos Serviços de Inspeção Tributária, na qual foram também apostos os pareceres do Chefe de Equipa e do Diretor de Serviços de Inspeção Tributária, não há dúvidas que o despacho da Diretora da AT-RAM aderiu na íntegra aos respetivos fundamentos, os quais fazem parte integrante da decisão (cf. a jurisprudência indicada na nota de rodapé n.º 2).
H. Da motivação da decisão resultou suficientemente demonstrada a necessidade de acesso a informações/documentos bancários do Recorrente, pois do confronto do depoimento por este prestado no Proc. n.º 6331/17.3T8FNC-A, com as declarações deste no procedimento inspetivo e outros elementos ao dispor da AT, verificaram-se indícios de falta de veracidade do declarado pelo sujeito passivo.
I. Com efeito, a ação inspetiva foi desencadeada na sequência da remessa à AT do depoimento prestado pelo próprio Recorrente no 6331/17.3T8FNC-A (transcrito em 6. do probatório), no qual este assumiu auferir rendimentos de venda automóvel, entre outros (por exemplo, a título de antecipação de dividendos) não declarados ao fisco.
J. No âmbito do procedimento inspetivo recolheram-se indícios dessas omissões declarativas que resultaram do facto do Recorrente apenas ter declarado rendimentos de trabalho dependente, mas ter vendido 21 viaturas entre 2017 e 2019 e ser sócio de duas sociedades, sem ter junto o anexo B às respetivas declarações de rendimentos e sem estar enquadrado em qualquer atividade empresarial ou profissional, o que foi expressamente referido na motivação da decisão (transcrita em 14. Do probatório).
K. Atento o contexto em que foi praticado e as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, o ato administrativo em causa encontra-se suficientemente fundamentado, ao abrigo do art.º 63º-B n.º 1, alínea b), n.º 4 da LGT e art.º 77.º da LGT, não ocorrendo qualquer preterição de formalidade essencial também neste aspeto, nem inconstitucionalidade por violação do art.º 268.º, n.º 3 da CRP, devendo, por isso, improceder as conclusões 8. a 34. do recurso.
L. Por fim, ainda que o ato padecesse dos vícios de forma que lhe vêm imputados pelo Recorrente, o que apenas se concebe por mera hipótese de raciocínio sem conceder, atentos os princípios do aproveitamento do ato e da inoperância dos vícios, atualmente consagrados no art.º 163.º, n.º 5 do CPA, aplicável ex vi do art.º 2.º, alínea c) da LGT e 2.º, alínea d) do CPPT, nunca se justificaria a sua anulação por os pretensos vícios em causa não interferirem com o conteúdo da decisão administrativa, que o Recorrente aceitou.
M. Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao presente recurso e confirmada a sentença recorrida.
Termos em que o presente recurso deverá ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.”

I.4. O recurso foi admitido com efeito devolutivo e, remetidos os autos ao STA, a exm.ª magistrada do Ministério Público teve vista dos mesmos, emitindo parecer em que concluiu que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida com fundamento na apreciação que a seguir se reproduz:
“1. A questão essencial consiste em saber se, nos termos do art.º 63.º-B, n.º 1, al. b), da LGT, está dispensada a audição prévia do sujeito passivo.
Paralelamente, o recorrente colocou uma outra questão sobre a fundamentação do acto administrativo imputado à AT, que consiste em saber se a expressão “Concordo. Autorizado." aposta sobre uma informação justificativa e de suporte à decisão administrativa é bastante e suficiente para se considerar fundamentada a decisão, no caso a de derrogação do sigilo bancário.
Desde já, se adianta que bem andou o TAFFUN, cuja decisão não merece censura.
Efectivamente, sobre ambas as questões existe jurisprudência abundante, uniforme e reiterada, deste STA.
Efectivamente, sobre a questão da dispensa da audiência prévia vale por todos, o ainda recente Ac. do STA, de 20-04-2020, proferido no Proc. n.º 01071/19.1BELRA, da Secção de Contencioso Tributário, em www.dgsi.pt que, citando o acórdão do Pleno da Secção, de 14-05-2015, proferido no Proc. n.º 0262/15, também, referido na sentença recorrida, se pronunciou sobre questão idêntica, nos seguintes termos sumários:
O sujeito passivo que tiver sido chamado a participar no procedimento de derrogação do sigilo bancário decretado a coberto do n.º 1 do artigo 63.º-B, da Lei Geral Tributária, na redacção posterior à entrada em vigor da Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, não tem que ser ouvido, novamente, antes da decisão final respectiva”.
E, sobre a questão da fundamentação do acto administrativo de derrogação do sigilo bancário, a que se refere o art.º 63.º–B, n.º 4, da LGT, o Ac. do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, deste STA, citado na sentença recorrida – Ac. de 28-04-2010, proferido no Proc. n.º 0897/09, é claríssimo sobre a solução daquela questão específica, pelo que, nada há a censurar à sentença recorrida.
Assim, sem necessidade de maiores considerações, verificando-se que em termos substanciais o caso sob apreciação não difere do julgado nos termos daqueles arestos referenciados e não havendo razões para alterar o entendimento jurisprudencial aí proferido, tanto basta para fundamentar o não provimento do recurso jurisdicional sob apreciação, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.”
I.5. Sendo de delimitar o objecto do recurso de acordo com as conclusões apresentadas pelo recorrente, nos termos dos arts. 635.º, n.º 3, e 639.º do C.P.C., é o mesmo relativo ao decidido na sentença recorrida quanto à decisão de derrogação do sigilo bancário, quer quanto ao direito de audição prévia e ao direito de participação, quer quanto ao vício imputado pelo recorrente à fundamentação.
Com efeito, por um lado, é posto em causa, a respeito do direito de audição prévia, o entendimento tido quanto à não aplicação do art. 60.º da L.G.T., bem como ter sido violado o direito de participação a que se refere o art. 267.º da C.R.P..
Por outro lado, é posto em causa o decidido quanto à dita decisão de derrogação do sigilo bancário se encontrar devidamente fundamentada, nos termos do art. 63.º-B, n.º 4, da L.G.T., que o recorrente defende não ter ocorrido de forma expressa, bem como ainda se a interpretação e aplicação efetuada desta última norma é inconstitucional por violação do art. 3.º da C.R.P..
Das referidas questões de inconstitucionalidade tem de se conhecer, mesmo se suscitadas apenas em sede de recurso, de acordo com o entendimento há muito firmado a respeito do art. 204.º da C.R.P., em que se prevê que os Tribunais não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou princípios nela consignados – cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 225/95 e Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, Coimbra Ed., 2001, pág. 192-194.
I.7. Tratando-se de processo urgente, nos termos do art. 146.º-D do C.P.P.T., cumpre apreciar e decidir em conferência.

II. Fundamentação.
II.1. A sentença recorrida reputou como relevante a seguinte matéria de facto:
1. Por “Acordo de Pagamento” datado de 22 de novembro de 2014, B………… reconheceu-se devedora ao ora Recorrente, A…………, e a C…………, da importância de € 32.200,00 – cfr. acordo de pagamento constante do doc. n.º 02 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. Em 30 de novembro de 2017, o Recorrente, A…………, e C………… apresentaram requerimento executivo contra a apontada B…………, por incumprimento do acordo mencionada no ponto anterior, restando em dívida € 24.000,00, em capital, e € 3.890,05 a título de juros de mora vencidos e taxa de justiça – cfr. doc. n.º 02 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. Por apenso à execução instaurada em razão do requerimento mencionado no ponto antecedente, a executada B………… deduziu embargos de executado – cfr. relatório da sentença junta como doc. n.º 03 da petição inicial.

4. Os referidos embargos de executado foram autuados no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo de Execução do Funchal, Juiz 1, sob o n.º 6331/17.3T8FNC-A – cfr. sentença junta como doc. n.º 03 da petição inicial.

5. Foi realizada audiência de julgamento no âmbito do processo n.º 6331/17.3T8FNC-A, onde o ora Recorrente prestou depoimento de parte – cfr. sentença junta como doc. n.º 03 da petição inicial e suporte magnético da audiência de julgamento efetuada naqueles autos junto pelo Recorrente por requerimento de 02 de dezembro de 2020 (cfr. fls. 23 do suporte físico dos autos).

6. Do depoimento de parte do Recorrente mencionado no ponto anterior resultou o seguinte:
Minutos 2:47 a 12:55 do primeiro ficheiro áudio relativo ao depoimento do ora Recorrente
Juiz: E como é que chegaram ao valor [do montante de empréstimo concedido a B…………]?
Recorrente: Como é que cheguei ao valor?
Juiz: Sim, porque é que era um empréstimo de, cinco mil, dez mil, cem mil…
Recorrente: Se ela precisava desse… daquele valor…
Juiz: Foi a D. B………… que disse eu preciso de «x» pode-me emprestar…
Recorrente: Eu não emprestei o dinheiro todo de uma vez, emprestei em duas vezes, por isso.
[…]
Juiz: Emprestou primeiro, quanto é que lhe emprestou da primeira vez?
Recorrente: Emprestei-lhe quinze mil euros, a primeira vez, e dezassete mil da segunda.
Juiz: Consegue situar no tempo estes quinze mil, quando é que lhe emprestou?
Recorrente: Em finais de 2012, os quinze, e depois em 2013, para meio do ano mais ou menos, mais coisa menos coisa por aí. Juiz: E este dinheiro como é que foi parar às mãos da D. B…………? Foi por cheque, em dinheiro vivo…
Recorrente: Não, dei em dinheiro.
Juiz: Tanto dinheiro assim em dinheiro vivo? Onde é que o senhor foi buscar este dinheiro, foi levantar no Banco?
Recorrente: Não, eu, portanto, o meu pai tinha um apartamento no Porto Santo que estava em meu nome e no nome da minha irmã, e esse dinheiro foi para mim e para a minha irmã porque o meu pai a partir de 2011, portanto teve uma doença grave de que veio a falecer, mais tarde em 2014, e portanto na altura ele também já precisou de algum dinheiro e eu, tivemos, vimo-nos obrigados a vender o apartamento, mas claro que aquele dinheiro era meu e a minha irmã, parte ele usou e o resto fiquei eu com o dinheiro e a minha irmã.
Juiz: Esse dinheiro veio da venda do apartamento, quem comprou também vos pagou em dinheiro ao vosso pai?
Recorrente: […] sim, parte foi em dinheiro e parte por transferência bancária.
Juiz: E lembra-se quanto esse comprador lhe pagou em dinheiro?
Recorrente: Não lhe posso precisar valores, já não me lembro.
Juiz: Estamos a falar de uma venda em que ano?
Recorrente: Uma venda em 2010, 2011, por aí.
Juiz: 2011... e não se recorda de quanto é que lhe deram em dinheiro? A si e à sua irmã?
Recorrente: Não sei dizer Sr. Juiz, posso-lhe dizer um valor aproximado… toda a gente… toda a gente não, vendemos o apartamento por um valor e recebemos um valor à parte, prontos, foi isso.
Juiz: Ou seja, não declaram às finanças.
Recorrente: Sim, nalguma parte, exato…
Juiz: O Sr. sabe que eu tenho a obrigação legal de participar às Finanças quando tenho conhecimento da prática de um crime ou pelo menos de um ilícito contraordenacional?
Recorrente: Não posso fazer mais nada, eu vim para falar a verdade, portanto estou a falar a verdade, se eu merecer este castigo vou ter de assumir esse castigo…
Juiz: Portanto, se o Sr. emprestou € 32.000,00 em dinheiro vivo à D. B…………, terão recebido, pelo menos, € 64.000,00 em dinheiro vivo.
Recorrente: Não, não recebi esse valor.
Juiz: Não? Então como explica ter € 32.000,00, se me diz que o dinheiro que emprestou à D. B………… adveio dessa venda.
Recorrente: Não lhe posso dizer que é assim… eu tenho um stand de automóveis, tenho lubrificações, lavagens… tenho um restaurante… é normal que algum do dinheiro não viesse só daí. Eu tenho guardado mais algum dinheiro, não só proveniente da venda do apartamento. A maior parte do dinheiro foi dessa venda, foi desse apartamento.
Juiz: Mas quando eu fiz a pergunta não a balizei, eu nunca perguntei de onde veio a maior parte do dinheiro. Acho que a pergunta foi clara. Disse de onde veio, se em dinheiro vivo ou se tinha ido levantar ao banco. Foi o Sr. que me respondeu, sem acrescentar mais nada que tinha advindo do apartamento. Afinal não foi do apartamento, foi também de outros lados…
Recorrente: Peço desculpa, se não foi preciso na minha maneira de falar. Não foi de todo a minha intenção. Mas não lhe posso dizer que foi só dali. Sei que existe…
Juiz: E dos outros lados, do restaurante, da oficina, das lavagens, também é dinheiro não declarado ao Fisco? É por isso que é dinheiro vivo?
Recorrente: Se eu dissesse… se houvesse algum empresário na Ilha da Madeira que declare tudo ao Fisco, esse homem não vive. Não consegue viver, pois vai dar todo o dinheiro ao Fisco.
Juiz: Pois, se nós pensamos assim não é…
Recorrente: […] Nós trabalhamos com algum dinheiro vivo, alguns pagamentos. É normal que exista algum dinheiro em caixa, quando existe este volume de negócios […].
Minutos 01:06:13 a 01:06:27 do primeiro ficheiro áudio relativo ao depoimento do ora Recorrente
Juiz: Não tem dúvidas que parte do dinheiro que entregou à D. B………… não foi só do imóvel de Porto Santo, também era dinheiro da empresa?
Recorrente: Sr. Dr. Juiz, o que quero dizer é que é normal, eu vendo uns carrinhos, é normal que fique sempre qualquer coisa. Num carro podemos ter qualquer coisa de margem. E é esse dinheiro que também guardamos.
[…]
Minutos 16:55 a 18:18 do segundo ficheiro áudio relativo ao depoimento do ora Recorrente
Mandatário: Olhe, quanto a uma questão que lhe foi aqui colocada quanto à parte do dinheiro que foi entregue à Sra. B………… que viria da empresa […] esclareceu que esse dinheiro, dinheiro que recebia da empresa, que era utilizado em pagamento dos funcionários ou prestadores de serviços ou para outras despesas que a empresa pudesse ter. A pergunta que eu faço é: não havendo essas despesas o dinheiro ia para quem?
Recorrente: Como assim? Desculpe.
Mandatário: O dinheiro que recebiam da empresa, […] daí adveio parte do dinheiro entregue à Sra. B…………. Esclareceu o Tribunal que esse dinheiro que recebeu da empresa era utilizado em despesas que, por vezes, a empresa necessitava, um trabalhador ou alguma… A pergunta que eu faço é: imaginemos que a empresa não precisava de nada, esse dinheiro para onde é que ia? Esse dinheiro não era distribuído entre os sócios?
Recorrente: Claro.
Mandatário: É uma antecipação de dividendos. Portanto, era canalizado em primeira mão para as necessidades da empresa, mas o que sobrasse era distribuído, deduzo eu. Estou correto a fazer esta afirmação?
Recorrente: Sim senhor – cfr. suporte magnético da audiência de julgamento efetuada no proc. n.º 6331/17.3T8FNC-A junto pelo Recorrente por requerimento de 02 de dezembro de 2020 (cfr. fls. 23 do suporte físico dos autos).

7. Por sentença de 06 de dezembro de 2019, foram os referidos embargos de executado julgados parcialmente procedentes e determinado que:

“Com cópia do registo áudio do depoimento do executado A…………, no qual reconhece proceder à fuga ao Fisco, oficie os serviços da A.T. para efeitos de instauração de processo de averiguação de matéria de fraude fiscal” – cfr. doc. n.º 03 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8. Por ofício de 09 de dezembro de 2019, com a referência 47984883, do Juízo de Execução do Funchal – J1, do Tribunal da Comarca da Madeira, subscrito pelo respetivo juiz de direito, foi remetido à AT-RAM “cópia do depoimento de A…………, no qual reconhece proceder à fuga ao Fisco, para efeitos de instauração de processo de averiguação de matéria de fraude fiscal – cfr. doc. n.º 01 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

9. A 19 de dezembro de 2019, os Serviços de Inspeção da AT-RAM emitiram o despacho n.º DI201900174, tendente à consulta, recolha e cruzamento de elementos do ora Recorrente nos anos de 2017, 2018 e 2019 – cfr. doc. n.º 02 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

10. No dia 13 de outubro de 2020, foi expedido por carta registada com aviso de receção (registo CTT RH 6250 0178 5 PT) no âmbito do despacho n.º DI201900174, ofício n.º 7.157, dirigido ao Recorrente, com o assunto “Pedido de Esclarecimentos”, no qual se solicitava a comparência do mesmo “na Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da RAM, sita à Rua 31 de Janeiro, n.º 29, 9054-533 Funchal, no dia 30 de outubro do corrente ano, pelas 11:00, a fim de prestar esclarecimentos” – cfr. doc. n.º 03 junto com a oposição.

11. O aviso postal referente ao registo CTT RH 6250 0178 5 PT foi assinado em 14 de outubro de 2020 – cfr. comprovativos postais constantes do doc. n.º 03 junto com a oposição.

12. O Recorrente prestou declarações perante a Inspetora Tributária D…………, na presença da Inspetora Tributária E………… e do mandatário do mesmo, Dr. F…………, no dia 02 de novembro de 2020 – cfr. auto de declarações junto como do doc. n.º 04 da oposição.

13. Na sequência da prestação de declarações referida no ponto antecedente, foi lavrado “Auto de Declarações”, assinado por todos os presentes, nos termos do qual se consignou o seguinte:
“Eu, D…………, Inspetora Tributária, em serviço na Direção de Serviços de Inspeção Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, encontrando-me no exercício das minhas funções, no dia 2020-11-02, pelas 11:00 horas, ouvi em declarações o sujeito passivo A………… com o NIF ………, […], inquirido sobre o reconhecimento da fuga ao Fisco no âmbito do Processo 6331/17.3T8FNC-A, afirmou o seguinte:
1. Profissão: Vendedor automóvel
2. Possui residência própria? Sim
3. Que rendimentos possui? Trabalho dependente
4. Que património possui (veículos, embarcações, imóveis, etc)? 1 viatura
5. Detém empresas? Teve um bar e atualmente possui um stand automóvel
6. Especifique a «fuga ao Fisco» reconhecida perante o tribunal: Não respondeu
7. Exerce em nome individual atividade de venda de veículos automóveis usados? Não
8. Exerce outra atividade não declarada? Não
E mais não declarou.
[…]” – cfr. doc. n.º 04 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

14. No dia 11 de novembro de 2020, os Serviços de Inspeção Tributária da AT-RAM prestaram informação n.º 3/20 SS, com o assunto “Pedido de Derrogação do Sigilo Bancário ao Sujeito Passivo A…………, NIF ………”, que apresenta o seguinte teor:

I. INTRODUÇÃO
O Tribunal Judicial da Comarca da Madeira – Juízo de Execução do Funchal – Juiz 1, remeteu à AT-RAM em 2019-12-09, com entrada confidencial 70 de 2019-12-11 cópia do depoimento de A…………, NIF ………, no âmbito do Processo de Embargos de Executado (2013) n.º 6331/17.3T8FNC-A, no qual reconhece proceder à fuga ao Fisco.
Pretende-se a investigação das contas bancárias, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária.
II. PARECER
1) O sujeito passivo declarou rendimentos de trabalho dependente desde 2015, inclusive, como se segue:


[Imagem, que se dá por reproduzida]

2) Detém as seguintes relações inter-contribuintes:
[Imagem, que se dá por reproduzida]

3) Não está/esteve enquadrado em qualquer atividade empresarial ou profissional.
4) Alienou 21 viaturas nos anos de 2017, 2018 e 2019 e não juntou o anexo B às correspondentes declarações de rendimentos, ou seja, não declarou qualquer rendimento empresarial ou profissional.
5) Inquiriu-se o sujeito passivo em auto de declarações em 2020-11-02, pelas 11:00, tendo o mesmo afirmado que:
a) Aufere rendimentos do trabalho dependente, atualmente oriundos da profissão de vendedor automóvel.
b) Teve participação num bar e atualmente possui um stand automóvel.
c) Não exerce em nome individual atividade de venda de veículos automóveis usados ou qualquer outra atividade não declarada.
d) Questionado sobre a «fuga ao Fisco» reconhecida perante o tribunal, nada respondeu.
6) Perante o exposto, e de forma a controlar-se os rendimentos efetivamente auferidos, consideram-se reunidos os pressupostos da alínea b) do n.º 1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT) – quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado – para que a Administração Fiscal possa aceder a informações e documentos bancários que permitam apurar a realidade tributária da situação em causa para os anos de 2017 a 2019.
III. CONCLUSÃO
Assim sendo, propõe-se que seja solicitada junto de Sua Exa. a Senhora Diretora Regional da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da RAM, a derrogação do dever de sigilo bancário ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, para os anos de 2017, 2018 e 2019.
À consideração superior” – cfr. doc. n.º 5 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

15. Sobre a informação referida no ponto antecedente recaíram pareceres de concordância do Chefe de Equipa e do Diretor de Serviços da Inspeção Tributária da AT-RAM, datados, respetivamente, de 11 e 12 de novembro de 2020 – cfr. doc. n.º 5 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

16. Por sua vez, por despacho de 12 de novembro de 2020, a Diretora Regional da AT-RAM deu a sua concordância à informação e posteriores pareceres referidos nos pontos 14. e 15. que antecedem nos seguintes termos:

“Concordo. Autorizado.” – cfr. doc. n.º 5 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

17. A 16 de novembro de 2020, foi expedido por carta registada com aviso de receção (registo postal CTT RH 3564 1044 1 PT) ofício n.º 8.031, dirigido ao Recorrente, tendente à respetiva notificação da decisão de autorização de acesso às suas informações e documentos bancários, com referência aos anos de 2017 a 2019, “ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, Artigo 63.º-B, da Lei Geral Tributária (LGT), dado se verificar indícios da falta da veracidade do declarado” – cfr. doc. n.º 6 junto com a oposição e doc. n.º 1 junto com a petição inicial.

18. O aviso postal referente ao registo CTT RH 3564 1044 1 PT foi assinado em 17 de novembro de 2020 – cfr. comprovativos postais constantes do doc. n.º 06 junto com a oposição.

19. O presente recurso da decisão de derrogação do sigilo bancário foi apresentado em 27 de novembro de 2020 – cfr. 01 e ss. dos autos (suporte digital).
Mais se provou que:

20. De acordo com a base cadastral da Autoridade Tributária, o Recorrente não está enquadrado em qualquer atividade empresarial ou profissional – cfr. doc. n.º 7 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

21. Entre o ano de 2015 e 2019, o Recorrente declarou em sede de IRS rendimentos de trabalho dependente provenientes das sociedades “G…………, Lda.”, NIPC ………, “H…………, Lda.”, NIPC ………, e “I…………, Lda.”, NIPC ……… – cfr. docs. n.ºs 8 a 18 juntos com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
22. A sociedade “G…………, Lda.”, mencionada no ponto anterior, encontra-se registada com o CAE principal n.º 10711 (panificação) e com o CAE secundário n.º 056302 (bares), desde 19 de setembro de 2013 – cfr. doc. n.º 19 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

23. Já a sociedade “H…………, Lda.” encontra-se registada com o CAE principal n.º 10711 (panificação), desde 02 de janeiro de 2008 – cfr. doc. n.º 20 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

24. Por sua vez, a sociedade “I…………, Lda.” encontra-se registada com o CAE principal n.º 56104 (restaurantes típicos), desde 09 de setembro de 2015 – cfr. doc. n.º 21 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

25. O Recorrente é sócio da aduzida “I…………, Lda.”, desde 09 de julho de 2015, data de constituição daquela sociedade – cfr. docs. n.ºs 22 e 24 juntos com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

26. De igual forma, o Recorrente é sócio da “J…………, Lda.”, desde 10 de setembro de 2019, data de constituição daquela sociedade – cfr. docs. n.ºs 22 e 23 juntos com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

27. A “J…………, Lda.” encontra-se registada com o CAE n.º 045200 (manutenção e reparação de veículos) e CAE 045110 (comércio de veículos automóveis) – cfr. doc. n.º 25 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

28. Da base cadastral da Autoridade Tributária, o Recorrente consta como “herdeiro” de “L………… – Cabeça de Casal da Herança de” – cfr. doc. n.º 22 junto com a oposição.

29. Da base cadastral da Autoridade Tributária resulta também que o ora Recorrente transmitiu a propriedade dos seguintes veículos:
- Veículo com a matrícula ………, em 16 de agosto de 2019;
- Veículo com a matrícula ………, em 14 de maio de 2018;
- Veículo com a matrícula ………, em 26 de setembro de 2018;
- Veículo com a matrícula ………, em 17 de julho de 2018;
- Veículo com a matrícula ………, em 24 de abril de 2017;
- Veículo com a matrícula ………, em 05 de julho de 2018;
- Veículo com a matrícula ………, em 14 de janeiro de 2019;
- Veículo com a matrícula ………, em 12 de junho de 2017;
- Veículo com a matrícula ………, em 24 de novembro de 2018;
- Veículo com a matrícula ………, em 12 de janeiro de 2017;
- Veículo com a matrícula ………, em 16 de junho de 2017;
- Veículo com a matrícula ………, em 29 de maio de 2019;
- Veículo com a matrícula ………, em 15 de janeiro de 2019;
- Veículo com a matrícula ………, em 09 de julho de 2018;
- Veículo com a matrícula ………, em 24 de outubro de 2018;
- Veículo com a matrícula ………, em 24 de setembro de 2018;
- Veículo com a matrícula ………, em 19 de janeiro de 2017;
- Veículo com a matrícula ………, em 16 de fevereiro de 2017;
- Veículo com a matrícula ………, em 21 de janeiro de 2019;
- Veículo com a matrícula ………, em 18 de junho de 2019;
- Veículo com a matrícula ………, em 05 de dezembro de 2019 – cfr. docs. n.ºs 26 a 29 juntos com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

Não foram dados como provados quaisquer outros factos.


II.2. De direito.
Da aplicação do direito de audição prévia previsto no art. 60.º da L.G.T., bem como se com o entendimento tido foi violado o direito de participação a que se refere o art. 267.º da C.R.P.:
Sobre a 1.ª questão ora em análise vai seguir-se o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário (S.C.T.) do S.T.A. de 14-5-2015, no proc. 0262/15, acessível em www.dgsi.pt, que tem sido reiterado por outros acórdãos posteriores da S.C.T. do S.T.A. como o proferido a 20-04-2020, no proc. n.º 01071/19.1BELRA, disponível na mesma base de dados.
Assim, e de acordo com o mesmo, tratando-se a decisão da A. T., de acesso a informações e documentos bancários prevista no art. 63.º-B da L.G.T. de um procedimento especial, não há aplicar o direito de audiência prévia tal como previsto no art. 60.º da L.G.T..
Tal o que foi considerado na sentença recorrida que analisou corretamente as alterações introduzidas ao art. 63.-B da L.G.T..
Com efeito, com a introdução deste dispositivo pela Lei n.º 30-G/2000, de 29/12, desde logo refletido no anterior art. 63.º, n.º3, que se refere à inspeção tributária, alterou-se o paradigma durante muito tempo vigente, segundo o qual neste procedimento os factos e elementos do cliente com as instituições de crédito e sociedades financeiras estavam sujeitos às regras gerais do segredo bancário, tal como previsto na versão inicial do art. 79.º do Dec.-Lei n.º 298/92, de 31/12.
Ou seja, o fornecimento daqueles elementos só era possível, mediante salvo autorização do cliente, nos termos do seu n.º 1, ou no domínio das atribuições daquelas entidades perante as autoridades de supervisão ou ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores, ou ainda à autoridade judiciária no âmbito de um processo penal.
O art. 63.º-B da L.G.T. que se refere ao acesso a informações e documentos bancários por parte da A.T. veio a integrar previsão especial, conforme, aliás, previsto no referido art. 79.º do Dec.-Lei n.º 298/92, e foi posteriormente alterado pela Lei n.º 55-B/2004, de 30/12, em cujo n.º 1 se previu expressamente que o dito acesso deixava de ficar dependente de consentimento do titular dos elementos protegidos.
A audiência prévia, inicialmente prevista nesse art. 63.º-B n.º 3 veio também a ser eliminada pela Lei n.º 94/2009, de 1/9, que, aliás, aditou ao referido art. 79.º do Dec.-Lei n.º 298/92, a alínea e) a incluir a A.T. entre as entidades sujeitas a exceção do referido segredo bancário.
Assim, resulta afastado pelo legislador a necessidade de proceder a audiência prévia, pela qual se concretiza o princípio de participação previsto no art. 60.º da L.G.T., nos termos do seu n.º 1, a menos que a lei preveja o contrário – e vários casos de dispensa são desde logo referidos no seu n.º 2 -, nada impunha que se tivesse de proceder a comunicação nos termos pretendidos pelo recorrente.
Por outro lado, o ora recorrente, prestou declarações sobre a fuga ao fisco em causa, conforme comunicado pelo Tribunal Judicial da Comarca da Madeira sobre a situação que deu origem em sede de processo de averiguações, nada adiantando quanto à fuga ao fisco em causa.
E tal como se assinalava já no referido acórdão do Pleno e a doutrina entende sem grandes divergências, o direito de participação não se trata de um direito absoluto, ou fundamental de defesa, mas tão só de pronúncia – cfr., mais recentemente neste mesmo sentido, também Joaquim Feitas da Rocha, em Lições de Procedimento e Processo Tributário, 7.ª ed. Almedina, 2019, pág. 62.
Entendemos, assim, que não resulta violado o direito de participação a que se refere o art. 267.º da C.R.P., em cujo n.º 5 se remete, aliás, para lei especial que admite especialidades e mesmo exceções ao exercício de tal direito.
Parafraseando o acórdão n.º 499/2009 do Tribunal Constitucional, proferido no processo n.º 669/08, consultável em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, reproduzido no acórdão do Pleno inicialmente referido, o art. 267.º n.º 5 da C.R.P. “não vincula a um modo necessário e único de organização do procedimento administrativo para assegurar a participação dos administrados, não impondo que, em todos os tipos de procedimento administrativo, o princípio geral da participação dos interessados seja maximizado com a consagração de uma audiência formal”.
E o legislador ordinário, a quem foi cometida a regulamentação do princípio constitucional de participação do interessado na formação da decisão, também não o entendeu como necessário, quer no referido artigo 60.º n.º 2 da L.G.T., bem como ainda noutros casos, como no art. 100.º, n.º 3 do atual C.P.A., em que se prevêem várias situações em que não se realiza tal participação.
Relembrando ainda o discurso do acórdão do Pleno que vimos seguindo que adota o entendimento há muito do Pleno da Secção Administrativa do STA – assim, no acórdão de 31-3-2004, no proc. 35338/94 - “o direito de audiência é um princípio estruturante do processamento da actividade administrativa, porque constitui manifestação do princípio do contraditório e dimensão qualificada do princípio da participação, pelo que só nos casos em que essa audiência prévia (fase procedimental) não tenha sido eliminada ou admitida a sua dispensa, o seu não cumprimento, se constitui violação de uma formalidade essencial determinante da ilegalidade do próprio ato final, atenta a interdependência e conexão sequencial entre os diversos actos procedimentais.”
A respeito desse direito que constava do art. 8.º do anterior C.P.A. como princípio de participação e passou a constar em termos semelhantes no art. 12.º do atual C.P.A., Fausto Quadros que presidiu à sua Comissão de Revisão do anterior diploma, também nada refere quanto a se ter inovado quanto à sua densificação – cfr., “As principais inovações do Projeto do Código do Procedimento Administrativo”, Cadernos da Justiça Administrativa n.º 100, pág. 128 e segs..
Não se vêem, assim, razões para acolher o invocado pelo recorrente quanto a verificar-se com o entendimento tido inconstitucionalidade relativa ao direito de participação, pelo que não anulamos a decisão proferida, conforme pelo mesmo peticionado no que se refere às questões em epígrafe.

Quanto à fundamentação da decisão de derrogação do sigilo bancário, nos termos do art. 63.º-B, n.º 4, da L.G.T., bem como ainda se a interpretação e aplicação efetuada desta norma ser inconstitucional por violação do art. 3.º da C.R.P.:
O recorrente sustenta ainda pedido de anulação da decisão da sr.ª Diretora da AT-RAM ter esta ter sido proferida apenas por “concordo” e “autorizo”.
Tal decisão foi entendida na sentença proferida relativamente a proposta e pareceres concordantes prestados, conforme consta dos pontos 14 e 15 da matéria de facto e fls. dos autos que se deram por reproduzidas.
Os termos utilizados na dita decisão, ainda que sintéticos, permitiam a um destinatário normal percecionar os indícios apurados pela A. T., relacionados com a omissão de declaração de rendimentos, nomeadamente, de origem societária, conforme concretizado na referida proposta em que se manifesta pretender controlá-los, mediante acesso a elementos e documentos, bancários, circunscrevendo a derrogação de sigilo bancário aos anos de 2017 a 2019, e por referência à alínea b) do n.º 1 do dito art. 63.º-B, da L.G.T..
Nos termos do dito art. 63.º-B, n.º 4, da L.G.T., a decisão da A. T. de aceder a todas as informações ou documentos do titular dos elementos protegidos, a que se referem os anteriores n.ºs 1 e 2, “devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam”.
Se é certo que chegaram a ser proferidos acórdãos pelo S.T.A. no sentido invocado pelo recorrente, entendimento contrário foi firmado pelo acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A., proferido a 28-4-2010 no proc. 0897/09, acessível em www.dgsi.pt, que pôs termo à divergência, fixando que a decisão do tipo ora em causa pode ser remissiva, tal como genericamente previsto no art. 77.º, n.º1 da L.G.T..
Parafraseamos, mais uma vez, o discurso desse acórdão do Pleno: “Nem se vê diferença, em termos de ponderação pessoal, entre a fundamentação remissiva e a escrita pelo próprio punho do Director, ainda que, em matéria que se reconhece de melindre, pois que em termos do direito fundamental à intimidade da vida privada consagrado no art. 26, n.º 1 da Constituição – cfr. os acórdãos do Tribunal Constitucional de 31/05/1995, in Colectânea, 31º Vol., págs 371 e seguintes, e do STA de 13/10/2004, rec. 950/04 e de 19/04/2006, rec. 277/06”.
Assim sendo de considerar, não se vê razão no invocado pelo recorrente quanto ao vício referente à fundamentação.
O recorrente defende ainda que ser tal entendimento inconstitucional por violação do art. 3.º da C.R.P..
Num Estado de Direito Democrático a que se refere o art. 3.º da C.R.P., a actividade administrativa está genericamente sujeito ao princípio da legalidade (art. 266.º,n.º 2 da C.R.P.).
E o invocado dispositivo constitucional não é violado se na referida decisão, proferida pela referida forma remissiva, se fizeram constar os motivos concretos, nos termos do art. 63.º, n.ºs 1 b) e 4 da L.G.T..
Não se anula, consequentemente, a decisão proferida também quanto às questões ora em epígrafe.
III. Decisão:
Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente-art. 527.º n.º 1 do C.P.C..
Lisboa, 28 de abril de 2021. - Paulo José Rodrigues Antunes (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – José Gomes Correia.